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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.24 no.74 São Paulo  2007

 

ARTIGO ESPECIAL

 

Perfil do professor inclusivo

 

Inclusive teacher profile

 

 

Nívea Maria de Carvalho FabrícioI; Vânia Carvalho Bueno de SouzaII; Elma Elizabeth A. de Souza GomesIII

INívea Maria de Carvalho Fabrício - psicóloga, psicanalista, psicopedagoga e terapeuta familiar, Diretora do Colégio Graphein
IIVânia Carvalho Bueno de Souza - pedagoga, psicopedagoga e especialista em mediação, Diretora do Colégio Graphein
IIIElma Elizabeth Arruda de Souza Gomes - bióloga, pedagoga e psicopedagoga, Coordenadora do Colégio Graphein

Correspondência

 

 


RESUMO

Algumas reflexões sobre a Inclusão nos levam a tentar construir o perfil de um professor inclusivo, discutindo características que possam garantir práticas inclusivas adequadas às singularidades do aprendente. Entre essas se destaca a habilidade de promover a integração entre e intragrupo. Esta troca possibilita a cada aluno a descoberta de suas habilidades e singularidades, permitindo-lhe valorizar suas características e potencialidades, e reorganizar sua auto-imagem.

Unitermos: Capacitação. Transtornos de aprendizagem. Educação especial. Mainstreaming. Docentes.


SUMMARY

Some reflections about inclusion lead us to the attempt of building the profile of an inclusive teacher, discussing some characteristics that may guarantee inclusive practices adjusted to the singularity of the learner. Among these, we highlight the ability to promote integration between and within groups. This exchange allows each student to discover his/her abilities and singularities, allowing him/her to value his/her own characteristics and potentials and reorganize his/her self-image.

Key Words: Training. Learning disorders. Education, special. Mainstreaming. Faculty.


 

 

INTRODUÇÃO

Para que se possa pensar no perfil de um professor capacitado para trabalhar com inclusão é interessante que algumas considerações sejam feitas. Ao longo destes últimos anos, muitos equívocos aconteceram, embora as idéias sobre inclusão estejam sendo cada vez mais aceitas e praticadas. Em função até da obrigatoriedade por lei1,2, muitas tentativas ocorreram, mas por falta de um propósito real ou de condições organizacionais e de conhecimento para desenvolver práticas inclusivas, poucas obtiveram sucesso3,4. O importante é que forneceram muito material para reflexão e discussão. Ficou claro que inclusões mal feitas levam ao descrédito a possibilidade tão importante e, por que não dizer, condição essencial para que a educação construa uma sociedade mais evoluída e mais justa.

Como conseqüência, temos uma evolução constante deste conceito e das idéias que norteiam as práticas inclusivas. Já sabemos que incluir não é normatizar as pessoas, não é criar técnicas e práticas para as pessoas alcançarem um padrão estabelecido. Hoje, já percebemos que a inclusão pressupõe que alguém a ser incluído necessita ter suas singularidades respeitadas, trabalhadas, desenvolvidas e integradas às do grupo que o receberá. O grupo deverá ser trabalhado, desenvolvido e integrado às peculiaridades do indivíduo, para acolhê-lo de forma adequada e construtiva. Então, inclusão pressupõe aprendizagem de todos, isto é, acomodação, assimilação e, portanto, adaptação de quem entra e de quem recebe5. A tão esperada autonomia decorrente da inclusão e da educação não pode mais ser construída com base na adequação a um padrão. Todos sabemos que se adequar a um padrão sem significado para a pessoa não constrói a sua autonomia. Hoje, construir alguém com autonomia pressupõe desenvolvimento de habilidades e competências6-8, da percepção de si mesmo, de suas possibilidades, de seus desejos e, especialmente, das potencialidades existentes. Potencial que pode ser desenvolvido como se subíssemos "uma escada imaginária" e fôssemos ganhando degrau a degrau, gerando no indivíduo a possibilidade de quebrar seus medos e suas defesas, além da descoberta de experimentar o "fazer a sua maneira", sem medo de errar, pois "o errar" faz parte da sua aprendizagem. Mas sabemos, também, o quanto ainda existem equívocos por parte de educadores e familiares em relação à construção desta autonomia: esperam-se respostas que devam corresponder exatamente à expectativa dos adultos, pais ou professores. É terrivelmente destrutivo para a auto-imagem do aprendente, quando encontramos pais fazendo lição de casa para o filho, pensando em corresponder a estas expectativas, impedindo que a criança ou o adolescente descubra e valorize o seu "jeito de fazer", o seu "jeito de ser".

