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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.24 no.73 São Paulo  2007

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Correlação entre a queixa do professor e a avaliação psicológica em crianças de primeira série com dificuldades de aprendizagem

 

Correlation between teacher's complaint and psychological evaluation in children of first grade with learning difficulties

 

 

Delia Izaguirre TorresI; Sylvia Maria CiascaII

IPsicóloga Clínica pela Universidad Privada San Pedro, Chimbote, Peru
IINeuropsicóloga; Professora Livre Docente do Laboratório de Distúrbios da Aprendizagem e Transtornos da Atenção - DISAPRE - Departamento de Neurologia FCM/UNICAMP, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Os objetivos deste trabalho foram de avaliar a queixa do professor em relação ao sistema de ensino, e correlacionar a queixa do professor com a avaliação psicológica de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar. Participaram desta pesquisa 7 professores e 40 crianças, na faixa etária de 7 a 8 anos, alunos de 1ª série do 1º grau de duas escolas estaduais do município de Campinas (SP), divididas em dois grupos: Grupo A - 20 crianças sem dificuldades de aprendizagem e, Grupo B - 20 crianças com dificuldades de aprendizagem, classificadas segundo opinião dos professores participantes. Foram utilizados o Teste de desempenho escolar - TDE (Stein, 1994), teste gestáltico viso-motor (Sisto, 2005) e o Teste de Leitura e Escrita (Capellini, 2001). Com os professores, foi realizado questionário com seis questões abertas e o protocolo de caracterização do desempenho do aluno. Os resultados foram analisados por meio de estatística descritiva e índice de correlação, onde se observou que existem motivos concretos ligados às reais condições de trabalho que dificultam a melhor realização da prática docente. Os professores, neste grupo, atribuem as dificuldades de seus alunos a causas internas (orgânicas) ou das relacionadas à família. Encontraram-se altas correlações (superior a 70%) entre as avaliações do Desempenho Escolar pelo Professor (geral, leitura e escrita) e o TDE, moderada (inferior a 69%) entre a avaliação do Desempenho em Matemática pelo professor e o TDE e, baixas correlações significativas (p<0,05) entre as avaliações do Desempenho segundo o professor e o Teste gestáltico viso-motor.

Unitermos: Transtornos de aprendizagem. Aprendizagem. Baixo rendimento escolar. Psicologia educacional.


SUMMARY

The objectives of this work were, first, to evaluate the complaint of the teacher in relation to the education system, and second, to correlate the complaint of the teacher with the psychological evaluation of children with learning difficulties. It participated in this research: 7 teachers and 40 children, between 7 and 8 years, of 1st grade of two state schools of Campinas city, divided in two groups: Group A (20 children without learning difficulties) and Group B (20 children with learning difficulties), classified according to opinion of the participant teachers. The School Performance Test - SPT (Stein, 1994), Gestalt Visomotor Test (Sisto, 2005) and Reading and Writing Test (Capellini, 2001) had been used. With the teachers, a questionnaire with six open questions and the performance characterization protocol of the children were applied. The results were analyzed through descriptive statistic and correlation index, where it was observed that exist concrete reasons linked to the real conditions of work that make difficult one better accomplishment of educational practices. The teacher's in this group attribute that the difficulties of the children are due the internal causes (organic) or associated the family. It was found high correlations (greater to 70%) between the School Performance evaluations (general, reading and writing) according of the teacher and the SPT, and moderate correlation (lower to 69%) between the teacher evaluation of the Performance in Mathematics and the SPT, and low significant correlations (p<0.05) between the Performance evaluations according of teacher and the Gestalt Visomotor Test.

Key words: Learning disorders. Learning. Underachievement. Psychology, educational.


 

 

INTRODUÇÃO

A história da educação brasileira vem sendo marcada por uma crescente preocupação em tentar explicar a dificuldade escolar. São altos os índices de repetência e evasão, ocorridos nos últimos anos1, é grande o número de crianças encaminhadas para consultórios médicos, "diagnosticadas" pelas escolas com algum tipo de problema2.

