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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.72 São Paulo  2006

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

A Psicopedagogia e as questões da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade

 

The Psychopedagogy and the aspects of the interdisciplinarity and transdisciplinarity

 

 

Maria Cecília Castro Gasparian

Psicopedagoga PUC-SP; Mestre em Educação: Currículo PUC-SP

Correspondência

 

 


RESUMO

Este texto tem por objetivo colocar em debate alguns dos pontos fundamentais para a Educação do início deste século, ou seja, a mudança do modelo científico clássico para um novo paradigma que, embora já despontado, ainda não se mostra totalmente socializado. Embora muito se tenha discutido e muitos educadores tenham mostrado grande interesse, seus conceitos, muitas vezes, estão sendo divulgados de uma forma distorcida e, por isso, mal compreendidos. Tanto a interdisciplinaridade quanto a transdisciplinaridade estão sofrendo um processo de vulgarização quando se pretende socializá-la e divulgá-la. Cabe à Psicopedagogia, como sendo um campo de conhecimento inter e transdisciplinar, o destino de implementar, divulgar e exercitar, de uma forma consistente, este novo olhar científico para que a Educação seja realmente transformadora e transformada e dê um salto de qualidade no processo de ensino. Este artigo pretende mostrar alguns dos fundamentos que norteiam essas duas abordagens e esclarecer alguns pontos importantes que a definem como novos pilares para uma Educação das gerações vindouras.

Unitermos: Educação. Conhecimento.


SUMMARY

The objective of this text is to debate some fundamental aspects for Education in the beginning of this century. The changeover of the scientific classical method to a new paradigm that has already been showing, but is not yet socialized. Although much has already been discussed and many educators have showed great interest in the subject, the concepts have, over many times, been disclosed through a distorted point of view and because of this have been misunderstood. Interdisciplinarity and Transdisciplinarity are undergoing a process of vulgarization by the socializing process they are suffering. It is a responsibility and a destiny of Psychopedagogy, as it is in the inter and transdisciplinary field, the process of implementing, disclosing and using in a consistent manner this new scientific view so that Education turns out to be both a transformer and transformed and also steps up in quality through the teaching process. This article intends to show some of the fundaments that guide these views and also explain some important aspects that define it as new foundation for an Education for future generations.

Key words: Education. Knowledge.


 

 

INTRODUÇÃO

"Se você quiser alcançar as suas maiores aspirações e superar os seus desafios, identifique e aplique o princípio ou lei natural que governa os resultados que você procura."

S. Covey

 

A Psicopedagogia e as questões da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade estão indissoluvelmente associadas, simplesmente pelo fato de que a Psicopedagogia tem a vocação de trabalhar nestas duas abordagens.

A Interdisciplinaridade e a Transdisciplinaridade são dois termos que vêm assumindo importância crescente, como parte de um amplo movimento de interesse e, com isso, de crítica que se trava, atualmente, ao paradigma científico moderno que até então nos alicerçava. Tanto a Interdisciplinaridade quanto a Transdisciplinaridade apontam para outras possibilidades de atuação como resposta aos limites do modelo atual, caracterizado pela simplificação, redução e fragmentação da realidade, que já não mais responde às perguntas dos pesquisadores e pensadores em Educação.

A Educação, por ser um campo de dimensões pública e coletiva, tradicionalmente, é considerada como multidisciplinar, mas muito tem a se beneficiar com as propostas de abordagem inter e transdisciplinar. Embora existam vários artigos e pesquisas neste campo, elas ainda são muito tímidas quando vistas da esfera teórico-prática, ressalto, porém, que existem algumas propostas que já se destacam por procurarem demonstrar a importância do emprego desses conceitos no campo educacional.

Neste texto, procuro descrever e interpretar a emergência e a constituição de um pensamento recente sobre inter e transdisciplinaridade, partilhado por um número grande de pesquisadores, dentre eles, Ivani Fazenda, Hilton Japiassu, Georges Gusdorf, Gaston Pineau, Maria Mello, Américo Somermman e outros. Todos esses pesquisadores, cada um a seu modo, procuram destacar em seus trabalhos a importância da Inter e da Transdisciplinaridade, nas suas trajetórias profissionais e intelectuais.

