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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.24 no.75 São Paulo  2007

 

ARTIGO ESPECIAL

 

A primeira década da Psicopedagogia no Distrito Federal e a Educação

 

The first decade of the Psychopedagogy in the Federal District and the Education

 

 

Maria Therezinha de Lima MonteiroI; Eline Lima AzevedoII; Mariângela GonçalvesII; Marlene BritoII; Maria Augusta ChagasII; Cláudia DantasII

IDoutora em Orientação Educacional, especialização em Psicologia Educacional pelas Universidades "Georgia State University" e "Emory University", USA.; Curso de Doutor em Psicologia, especialização em Psicologia do Escolar pela USP; Mestre em Aconselhamento Psicológico em Escolas do Ensino Fundamental pela Georgia State University, USA. Graduações: Pedagogia, Psicologia e Ciências Jurídicas e Sociais. Professora de Epistemologia Genética no curso de pós-graduação "lato sensu", em Psicopedagogia na Universidade Católica de Brasília - UCB
IIMembros da atual Diretoria da Associação Brasileira de Psicopedagogia-Seção Brasília- ABPp-Seção Brasília

Correspondência

 

 


RESUMO

A Associação Brasileira de Psicopedagogia-Seção Brasília completa mais de dez anos de atuação na capital federal, realizando encontros, congressos nacionais e internacionais, seminários e atividades junto à Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal. Como precursora e primeira presidente da ABPp-Seção Brasília, juntamente com membros da atual diretoria, decidiu-se apresentar os resultados desses trabalhos e seu impacto na educação. O estudo focalizou a atuação dos psicopedagogos nas escolas pública e particular, bem como em outras instituições, como clínicas, hospitais, ONGs, etc. Com uma amostragem de 240 especialistas na área, aleatoriamente extraída de uma população de 600 psicopedagogos, procurou-se avaliar as técnicas de intervenção psicopedagógica nos parâmetros da linha de trabalho adotada, os resultados obtidos e realização profissional. A satisfação na situação de trabalho, as dificuldades enfrentadas e o grau de preparo oferecido pelos cursos de especialização "lato sensu" foram também focalizados. O impacto da psicopedagogia na educação na capital federal está refletido, essencialmente, nos trabalhos da Equipe de Avaliação e Apoio da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal.

Unitermos: Psicopedagogia. Pedagogia. Psicologia. Psicogênese.


SUMMARY

The Brasília Chapter of the Brazilian Association of Psychopedagogy has been active in the Federal District for more than ten years, holding meetings, national and international conferences, seminars and activities in collaboration with the Office of Education of the Federal District. As precursor and the first president of that body we, together with the directory members, find it appropriate to present to the people some of the results of this work and its impact upon education. The intent of the study was to bring to light the fruits of some of our endeavors. The activities of the psychopedagogues in the public and private schools and in other institutions such as clinics, hospitals, ONGs etc, were also considered. With a sample of 240 psychopedagogues selected randomly from a population of 600 specialists in the area with the intention to evaluate their techniques of psychopedagogical intervention, in terms of lines of work and results obtained, as well as professional self-realization. The impact of psychopedagogy on the education of the Federal Disctrict is essentially reflected in the assessment staffs of the Office of Education of the Federal District.

Key words: Psychopedagogy. Pedagogy. Psychology. Psychogenesis.


 

 

INTRODUÇÃO

A preocupação com a qualidade da educação entre nós começou a ter efeitos nas políticas públicas após as eleições para governos estaduais em 1982, perante estudos que mostravam que, além dos problemas de acesso à educação, ou seja, da falta de vagas disponíveis para a população nas diversas faixas etárias, existiam sérios problemas afetando a permanência dos educandos na escola, causados principalmente pelos altos índices de repetência, que acabavam por levá-los a desistir de estudar1. As taxas de repetência e a porcentagem de crianças de sete a quatorze anos fora do ensino fundamental passaram a ser utilizadas como indicadores de ineficiência dos sistemas1.

Pesquisa sobre o Impacto Social do Programa Bolsa-Escola no Distrito Federal2, ao lado de várias contradições implícitas no programa, detectou o baixo rendimento escolar nas turmas visitadas de modo geral e, especialmente, entre as crianças bolsistas. Alguns diretores chegaram a declarar que a escola não estava preparada para receber tal clientela (bolsista) e as mães reivindicavam a melhora do programa e dos(as) professores(as). Na realidade, a educação de baixa qualidade parecia não se adequar à clientela tanto de bolsistas quanto de não bolsistas, cujo índice de reprovação escolar tem atingido, em média, nível de 40% por um período superior a dez anos em todo o país2. As estatísticas indicam que, já na década de 1930, a porcentagem de crianças retidas na primeira série do ensino fundamental era de 53% e, em 1941, de 58,83%, como constata Sawaia3. Essa mesma autora afirma: "nos sessenta anos subseqüentes, sucessivos levantamentos mostram uma cronificação desse estado de coisa"3.