O fracasso escolar pode ocorrer devido a condições externas ao indivíduo (ordem socioeconômica, socioinstitucional) que indiretamente o afetam e/ou por condições internas (desenvolvimento cognitivo, alterações afetivo-emocional, motivacional e de relacionamento interpessoal) que contribuem para o surgimento dos problemas de aprendizagem1,3,4. Porém, ao se fazer referência às dificuldades de aprendizagem, deve-se observar a presença de distorções inerentes ao próprio sistema educacional e às influências ambientais que funcionam como contexto para as manifestações comportamentais e outras peculiaridades que o indivíduo pode apresentar no sistema escolar, como sintoma do não aprender5,6. Encontram-se, na literatura nacional e internacional, pesquisas dedicadas ao estudo e à compreensão do fracasso escolar sob a ótica das dificuldades de aprendizagem7-9.

Os problemas experimentados por crianças com problemas de aprendizagem são, na maioria das vezes, vivenciados como situação de fracasso, pois, por não conseguirem obter êxito nas demandas escolares, acabam por se sentirem incapazes, gerando sentimentos de frustração e comportamentos inadaptados, entre outros1,10,11. Este quadro se agrava com o isolamento dos educandos nas séries iniciais até a evasão completa. Reprovações e abandono escolar são freqüentes na vida dessas crianças que apresentam algum tipo de dificuldade, distúrbio ou problema de aprendizagem10.

A dificuldade de aprendizagem pode ser entendida como obstáculo ou barreira encontrado por alunos durante o período escolar referente à captação ou à assimilação dos conteúdos propostos12. Eles podem ser duradouros ou passageiros, intensos ou não e levam alunos ao abandono da escola, reprovação, baixo rendimento, atraso no tempo de aprendizagem ou mesmo à necessidade de ajuda especializada. Da mesma maneira, alguns autores13 entendem que dificuldade de aprendizagem refere-se a qualquer dificuldade observável vivenciada pelo aluno para acompanhar o ritmo de aprendizagem de seus colegas da mesma idade, independentemente do fator determinante da defasagem. Outros estudos14,15 afirmam que a característica principal de uma dificuldade de aprendizagem é o baixo rendimento escolar em atividades de leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático. Apesar de haver inteligência normal e oportunidades sociais e culturais adequadas, as falhas podem estar relacionadas ao método de ensino, adequação escolar, preparação do professor, dificuldades socioeconômicas, estruturação do processo ensino-aprendizagem. Embora o baixo rendimento ou desempenho escolar não seja definitivo para caracterizar as dificuldades de aprendizagem, é necessário que os pais e os professores estejam atentos, pois este representa o ponto de partida para a detecção de problemas relacionados à leitura, à escrita e ao cálculo-matemático15.

O diagnóstico do aluno com dificuldade de aprendizagem não é algo simples de ser realizado; eliminada a possibilidade de que fatores relacionados à prática pedagógica e às condições socioeconômicas do aluno sejam os determinantes da situação constatada, a suspeita inicial de um professor deveria ser confirmada por meio da participação de uma equipe multidisciplinar16. Dificuldades de aprendizagem, portanto, é um termo que desperta a atenção para a existência de crianças que freqüentam escolas e apresentam vários tipos de problemas neste ambiente, embora não apresentem, aparentemente, déficits físico, sensorial, intelectual ou emocional17.

Os encaminhamentos dos professores18, quase sempre, demonstram sua própria dificuldade em ensinar os seus alunos, não sabendo como lidar com questões referentes ao processo de alfabetização, agindo de acordo com expectativas idealizadas em relação a ler e escrever. Assim, as alfabetizadoras10 não têm clareza suficiente para identificar, reconhecer e tampouco diagnosticá-las, merecendo, portanto, refletir a sua prática e os diagnósticos equivocadamente traçados.