Eles nos dão um bom exemplo de como esses pensamentos recentes têm sido incorporados e desenvolvidos no campo da Educação, auxiliando-nos e imprimindo uma dinâmica e uma metodologia de pesquisa, abrindo, com isso, amplas possibilidades para uma prática pedagógica mais significativa, tanto para o professor quanto para o aluno.

Da tensão à intenção: disciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade. Calorosas discussões sobre o tema e suas variações

Do desejo da escolha à escolha do desejo

Atualmente, nos perguntamos por que é tão difícil trabalhar em Educação e com a Educação. A necessidade da vida contemporânea está nos obrigando a fazer uma constante revisão de nossos valores e princípios que regeram nossas vidas até então e o trabalho nesta área é um grande desafio, pois temos que desenvolver algumas capacidades, habilidades e competências que até então não "precisávamos".

Existem vários desafios que devemos superar para termos um trabalho que funcione efetivamente no cotidiano escolar e um dos desafios é a mudança de modelo de atuação pedagógica. É aí que surge a possibilidade da Interdisciplinaridade e da Transdisciplinaridade.

Uma das dificuldades que as pessoas têm com relação a essas duas abordagens é a de se transformar em um ser interdisciplinar e transdisciplinar. Como é normal, algumas pessoas sentem medo e insegurança, em adotar uma nova atitude pedagógica, pois temem seu futuro na escola, sentem-se vulneráveis, e isso as estimula a ter uma vida sem riscos e sem comprometimentos com seu trabalho. Essa condição leva a pessoa a tornar-se cada vez mais "independente", achando que com isso ela não se comprometeria com os outros.

O estabelecimento de um trabalho interdisciplinar e transdisciplinar provoca uma sobrecarga de trabalho como toda e qualquer ação a que não se está habituado a fazer. Há um certo medo de errar, de perder privilégios e direitos adquiridos. A orientação pelos enfoques interdisciplinar e transdisciplinar direcionada para a prática pedagógica implica em romper hábitos e acomodações; é ir em busca do novo e do desconhecido. Isso tudo, realmente, é um grande desafio.

O ser humano nasce totalmente dependente, luta, ao longo de seu desenvolvimento, para ter liberdade e ser independente, a criança vai aos poucos tendo maior autonomia e sua independência vai se consolidando ao longo de suas experiências, culminando na adolescência e solidificando no jovem adulto. A independência envolve um valor e uma realização pessoal importante e vital para os indivíduos, acontece que a sociedade, paradoxalmente, requer de nós uma outra atitude, ela nos apresenta uma realidade de interdependência, e as nossas realizações mais importantes exigem habilidades que estão bem além das que possuímos.

Na realidade, não aprendemos ao longo de nossas vidas, pelo menos conscientemente, essas habilidades. Fomos aprendendo "aos trancos e barrancos", como nos tornarmos interdependentes, mas nunca formalizamos essas atitudes e acredito que, por essa razão, muitos de nós sentem muita dificuldade e têm relacionamentos tão conturbados.

Outro grande desafio para o trabalho interdisciplinar e transdisciplinar é a impaciência. Queremos tudo para ontem, não sabemos esperar. Aprendi, ao longo de minha vida, que minha capacidade de trabalho não pode ser menor do que meu desejo, ou seja, que a minha capacidade de adquirir coisas não pode superar a minha capacidade de produção. Pensar assim me auxilia a não sofrer e não passar por experiências dolorosas, mas que não resolvem nossas inter-relações. A paciência é uma grande virtude, principalmente na sociedade atual, onde o imediato e o descartável são cultuados.

Como não conseguimos nos atualizar tão rápido como a sociedade atual exige, e ter aquilo que imaginamos como necessário para nós e nossa família, surge a culpa e, com ela, a condição de vítima. Sentimos culpa por não dar, nem a nós e nem aos que amamos, aquilo que o império do marketing diz que é bom e aí culpamos os outros por não termos o que queremos ou sonhamos ter.

Culpamos o chefe por ser injusto, culpamos até o cachorro que latiu a noite toda e não nos deixou dormir e é por isso que não produzimos o esperado, enfim, não só nos sentimos culpados por não dar e não ter o que queremos, mas também culpamos os outros por não ter o que queremos. Somos, então, vítimas e algozes de nós mesmos. Isso me faz pensar que podemos ter escolhas. Não necessariamente precisamos sentir culpa e/ou sermos vítimas, acredito que com humildade para assumir responsabilidades por nossos atos e sermos corajosos o suficiente para tomarmos iniciativas criativas para superarmos nossos obstáculos já é um grande passo para sermos acertivos e podermos ter um bom relacionamento.

