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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.72 São Paulo  2006

 

ARTIGO ESPECIAL

 

A qualidade da educação no Brasil: um problema de metodologia?

 

The quality of the education in Brazil: a problem of methodology?

 

 

Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini

Psicopedagoga Clínica. Profª Mestre da Universidade de São Paulo - UNIP - Curso de Pedagogia; Profª Mestre da Universidade São Marcos - UNIMARCO - Curso Lato Senso de Psicopedagogia

Correspondência

 

 


RESUMO

Esse artigo tem o intuito de colocar em discussão algumas questões sobre a Educação no atual contexto educacional, sociopolítico, histórico e econômico, quando impera a globalização no cenário mundial. Como decorrência, observamos uma tendência internacional de mundialização do capital e da reestruturação da economia, o que vem impondo uma nova compreensão frente ao conceito de qualidade na educação. Nesse sentido, discutiremos, nesse artigo, a proposta que o Ministério da Educação encaminhou aos educadores sobre a revisão do processo de alfabetização e estabelecer uma relação quanto à qualidade da educação no Brasil, por meio de uma profunda reflexão.

Unitermos: Educação. Políticas educacionais.


SUMMARY

This article has the intention of putting in discussion some subjects about the Education in the current educational context, social-political, historical and economical, when globalization governs the world scenery. As consequence, we observe a worldwide tendency of the capital and of the restructuring of the economy, the one that comes imposing a new understanding front to the quality concept in the education. In that sense we will discuss in this article the proposal that the Ministry of Education forwarded to the educators on the revision of the literacy process and to establish a relationship concerning the quality of the education in Brazil through a deep reflection.

Key Words: Education. Educational policies.


 

 

"Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da 'justa ira' dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas." (Paulo Freire, 2002)1

Ao escrevermos esse artigo, o pensamento acendeu a palavra e a indignação frente às políticas educacionais que regem as crianças e os homens de nosso país. Assim sendo, Paulo Freire vem juntamente conosco nesse discurso sobre alfabetização, letramento, ou seja, sobre a educação enquanto processo de humanização e libertação dos homens:

"Em linguagem direta: os homens humanizam-se, trabalhando juntos para fazer do mundo, sempre mais, a mediação de consciências que se coexistenciam em liberdade. Aos que constroem junto o mundo humano compete assumirem a responsabilidade de dar-lhe direção. Dizer a sua palavra equivale a assumir conscientemente, como trabalhador, a função de sujeito de sua história, em colaboração com os demais trabalhadores - o povo"1.

Enquanto professores e educadores, nossa palavra se faz de fundamental importância perante os novos rumos que se pretende frente à Educação, especialmente, quanto ao ensino fundamental, no que se refere à Alfabetização. Esse pronunciamento se faz oportuno no atual momento, quando o Ministério da Educação pretende revisar o processo de alfabetização para as primeiras séries do Ensino Fundamental, em virtude do preparo das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para as séries iniciais do ensino fundamental, que passa a ser, a partir de então, de nove anos.

Nesse sentido, o senhor Ministro da Educação solicita à Secretaria de Educação Básica a discussão com os educadores a respeito do método de alfabetização. Consideramos, dessa forma, apresentar trecho da fala do senhor Ministro da Educação:

"Na oportunidade em que estamos mudando a estrutura e o padrão de financiamento da educação [com a aprovação do Fundef], entendemos que seria interessante iniciar um debate sobre alfabetização, tendo em vista os altos índices de repetência na primeira série do ensino fundamental. O ministério não está tomando partido de nenhuma corrente, mas, se o mundo inteiro fez esse debate, achamos que é preciso fazê-lo no Brasil", disse"2.