A idéia que nos parece essencial de ser colocada aqui, e que constitui um consenso entre os diversos autores que abordam o problema, é que os indivíduos portadores de dificuldades de aprendizagem não têm sucesso na escola por diferentes razões. Muitos daqueles que têm dificuldade de aprendizagem são erroneamente classificados como tendo baixa inteligência, insolência ou preguiça e são solicitados por adultos (professores e pais) geralmente ansiosos e preocupados com seu rendimento, o que por si só pode gerar o agravamento do problema14. A dificuldade de aprendizagem tem sido uma área obscura situada entre a normalidade e a patologia. Na escola, são comuns os professores encaminharem e/ou sugerirem um "acompanhamento especial" para os problemas dos estudantes, sem realizarem avaliação e intervenção adequadas.

Nos dias atuais, visto que a dificuldade escolar se coloca de forma alarmante e persistente, temos que repensar a função da escola e do professor. Tais dificuldades se constituem em um problema social e politicamente produzido, essa questão deve ser resgatada por meio de uma dimensão coletiva, e não como a somatória de problemas individuais. Diversos autores2,10,14,17,19 concluíram que muitas crianças que apresentam dificuldade escolar foram ignoradas e mal diagnosticadas pelo sistema de ensino. Efetivamente tudo contribui para que as crianças se sintam "doentes" e suas ações passam a ser as de uma pessoa realmente "academicamente debilitada" e tais circunstâncias reduzem suas chances de aprender.

Com base no exposto acima, os objetivos de estudo foram: (a) avaliar a queixa do professor em relação ao sistema de ensino; (b) conhecer a percepção do professor sobre o sistema de ensino-aprendizagem; e (c) correlacionar a queixa do professor com a avaliação psicológica da criança com dificuldade de aprendizagem.

 

MÉTODO

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP.

Neste estudo, foram construídos os seguintes instrumentos: (a) Protocolo para caracterização do desempenho escolar Geral do aluno (DGP) caracterização na Leitura (DLP), caracterização na Escrita (DEP) e na Matemática (DMP), elaborado para investigar o desempenho escolar geral do aluno sob a ótica do professor. (b) Questionário para os professores, elaborado para investigar o processo de ensino-aprendizagem.

Foram utilizados os seguintes instrumentos no processo de avaliação das crianças: (a) Teste Gestáltico Viso-motor de Bender, para avaliar a maturação percepto-motora por meio da análise da distorção de forma20; (b) Teste de Desempenho Escolar (TDE), para avaliar as capacidades fundamentais do desempenho escolar. O teste foi concebido para a avaliação de escolares de 1ª a 6ª séries do primeiro grau21; (c) Teste de leitura e escrita, com: texto de leitura, para avaliação do nível de leitura, fluência, compreensão e velocidade22; e, Escrita de palavras reais e pseudopalavras para verificação dos erros cometidos na escrita.

Participaram do estudo sete professores da primeira série do primeiro grau, de duas escolas públicas estaduais da Cidade de Campinas (SP), e 40 alunos de ambos os sexos, na faixa etária de 7 a 8 anos, que freqüentavam a série acima, subdivididos em dois grupos (A e B), classificados pelos professores, com as seguintes características:

  • Grupo A: formado por 20 crianças, de ambos os sexos, sem queixas específicas quanto ao desempenho escolar;
  • Grupo B: formado por 20 crianças com dificuldades de aprendizagem.

O principal critério de inclusão para os grupos propostos seguiu a definição do professor sobre o rendimento acadêmico do aluno por ele selecionado.

Definida a amostra, foi iniciada a coleta de dados. Foi solicitado aos professores o preenchimento de dois questionários, o primeiro onde foram colhidas informações referentes ao desempenho escolar de cada um dos alunos que receberam autorização dos pais para participar da pesquisa, e, posteriormente, foram avaliadas as crianças com os testes formais de forma individual.

Os dados obtidos foram analisados e interpretados com a estatística descritiva, comparados por meio do Índice de Correlação, Teste F e gráficos tipo Scatter Plot (diagrama de dispersão).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos resultados do questionário aplicado aos professores, se observou que média de idade cronológica dos mesmos foi de 27,7 anos (desvio- padrão = 13,7) e a média de crianças em sala de aula a cargo de cada professor foi de 24,4 (desvio- padrão = 7,00). Seis professores tinham formação superior, um dos professores com curso de magistério (Ensino Médio), cursando Pedagogia. As escolas atendiam, em geral, uma população de classe socioeconômica baixa e média.