Fazer escolhas não é uma tarefa fácil, principalmente quando se fala em Educação. Há tantos métodos, estratégias e técnicas que nós professores nos perdemos, muitas vezes, nesses caminhos, sem nos darmos conta que tudo não passa de uma mudança de atitude frente à vida.

Os textos dos pesadores da atualidade nos remetem a essa reflexão. Cada um a seu modo expressa seu desejo de escolha que os levam à escolha de um desejo: explicar e colocar para o leitor o seu ponto de vista sobre os temas contemporâneos.

Não vejo como certo ou como errado, mas sinto a "tensionalidade" e a "intencionalidade" de cada um dos autores.

O pensamento Inter e Transdisciplinar: algumas considerações

Uma pequena reflexão sobre a forma como a Ciência moderna se constitui, se fundamenta e se organiza, permitirá subsidiarmos o nosso entendimento sobre o significado assumido pelas propostas Inter e Transdisciplinar como uma forma de fazer avançar o conhecimento científico que até então é norteado pela concepção cartesiana.

Se nos perguntarmos se o avanço dos conhecimentos científicos gerado pela ciência moderna, fundamentada em uma estreita concepção de racionalidade, beneficiou a humanidade, alguns dos autores contemporâneos, como Edgar Morin, Boaventura Sousa Santos, Habermas e outros, responderão que atualmente não, mas que auxiliaram por muitos anos a chegarmos onde estamos agora. Verificamos que, nos últimos trinta anos, houve um avanço significativo dos conhecimentos científicos, muito mais do que se fez durante o último milênio. Isso nos coloca diante da questão central que tem mobilizado todos esses pensadores da atualidade, sobre os objetivos, finalidade, valores filosóficos, e sobre o sentido e o significado da ciência moderna.

Tanto a Interdisciplinaridade quanto a Transdisciplinaridade são vistas como uma forma de fazer avançar esta concepção atual para uma racionalidade mais ampla, que contempla o homem e a natureza como uma unidade e não de uma maneira dissociada, separada e distinta uma da outra. E aí nos perguntamos, mas não é isso que eu faço? Eu não olho meus alunos como um todo?

Para responder esta questão seria preciso fazer uma profunda reflexão sobre nossa prática, nossa vida, enfim, sobre nossas relações inter e intrapessoais. Esta é uma das grandes questões que procuramos desenvolver nos cursos de formação continuada de professores, quando desenvolvemos junto a eles suas histórias de vida, mas, para que isso seja realmente eficaz, é importante que nós mesmos façamos esta reflexão, com maturidade e humildade, para reconhecermos nossa impotência para sermos o que pensamos que somos ou o que sonhamos ser.

A maioria de nós conhece muito bem os passos de uma pesquisa científica: criar hipóteses, realizar experimentos, comparar provas, publicar seus resultados, os quais, ao serem aplicados em qualquer lugar, sejam sempre iguais. O objetivo é produzir um conhecimento que, além de poder ser verificado, seja aceito pela comunidade científica e, após sua comprovação, torna-se uma "verdade" em casos bem específicos, mas que pretende generalizada. Para isso, devemos ser bem racionais para sermos aceitos nesta comunidade, pois senão seremos considerados como gurus ou chamados de adivinhos. Vemos, portanto, que a ciência moderna se inscreve na racionalidade como elemento definidor deste pensamento e desta conduta.

Esta racionalidade, fundada na consciência moderna, que teve como suas primeiras formulações em Descartes, com o racionalismo, e em Bacon, com o empirismo que se condensaram no positivismo, que concebe somente a existência de duas formas de conhecimento científico, ou seja, as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas, segundo o modelo mecanicista das ciências naturais, constitui-se, segundo Boaventura Sousa Santos (1995), o paradigma dominante. Este modelo, então, passa a negar o caráter racional de qualquer outra forma de conhecimento que não esteja de acordo com seus princípios epistemológicos e pelas regras metodológicas que foram convencionadas por esse pensamento, e por si só tomadas como garantia de um critério de verdade.