Temos hoje em vigor as Diretrizes Curriculares que são encaminhadas a todos os professores do país por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, elaborados na gestão anterior. Os PCNs apresentam uma linha de ação para todas as disciplinas de estudo dentro de uma abordagem sociointeracionista, construtivista. Os referenciais não sugerem método, mas, sim, uma concepção, um posicionamento da ação pedagógica frente aos alunos e aos conteúdos a serem desenvolvidos. O método e a estratégia competem ao professor desenvolver para que a aprendizagem aconteça.

Contudo, o que gera a discussão proposta pelo ministério são "os altos índices de repetência na primeira série do Ensino Fundamental". Essa afirmação nos leva à seguinte observação - perguntamos a que "repetência" o Ministério se refere se o sistema é o da Progressão Continuada, onde não há séries nem reprovação e, sim, ciclos. Não será esse um dos dispositivos que colaborou para a falência de nossa Educação, fundamentalmente, a básica?

O texto diz que "(...) o ministério não está tomando partido de nenhuma corrente", provavelmente referindo-se à corrente socioconstrutivista, e sugerindo uma contraposição a ele, talvez, uma referência ao método fônico de alfabetização? Lembramos que a ênfase no ensino, na codificação e na decodificação, a fim de que a criança aprenda associar letras e fonemas para desenvolver sua capacidade de ler e escrever, tem sido usada em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos. O método fônico, como o próprio nome aponta, está voltado para o ensino dos fonemas, dos sons que as letras apresentam em relação à sua grafia. Alfabetizar, dentro dessa proposta, é ter a competência de identificar as letras do alfabeto e associá-las aos fonemas, às sílabas e às palavras. Lembramos, ainda, que Construtivismo não é método. O texto também faz referência à seguinte discussão: "o mundo inteiro fez esse debate, achamos que é preciso fazê-lo no Brasil também". Outro aspecto importante que precisamos salientar é o de que precisamos discutir nossos problemas com a Educação, simplesmente porque outros países (desenvolvidos) estão discutindo o melhor método. Será que não estamos numa fase anterior a essa, quando são tantos nossos problemas com a Educação e que geram o alto índice de analfabetismo? Nesse contexto, discutir método, apenas, parece-nos superficial.

Será que estamos sendo influenciados ao implante de métodos que outros países desenvolvidos, como França, Inglaterra e Estados Unidos da América, desenvolveram em seu contexto sociopoliticoeconômico? Será que estamos submetidos a um jogo de poder das políticas educacionais internas (e externas)? Será que estamos nos deixando submeter às políticas educacionais dos países desenvolvidos que sempre implantaram seus costumes nas terras conquistadas? Por exemplo, os Estados Unidos da América que proibiram o uso do Método Global e que não financiam programas que descartem o Método Fônico.

A atual política educacional do Banco Mundial1 traz em suas concepções políticas, segundo Souza (2005), três eixos articuladores: 1 - a educação como serviço; 2 - a educação portadora de uma racionalidade econômica e 3 - professor entendido na dimensão instrumental.

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) nasceram de convênios firmados na Conferência de Bretton Woods, em 1944, e influenciaram, decisivamente, as mudanças ocorridas na economia internacional após a Segunda Guerra Mundial. Sem dúvida, deram visibilidade à hegemonia dos EUA no bloco dos países capitalistas centrais e, desde então, não têm modificado substantivamente suas orientações oficiais, respondendo sempre aos interesses do sistema financeiro e aos do governo dos Estados Unidos (Lichtensztejn & Baer, 1986).

No contexto das mudanças sociais e políticas, nas últimas décadas, a concepção de educação defendida pelo Banco Mundial, educação como produtividade, compreende a educação como instrução e desenvolvimento de habilidades e conhecimentos que permitam aos estudantes o ingresso ou sua permanência no mercado de trabalho.

A ênfase, nessa concepção, é a de que o processo educacional é acumulação de capital humano. Cada estudante é compreendido com capacidade de produção potencial e o desenvolvimento desta potencialidade exige o esforço dos professores e das famílias. A educação, ao promover a produtividade dos indivíduos, seria um dos fatores mais importantes para elevar o produto social e, conseqüentemente, reduzir a pobreza (Souza, 2005, p. 115).