Perante resultados de outras pesquisas, de trabalhos discutidos em mesa redonda e de livros publicados pela presente autora2,4-19 sobre processos construtivos do conhecimento, sobre a autonomia na escola e o desenvolvimento do raciocínio verbal na criança, foi possível constatar a predominância de uma pedagogia centrada no(a) professor(a), com resultados pouco positivos em termos de rendimento escolar. Além disso, traços semelhantes podem ser constatados nos trabalhos de pesquisadores de outros países, que participam dos encontros anuais da Sociedade Jean Piaget, Sociedade Internacional para o Estudo do Conhecimento e do Desenvolvimento. Além do ensino verbalizado, sem que o educando tenha oportunidade de desenvolver operações lógico-aritméticas por meio da reconstrução de experiências, temos detectado um clima emocional denotando violência simbólica no contexto de sala de aula, com a criança, além do mau rendimento, apresentando problemas de comportamento14,20.

A união da pedagogia com a psicologia é de caráter remoto na história da educação e, atualmente, tem se direcionado para a escola pública e particular, focalizando os processos de ensino e aprendizagem. Essa intervenção psicopedagógica não poderá limitar-se a prevenir o fracasso escolar, a título de vacina, mas otimizar os processos de ensino e aprendizagem, tornando a assimilação dos conhecimentos algo saudável, possibilitando a construção da própria inteligência e da saúde mental da criança.

 

JUSTIFICATIVAS

Como precursora e primeira presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia-Seção Brasília, atual conselheira nata, não poderia deixar de apresentar certo interesse em verificar o que resultou dos dez anos de psicopedagogia no Distrito Federal, desde a criação do núcleo sob a custódia da ABPp-Seção Goiás até os dias atuais.

Durante o primeiro ano do núcleo e os dois anos seguintes, com status de ABPp-Seção Brasília, os trabalhos da presidência e de toda a equipe da diretoria se endereçaram para a integração e atuação da psicopedagogia na escola pública e particular. A diretoria era composta por psicopedagogos recém egressos da primeira turma do curso de pós-graduação "lato sensu" em Psicopedagogia da Universidade Católica de Brasília, criado e coordenado nos idos de 1993 a 1996 pela presente autora, em colaboração com a Profª Martha Helena de Freitas Silva. Assim, foi lançada a semente da psicopedagogia em Brasília, tanto com a criação do Curso de especialização na UCB, quanto com a instalação da Associação sob a forma de núcleo, com status de ABPp-Seção Brasília em 1996.

Dessa forma, é do mais alto interesse detectar o grau de influência da psicopedagogia sobre a educação no Distrito Federal.

 

OBJETIVOS

O objetivo geral deste trabalho, uma sondagem sob a forma de "survey", foi detectar o grau de atuação dos psicopedagogos nas diferentes instituições do Distrito Federal.

Como objetivos especiais destacam-se: (a) verificação da influência da psicopedagogia na otimização dos processos de ensino e aprendizagem nas escolas públicas e particulares do Distrito Federal; (b) formação do psicopedagogo na graduação e na pós-graduação "lato sensu"; (c) avaliação da realização profissional do psicopedagogo; e das (d) possibilidades de abertura de cursos de graduação em psicopedagogia.

 

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

A união da psicologia com a pedagogia teve seu início nas escolas experimentais e de aplicação junto às grandes universidades da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte.

No Brasil, como área de especialização, a Psicopedagogia tem se estruturado como corpo de conhecimento e se transformado em campo de estudos interdisciplinares a partir da década de oitenta21.

As preocupações iniciais da Psicopedagogia foram buscar as causas do fracasso escolar nos desvios do desenvolvimento físico e psicológico do educando. Nessa época, segundo Scoz21, a concepção predominante era de caráter organicista e linear, com conotação patologizante que encarava os indivíduos com dificuldades na escola como portadores de disfunções psiconeurológicas, mentais e/ou psicológicas. As causas ligadas a tais disfunções enfatizavam a disfunção cerebral mínima (DCM) e os distúrbios da aprendizagem, em termos de afasias, disgrafias, discalculias, dislexias, considerados como responsáveis pelo fracasso escolar. Uma vez que o fracasso estava ligado a uma disfunção neurológica, a criança não podia responder pelo próprio fracasso e o(a) professor(a) não acreditava que pudesse fazer algo pelo educando. A intervenção médica, por meio de medicamentos e da rotulação da criança, portadora de tais problemas, justificavam a não aprendizagem21. Posteriormente, a carência cultural foi colocada como causa dos problemas de aprendizagem.