Pensando nestas questões fundamentais para o desenvolvimento de um modelo inclusivo, em que a auto-imagem do indivíduo incluso e a heterogeneidade de uma sala de aula sejam soberanas e respeitadas, percebemos a importância de refletir sobre o perfil e a capacitação do professor que trabalha com a geração atual9, a chamada "geração tecnológica". As crianças e adolescentes de hoje, em função do contato com inúmeras e variadas informações, compõem um alunado cada vez menos padronizado. É preciso que os professores conheçam os objetivos atuais da Educação, decorrentes do grande desenvolvimento tecnológico, que exigem do professor condições internas de não se impactar e poder lidar com o novo10. Assim, desenvolver habilidades para trabalhar com salas de aulas heterogêneas é algo que se faz cada vez mais premente!

O interesse deste artigo é focar como os professores, educadores, ensinantes e famílias de aprendentes, definidos como possuidores de alguma diferença, pensam e trabalham a chamada inclusão escolar. Inclusão aqui, não só daqueles que apresentam alguma diferença11,12 mais evidente mas, de toda a população escolar atual13,14, que pode ser considerada hoje como um conjunto de singularidades15-17.

 

ALGUMAS REFLEXÕES QUE PODEM AJUDAR

Neste momento em que as idéias e práticas sobre inclusão estão sendo tão discutidas, é interessante pensar que todas as pessoas passam por experiências semelhantes. Isto é, uma reflexão sobre o transcorrer da vida de qualquer ser humano pode construir a nossa percepção de que, todo momento, de forma mais ou menos evidente, há vivências que resultam em sensação de inclusão e outras de exclusão. Reconhecer isto pode facilitar o aparecimento de novas idéias e práticas que promovem a inclusão da qual tanto se fala, hoje. Observando a padronização em contraposição à heterogeneidade, perceberemos que alguns movimentos de inclusão sem preparação adequada se transformam, sutil ou evidentemente, em exclusão.

Para isto, rever alguns aspectos históricos da Educação é importante.

As diferentes bases filosóficas que determinam as práticas educacionais geraram, ao longo do tempo, posturas muito diferentes na educação familiar e escolar. Num primeiro momento, considerava-se a criança como "uma folha em branco", que com a Educação seria preenchida por conteúdos considerados necessários e bons para ela e para a sociedade. Num outro momento, considerou-se que as crianças nasciam com conteúdos internos positivos e negativos, em potencial, que com a Educação seriam selecionados, eliminados os negativos e, conservados e desenvolvidos os positivos. Mais recentemente, uma nova visão considera que as pessoas nascem com conteúdos em potencial, que a priori podem ser considerados positivos ou negativos e, a Educação fará o papel de integrá-los, conservando todos, pois formarão um conjunto harmonioso que revela o sujeito singular. Certamente, estas três visões convivem neste momento histórico e aparecem tanto na educação familiar como na escolar.

Nos dois primeiros momentos, o que fica evidente é a padronização. Educar por meio da e para a padronização.

No início, a padronização na Educação acontecia em conseqüência de muitos medos e dúvidas veiculados pelas recomendações religiosas. É interessante aqui lembrar a "caça às bruxas" na Idade Média e a ação dos jesuítas na "educação do índio brasileiro", exemplos que ilustram o quanto as diferenças eram combatidas e a padronização cultuada. A relação primária entre os portugueses e índios, na época da equivocada "descoberta do Brasil", já deixa posto como será a relação ensino/aprendizagem neste país: poderosos ensinando primitivos considerados imersos na ignorância, que tiveram absolutamente desconsiderados seus conhecimentos e hábitos, interesses e habilidades18..