Com essa atitude, fecha-se o processo de conhecimento em compartimentos e a ciência moderna rompe radicalmente com a tradição do pensamento clássico, dissociando: saberes e práticas; indivíduo e sociedade; local e global; sujeito e objeto; objetivo e subjetivo, passando a trabalhar apenas com temas e problemas delimitados e especializados e, com isso, caracterizando-se por uma fragmentação sempre crescente do saber, sendo o espaço disciplinar seu principal sentido e finalidade.

De uma maneira mais simples, mas sem ser simplista, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade representam uma nova abordagem científica, cultural, espiritual e social. Como, por exemplo, o prefixo trans indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Como pode ser isso? Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para a qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento.

A ciência moderna considera que os avanços epistemológicos verificados nas áreas das ciências naturais tiveram grandes desdobramentos e, com isso, deram não somente um aprofundamento sob novas bases, mas contribuíram para reduzir a grande rigidez entre as ciências naturais e as ciências como campos totalmente separados. Esses avanços no conhecimento foram se tornando tão complexos que nos conduziram à concepção de não linearidade em oposição à linearidade, a simplificação, além de constatar a impossibilidade de se separar o pesquisador (observador) do seu objeto de pesquisa.

Para Morin1, por exemplo, o paradigma da simplificação, característico da ciência moderna, "determina um tipo de pensamento que separa o objeto de seu meio, separa o físico do biológico, separa o biológico do humano, separa as categorias, as disciplinas, etc (...) Por isso, as operações comandadas por esse paradigma são principalmente disjuntivas, principalmente redutoras e fundamentalmente unidimensionais (...) chega-se a um puro catálogo de elementos não ligados (...) Por outras palavras, o paradigma da simplificação não permite pensar a unidade na diversidade ou a diversidade na unidade, as 'imitas multiplex' só permite ver unidades abstratas ou diversidades também abstratas, porque não coordenadas"1.

As palavras de Morin mostram a grande dificuldade que a ciência típica do mundo moderno enfrenta: o seu próprio limite.

Com o avanço do desenvolvimento no campo do conhecimento, houve uma diminuição entre as contradições existentes entre as Ciências Sociais e Ciências Naturais, que nos conduziu a conceber a humanidade não como algo mecânico, mas como possibilidade criativa e ativa. Esta mudança de concepção desvela novos espaços, onde o diálogo entre o modelo positivista moderno e a proposta de alternativas para superação deste modelo possibilitem alargar a concepção de racionalidade da ciência moderna e, com isso, seja capaz de articular o conhecimento existente, produzindo novos conhecimentos.

Considerados como conhecimentos de ponta da ciência moderna, os avanços epistemológicos verificados nas áreas das ciências naturais e da matemática tiveram grandes desdobramentos e propiciaram não só o aprofundamento, sob novas bases, da polêmica em torno da mencionada racionalidade científica vigente, mas contribuíram igualmente para reduzir a rígida distinção entre as ciências naturais e as ciências sociais como campos totalmente separados.

Thomas Khun2, em seu livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", afirma que, para ele, paradigmas são uma espécie de modelos aceitos como dominantes por dada comunidade científica, cuja função é direcionar toda pesquisa em sua área. Portanto, é a comunidade científica que determina e define quais questões podem ser formuladas a respeito das coisas existentes no mundo e que técnicas podem ser empregadas na busca de soluções.

Para ele, antes da aceitação de um novo modelo, tudo é mais difícil e complicado, porque surgem muitas teorias focando a atividade científica. Para que uma idéia se torne um paradigma, ela precisa amadurecer para que forneça respostas mais seguras e que tenha coerência nas suas respostas.

Fiz essa breve introdução sobre mudança de paradigma para pontuar que tanto a inter quanto a transdisciplinaridade pertencem a um novo modelo de pensamento e, por isso mesmo, muitas vezes, mal interpretado, pois "olhamos" para cada um desses modelos com os "olhos" do modelo da ciência moderna, positivista.

Segundo Sommerman3, "duas teorias teriam cooperado muito para fomentar a pesquisa interdisciplinar: o estruturalismo e a Teoria Geral dos Sistemas. O estruturalismo, embora criado pelo lingüista Saussure (1857-1930), visando descobrir as estruturas abstratas por trás das línguas, expandiu-se para muitas outras áreas, especialmente com os trabalhos do antropólogo Claude Levi-Strauss, na década de 50, nos quais este procurou mostrar que por trás das culturas mais diversas há estruturas profundas comuns, que aparecem como que em camadas. A Teoria Geral dos Sistemas foi formulada pelo filósofo e biólogo Ludwig von Bertalanffy, na década de 60. (...) Ele chamou a atenção para a existência, naquela época, de duas vertentes básicas nas ciências dos sistemas, uma, mecanicista; outra organicista. A primeira correspondia à sua teoria Geral dos Sistemas e a segunda, à Teoria Cibernética".