Segundo Sawaia22, a escola e o ensino eram objetos de interesse dos psicólogos brasileiros. A criação de serviços direcionados ao atendimento da criança com problemas de aprendizagem justifica tal interesse. Assim, em 1906 há o registro de um laboratório de psicologia pedagógica no Rio de Janeiro; em 1914, de um gabinete de psicologia científica na Escola Normal Secundária de São Paulo. No Rio de Janeiro, educadores e psicólogos preocupavam-se com a saúde mental do educando, direcionada mais para uma abordagem médica. Na década de vinte, observa-se um movimento mundial de prevenção e atendimento das questões de saúde mental, com repercussões no Distrito Federal, nessa época, Rio de Janeiro. Na década de quarenta, cria-se a Secretaria de Saúde no Rio de Janeiro, com atendimento de escolares com dificuldades diversas. Na década de cinqüenta, criam-se classes especiais para alunos portadores de deficiência mental. Nessa mesma década, a Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul toma iniciativa de estudar e de pesquisar a educação e a linguagem, em parceria com o Centro de Educação da Universidade de Genebra. Na década de sessenta, criou-se o Departamento de Educação Especial no Estado da Guanabara, com atendimento de crianças com dificuldades. Nessa mesma década, surge a Psicopedagogia Clínica no Brasil e na Argentina, endereçada à compreensão do fracasso escolar individual e, no Rio Grande do Sul, surgem as clínicas de leitura, com atendimento de crianças com dificuldades nessa aprendizagem. Na década de setenta, o número de Clínicas de Leitura no Estado do Rio Grande do Sul atinge a cifra de 324 e, em São Paulo, organizam-se cursos voltados para as dificuldades escolares, com atendimento clínico de crianças da rede pública na Clínica da PUC-São Paulo23. As dificuldades de aprendizagem eram entendidas como provenientes de disfunções neuromotoras, englobadas sob a denominação de Disfunção Cerebral Mínima - DCM. Em 1979, cria-se o primeiro curso regular de Psicopedagogia em São Paulo, no Instituto Sedes Sapientiae24. O curso apresentou a característica de propor uma visão mais integrada do sujeito da aprendizagem. Na década de oitenta, o insucesso escolar passa a ser compreendido de modo diferente, com dois movimentos inovadores e paralelos: (a) um na direção da compreensão do fracasso escolar e (b) outro, na direção da clínica, com ambos buscando novo olhar, o institucional, defendido por Gatti25 "buscando as causas das dificuldades dos alunos não apenas nas características psicossociais do aluno pobre, mas partem para a análise dos mecanismos intra-escolares, na seletividade social da escola, privilegiando a investigação de aspectos estruturais, funcionais e da dinâmica interna da instituição escolar". Os profissionais atuantes na área clínica eram provenientes dos cursos de Pedagogia, de Fonoaudiologia e de Psicologia. Defendiam que a reeducação psicopedagógica, enquanto intervenção adaptativa, não atendia o educando nas suas questões singulares. Nem sempre as dificuldades estavam ligadas ao manejo institucional inadequado, levando às dificuldades de ordem reativas, que provocavam inibição cognitiva, cabendo considerar as relações do aprendente com o conhecimento25. Na década de oitenta, inaugura-se uma visão dinâmica da queixa escolar. A influência de psicopedagogos da América Latina e de autores europeus vem refletir nova luz na compreensão do fracasso escolar, a partir de uma visão mais integrada, considerando o sujeito da aprendizagem inserido num contexto. Dentre estes estudiosos destacam-se Ana Maria Rodrigues Muñiz, Alícia Fernades, Ana Teberosky, Bernardo Quirós, Emília Ferreiro, Jorge Visca, Jacob Feldman, Mabel Condemarin, Sara Pain, em diferentes épocas, oferecendo cursos, seminários e editando obras fundamentando um novo modelo de intervenção clínica23. Diferentes disciplinas passam a compor a grade curricular do curso de psicopedagogia, oferecendo abordagem mais abrangente do sujeito da aprendizagem: psicologia genética, antropologia, sociologia, psicanálise, psicologia social operativa, psicolingüística, pedagogia terapêutica, neurologia e outras.

Na mesma década de oitenta, criou-se o Laboratório de Psicopedagogia - LAPp, no Instituto de Psicologia da USP, coordenado por Lino de Macedo, como um centro de capacitação de educadores e de psicopedagogos, focalizando-se, essencialmente, os jogos de regras, na perspectiva da psicogênese.

Na década de noventa, intensifica-se a visão de sujeito psicológico, com a contribuição de Jean Maria Dolle, com articulações entre a psicanálise e a educação22.

Com a expansão da Psicopedagogia na década de noventa, intensifica-se a produção de pesquisa.

Se na década de setenta, a patologia da época era a DCM, hoje a preocupação é com a síndrome do déficit de atenção e hiperatividade e com a dislexia. Os aspectos orgânicos do sujeito da aprendizagem estão sempre presentes, mas a solução é buscar técnicas alternativas para atender ao educando. Os princípios psicogenéticos do desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral têm muito a oferecer tanto para a solução do déficit de atenção e hiperatividade quanto da dislexia. Sabe-se hoje, após estudos de psicogenética, que o grau de concentração de atenção da criança do período operatório concreto, de sete a onze ou doze anos, sem solução de continuidade, para comunicações inteiramente verbais é de um quarto de minuto ou quinze segundos, não acontecendo o mesmo quando ela manipula o material didático18,26, com possibilidades de retroação e de antecipações na análise das relações. As estruturas lógicas elementares27, em seu processo de desenvolvimento na criança, oferecem subsídios valiosos para a compreensão da dimensão formal do conhecimento, uma vez que o sujeito do conhecimento apresenta-se como uma integração das dimensões epistêmica (aspecto formal) e psicológica (aspecto real). A consideração das dimensões formal e real do conhecimento reflete muita luz sobre o "como" se dá a transmissão cultural na educação4. Não basta o "desejo" de aprender, pois tal disposição motivacional em grande parte é fruto da diferenciação entre significante e significado. A articulação de conhecimentos, com elaboração de conteúdos, se faz por meio do agrupamento das operações que se desenvolvem por deslocamentos espaciais na exploração do objeto (conteúdos), sofrendo processos de reconstrução e de ressignificação no nível verbal, graças aos processos dialéticos entre retroação e antecipação na análise das relações28.

