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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.25 no.76 São Paulo  2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A moral como obstáculo para a aprendizagem sistemática

 

Morality as an obstacle to systematic learning

 

 

Jacqueline Andréa GlaserI; Johnny Guedes de Lima FavreII

ISócia fundadora e titular da ABPp Paraná, tendo sido membro de quase todas as diretorias. Doutoranda em Psicologia Cognitiva no Départemento de Psychologie de la santé, de l'Education et du développement da Université Lumière Lyon 2. Pedagoga (PUC-Pr), psicopedagoga (CEP-Curitiba) e educadora especial (PUC-Pr)
IIProfessora-pesquisadora do Laboratório Santé, Individu et Societé, Unid. de Pesquisa, PSYEF, Universidade Lyon 2, responsável do pólo de pesquisa « Construction des valeurs, développement moral, troubles du comportement et arts », doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Lyon 2, psicóloga clínica (UNIPÊ-PB) em Villefranche Sur Saône, França, ex-Consultora ad hoc do CNPq - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Há um obstáculo que impede ou torna difícil a apropriação do saber em algumas crianças, que se traduz pela reprovação, e conseqüentemente, pelo fracasso escolar. Esse obstáculo não é necessariamente de ordem cognitiva, funcional, emocional ou social, mas provavelmente de origem moral. O objetivo dessa pesquisa é investigar o valor obediência (estádio de heteronomia) na criança como possível causa do fracasso escolar, pela relação existente entre a obediência, a autoridade e as regras. Essa pesquisa foi realizada com 13 crianças, de 8 a 11 anos, alunos de escolas públicas de Lyon - França. Fazem parte do protocolo a aplicação das histórias morais, a verificação da consciência de regras, a análise do nível de estrutura cognitiva e o teste projetivo "Família Educativa". Os resultados nos mostraram que a maioria de nossos sujeitos está ainda no estádio de heteronomia moral. A maior parte deles ainda não adquiriu a consciência de regras, por isso eles vivem numa dinâmica na qual o respeito unilateral predomina, apresentam dificuldade para se descentrar e se colocar no ponto de vista do outro, condição necessária para haver aprendizagem.

Unitermos: Desenvolvimento moral. Criança. Transtornos de aprendizagem.


SUMMARY

There is an obstacle preventing the appropriation of knowledge among some children which translates into a repetition to school, so consequently, a failure at school. That obstacle, has not necessarily cognitive, functional, emotional or social, but apparently moral origin. The objective of this research is to investigate about the value obedience (state of heteronomy) among children as a possible cause of school failure, due to the link between obedience, authority and rules. This research was set up with 13 children from 8 to 11 years old, namely, learning of elementary schools in Lyon - France. Our protocol is consisting of using moral stories, checking the rules consciousness among children and analysis the level of cognitive structure, as well as giving the projective test of "Family Educational" drawing that allows us to assess what the relationship is learning between parents and children in school failure and the possible link with their moral development. Our results have shown us that most of our subjects were still in the stage of moral heteronomy. The majority of them have not yet acquired consciousness of the rules, so they live in a state in which respect is predominantly unilateral, and they are facing difficulties to throw off their point of view and to move to the point of view of other, as prerequisite to learn.

Key words: Moral development. Child. Learning disorders.


 

 

INTRODUÇÃO

"L'échec scolaire est la première cause d'angoisse des enfants vis-à-vis de l'école" (Siad-Facchin1). Esta constatação nos toca, pois a escola está no centro da vida da criança e influenciará no seu futuro. Levando em consideração a importância e o lugar que a escola ocupa na nossa sociedade, na vida das crianças e dos pais, o fracasso escolar é um motivo de sofrimento para todos.

A finalidade do nosso trabalho é contribuir para o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem, estudando o desenvolvimento moral e o fracasso escolar como linhas mestras. Muitos autores (Best2, Calin3, Boimare4) já mencionaram as conseqüências do fracasso escolar para a auto-estima, que podem até mesmo levar à delinqüência. Mas, Dolto5 nos alerta sobre o fato de que "... a delinqüência mais freqüente, a mais perigosa para uma sociedade, a mais custosa para o estado, é a delinqüência vinda da conquista escolar de quem não alcançou a estrutura moral".

Existe um obstáculo que impede ou torna difícil a apropriação do saber de um certo número de crianças, que se traduz pela reprovação e pelo conseqüente fracasso escolar. Pensamos que esse obstáculo não é necessariamente de ordem cognitiva, funcional, emocional ou social6. A experiência clínica com crianças em dificuldade de aprendizagem nos conduz a propor a existência de um 5° obstáculo de origem moral.