Sommerman3 também aponta que outras duas teorias colaboraram para o desenvolvimento da Inter e da Transdisciplinaridade, a saber, a Teoria Cibernética de Segunda Ordem e a Teoria da Complexidade.

Bertallanfy afirma: "A cibernética é uma teoria dos sistemas de controle baseada na comunicação (transferência de informação) entre o sistema e o meio e dentro do sistema, e do controle (retroação) da função nos sistemas com respeito ao ambiente." (grifo nosso) Bertallanfy considera a cibernética como a mais destacada ciência dos sistemas, não devendo, entretanto, ser confundida com a teoria geral dos sistemas.

A palavra Cibernética vem do grego kibernetes (piloto) e kibernetike (arte de pilotar navios e a arte de governar homens).

Maria José Esteves de Vasconcellos4, em seu livro "Terapia familiar sistêmica: bases cibernéticas", afirma que: "[a cibernética] Interessa-se por todos os comportamentos possíveis (um amplo conjunto de possibilidades), de todas as máquinas possíveis (mesmo que ainda inexistentes), propondo-se com um quadro de referência para compreensão de todas as máquinas. A cibernética pretende fornecer não só os princípios para a construção da máquinas com grandes poderes de regulação (como o cérebro), como também os princípios para restauração das funções normais dos sistemas de grande complexidade. Interessa-se, então, pelas formas de comportamento e aspectos do sistema que sejam determináveis, que possam obedecer a cursos regulares e reprodutíveis, ou seja, tem como tema central a regulação e o controle. Por isso costuma ser definida como a arte do comando, como a arte de tornar a ação eficaz, ou seja, a arte de maximizar a eficiência. Considera-se eficaz a ação racional guiada, isto é, controlada em todas as etapas4".

A cibernética se ocupa das transformações que de fato ocorrem nos comportamentos do sistema e não de hipóteses sobre as possíveis causas dessas mudanças.

A principal característica das máquinas cibernéticas é a capacidade de auto-regulação, ou seja, a capacidade do próprio sistema corrigir desvios em sua trajetória, de modo a garantir o alcance de sua meta. A regulação, portanto, visa à sobrevivência do sistema, à manutenção de suas variáveis essenciais em níveis adequados.

A cibernética baseia-se no princípio da retroação ou dos encadeamentos causais circulares, fornecendo mecanismos para a procura de uma meta e o comportamento auto-regulador. Mas a organização dos mais complexos sistemas existentes até agora, descobertos em nosso universo, continuava vedada para a cibernética, ou seja, permaneciam sem poder responder às perguntas:

  • Qual é a organização do ser vivo?
  • Qual é a organização do sistema nervoso?
  • Qual é a organização do sistema social?

Segundo Maturana e Varella5: "a resposta que se buscava, mediante a aplicação do enfoque cibernético, deveria mostrar então qual era, ao tomar as moléculas como componentes, a organização do ser vivo, qual era, ao substituir a moléculas por neurônios, a organização do sistema nervoso, qual era, ao substituir os neurônios por pessoas, a organização de todo sistema social (ou relações comportamentais geradoras de cultura)5".

Segundo Fazenda6, "o movimento da interdisciplinaridade surge na Europa, principalmente na França e na Itália, em meados da década de 1960 (..) época em que se insurgem os movimentos estudantis, reivindicando um novo estatuto de universidade e de escola. (...) que buscavam o rompimento de uma educação por migalhas".

Nesta perspectiva é que pensadores como Georges Gusdorf ganham grande expressão nos anos 60. Ele apresentou, em 1961, à Unesco um projeto de pesquisa interdisciplinar para as ciências humanas - a idéia central do projeto seria reunir um grupo de cientistas de notório saber para realizar um projeto de pesquisa interdisciplinar nas ciências humanas. A intenção desse projeto seria a de orientar as ciências humanas para a convergência, trabalhar pela unidade humana6. O projeto de Gusdorf previa a diminuição teórica entre as ciências humanas.