Ora, se a queixa geral de pais e de professores é o desinteresse do educando pelos conteúdos a serem assimilados e, teoricamente, transmitidos pelos mais velhos (professores e pais), fica claro que a possível disposição "desejante" do aprendente só acontecerá na situação real de sala de aula se houver condições para o aprendente reconstruir e ressignificar experiências, fazendo diferenciação e integração entre significantes e significados. Para isto, o(a) professor(a) precisa estar familiarizado(a) com os princípios do desenvolvimento em suas várias dimensões. Para Piaget, em seus discursos proferidos aos professores e membros do Conselho de Educação, durante os quarenta anos que foi presidente do Bureau Internacional de Epistemologia Genética, em Genebra, ao professor cabe organizar situações não espontâneas de ensino e aprendizagem, mas provocando reações espontâneas do educando, ou seja, reações dentro de suas potencialidades. Nesse sentido, não cabe falar somente numa "tolerância de esforço", por parte do aprendente, ao enfrentar problemas na compreensão dos conteúdos de aprendizagem23, mas de reconstrução e de ressignificação de experiências, onde o sucesso levará à auto-estima e ao verdadeiro "desejo" de aprender, com base na compreensão dos significados, expressos de modo adequado por significantes nos parâmetros da sintaxe.

A Psicopedagogia, nessa perspectiva da Epistemologia Genética, deixa de ser um trabalho somente preventivo, no sentido de se evitar a dor do fracasso escolar, para se constituir na via de promoção do sucesso escolar, por meio da otimização dos processos de ensino e aprendizagem. Com base nos princípios do desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral da criança, a Psicopedagogia passa a ser a via necessária para a promoção da competência e da saúde mental do educando, desde que comece a atuar já na pré-escola, quando o ritmo de aprendizagem é bastante intenso, com desaceleração acentuada até o nível operatório concreto ao redor dos sete anos, segundo pesquisas e trabalhos de especialistas com crianças vítimas de lesão cerebral29.

Assim, com os estudos de psicogenética muitos problemas de aprendizagem passaram a se relacionar mais com os processos de ensino e aprendizagem do que com uma causa patológica. Além disso, o movimento das escolas novas, em função do desenvolvimento da tecnologia exigindo melhor qualidade da educação, influenciaram a integração da pedagogia com a psicologia e a filosofia, destacando-se essencialmente os trabalhos de Dewey, nos Estados Unidos da América do Norte, de Kerschensteiner, na Alemanha, de Ferrière, na Suíça e outros, focalizando a importância da atividade na aprendizagem, posteriormente discutida e justificada tanto pela psicogenética, durante o século XX, quanto pela neurociência cognitiva, na segunda metade do século XX e neste início de século XXI30. Nessa perspectiva, os procedimentos de ensino e aprendizagem passam a ser focalizados, procurando-se suas explicações no próprio desenvolvimento da criança, cuja passagem de um conhecimento mais simples para outro mais complexo apresenta-se como tema da Teoria do Conhecimento.

Em resumo, a abordagem psicogenética do desenvolvimento da criança apresenta-se de maneira integral, focalizando-se as dimensões cognitiva (lógica), afetiva, social e moral, cujas diferenças culturais refletem diferenças éticas e ideológicas, em termos de uma filosofia da educação27,31-37. Torna-se importante acentuar que o contexto cultural irá refletir não só nos objetivos da educação, como também na ética implícita na interação psicopedagógica situacional9. Ao lado do contexto cultural32, há de se acentuar a lógica implícita nos processos de ensino e aprendizagem27,28, cuja origem situa-se na organização das ações, respondendo pelo desenvolvimento formal do pensamento na construção do sujeito epistêmico, que ao lado do sujeito psicológico (traços culturais) integram o sujeito do conhecimento5.

A Associação Brasileira de Psicopedagogia tem contribuído significativamente para uma nova concepção de Psicopedagogia no cenário educacional brasileiro. A série de eventos promovidos pelas ABPp Nacional e Regionais comprova essa transformação.

Em seu início, sob a denominação de Associação de Psicopedagogos de São Paulo, em 1980, já havia uma preocupação em definir o perfil desses profissionais21. Em 1984, o encontro intitulado "Experiências e Perspectivas do Trabalho Psicopedagógico na Realidade Brasileira", os temas debatidos objetivaram tanto os problemas de aprendizagem como também uma atuação relacionada à qualidade do ensino nas escolas. A necessidade de conhecimentos multidisciplinares foi se impondo gradativamente, cujo encontro de 1986 intitulou-se "Psicopedagogia: O Caráter Interdisciplinar na Formação e na Atuação Profissional", promovendo a participação de profissionais de diferentes áreas científicas, com uma visão abrangente da aprendizagem.

Em 1988, passa a denominar-se Associação Brasileira de Psicopedagogia e realiza o I Congresso e o III Encontro de Psicopedagogos. Nessa época, sua expansão é acentuada em virtude da criação de núcleos associativos em diversos estados do Brasil, posteriormente transformados em seções.