A falta de interesse dos alunos foi assinalada em 54,55% das respostas obtidas com os professores como o fator que mais interfere negativamente no sistema de ensino-aprendizagem. As professoras atribuem esse comportamento à falta de apoio e incentivo da família. Os docentes ressaltaram que há falta de interesse da família, necessidade de maior participação das mesmas na vida educativa de seus filhos, com a finalidade de contribuir com o desempenho escolar destas crianças. Com tudo isto, não se quer afirmar que a falta de interesse da família não interfira negativamente na aprendizagem da criança, mas que o uso indiscriminado desse argumento localiza no aluno e em sua família a causa da dificuldade discente. Alguns autores5,6, ao fazerem referência às dificuldades de aprendizagem, indicam que não se pode perder de vista a presença de distorções inerentes ao próprio sistema educacional e às influências ambientais que funcionam como contexto para as manifestações comportamentais e às peculiaridades do indivíduo que pode apresentar o sintoma de não aprender.

O elevado número de alunos por sala foi apontado em 9,09% das respostas dos professores como outro fator que dificulta o trabalho em sala de aula, referindo que é muito difícil lidar com todas as crianças, gerando a indisciplina (expressa pelo desinteresse, conversa excessiva, falta de respeito com os colegas e a professora), sendo também é muito difícil prestar atenção a todas as crianças. Reconhecemos que, de fato, salas superlotadas impedem uma prática docente mais efetiva, limitando a realização de atividades diferenciadas, incluindo uma melhor supervisão das crianças.

Parece haver certa distorção entre questões distintas como: indisciplina, desinteresse, e dificuldades de aprendizagem. Todo aluno que escapa do padrão esperado pelos professores é avaliado como portador de dificuldades. Talvez a falta de interesse e conversa excessiva expressem o quanto as aulas possam não estar despertando motivação para que ele preste maior atenção a elas. Porém, esta reflexão não foi feita por nenhum professor do grupo estudado. Eles acreditam que o desinteresse do aluno é decorrente de problemas emocionais, problemas familiares, problemas orgânicos ou pela simples falta de vontade do aluno em mudar. Cabe-nos perguntar: Até que ponto a avaliação das educadoras leva em consideração estritamente aspectos ligados ao aprendizado? Até que ponto os professores incorporam elementos associados ao comportamento e atitude, à raça, ao gênero, etc.?23

Em 9,09% das respostas, os professores focalizaram a reflexão respeito sobre a falta de planejamento como fator negativo. Outros 9,09% das respostas assinalaram como fator que interfere negativamente no sistema de ensino-aprendizagem crianças com diferentes capacidades de aprendizagem. Em relação a isto, devemos de ter em conta24 que cada aluno dentro de sua individualidade apresenta rendimento diferente, e isso deve ser respeitado. É fundamental deixar claro que estas diferenças não devem ser pensadas apenas no que diz respeito ao cognitivo e/ou psicológico, mas também no que se refere aos aspectos de natureza socioeconômica, cultural e no desenvolvimento, que possuem fatores diretamente implicados nas condições do aluno e com relações fundamentais com o processo ensino-aprendizagem. Além disso, cabe assinalar que a maioria dessas crianças, que segundo o professor apresentam dificuldades escolares, é deixada sem acompanhamento em sala de aula.

Segundo o professor, a dificuldade de aprendizagem dos alunos é conseqüência do desinteresse pela leitura e escrita, e pela não realização de tarefas em casa. Estes fatores são mencionados por todos os professores, como os que impedem o bom desempenho de seu trabalho. Nesses casos, há um predomínio da crença nas questões emocionais, baixa capacidade intelectual dos alunos e na carência sociocultural e familiar como responsável pelas dificuldades discentes.