Depois, decorrentes das muitas certezas e expectativas do poder humano, geradas pelo que as Ciências prometiam e garantiam acontecer. Ciências que, hoje, vêm agregando cada vez mais a idéia de que incertezas também fazem parte de suas leis e ainda há muito por se conhecer.

Estas idéias formavam as bases que sustentavam o ato de educar. Tantos receios e certezas na educação geraram inúmeros exageros e muitas experiências de exclusão, que acabaram por desencadear muitos movimentos de defesa da liberdade, da valorização da diferença e de combate ao exagero da valorização do padrão. Apareceram em vários lugares do mundo, conflitos, guerras, e também movimentos culturais e sociais mais pacíficos. Por um período, estes movimentos foram aparecendo e equívocos também surgiram, como a abusada liberdade sexual e o uso e abuso de drogas.

Desde o fim do último século, todas estas idéias e práticas convivem e geram novas formas de pensar e agir quanto à valorização das diferenças. A tentativa, agora, é de não considerar nada positivo ou negativo, certo ou errado, maior ou menor, em relação a um padrão. É pensar em cada pessoa como um ser com direitos ao desenvolvimento, ao bem-estar e à cidadania, assim como com os deveres de responsabilizar-se por si próprio e de respeitar o outro e a natureza. Os limites, as regras, o modo de ser e viver não seriam mais estabelecidos pelo padrão a ser seguido, mas pela convivência harmoniosa consigo próprio, com os outros e com o meio ambiente. O que há para ser respeitado não são mais as dificuldades ou diferenças e, sim, as singularidades.

No momento, o grande desafio é como colocar em prática estas idéias. Como, num mundo concretamente organizado sob a égide da padronização, reorganizá-lo para atender a todos em suas diferenças. Como gerar uma revisão de idéias para que surja a percepção de que a crença de que todos são iguais não tem correspondência na realidade. Cada indivíduo é único em sua forma de ser e, em conseqüência, em sua forma de relacionar-se, de vivenciar cada situação, de experimentar e de aprender. Por isto, necessita de um professor-ensinante, capaz de identificar as necessidades da sala de aula e as peculiaridades de cada um do grupo. É possível que esta seja a grande dificuldade e uma pergunta talvez possa balizar o pensamento atual: como seria esta reorganização? Será que ao pensar em reorganização não se estaria pressupondo uma negação de toda prática anterior e construção de algo absolutamente novo? É um cuidado que se deve ter para que, ao valorizar as diferenças como singularidades, não se queira construir uma nova forma de padronização. Não que se deseje conscientemente isto, mas poderá aparecer em conseqüência da operatividade mental de todos nós, educados dentro de uma proposta padronizante. Esta é uma dificuldade real daqueles que trabalham com a inclusão.

O desenvolvimento atual da Psicopedagogia poderá contribuir muito, oferecendo espaços para reflexão e discussão adequados para desenvolver e aperfeiçoar novas práticas educacionais. Com isto, concretizaremos, com sucesso, as idéias de inclusão.

 

ASPECTOS RELACIONADOS AO CONHECIMENTO

O professor precisa ter conhecimento bem construído em sua área de atuação, além de manter-se em permanente atualização, considerando o ritmo acelerado do conhecimento humano em geral. Buscar informações e aprender a selecioná-las são novas habilidades que o professor não pode deixar de desenvolver. Ser um "eterno aprendiz" garante ao professor a possibilidade de colocar-se na posição de aprendente e, portanto, do aluno. Estar em contato com seu modo de aprender, com sua singularidade, pode dar ao professor melhor acolhimento e compreensão das singularidades de seus alunos e do processo de aprendizagem19.

Assim como aperfeiçoar o conhecimento específico, conhecer teorias pedagógicas e técnicas didáticas bastante variadas é fundamental. Aqui, não com o sentido de adotar posições radicais defendendo o uso de uma ou outra, mas com o objetivo de compor um conjunto de recursos mais rico, considerando que, ao trabalhar com singularidades, a metodologia mais adequada é aquela que faz com que a aprendizagem aconteça.