Em 1992, realiza-se o II Congresso e IV Encontro da Associação Brasileira de Psicopedagogia com o tema "A Praxis Psicopedagógica na Realidade Escolar Brasileira"21.

De um enfoque inicial de caráter clínico, centrado nas patologias dos problemas de aprendizagem, posteriormente multidisciplinar, a psicopedagogia passa a dirigir suas preocupações à qualidade da educação escolar.

Em Brasília, o núcleo foi criado sob a custódia da ABPp-Seção Goiás em 1995, transformando-se em ABPp-Seção Brasília em 23 de junho de 1996, com o término do primeiro mandato em 1998 sob a presidência da presente autora, primeira conselheira nata da Seção Brasília.

A psicopedagogia completou dez anos de existência no Distrito Federal em 2006, tendo realizado vários encontros de caráter regional, nacional e internacional.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A presente pesquisa focalizou a formação do psicopedagogo na graduação bem como sua pós-graduação "lato sensu" em psicopedagogia, acentuando-se o local e a data de obtenção do título de especialista, a sua condição de sócio da Associação Brasileira de Psicopedagogia-Seção Brasília (ABPp-Seção Brasília), a eficiência dos cursos de especialização na área e realização profissional, a atuação como psicopedagogo em instituições pública ou particular, as linhas de trabalho e a metodologia adotadas em termos de procedimentos e de materiais utilizados. Além disso, o estudo focalizou também a participação do psicopedagogo em grupos de estudos, a utilização da supervisão e da psicoterapia no sentido de melhorar o trabalho psicopedagógico.

No caso de atuação em instituições escolares, públicas ou particulares, em hospitais, ONGs ou indústrias, solicitou-se a menção das principais demandas, das vantagens, das desvantagens, dos desafios e das conquistas. Além disso, inquiriu-se sobre o posicionamento do psicopedagogo em relação à psicopedagogia como nova área profissional, ao lado da pedagogia e da psicologia, com possibilidades de criação de cursos de graduação na área. Finalmente, solicitou-se a opinião sobre a possibilidade de uma boa formação em psicopedagogia na própria graduação em pedagogia e as vantagens para o futuro trabalho psicopedagógico.

Considerando-se a formação do psicopedagogo na graduação e o tipo de instituição freqüentada, constatou-se que a graduação em pedagogia predominou em 75% dos casos, com 55% freqüentando instituições particulares.

A pós-graduação "lato sensu" em psicopedagogia foi obtida em 55% dos casos na UnB (Universidade de Brasília), universidade pública. A conclusão da pós-graduação na área foi obtida em 60% entre 2000 e 2005, com apenas 15% entre 1992 e 1999, denotando recentidade dessa pós-graduação na capital federal.

Considerando-se a porcentagem de psicopedagogos associados à Associação Brasileira de Psicopedagogia-Seção Brasília, foram constatados somente 40%, denotando certo desinteresse pelo o que a ABPp-Seção Brasília tem oferecido em termos de cursos, palestras ou material publicado. Falta, entre nós, mais empenho e formação em pesquisa, possibilitando a estruturação da nova área científica e sua metodologia. Uma maior integração da ABPp-Seção Brasília com as Universidades, bem como com as instituições escolares dos ensinos fundamental e médio, apresenta-se como fator necessário.

Em relação aos reflexos da pós-graduação "lato sensu" em Psicopedagogia sobre a atuação profissional eficiente dos psicopedagogos, somente 35% deles declararam-se competentes na realização profissional, acentuando-se a obtenção de base teórica sólida com ampliação da visão do processo de ensino e aprendizagem. Além disso, a nova área de atuação tem-se mostrado eficiente na solução de problemas antigos da educação brasileira, como o fracasso escolar, a evasão, a repetência, as dificuldades de aprendizagem e a exclusão escolar. Contudo, em se tratando de nova área científica, em fase de estruturação de campo de atuação e de metodologia, observa-se que a orientação em pesquisa é falha. Além disso, a especialização é oferecida em curto período de tempo. Nota-se a falta de integração da ABPp-Seção Brasília com os centros de pesquisa, ou seja, com as universidades.

Em Brasília, o conflito entre psicopedagogos e psicólogos é bastante grande, chegando-se ao ponto de se substituir a denominação do trabalho psicopedagógico junto à Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal: "A Equipe de Avaliação, Apoio e Atendimento Psicopedagógico" passou ser denominada "Equipe de Apoio à Aprendizagem", cuja coordenação está nas mãos dos psicólogos. Contudo, a equipe de trabalho ainda é composta por psicólogo, psicopedagogo e orientador educacional. Como a área não está regulamentada em todo o país, o atual estudo detectou um aluno freqüentando a graduação em educação e, ao mesmo tempo, a pós-graduação "lato sensu" em psicopedagogia.

Considerando-se a atuação profissional em instituições escolares, pública e particular, ou em outras como ONG ou indústria, o estudo detectou a predominância do trabalho psicopedagógico em instituições públicas em 40% dos casos, principalmente junto à Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal. A psicopedagogia desenvolvida em clínicas apresentou-se em 25% dos casos.