Será que a solução de todo o sofrimento educacional a que o povo está submetido está no Método? Implantar um Método como o Método Fônico exclusivamente para sanar o problema do analfabetismo é o caminho mais viável?

Para Freire1, a alfabetização não é mero jogo de palavras. Ela representa a consciência reflexiva de cultura, o que leva o homem à reconstrução crítica do mundo humano, para que se possa construir um projeto histórico de um mundo comum e a coragem de cada um poder dizer sua palavra e ter voz.

"A alfabetização, portanto, é toda a pedagogia e ação: aprender a ler é aprender a dizer sua palavra. E a palavra humana imita a palavra divina: criadora. A palavra é entendida, aqui, como palavra e ação; não é o termo que assinala arbitrariamente um pensamento que, por sua vez, discorre separado da existência. É significação produzida pela práxis, palavra cuja discursividade flui da historicidade - palavra viva e dinâmica, não categoria inerte, ixânime. Palavra que diz e transforma o mundo. A palavra viva é diálogo existencial. Expressa e elabora o mundo, em comunicação e colaboração"1.

Há um grande equívoco em todo o país sobre a questão do Método de Alfabetização. Equívoco criado pelos próprios representantes da educação em acordo com as diferentes políticas governamentais pelas quais passamos. Referimo-nos à palavra equívoco no sentido de induzir alguém a um engano; a algo que dá lugar a várias interpretações; que dá margem à suspeita.

Todo esse processo teve seu início quando o Construtivismo "desabou na cabeça dos professores" (fazendo-os desmoronar, pôr abaixo sua prática, abater-se), por volta das décadas de 70/80. Nesse período, os docentes da rede pública receberam a orientação de trabalhar dentro de uma nova proposta: O Construtivismo.

Em primeiro lugar, precisamos esclarecer o que é Construtivismo. Jean Piaget (1896 - 1980), suíço, biólogo, foi um importante pesquisador e deixou grandes contribuições acerca do desenvolvimento da inteligência humana. Piaget preferiu ser classificado como um epistemólogo genético. A epistemologia genética é a ciência que explica como o conhecimento é adquirido.

Sua pesquisa trouxe a possibilidade de se compreender como a criança pensa desde seus primeiros anos de vida. O fato de termos acesso a essa compreensão, com certeza, seria um facilitador para o campo da Pedagogia, ou seja, os professores e os educadores, conhecendo os processos de desenvolvimento da inteligência, desde a infância, teriam subsídios teóricos para desenvolverem os conteúdos de suas disciplinas de forma adequada ao desenvolvimento psicológico da criança, isso em todas as disciplinas de estudo. De fato, essa foi uma grande contribuição no sentido do professor conhecer os estágios de desenvolvimento e elaborar os conteúdos de suas disciplinas de forma adequada a esse conhecimento.

Piaget, por meio de sua pesquisa, observou que as crianças constroem conhecimento; entendeu o conhecimento como adaptação e como construção individual e pensou a aprendizagem e o desenvolvimento como auto-regulados. Ponto esse de convergência com os estudos de Vygotsky. Ambos apresentaram o desenvolvimento/aprendizagem da criança como um processo ativo, que não ocorre de maneira automática. Podemos afirmar que Piaget interessava-se por pesquisar como o conhecimento é construído e sua teoria é uma teoria da construção que ocorre na mente do indivíduo (Wadsworth, 1997).

Desde que nasce, então, a criança inicia seu trabalho de conhecer o mundo e esse conhecimento vai sendo construído à medida que se relaciona com os objetos do seu contexto. É fundamental que o professor leia e estude as pesquisas de Piaget, de Vygotsky, de Wallon e outros pesquisadores, para compreender como se desenvolvem os processos da construção do conhecimento (o que não vamos tratar aqui).