É imprescindível um suficiente conhecimento de teorias sobre aspectos relacionados ao funcionamento psíquico do ser humano, relativos ao indivíduo e à dinâmica de grupos20,21. É importante a dinâmica familiar e a rede social a qual o aluno pertence22, influenciando e determinando comportamentos. Com isto, o professor poderá perceber que as famílias também precisam ser acolhidas e orientadas e, as conversas com os pais passarão a ter um caráter mais construtivo.

Mas, atualmente, é necessário ter mais do que isto. É preciso estar disposto a entrar em contato com o conhecimento em geral, ser um "generalista", além de ser um especialista. É preciso estar em estreito contato com o que está acontecendo nas diversas áreas de atividades humanas e, manter-se informado sobre o que está acontecendo dentro e fora do nosso meio. Isto pressupõe uma atitude diferenciada para as informações, que não serão vistas apenas de forma recortada, mas como se articulam, como se integram, propiciando uma constante revisão interna do próprio conhecimento. Em conseqüência, teremos professores sempre mais dispostos a ouvir, entender e desenvolver as informações trazidas pelo aluno (o que acontece cada vez mais), ainda que sejam desconhecidas por si.

E, para que se possa trabalhar com inclusão, pensamos que, mais do que tudo isto, é preciso desenvolver um tipo de operatividade mental que trabalhe em rede23, que funcione de forma sistêmica. O professor deve pensar em cada um dos seus alunos como pertencente a uma rede de relações e, portanto, com características resultantes da integração entre o que têm em potencial e as experiências relacionais que tiveram desde o seu nascimento, tanto com pessoas como com o mundo material: pequena e grande família, amigos e conhecidos, primeiras experiências escolares, assim como todo o contato com recursos diversos e a tecnologia. Só assim é que as observações, os conhecimentos e as experiências no exercício docente poderão ser articulados, compostos, arranjados de formas variadas e criativas e atender às demandas decorrentes das muitas singularidades. Decorrente disto, os conteúdos de várias disciplinas, planejados para uma mesma série ou grupo de alunos, podem ser apresentados, trabalhados e avaliados sempre articulados com um tema integrador, que pode ser escolhido pelo professor ou pelos alunos. Uma ação didática deste tipo atende a importância de um trabalho docente não só interdisciplinar, como transdisciplinar24, facilitando a aprendizagem por torná-la significativa para os alunos, que pertencem a uma rede, da qual, na verdade, todos fazem parte e possuem um funcionamento mental que também funciona em rede25-27.

 

ASPECTOS RELACIONADOS À ATITUDE

Um professor que faz um planejamento maravilhoso, mas não se mantém em permanente estado de observação em relação aos seus alunos, corre o risco de não ter sucesso no seu trabalho. É preciso que tenha como pressuposto que seu trabalho é preparado para o aprendente, portanto, é este aprendente que, de forma clara ou por meio de pistas, vai nos dizer se o planejamento feito para ele está adequado ou não, determinando a necessidade de replanejar tantas quantas vezes quanto for necessário28. Isto nos vai fazer prosseguir, superando obstáculos, como o rio contornando barreiras.

É imprescindível que, a todo momento, o professor avalie o aluno e seu próprio trabalho, para avaliar se o conhecimento está sendo construído, se o aluno está construindo os conceitos que estão sendo trabalhados. É preciso que analise as avaliações dos alunos com um olhar diferente, além de classificar o desempenho do aluno em certo ou errado, procure "desvendar" o erro. Por "desvendar" entendemos descobrir a gênese do erro e, então, apontar o equívoco cometido e obter dados para o seu replanejar, facilitando a reorganização do pensamento do aprendente e, portanto, a aprendizagem.

Estes dois aspectos que constroem, para o professor, uma avaliação do seu próprio trabalho, têm como decorrência importante: a relação ensino/aprendizagem, que antes pressupunha o professor ocupando permanente a posição de maior poder, agora passa a funcionar de outra maneira, transformando-se em relação de ensinagem/aprendizagem. Nesta última, alunos e professores ocupam alternadamente a posição de ensinante e aprendente29-31.