Quanto à linha de trabalho adotada entre os psicopedagogos participantes da pesquisa no Distrito Federal, predominou a sócio-histórica em 30% dos casos e em 20%, a linha psicanalítica. As justificativas acentuaram a necessidade de se unir o sujeito epistêmico (dimensão lógico-matemática do conhecimento) ao sujeito desejante (abordagem psicanalítica). Na realidade, a abordagem da Epistemologia Genética não separa o cognitivo do afetivo e muito menos do cultural. Essa união já foi feita pela psicogênese que considera sujeitos epistêmico (dimensão formal do conhecimento e do pensamento) e psicológico (dimensão afetiva e cultural), formando o sujeito do conhecimento. Sabe-se que a tradição nas Universidades no Distrito Federal está relacionada ao behaviorismo empirista e à psicanálise. Tanto que os métodos, procedimentos e materiais de uso nos trabalhos psicopedagógicos objetivaram um direcionamento para as técnicas projetivas em 35% dos casos, incluindo a arterapia, o psicodrama, as histórias infantis, o desenho, a modelagem etc. Na realidade, uma abordagem com base nos processos construtivos do conhecimento (behaviorismo subjetivista37), nos parâmetros da Epistemologia Genética, ensaia seus primeiros passos no Distrito Federal e enfrenta todos os mal entendidos e confusões relativas às abordagens de Piaget e de Vygotsky, denotando os ranços do cartesianismo versus uma abordagem unitária das dimensões afetiva, cognitiva, social, moral e física do sujeito do conhecimento40.

A Psicopedagogia é área interdisciplinar e requer atuação em equipe. Não se pode esquecer que o "fato psicopedagógico" é interpretado nas suas várias dimensões por diferentes abordagens teóricas, por se tratar do comportamento humano na situação de ensino e aprendizagem. Tudo indica que os estudos longitudinais do comportamento da criança em desenvolvimento precisam ser mais explorados e estudados pelos futuros psicopedagogos. A pesquisa objetivou dificuldades de integração no trabalho psicopedagógico, desenvolvido por equipes de especialistas.

A participação do psicopedagogo em grupos de estudos foi detectada somente em 30% dos casos versus participação ocasional em 35%.

Quanto ao uso da supervisão e da psicoterapia como instrumentos na realização de um trabalho psicopedagógico de qualidade, somente 15% dos respondentes utilizam a supervisão e 35%, a psicoterapia. É preciso acentuar que os custos envolvidos nessas atividades, em termos de tempo e de dinheiro, praticamente impossibilitam a sua viabilidade.

As demandas das instituições escolares em relação aos trabalhos psicopedagógicos vão dos problemas emocionais, indisciplina e hiperatividade (10%), dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita e adaptação escolar (15%) até as dificuldades enfrentadas na família, no contexto extraclasse (5%). A orientação do trabalho pedagógico em sala de aula apresentou-se em 5% dos casos, deixando transparecer a pouca participação da orientação do psicopedagogo no trabalho didático do(a) professor(a)4,7. Pesquisas realizadas nas instituições escolares têm mostrado que, em parte, a hiperatividade é fruto de um trabalho pedagógico verbalizado e centrado no(a) professor(a). Os processos de aquisição da leitura e da escrita há muito deixaram de se restringir à reprodução dos significantes (sílabas, letras, palavras), para envolverem o conhecimento relativo à construção dos conceitos, muito bem descrito nos estudos de psicogenética. Assim, a leitura significativa (letramento) envolve a dialética mais geral do pensamento entre significantes (palavras, frases, sílabas, etc.) e os significados (rede de relações de esquemas de assimilação), reconstruídos e ressignificados nos diferentes níveis de construção do conhecimento descritos pelos estudos longitudinais da equipe Jean Piaget: prático, intuitivo, operatório concreto e operatório formal4.

Considerando-se as desvantagens enfrentadas nas escolas públicas pelos psicopedagogos, acentuou-se o excesso de encaminhamentos de alunos e pouco trabalho junto à criança, no ambiente escolar. Além disso, a falta de apoio de alguns profissionais da escola, as dificuldades nos encaminhamentos e nas devolutivas, falta de continuidade no atendimento dos alunos a partir da quinta série, lentidão dos processos de análise, recursos materiais pobres ou escassos, limitações e contradições do sistema educacional etc., são outras desvantagens mencionadas em nosso estudo em relação ao trabalho psicopedagógico em escolas públicas.

Assim, além das limitações relacionadas à atuação psicopedagógica interdisciplinar, o trabalho psicopedagógico na escola é bastante difícil, tanto nos aspectos técnicos e científicos quanto nos aspectos políticos.

Dentre os desafios enfrentados pelo psicopedagogo na instituição escolar pública, destacam-se o trabalho com profissionais de estrutura rígida, que acham estar o problema sempre no aluno e conquistar e manter um espaço físico de qualidade.

Resumindo, mostrar a função da psicopedagogia e suas possibilidades de intervenção multidisciplinar, coletiva e cooperativa, com valorização da educação, apresenta-se como tarefa difícil, que exige persistência do psicopedagogo.