No final da década de 60, chega ao Brasil o eco das discussões sobre interdisciplinaridade, mas com sérias distorções, devido ao modismo e próprias daqueles que se aventuram ao novo sem as devidas reflexões. Dois nomes surgem como pesquisadores, Hilton Japiassu e Ivani Fazenda. Os estudos e reflexões desenvolvidos por Japiassu provocam um grande avanço nas pesquisas sobre interdisciplinaridade, o seu livro "Interdisciplinaridade e a patologia do saber" foi a primeira produção significativa sobre o tema, onde o autor apresenta uma síntese das principais questões que envolvem a interdisciplinaridade e que anuncia os pressupostos fundamentais para uma metodologia interdisciplinar6.

Outro trabalho que aparece no Brasil nesta época é de Ivani Fazenda que, partindo dos estudos de Japiassu, trata dos aspectos relativos à conceitualização. Segunda a autora6, os avanços mais significativos em relação à interdisciplinaridade poderiam ser assim sintetizados:

  • A atitude interdisciplinar não seria apenas resultado de uma simples síntese, mas de sínteses imaginativas e audazes;
  • Interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação;
  • A interdisciplinaridade nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar;
  • Entre as disciplinas e a interdisciplinaridade existe uma diferença de categoria;
  • Interdisciplinaridade é a arte do tecido que nunca deixa ocorrer o divórcio entre seus elementos, entretanto, de um tecido bem traçado e flexível;
  • A interdisciplinaridade se desenvolve a partir do desenvolvimento das próprias disciplinas.

Muito poderíamos estar falando sobre a interdisciplinaridade no Brasil, infelizmente, o espaço tanto do papel quanto da fala são curtos e é bom que assim o seja, pois estaria cansando o leitor ou o ouvinte. Termino o espaço dedicado à interdisciplinaridade dizendo que Fazenda dedica-se à pesquisa da prática da Interdisciplinaridade e do cuidado com o professor:

"Os dados desses anos de pesquisa revelaram-me que o professor interdisciplinar traz em si um gosto especial por conhecer e pesquisa; possui um grau de comprometimento diferenciado para com seus alunos, ousa novas técnicas e procedimentos de ensino, porém, antes, analisa-os e dosa-os convenientemente. Esse professor é alguém que está sempre envolvido com seu trabalho, em cada um de seus atos. Competência, envolvimento, compromisso marcam o itinerário desse profissional que luta per uma educação melhor6."

A transdisciplinaridade

Não é meu objetivo escrever sobre a transdisciplinaridade, mesmo porque não me considero habilitada para isso. Farei apenas algumas colocações que acredito pertinente, contando, em poucas linhas, alguns aspectos que considero importantes para os psicopedagogos e que poderão nos auxiliar a entender melhor esta questão para nossa prática. Embora extremamente reduzida, não pretende ser simplista.

Para isso, embaso minha afirmação nas pesquisas efetuadas pelo CETRANS (Centro de Educação Transdisciplinar), criado em 1998 e abrigado pela Escola do Futuro, coordenada pelo Prof. Fredric Michael Litto, que acreditou na proposta.

O que se segue é uma compilação dos livros Educação e Transdisciplinaridade I e II7,8; e Inter ou transdisciplinaridade?3

No livro Inter ou Transdisciplinaridade?3, Sommerman indica que "o termo apareceu pela primeira vez no Seminário de Nice, o I Seminário Internacional sobre Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice, de 7 a 12 de setembro de 1970, (...) a primeira definição conhecida de Transdisciplinaridade foi dada por Piaget em sua comunicação nessa conferência".

De 1970 até os dias atuais, muitos outros encontros, Seminários e dois Congressos foram realizados, sendo o último realizado em Vitória no Espírito Santo, em 2005. No I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Arrábia, Portugal, em 1994 e no I Congresso Internacional, realizado em Locarno, Suíça, em 1997, foram definidos os três pilares da metodologia transdisciplinar: a Complexidade, a Lógica do Terceiro Incluído e os Níveis de Realidade.