Em relação aos encaminhamentos das crianças que apresentam dificuldades de aprendizagens, 57,14% responderam que fazem um encaminhamento para reforço; 42,86% fazem um trabalho individual e a menor porcentagem (33,33%) das professoras comunicava à família. Todas consideraram que a criança que não respondia ao trabalho individual ou reforço deveria ser encaminhada para atendimento especializado.

O manejo das dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar não se constitui em tarefa fácil, como podemos observar nos resultados. Muitas crianças são colocadas em programas de reforço ou de recuperação paralela, destinadas para alunos com diferentes problemas de aprender. É importante considerar que os programas de reforço, a princípio, se apresentam como uma proposta que visa contribuir para o bom desenvolvimento escolar, contudo, carecem de estudos sistemáticos que demonstrem a sua eficácia no que diz respeito aos aspectos psicológicos de crianças com dificuldade de aprendizagem25. Assim, as crianças que não conseguem ter êxito nas demandas escolares acabam por se sentirem incapazes, gerando sentimentos de frustração e comportamentos inadaptados, entre outros. Este quadro se agrava com o isolamento dos educandos perdendo interesse pela escola. Decididamente, tudo isto faz com que tais crianças se sintam "doentes" e suas ações passem a ser as de uma pessoa realmente "debilitada", reduzindo suas reais chances de aprender1,10,17.

Os resultados do questionário de caracterização do desempenho escolar do aluno pelo professor e avaliação das crianças em cada categoria de desempenho para as quatro áreas avaliadas (desempenho escolar geral, leitura, escrita e matemática) foram muito semelhantes (Figuras 1, 2 e 3).

 

 

 

 

 

 

Na Tabela 1, observa-se que há uma alta relação entre o desempenho geral (DGP e DG - 0,85), desempenho em leitura (DLP e DL - 0,83, p<0,05) e desempenho na escrita (DEP e DE - 0,77); a análise correlacional destas três questões respondidas pelo professor e o teste TDE também demonstra relação com variabilidade pequena entre as mesmas. Houve correlação moderada entre DMP e DM (0,55), podendo-se deduzir que este grupo de professores generalizou o rendimento escolar do aluno.

Na concepção do professor, 50% de seus alunos, em média, apresentavam desempenho escolar (geral, leitura, escrita e aritmética) insuficiente ou regular, na segunda metade do ano letivo (entre os meses de agosto a novembro). No desempenho em leitura do Grupo B, o maior número de crianças estava enquadrado na categoria inferior, comparado às outras áreas questionadas pelo professor.

Além das correlações encontradas, as avaliações realizadas pelo professor em leitura e escrita foram os fatores mais sensíveis na determinação de caracterizar aos alunos como aqueles que são incapazes de aprender. Isto sugere que atrás dos encaminhamentos dos docentes, quase sempre, está a sua própria percepção em relação aos seus alunos, mostrando que a maioria age de acordo com expectativas idealizadas em relação a ler e escrever18. Além do mais, é necessário defender uma avaliação mais apurada desses alunos rotulados como incapazes de aprender, pois, se eles fossem submetidos a um outro tipo de assistência e intervenção dentro da escola, provavelmente, não se tornariam casos clínicos ou alunos-problema. O fracasso escolar é fruto, principalmente, do preconceito existente sobre a capacidade das crianças oriundas das camadas mais populares19. Devemos ter em conta o tratamento diferenciado que o professor dá aos seus alunos de acordo com as expectativas (positivas ou negativas) que tem sobre seu rendimento escolar26, facilitando o processo de discriminação existente em sala de aula.

Os resultados da avaliação do teste gestáltico viso-motor e a percepção do professor podem ser observados nas Figuras 4 e 5.