Já a atuação numa escola particular, apesar da parceria da família em favor do aprendente, as demandas vão da educação infantil ao ensino médio, com busca acentuada do atendimento clínico. A conscientização da importância da formação continuada do(a) professor(a) apresenta-se como desafio na atuação do psicopedagogo na escola particular, no sentido de atender às necessidades do aluno, bem como articular a psicopedagogia com os trabalhos dos demais profissionais da instituição escolar.

A grande conquista do trabalho psicopedagógico na instituição escolar particular foi a transformação do reforço escolar em intervenção psicopedagógica.

De modo geral, a opinião dos psicopedagogos, participantes da pesquisa, situa-se na perspectiva de crença num lugar de destaque ocupado pela psicopedagogia na instituição escolar.

Quanto à atuação do psicopedagogo em ONGs, somente um psicopedagogo desenvolve trabalho junto a uma instituição desse tipo; orienta uma clientela diversificada, com possibilidades de muitos atendimentos e de muito estudo. Contudo, a falta de compromisso dos pais em levar a criança para o atendimento apresenta-se como desvantagem para o desenvolvimento do trabalho psicopedagógico. As conquistas do trabalho nessa instituição relacionam-se às atitudes das crianças que se mostraram mais confiantes, mais felizes e com vontade de aprender.

Em relação às considerações da psicopedagogia como nova profissão ou como especialização apenas, a pesquisa apresentou 55% dos psicopedagogos considerando-a especialização versus 35% considerando-a como nova profissão. As justificativas são variadas. Dentre os que classificam-na especialização, as seguintes justificativas foram apresentadas: a psicopedagogia contribui e complementa as profissões de psicólogo e de pedagogo; é uma especialização profissional vinculada à área da educação. Faltam definições relativas à atuação e aos papéis desempenhados pelo psicopedagogo.

Dentre os psicopedagogos que consideram a psicopedagogia como uma nova profissão, as seguintes justificativas foram apresentadas: é uma nova profissão com enfoque da aprendizagem numa perspectiva multidisciplinar; o conhecimento psicopedagógico é construído passo a passo, de acordo com a linha teórica escolhida, com a leitura constante, com os cursos de formação continuada e com o contacto com as pesquisas desenvolvidas nas universidades. Assim, pela sua especificidade na abordagem da aprendizagem, não pode ser considerada como um complemento da psicologia ou da pedagogia; possui características próprias que levam ao desenvolvimento de um trabalho diferenciado daquele desenvolvido em outras profissões. Contudo, falta à nova área de conhecimento o amparo legal. Apesar de ser considerada como uma especialização, a história tem mostrado que para a profissionalização torna-se preciso a graduação em psicopedagogia, uma vez que está se constituindo como profissão de importância para as escolas, para os pais e para os(as) professores(as).

Considerando-se a posição dos psicopedagogos favoráveis à criação do curso de graduação em psicopedagogia, a pesquisa detectou a mesma porcentagem a favor e contra (35%). Dentre as justificativas favoráveis destacam-se: a psicopedagogia é uma profissão que deve ser regulamentada o quanto antes; uma graduação de boa qualidade esclarece de modo detalhado as questões de aprendizagem, configurando-se como ciência. A especialização é somente um complemento e não um curso de base; a graduação é fundamental, abrindo campo para a pesquisa, fazendo da nova área uma ciência.

Dentre as justificativas contrárias à criação da graduação em psicopedagogia, destacam-se: precisa-se de professores observadores, de pesquisadores e de leitores, cujo saber sistematizado possa conduzir ao desenvolvimento do aluno, dispensando-se novos cursos de graduação. A especialização, com a carga horária oferecida, leva a psicopedagogia enriquecer e contribuir para o enriquecimento teórico e prático dos cursos de graduação nas áreas de educação, de psicologia e de fonoaudiologia.

Com relação à questão relativa à facilitação do trabalho psicopedagógico nas instituições escolares em termos de uma boa formação do(a) professor(a) em psicopedagogia mas, na graduação em pedagogia, alguns opinaram que poderia complementar e facilitar (45%), outros permaneceram na dúvida (35%), mas nenhum se manifestou contra. Dentre as justificativas favoráveis destacam-se: os profissionais em educação com noções em psicopedagogia realizam uma prática diferenciada, um olhar mais abrangente e enriquecido do processo de educação; se o curso de pedagogia for bem elaborado, com profissionais competentes e comprometidos com a psicopedagogia, com certeza o(a) futuro(a) professor(a) irá complementar e facilitar o trabalho psicopedagógico. Seria ideal que todo(a) professor(a) tivesse uma formação psicopedagógica mais consistente na graduação em pedagogia, pois dessa forma teríamos uma prática com predominância dos aspectos preventivos e institu-cionais em detrimento da atuação clínica. Assim, seria possível que as noções de psicopedagogia, dadas na graduação em pedagogia, pudessem complementar, mas não substituir o trabalho psicopedagógico.

Contudo, alguns foram de opinião que a psicopedagogia, oferecida na graduação da pedagogia, deixa a desejar, pois são muitas matérias ministradas em pouco tempo; como disciplina não acreditam que fosse possível um estudo consistente em psicopedagogia em apenas seis meses.

Verifica-se, portanto, que a psicopedagogia, na situação real já existe nas instituições escolares do Distrito Federal, bem como nas várias clínicas particulares, mas como nova área científica depende do desenvolvimento da pesquisa e de metodologia científica própria, envolvendo trabalho integrado com as universidades.