Esses autores7,8 também nos dizem que: "a transdisciplinaridade é uma teoria do conhecimento, é uma compreensão de processos, é um diálogo entre as diferentes áreas do saber e uma aventura do espírito. (...) é uma nova atitude, é a assimilação de uma cultura, é uma arte, no sentido da capacidade de articular a multirreferencialidade e a multidimensionalidade do ser humano e do mundo. Ela implica numa postura sensível, intelectual e transcendental perante a si mesmo e perante o mundo. Implica, também, em aprendermos a decodificar as informações provenientes dos diferentes níveis que compõem o ser humano e como eles repercutem uns nos outros. A transdisciplinaridade transforma nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social, remetendo para a reflexão respeitosa e aberta sobre as culturas do presente e do passado, do Oriente e do Ocidente, buscando contribuir para a sustentabilidade do ser humano e da sociedade.

Em 1996, foi publicado o Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Este Relatório foi elaborado por Jacques Delors, onde define os quatro pilares para a educação do século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, que agregados aos dois pilares complementares, aprender a participar e aprender a antecipar, constituíram-se em elementos norteadores para o exercício efetivo da Transdisciplinares.

Temos, portanto, que entender e compreender conceitos como:

  • Complexidade;
  • Níveis de realidade;
  • Terceiro incluído.

Além de incorporar os quatro pilares elaborados por Delors:

  • Aprender a conhecer;
  • Aprender a fazer;
  • Aprender a viver juntos;
  • Aprender a ser.

Acrescidos aos dois pilares complementares:

  • Aprender a participar;
  • Aprender a antecipar.

Cabe, portanto, a nós professores e psicopedagogos, pesquisadores do saber humano, descobrir as inter-relações possíveis existentes entre disciplinas próximas e as mais distantes, tendo em vista instituir práticas interdisciplinares e transdisciplinares que expandam o processo de conhecimento, nas áreas do saber. Para que isso ocorra, será necessário a incorporação destes pensamentos, o que implicará para o pesquisador repensar sua própria formação e onde este profissional encontre espaço para uma totalidade do conhecimento articulado.

O grande desafio para nós professores e psicopedagogos é primeiro entender o que tudo isso significa, depois como colocar em prática no nosso cotidiano. Entender o que é a complexidade, os níveis de realidade e o terceiro incluído é uma questão fundamental para nossa prática psicopedagógica. Compreender esses princípios transdisciplinares requer de nós um esforço de reflexão, muito estudo e dedicação, alterando nossa de visão de mundo, de ser humano e de sociedade. Mas apenas refletir e estudar não bastam. Sendo a Interdisciplinaridade e a Transdisciplinaridade uma categoria de ação, isso nos sugere que devemos transformar nossa atitude e comportamento frente nossa prática, nossa vida, nossas relações inter, intra e transpessoais. Isso não é fácil, mas temos que dar um primeiro passo para um longo caminho de autoconhecimento.

Termino minhas considerações com um gosto de incompletude, mas quem disse que a Psicopedagogia e as questões da Inter e da transdisciplinaridade têm fim? Estamos apenas começando nossa jornada para o autoconhecimento em busca de uma vida melhor, mais feliz, mais harmônica, onde a compaixão, a humildade, a paciência são alguns dos valores indissociáveis para se alcançar os altos fins de nossa existência e é sobre isso que a Interdisciplinaridade e a Transdisciplinaridade falam.

 

REFERÊNCIAS

1. Morin E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil;1998.         [ Links ]

2. Kuhn TS. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo:Perspectiva;1978.         [ Links ]

3. Sommerman A. Inter ou transdisciplinaridade? São Paulo:Paulus;2006.         [ Links ]

4. Vasconcellos MJE. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. 2ª ed. Campinas: Papirus;2003.         [ Links ]

5. Maturana H, Varela F. A árvore do conhecimento. Campinas:Editorial Psy II;1995.         [ Links ]

6. Fazenda ICA. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 7ª ed. São Paulo: Editora Papirus;2001.         [ Links ]

7. Barros VM, Mello MF, Sommerman A, orgs. Educação e transdisciplinaridade I. Brasília: UNESCO;2000.         [ Links ]

8. Barros VM, Mello MF, Sommerman A, orgs. Educação e transdisciplinaridade II. São Paulo:Triom/UNESCO;2002.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Maria Cecília Castro Gasparian
Rua São Judas Tadeu, 204 - Granja Viana - Cotia
SP - 06708-520
Tel.: (11) 4702-2192
E-mail: mcgasparian@uol.com.br

Artigo recebido: 02/06/2006
Aprovado: 09/08/2006

 

 

Trabalho realizado no consultório da autora.

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