A palavra construção é essencial à teoria de Piaget, porque, por meio dela, sabemos que a criança, desde que nasce, busca conhecer o mundo que a rodeia, de acordo com suas possibilidades orgânica; física; cognitiva; afetiva; social e esse é um processo de ensaio e erro, de hipóteses que vai construindo para melhor se adaptar e viver criativamente o mundo. Dessa forma, a criança constrói conhecimento, porque faz parte do humano o desenvolvimento da inteligência.

Vale ressaltar que o trabalho de Piaget demorou a ganhar atenção nos Estados Unidos:

"A razão disto, além do fato de ser escrito em francês, estão amplamente relacionadas com a natureza da sua teoria e com a metodologia da pesquisa. Os conceitos que ele usou não foram, facilmente, aceitos na América; nem sua metodologia "experimental".

A psicologia, nos Estados Unidos, tinha uma forte tradição behaviorista. Teóricos como Thorndike, Tolman, Hull, Watson, Spence e Skinner dominavam o cenário, todos interessados na relação estímulo-resposta e no conceito de reforçamento. Os psicólogos americanos da escola behaviorista, tradicionalmente, não inferiam a existência dos processos mentais internos (de pensamento).

Assim, os conceitos piagetianos como assimilação eram totalmente estranhos à posição behaviorista. Piaget não defendia comportamento em termos de estímulo-resposta e ele não usava o construto do reforço. Alguns dos importantes conceitos piagetianos são esquemas, assimilação, acomodação e equilibração. Ainda, Piaget inferia a existência de processos mentais internos. Foi difícil para muitos psicólogos americanos virem a entender tais conceitos (Wadsworth, 1997, p. 9)."

Com certeza, a teoria de Piaget foi difícil de ser aceita nos Estados Unidos em vista dos aspectos que regem a cultura americana: prática, pragmática e que requer soluções rápidas para os seus problemas. Mesmo a psicanálise freudiana, ainda hoje, é pouco compreendida e aceita, por ser profunda e demandar um tempo maior para a elaboração dos problemas. Por isso, as teorias comportamentais (behaviorismo, por exemplo) e os métodos objetivos e práticos de ensino e terapêuticos serem aceitos sem maiores problemas. Dentre eles, está o método fônico; a programação neurolingüística - PNL (um tipo de terapia) e a farmacologia (o uso de remédios para resolver as doenças da alma e também os problemas com a aprendizagem).

Nós precisamos compreender nossa cultura, nossos valores, nossas concepções de homem, mundo, sociedade e cultura, a fim de que possamos construir nossas "pontes" para a resolução de nossos problemas. Importar métodos e estratégias, sejam de onde for, sem avaliá-los de acordo com nosso contexto é um grande risco social para todo o povo.

Já a teoria de Piaget nos traz algo inédito acerca do desenvolvimento da inteligência humana, que se amplia por meio da construção, da busca de conhecimentos, tal como a humanidade fez e faz ao longo dos anos, um processo filo-ontogenético. Construímos conhecimento a todo tempo e isso nos modifica culturalmente ao longo da vida. Esse processo não é método, não é técnica. É um dado importante acerca da compreensão do desenvolvimento humano que deveria ser um facilitador para o educador desenvolver suas estratégias didáticas frente ao seu grupo. Esse movimento é o que permite a autoria do professor, porque nesse sentido ele deverá observar o grupo, seu desenvolvimento para, então, criar estratégias e métodos de ensino de acordo com as necessidades apresentadas no contexto.

Nesse sentido, o professor é observador, é pesquisador. Tem autoria e autonomia para desenvolver estratégias didáticas que sejam condizentes com seu grupo. O professor também constrói conhecimento dentro dessa perspectiva: constrói um conhecimento sólido, fundamentado sobre seus alunos e quais estratégias desenvolver. Para viver esse movimento, o professor deve conhecer e estudar as teorias psicológicas aplicadas à Educação; as concepções teóricas sobre ensino-aprendizagem; os métodos e as estratégias para alfabetizar; compreender o paradigma em que está inserido; pensar sobre o contexto sócio-histórico-cultural-político, a fim de que possa ter uma compreensão ampla sobre o que é ser professor e fundamentar sua prática de forma consistente.