O que garante esta possibilidade é o estabelecimento de uma relação vincular que precisa ser estabelecida entre o professor e o aluno32. Relação que pressupõe não um vínculo preestabelecido de submissão, de poder do professor exercido verticalmente em relação ao aluno. Aqui, estamos falando de uma postura do professor que permite veicular para o aluno suas reais intenções de ouvir, e considerá-lo como um ser singular. Isto é, ao aluno será dada a percepção de que o professor está interessado, está apostando em sua aprendizagem. E, embora possa haver muitos tropeços, é isto que deve ser alcançado. Assim, ainda que haja desacertos, a confiança será uma característica presente na relação e o aluno sentir-se-á acompanhado, amparado, sentindo que o professor está caminhando junto com ele.

É fundamental para o professor a possibilidade de trocar, de compartilhar, de contar com seus pares de equipe pedagógica e com coordenadores e orientadores. Embora seja consenso não existir mais a idéia do professor "sabe-tudo", no cotidiano, muitos professores ainda não expõem suas dúvidas e dificuldades porque se sentem envergonhados por não saber o que fazer. Está embutida aí uma atitude de julgamento em relação a si mesmo, que leva a atitudes também de julgamento em relação aos outros e, portanto, aos alunos. Estamos usando aqui a palavra julgamento para veicular uma idéia equivocada que fica associada: o erro padrão, isto é, o erro como algo que é considerado apenas quanto ao aspecto negativo, e não como uma fase da aprendizagem em geral, tanto de conhecimentos como de habilidades e atitudes. A construção do conhecimento também acontece como se estivéssemos subindo uma escada: cada degrau alcançado é mais do que o anterior, mas podemos, em muitas situações, voltar para degraus abaixo daquele em que estávamos.

Então, é preciso que o professor "sabe-tudo" seja substituído pelo professor que tem sabedoria. Certa vez, convidadas para uma palestra, em uma universidade, ao entrar na casa de professor visitante, observamos uma placa onde se lia "Casa do Saber". Foram mobilizados muitos sentimentos e pensamos que a denominação mais adequada seria "Casa da Sabedoria". Porque sabedoria é resumidamente saber que "não se sabe", dar-se conta de que não sabemos sobre o outro e mesmo sobre nós mesmos, já que estamos falando aqui sobre o saber como algo da ordem do desejo, do inconsciente. O professor que, com uma postura respeitosa sobre a condição humana, reconhece em si mesmo a impossibilidade de saber tudo, abre caminhos para que o aluno construa conhecimentos, mas principalmente, sua sabedoria.

Para adquirir esta prática mais rica e acolhedora, o professor precisa refletir sobre si mesmo, sobre seus interesses e desejos, mas, também, sobre dificuldades, sobre aquelas pelas quais passa ou passou, como aprendeu e como aprende. Aqui, estamos falando de metacognição, que uma vez exercitada passa a ser um recurso didático a ser usado pelo professor, que terá condições de ajudar cada um de seus alunos a conhecer o próprio modo de pensar, de aprender33,34. Também, aproximar-se de seus medos de não saber, de não ser competente, permitindo-se descobrir seus "não-saberes". Assim, adotar uma postura reflexiva e empenhar-se em reconhecer, em sua própria experiência de vida, situações de inclusão e de exclusão, ajudará na construção de recursos pessoais que, num planejamento individual ou num trabalho em equipe, vão aparecer gerando idéias e estratégias que concretizem a prática da inclusão.

 

CONCLUSÃO

Não podemos deixar de apontar que a formação consistente na sua área específica de atuação e pedagógica, o empenho em manter-se atualizado, a disposição para planejar e replanejar sempre, a postura observadora e pesquisadora e outros aspectos discutidos até aqui garantam a ação inclusiva. É necessário, ainda, um pouco mais.