 

 

 

 

A Tabela 1, anteriormente descrita, demonstra baixa correlação significativa (p<0,05) entre as avaliações do DGP e Bender (0,30), DLP e Bender (0,33), DEP e Bender (0,32), existindo alta variabilidade de escores. De acordo com os resultados do teste independentemente dos grupos, 82,0% das crianças avaliadas apresentaram adequado desenvolvimento viso-motor. Em pesquisa para buscar evidência de validade, concluiu-se que as crianças com dificuldade importante em relação à escrita tenderão a apresentar dificuldades viso-motoras acentuadas27. Outra pesquisa também afirma que crianças com distúrbios de aprendizagem encontram dificuldade na realização das provas do Bender, em função de possíveis déficits, não só na percepção viso-motora, mas em problemas de personalidade ou ajuste emocional28. Esta ausência de correlação pode sugerir que o professor não pode avaliar as crianças apenas pela óptica da escrita e leitura, e diagnosticar que as mesmas são incapazes de aprender quando apresentam déficit nestes aspectos. É importante ressaltar que o número de crianças encaminhadas para consultório médico, diagnosticadas pelas escolas como tendo algum tipo de problema é muito grande. Mas, a grande maioria não apresenta nenhum tipo de anormalidade, necessitando apenas de uma metodologia diferenciada, capaz de proporcionar-lhes uma aprendizagem mais eficaz2. Além de pensarmos na potencialidade intelectual demonstrada, precisamos também pensar no potencial que ela possui e não pode usar.

Para poder fazer uma avaliação, deve-se considerar a criança como um todo. Desse modo, todos os possíveis aspectos que possam estar relacionados ao problema de aprendizagem (pedagógicos, psicológicos, fonoaudiólogos, sociais, culturais, econômicos, etc.) devem ser investigados29.

O presente estudo evidenciou que os escolares pertencentes ao Grupo B apresentavam desempenho inferior na leitura de texto, quando comparado com Grupo A, sendo que 40% dos alunos não lêem, encontrando-se no nível de leitura logográfico, 10% são leitores não fluentes, lentos, silábicos, de compreensão fraca e se encontram no nível alfabético. Este déficit na aprendizagem da leitura pode ser devido à ausência da prática de consciência fonológica (consciência de rimas e sílabas) nos escolares deste grupo. Estudos realizados demonstram que a correlação entre a habilidade fonológica e a aprendizagem da leitura é de alta significância para o escolar iniciante, pois se a representação fonológica não se encontra assimilada, dificuldades com a aprendizagem da leitura podem ocorrer30. A consciência fonológica desempenha, portanto, um importante papel na aquisição da leitura e escrita do sistema alfabético31.

É necessário conscientizar os professores para o processo pedagógico, no qual estão presentes três elementos, todos com a mesma importância para o sucesso da aprendizagem: o professor, o conteúdo e o sujeito que aprende. Se o aluno não aprende, os outros dois também falharam neste processo19. Precisamos acreditar que todos os casos de problemas na aprendizagem são passíveis de solução e que não há caso perdido. Diante deste contexto, reforçamos a importância do coordenador pedagógico na tomada de decisões frente aos problemas de sua instituição e na orientação de sua equipe de professores na tentativa de superar, ou ao menos minimizar, o quadro de fracasso escolar tal como ele se apresenta.

Os professores deste estudo delegaram a outro profissional a tarefa de ensinar aos alunos com dificuldade, retirando a sua própria responsabilidade em refletir, buscar e criar alternativas de trabalho com os alunos. Assim, da mesma forma que outro profissional assume os alunos encaminhados, torna-se cúmplice dos professores na "acusação da vítima". Na visão de alguns autores32, a psicologia faz seu diagnóstico apontando as dificuldades que impedem o aprendizado, mas muitos são realizados sem que se conheça a escola, a professora, o que está sendo ensinado, como está sendo ensinado; sem que se pergunte à criança o que ela sabe sobre seu encaminhamento, sobre suas dificuldades em aprender e suas idéias a respeito da escola.

Por meio dos resultados obtidos neste trabalho, observou-se a existência de interesse do professor em promover o desenvolvimento de todos os alunos, porém os mesmos se sentem impotentes diante do quadro grave vivenciado pelas constantes faltas e falhas da escola e, talvez por isso, encaminhem seus alunos à supervisora, orientadora, diretora, psicólogos, posto de saúde, etc., abrindo mão de atender aquelas (poucas) crianças que efetivamente enfrentam dificuldades no processo de escolarização33,34.