 

CONCLUSÕES

Os reflexos da psicopedagogia na educação em Brasília estão objetivados, principalmente, nos trabalhos da Equipe de Avaliação, Apoio e Atendimento da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal, indicando que a nova área de conhecimento conquistou seu espaço na situação de fato, mas na situação de direito aguarda regulamentação, como em todo o país.

Uma análise criteriosa do conflito entre psicólogos e psicopedagogos leva a crer que a Psicopedagogia constitui nova área de conhecimento com metodologia própria, mas em fase de estruturação. Ora, se a aprendizagem na perspectiva psicológica é focalizada, essencialmente, tendo por base as leis de aprendizagem oriundas dos estudos experimentais do comportamento animal, na perspectiva da psicopedagogia, a aprendizagem passa a ser considerada intimamente relacionada a uma organização da ação do sujeito humano, origem das estruturas lógico-matemáticas. Piaget fala de aprendizagem na medida que um resultado (conhecimento ou atuação) é adquirido em função da experiência dos tipos físico e lógico matemático, em permanente interação. Mas, nem todo resultado adquirido em função da experiência constitui uma aprendizagem38. Uma variedade de percepções ou atos de compreensão imediata podem ter dado lugar a experiências no passado, mas no momento apresentam-se como atos imediatos. Por oposição à percepção (como resultado e não como processo) e à compreensão imediata (insight), Piaget reserva o termo "aprendizagem" a uma aquisição em função da experiência, mas se desenvolvendo no tempo, de caráter mediato, envolvendo uma organização da ação pela reconstrução e pela ressignificação. A aprendizagem é considerada na perspectiva do próprio desenvolvimento, não se confundindo com qualquer mudança de comportamento38. Em sentido amplo, Piaget considera a união das aprendizagens em sentido restrito e os processos de equilibração que ocorrem na interação do sujeito com o meio, na fase pré-operatória de desenvolvimento38. A abordagem da aprendizagem, na perspectiva da psicogênese, é tema extremamente complexo e não mera mudança de comportamento, com aumento da freqüência da resposta por reforçamento extrínseco. O "aprender a aprender", implícito na organização lógica da ação na exploração do objeto, apresenta-se como base para a organização das atividades didáticas sob orientação psicopedagógica. A Psicopedagogia está voltada para a aprendizagem humana endereçada à construção dos conhecimentos físico e lógico-matemático; focaliza, essencialmente, os procedimentos de aprendizagem que envolvem a dialética mais geral do pensamento entre esquemas retroativos (estruturas prévias) e esquemas antecipadores, entre significados e significantes.

Pesquisas na nova área de conhecimento (psicopedagogia) têm objetivado resultados que não se confundem com pesquisas envolvendo simplesmente aplicações de noções psicológicas ou pedagógicas; sugerem a análise detalhada dos processos de crescimento na perspectiva da psicogênese que possibilitam a programação de atividades a serem experimentalmente testadas10,11,16. A mediação na aprendizagem, na perspectiva da Epistemologia Genética, só poderá ser realizada pelos próprios esquemas de assimilação construídos pela criança, mas dependendo da organização das atividades de aprendizagem por um(a) professor(a) que realmente conheça os princípios de crescimento nas dimensões cognitiva, afetiva, social e moral, contando com a supervisão de especialistas nos processos de ensino e aprendizagem4,6.

A psicopedagogia institucional não se apresenta somente como preventiva, mas, essencialmente construtiva, possibilitando a "otimização" dos processos de ensino e de aprendizagem. A aprendizagem não pode ser considerada como algo doloroso a ser prevenido pela vacinação psicopedagógica, mas como processo prazeroso e responsável pela construção da própria inteligência e da auto-estima do educando. A autonomia na aprendizagem não significa deixar o educando "fazer o que quer", mas "querer o que faz" pela aprendizagem significativa por meio da interação social, pela coordenação de ações, pela reconstrução e ressignificação de experiências4,6,9. A construção do símbolo apresenta-se como processo crescente de diferenciação entre significantes e significados, com interação permanente entre consciência e inconsciência, não permanecendo essa construção adstrita a um inconsciente estruturado na primeira infância, como defendia a abordagem psicanalítica de Viena com Freud; envolve processo constante de reconstrução e de ressignificação de experiências, com interação entre consciência e inconsciência5.

Perante os dados da presente pesquisa, a psicopedagogia ganhou espaço e exerceu influência positiva sobre a educação no Distrito Federal, necessitando ser legalmente regulamentada para estruturar seu campo de estudos e sua metodologia, ou seja, tornar-se nova área de conhecimento na situação de fato e de direito, bem como no contexto das ciências humanas39.

 

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Correspondência:
Maria Therezinha de Lima Monteiro
SHIS QI 03, CONJ. 02, CASA 04.
Bairro Lago Sul - Brasília - DF - 71605-220
E-mail mtmonteiro@terra.com.br

Artigo recebido: 12/06/2007
Aprovado: 25/08/2007

 

 

Pesquisa patrocinada pela Universidade Católica de Brasília -UCB, Brasília, DF em convênio com a Associação Brasileira de Psicopedagogia-Seção Brasília, DF.

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