Cabe ao professor se preparar, estudar, para não fazer uma leitura equivocada e descontextualizada das teorias que se apresentam como salvadoras e, muitas vezes, impostas pelos especialistas da educação que não produziram uma discussão clara e profunda com os professores e com a sociedade frente às mudanças que impõem à Educação. O professor precisa ser ouvido e se pronunciar urgentemente sobre suas experiências e pensamentos e a melhor forma de ensinar.

O Construtivismo jamais poderia ser um método, como muitos apregoam. Construtivismo é uma proposta filosófica de como olhar e compreender o como a criança avança em seus conhecimentos. O "erro" nessa teoria serve para que o professor possa entender como o aluno levanta hipóteses sobre um determinado conhecimento, ou seja, todo aluno apresenta um conhecimento prévio que precisa ser acionado, para tornar-se significativo para ele, bem como para envolver-se diretamente como um sujeito ativo-interativo no processo de sua aprendizagem. Nesse sentido, o "erro" é para ser trabalhado, sim, confrontado com o que é chamado de "certo", para que o aluno possa compreender e construir o conteúdo adequado ao conhecimento.

Quantos equívocos essa teoria trouxe aos professores, aos pais e aos alunos, à Educação em geral, por falta de conhecimento teórico, por falta da leitura aprofundada das pesquisas, por falta de uma discussão adequada por parte de todos os envolvidos com a Educação: Educadores, Governantes e Sociedade.

O equívoco maior recaiu sobre o Ensino Fundamental, no período da Alfabetização da criança. Lembramo-nos de muitos professores assustados, sem saber o que fazer com a nova proposta que vinha encaminhada pelos órgãos superiores da educação: o Construtivismo. Muitos professores não preparados, sem conhecimento da teoria de Piaget e das contribuições que poderia representar na sala de aula, zeraram todo seu conhecimento e começaram a fazer algo que não compreendiam. Muitas vezes, os professores diziam: "Agora não poderemos mais corrigir os erros dos alunos!" Quanto equívoco! Quanto sofrimento!

Atualmente, estamos colhendo os frutos de tamanha confusão: crianças e jovens semi-analfabetos, professores desencantados e, para completar, o equívoco que se tornou a progressão continuada; salas numerosas; baixa remuneração; formação inadequada de profissionais; a divisão sociopolítica das escolas e universidades entre públicas e privadas; enfim, são muitos os problemas e a discussão se faz urgente. Falta um verdadeiro e competente diálogo entre os setores superiores da educação, os professores que necessitam ser ouvidos e a sociedade, contudo, qual o real interesse disso tudo?! Será o de manter o povo como um todo: pais, professores, alunos nesse marasmo que virou a Educação. Educar quem? Educar como? Educar para o quê?! Será que há real interesse em educar, em construir o letramento; o pensamento alfabetizado no país? Servimos a que interesses enquanto professores?! A quem todos esses equívocos interessam?!

Como se deu essa proposta: O Construtivismo na Alfabetização?

Mais um grande equívoco por parte de todos. Emília Ferreiro é psicóloga e pesquisadora argentina, seus trabalhos deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do Sistema da Escrita (1974). Se Piaget quis estudar a gênese do conhecimento, Emília Ferreiro, aluna de Piaget, quis estudar a gênese da escrita.

Tal como Piaget, Emília Ferreiro partiu para uma grande pesquisa entre as crianças, cujo intuito era o de compreender como iniciavam suas interações com a escrita e como a produziam. Emília Ferreiro apresentou, então, para o mundo sua grande contribuição, comprovou por meio de suas observações que a criança, muito antes de entrar na escola, desde cedo, apresenta hipóteses sobre o como se escreve e como se dá o desenrolar desse processo, à medida que se desenvolve.