Em primeiro lugar, podemos pensar na questão que relaciona o modo de ser do professor aos princípios que regem não só sua atividade profissional como sua vida em geral. É necessário que haja uma disponibilidade interna, resultado de um conjunto de princípios35, que é a fonte de energia e idéias que caracterizam um professor como inclusivo. É preciso que tenha como propósito a inclusão. Todos sabemos que a inclusão, embora garantida por lei, não se concretiza apenas por isto. Para tornar-se uma prática real, concretizar-se, a inclusão depende da disponibilidade interna dos que estão envolvidos com ela. É por isso que defendemos que idéias e sentimentos dos professores sobre a inclusão devem ser respeitados. Participar de projetos de inclusão precisa ter um caráter de convite, que será imediatamente aceito por aqueles que já têm uma construção interna que acolhe a inclusão ou, poderá ser aceito por aqueles que ainda não apresentam, mas se dispõem a desenvolver tal condição interna. Serão rejeitados pelos que não têm esta disponibilidade interna. Não concordamos com a obrigatoriedade de que todo professor deva ser inclusivo, ou trabalhar com inclusão.

Além disso, é preciso ser resiliente. A resiliência36 é um conceito ainda em construção, mas que tem características já bastante definidas. Algumas delas são: poder lidar com frustrações, com situações em que as expectativas pessoais não são atendidas; reconhecer e transformar emoções, não permanecendo na posição de culpa ou na situação de vítima; ter flexibilidade suficiente para avaliar a situação e criar novas ações, olhando as dificuldades como desafios e com o firme propósito de transformar obstáculos em caminhos, problemas em recursos. É importante lembrar que a inclusão nos traz muitas dificuldades, que devem ser vistas como uma sucessão de desafios, já que nos traz sempre o inesperado, o imprevisto, o não planejado, o desconhecido.

Decorrente disto, outro aspecto pode ser discutido. Para manter-se em permanente aprendizagem, é necessário um exercício constante de revisão do que é determinado pelo nosso imaginário, que pressupõe que o professor deva saber tudo e sempre. Deixar esta posição, embora já faça parte do discurso de grande parte dos educadores, não é fácil. É preciso estar alerta para não ocupá-la e poder assumir a posição de "não saber", garantindo a permanente situação de aprendente e estar disposto a ouvir, refletir, a discutir, a rever, a trocar, em especial, aceitar a não compreensão do aluno. Para isto, é condição essencial que o professor, na relação com o aluno, tenha uma atitude com maior grau de humildade, para trocar mais e construir novas práticas, e enriquecer muito o seu trabalho. Como decorrência, é precioso o que acontece: o professor percebe-se mais respeitado pelos alunos e descobre como sua competência e autoridade tornam-se mais evidentes. O professor pode dar-se conta, então, de que não perdeu o poder como pode parecer, mas que o exerce de uma outra forma: ouvindo seus alunos e podendo atendê-los realmente.

Finalmente, todos estes aspectos discutidos podem não estar presentes nas pessoas, mas certamente podem se desenvolver, podem ser construídos, podem se estabelecer. O que garante isto é que cada professor, disposto a desenvolver estas características, tenha uma atitude realmente promissora: que se permita incluir-se, que se permita viver experiências de inclusão, descobrindo o valor e a riqueza de manter-se em permanente estado de relação positiva com seus pares, com sua equipe de trabalho, com seus orientadores e coordenadores. Aqui, apontamos para a importância da participação de um psicopedagogo na equipe que, com sua formação, atuará como facilitador destas relações e contribuirá para o desenvolvimento da equipe. Participar de grupos, ter um trabalho menos solitário, aceitar e oferecer, isto é, trocar idéias, recursos, experiências, sugestões, constrói a possibilidade de nos sentirmos incluídos, de vivermos novas experiências de inclusão pessoal. E, assim, abrir caminhos e criar formas de atuação que garantam a inclusão do outro, de tantos outros que se encontram em situação de exclusão.

 

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Correspondência:
Colégio Graphein
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E-mail: fabrinivea@terra.com.br

Artigo recebido: 15/07/2007
Aprovado: 30/07/2007

 

 

Trabalho realizado no Colégio Graphein, São Paulo, SP.

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