Os resultados do presente estudo transmitem uma visão mais otimista com relação aos conhecimentos do professor sobre as habilidades de leitura e de escrita dos seus alunos, ao contrário de outras pesquisas que salientam a desinformação dos professores em relação ao processo aquisitivo da leitura e seu desenvolvimento35. Neste estudo, pode-se sugerir que o professor demonstrou conhecimento que o habilita a classificar o desempenho geral em leitura e escrita de seus alunos de forma relacionada ao desempenho real dos mesmos.

 

CONCLUSÕES

Existem motivos concretos ligados às reais condições de trabalho docente que dificultam a melhor realização de sua prática. A falta de material pedagógico, salas superlotadas, entre outros, são elementos reais que contribuem para a ocorrência das dificuldades no seu trabalho. Porém, é fundamental considerar que a ausência de apoio pedagógico e psicológico adequado, bem como a falta de formação continuada dos educadores, também interferem negativamente na atuação docente, e, portanto, no processo ensino-aprendizagem. Assim, não é culpando às crianças, suas famílias, ou os professores pelas dificuldades escolares, que encontraremos um caminho saudável e possível para contornar esta problemática. É necessário investir em busca de possibilidades de transformação no fazer pedagógico, por meio de adequações na instituição escolar e na formação docente.

Na entrevista realizada, as professoras, de forma geral, atribuíram as dificuldades dos alunos a causas internas destes ou a suas famílias. Os professores, na tentativa de preservar sua prática, consideram de imediato que o fato de seus alunos não aprenderem está ligado a questões internas destes, e não a questões escolares. Deste modo, torna-se necessário auxiliar aos docentes na realização de uma leitura diferenciada das dificuldades escolares. Cabe a todas as escolas buscar oferecer um ensino de qualidade a qualquer aluno, independentemente de ele apresentar dificuldades de ordem cognitiva, afetiva ou social. Para tanto, mudanças reais precisam acontecer no âmbito educacional.

Mostrou-se também nesta pesquisa, de maneira geral, que a percepção dos professores sobre os desempenhos gerais em leitura e escrita dos alunos correlaciona-se com a avaliação destas habilidades. Os professores não são sensíveis na discriminação de alunos que estejam se desenvolvendo conforme o esperado daqueles que apresentam dificuldades de leitura e escrita. Porém, algumas discordâncias encontradas sugerem que outros fatores, além dos específicos relacionados à aprendizagem da leitura e da escrita, podem influenciar na classificação feita pelos professores ou que estes não estão bem preparados para detectar as diferenças mais sutis nessas habilidades. A comparação das avaliações do professor com o teste Bender mostrou que existe uma alta variabilidade de escores e estatisticamente há diferenças significativas entre estas provas, mostrando a falta de conhecimento do grupo em relação ao processo de desenvolvimento da leitura e escrita, onde um atraso não significa ausência, mas um problema momentâneo, que pode ser facilmente solucionado. Não podemos deixar de salientar o perigo de uma avaliação escolar parcial e imprecisa, que funciona como um rótulo e não como uma análise do processo de ensino-aprendizagem.

É preciso considerar que, embora os dados das avaliações pedagógica e psicológica sejam importantes dentro do diagnóstico, eles devem estar associados a outros dados avaliadores como fonologia, neuropsicologia, além da função neurológica propriamente dita. Pensamos que este estudo serve para estreitar os laços entre a psicologia e educação, duas áreas que atuam na formação da criança e do adolescente e que só poderão fazê-lo em sua plenitude se partilharem saberes e fazeres dentro do cotidiano da escola.

 

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Correspondência:
Sylvia Maria Ciasca
Departamento de Neurologia FCM/UNICAMP
Caixa Postal 6111
Campinas - SP - Brasil - 13083-970
E-mail: sciasca@mpc.com.br

Artigo recebido: 08/01/2007
Aprovado: 16/03/2007

 

 

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.

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