Assim, sua teoria representou um grande avanço sobre as hipóteses de escrita da criança. A autora chegou, a partir de suas observações, a cinco hipóteses que a criança constrói, o que faz parte de seu desenvolvimento. Em momento algum, em sua teoria, disse estar organizando um método de alfabetização, a partir das hipóteses que levantou em seu trabalho. E mais uma vez, o equívoco se instaura: sua pesquisa é apregoada como método e de forma confusa entre os professores que não compreenderam como proceder no período de alfabetização da criança, por não conhecerem a teoria e não terem discutido mais profundamente suas teorias sobre o desenvolvimento humano (Piaget, Vygotsky, Wallon, entre tantos). No entanto, aquilo que foi o legado desses autores, um caminho, um norte para nossas discussões enquanto educadores, é ignorado. Nenhum dos autores citados tinha por intenção criar um método, uma técnica de alfabetização. O método compete ao professor. A partir de seus estudos e pesquisas, desenvolver estratégias adequadas para que o aluno aprenda com competência.

O professor foi esvaziado do movimento da autoria e do ato político que é educar; tornou-se um instrutor, um transmissor do conhecimento por meio de estratégias, técnicas e métodos prontos e acabados para suas aulas, não para o seu aluno, o sujeito do processo. Onde está, então, a autoria do professor, seu engajamento político e social, que lhe possibilite pensar métodos e estratégias, condizentes a uma práxis atuante e reflexiva de sua atuação como Educador que é? Que pensa em seus alunos e no país em que vivem, na sociedade e no povo? E no cenário mundial, quem somos nós, seremos apenas massa trabalhadora e consumidora a servir os países desenvolvidos e oportunistas dentro de nosso próprio país? Que se dá conta do caos social que estamos vivendo: merendas, bolsa escola, fome zero, até quando esse humanitarismo vai prevalecer em detrimento da humanização e da educação do povo. Falta autoria, reflexão, engajamento, transformação social para a liberdade de ser dignamente humano.

Em vista de nossa atual crise na Educação, parece-nos que discutir o método de alfabetização é ter uma visão reducionista dos problemas que enfrentamos, fundamentalmente, no que se refere à alfabetização.

Será, de fato, que o analfabetismo, a falta de letramento que está tomando conta do país é simplesmente uma questão de método?! Podemos pensar mais uma vez nos grandes equívocos em que estamos todos envolvidos. Nesse sentido, levantamos alguns dispositivos, um conjunto de meios planejadamente dispostos para um fim determinado: jogo de poder e saber. Os dispositivos relacionados têm como função gerar questionamentos sobre os rumos da Educação em nosso país e ampliar essa discussão, para que de fato os envolvidos no processo educacional possam ter voz.

Citamos aqui alguns dos dispositivos que impedem e comprometem a qualidade de nossa Educação:

  1. O equívoco das discussões sobre métodos de alfabetização;
  2. Classes numerosas;
  3. O equívoco da Progressão Continuada;
  4. A baixa remuneração dos profissionais da educação;
  5. O apartheid da educação: escola e universidade públicas e escolas e universidades privadas;
  6. Formação de professores: Ensino Superior; Graduação de Pedagogia e Licenciaturas;
  7. Falta de formação continuada para o professor;
  8. Péssimas condições de trabalho;
  9. Problemas sociais: a desestruturação familiar (as crianças abandonadas dentro de casa);
  10. A necessidade da mulher estar no mercado de trabalho, o que compromete a qualidade do acompanhamento escolar e social dos filhos;
  11. Crianças que precisam trabalhar;
  12. O império da farmacologia: o aluno que não aprende torna-se doente;
  13. A escola como fonte de assistencialismo;
  14. O discurso da mídia e da sociedade que desvaloriza a educação como possibilidade de transformação social;
  15. O ensino fundamental de nove anos: a infância reduzida; a antecipação da construção dos processos de leitura e escrita?