A originalidade dessa pesquisa está na visão genético-construtivista com que abordaremos o tema. Nosso trabalho é fundamentado na teoria construtivista de Jean Piaget, que concebe o ser humano como uma unidade orgânica/biológica, social/cultural, afetiva e cognitiva. Todas essas dimensões humanas estão em interação em qualquer que seja o ato humano e durante toda a vida.

O objetivo dessa pesquisa foi investigar o valor moral "obediência" descrito por Favre7 característico do estádio de heteronomia (Piaget8) nas crianças, como uma possível causa do fracasso escolar, em virtude da relação existente entre a obediência, a autoridade e as regras. Faz-se necessário mencionar que abordamos a obediência como um valor moral, como uma regra moral interiorizada, um respeito a uma lei, a um pacto, nem sempre conhecido ou discutido, mas que está presente em estado latente, escondido. Desde que se formam, os valores penetram todas as nossas ações por toda a vida, pois são meios de organização das atividades do sujeito (Favre7).

Mencionando os valores nos remetemos à moral. Piaget se dedicou ao estudo do desenvolvimento moral da criança dando ênfase ao seu julgamento moral. Seu trabalho envolve o respeito à regra. Segundo ele, esse desenvolvimento se constrói lentamente e é nutrido pela ação, onde as trocas e as interações sociais possuem uma função importante.

A criança respeita as regras prioritariamente por duas razões: pelo sentimento de amor por seus pais e pela autoridade que vem deles. Trappeniers & Boyer9 constatam sobre esse assunto que: "Essa maneira estranha de obedecer ao que aparentemente ninguém lhe manda, não obedecendo ao que lhe é explicitamente ou oficialmente mandado por todo mundo, isso se chama fidelidade às lealdades invisíveis".

Encontramos na obra de Jean Piaget uma estreita relação entre o cognitivo e o moral, devido ao fato dessas duas dimensões do desenvolvimento se construírem em paralelo.

Neste sentido, levantamos a hipótese da existência de um obstáculo de origem moral que impede ou torna difícil a apropriação do saber na criança. Nos interessamos por uma população de 13 crianças consideradas em situação de fracasso escolar de idades entre 8 a 11 anos, do sexo masculino, repartidas entre as classes de CE2 ao CM2 (2ª à 5ª séries no Brasil) de escolas públicas de Lyon, França.

Os trabalhos realizados por Piaget colocam em evidência o papel essencial da ação para o desenvolvimento da criança. Dolle10 complementa: "Nós compreenderemos desde então que o conhecimento não reside na contemplação do real, mas provém da sua transformação pela atividade do sujeito". A vida da criança acontece junto à família e na escola, onde ela vai construir suas primeiras aprendizagens e seus primeiros valores. A qualidade de relação que a criança construirá com o objeto, o meio e com as pessoas que lhe rodeia será a gênese de seu processo de aprendizagem. O fato de encontrar um meio que favoreça suas explorações, sua curiosidade, dará origem ao conhecimento, e mais que isso, ao amor pelo conhecimento, que lhe permitirá compreender as coisas e explicá-las.

Escolhemos como instrumento de coleta de dados a avaliação dos níveis de estrutura cognitiva, a avaliação dos níveis de desenvolvimento moral e do vínculo de aprendizagem dentro da família (Visca11).

Acreditamos que, desenvolvendo esse estudo, possamos contribuir para que a aprendizagem se torne um valor e fonte de prazer para a criança, para que ela não deixe de ser autora de seu próprio processo de aprendizagem e, conseqüentemente, possa desfrutar da autonomia intelectual que o conhecimento lhe proporciona.

 

MÉTODO

Nossa amostra foi composta de 13 crianças do sexo masculino, de 8 a 11 anos, consideradas em situação de fracasso escolar, alunos de escolas públicas de Lyon, França. São crianças oriundas de todas as classes sociais. De acordo com o desenvolvimento moral, elas deveriam estar atingindo o estádio de autonomia. Por razões metodológicas, as dividiremos em dois grupos (5 crianças no grupo 8/9 anos e 8 crianças no grupo 10/11 anos), nosso objetivo foi verificar a evolução do valor obediência com relação à idade. Segundo Favre7, o valor obediência aparece em 90% das crianças de 5-6 a 8 anos com uma tendência progressiva a diminuir em razão da aparição do respeito mútuo, e é uma passagem necessária à construção do mesmo.