Para coroar, a falta de ética e de responsabilidade de nossos representantes.

Enfim, salas numerosas, falta de professores, péssimas condições de trabalho em vários aspectos, péssima remuneração, falta de formação adequada, progressão continuada e tantos outros problemas de ordem política nos fazem pensar que discutir apenas Método na atual conjuntura da Educação, em nosso país, é desviar a questão, desviar o olhar de algo extremamente grave que ocorre em nosso contexto: a desumanização do homem em prol do capital desenfreado.

Já que estamos na maré da globalização, dentro de uma ideologia neoliberal, pensar a escola não é pensar apenas o método, mas, sim, pensar no seu processo de reestruturação, para que possa formar cidadãos preparados e qualificados para um novo tempo:

  • formar indivíduos capazes de pensar e de aprender permanentemente (capacitação permanente) em um contexto de avanço das tecnologias de produção, de modificação da organização de trabalho, das relações contratuais capital-trabalho e dos tipos de emprego:
  • prover formação global que constitua um patamar para atender à necessidade de maior e melhor qualificação profissional, de preparação tecnológica e de desenvolvimento de atitudes e disposições para a vida numa sociedade técnico-informacional;
  • desenvolver conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício autônomo, consciente e crítico da cidadania;
  • formar cidadãos éticos e solidários3.

Como podemos avaliar, a questão é muito mais profunda e somente uma discussão e uma ação efetivas poderão nos ajudar a construir uma Educação mais humanizadora, que zele pelos princípios da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade.

De acordo com Gadotti (1999), "Somos muitos professores neste país. Preocupados com salários, com capacitação, com condições de trabalho, com a tarefa de ensinar. "Precisamos nos preocupar também com a construção de nossa sociedade, por meio de uma educação digna e humanizadora, que possa possibilitar uma vida melhor em todos os seus aspectos: saúde; segurança; trabalho; para nosso povo.

Para onde caminhamos?!

 

REFERÊNCIAS

1. Freire P. Pedagogia do oprimido. 33ª ed. São Paulo:Paz e Terra;2002.         [ Links ]

2. Góis A. Governo vai rever processo de alfabetização; debate opõe linha construtivista, predominante hoje no país, e o método fônico - MEC discute a volta do "vovô viu a uva". São Paulo: Folha de São Paulo, caderno Folha Cotidiano, pág. C 1;11 de fevereiro de 2006.         [ Links ]

3. Libâneo JC, Oliveira JF, Toschi MS. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 2ª ed. São Paulo: Cortez;2005.         [ Links ]

4. Azenha MG. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. 7ª ed. São Paulo:Ática;2002.         [ Links ]

5. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 10ª ed. São Paulo:Paz e Terra;1999.         [ Links ]

6. Ganzeli P. Gestores - Estudo, pensamento e criação - Livro II. Campinas:Universidade Estadual de Campinas;2005.         [ Links ]

7. Soares L. Com a palavra, o professor. São Paulo: Revista Veja, nº13, seção:Educação, 5 de abril de 2006.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Rossana Ap. V.M. Angelini
Av. Divino Salvador, 175 - apto. 51
04078-010 - E-mail: rossana.psicoped@uol.com.br
Fone: 5056-0568

Artigo recebido: 01/07/2006
Aprovado: 15/08/2006

 

 

Trabalho realizado na Universidade Paulista (UNIP), São Paulo, SP.
1 Genericamente, Banco Mundial é um conjunto de instituições lideradas pelo Banco Internacional de Reconstrução e de Desenvolvimento (AID); o Centro Internacional para Resoluções de Disputas sobre Investimentos (CIRDI); a Corporação Financeira Internacional (IFC) e a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA) (Soares, 1996; Lichtensztejn & Baer, 1986; Arruda, 1996).

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