Coleta de dados

Para avaliar os níveis de estrutura cognitiva de nossos sujeitos, utilizamos as provas do diagnóstico operatório de Piaget, que nos permitem verificar o potencial das crianças e não somente seu funcionamento, como fazem os testes padronizados. Neste sentido, nossa finalidade foi a de conhecer o nivel de desenvolvimento cognitivo dessas crianças quanto e o processo de racicínio de que se utilizam em suas respostas.

Seguem-se abaixo as provas escolhidas para cada grupo segundo as idades:

Grupo 8/9 anos: provas infralógicas: conservação de substância e de comprimento; provas lógico-matemáticas: seriação e dicotomia.

Grupo 10/11 anos: provas infralógicas: conservação de substância e de volume; provas lógico-matemáticas: dicotomia e inclusão de classes.

Os níveis das provas do diagnóstico operatório encontrados no nosso protocolo são os seguintes: Nível 1: não conservação; Nível 2: intermediário entre a não conservação e as oscilações cognitivas; Nível 3: oscilações cognitivas (o sujeito pode ter julgamentos tanto por aspectos operativos como por figurativos); Nível 4: intermediário entre as oscilações cognitivas e a conservação operatória; Nível 5: conservação operatória.

Fizemos a avaliação dos níveis de desenvolvimento moral em duas partes. Primeiramente pedindo a opinião das crianças sobre as histórias morais escolhidas e segundo, interrogando sobre quatro questões referentes ao respeito às regras.

Quanto às histórias morais, nos baseamos em quatro histórias do livro "O Juízo Moral na Criança" de Jean Piaget8, situadas no capítulo "Igualdade e Autoridade". Escolhemos essas histórias, porque colocam em evidência a relação entre a obediência e a autoridade, caracterizado pelo respeito unileteral. A partir das respostas dadas por nossos sujeitos, esperamos verificar se eles se encontravam no estádio de heteronomia, caracterizado pela obediência cega a uma autoridade.

As questões dirigidas às crianças sobre o respeito às regras são as seguintes:

1 - De onde vem as regras?

2 - Podemos mudar as regras?

3 - Para que servem as regras?

4 - Quem criou as regras?

Em seguida, apresentamos os níveis de desenvolvimento moral propostos no nosso protocolo experimental:

Nível 1: transição entre anomia (caracterizada pela ausência de regras) e heteronomia; Nível 2: heteronomia (caracterizada pela obediência e pelo respeito unilateral); Nível 3: oscilação entre heteronomia e autonomia; Nível 4: transição entre heteronomia e autonomia; Nível 5: autonomia (caracterizada pelo respeito mútuo).

Para avaliar os vínculos de aprendizagem dentro da família, utilizamos o teste projetivo "Família Educativa" descrito por Visca11. Seu objetivo principal é estudar os vínculos de aprendizagem da criança com sua família, verificando as relações entre os membros da família com relação à aprendizagem. O vínculo que a criança tem com a aprendizagem sistemática também é analisado, pois é sinal importante a ser levado em consideração quando se trata de crianças em fracasso escolar. Nesta perspectiva, analisamos se os vínculos com a aprendizagem sistemática e entre os membros da família são positivos ou negativos.

 

RESULTADOS

A análise dos nossos resultados é de caráter qualitativo, uma vez que a formulação das nossas expectativas e a nossa amostra não permitem uma análise quantitativa. Propomos a seguir uma tabela para cada grupo de idades, com o conjunto dos resultados obtidos pela nossa pesquisa, seguidos de uma análise dos resultados por hipótese teórica (Tabelas 1 e 2).

Partindo da nossa hipótese geral, a existência de um obstáculo de origem moral impede ou torna difícil a apropriação do saber de crianças em fracasso escolar, levantamos três hipóteses teóricas para responder à nossa problemática:

• HT1: As crianças se encontram no estádio de heteronomia, não podendo ainda se descentrar, visto que não possuem uma autonomia de pensamento, fato que terá uma repercussão negativa em suas aprendizagens.

Supomos que as crianças da nossa amostra não atingiram ainda o estádio de autonomia moral. Cremos que elas se encontram no estádio de heteronomia (níveis II e III nas histórias morais), num estado de egocentrismo que as impede de se descentrar para atingir a autonomia intelectual e moral. Entretanto, pensamos que esse obstáculo de origem moral pode aparecer de forma isolada na criança, como a única causa da dificuldade de aprendizagem ou associada a outros obstáculos.

De acordo com nossos resultados, pudemos constatar que 80% das crianças do grupo 8/9 anos se encontram no nível 2, estádio de heteronomia e somente uma criança (20%) se encontra no nível 4, isto é, em transição entre as oscilações e a autonomia. Não encontramos crianças nos níveis 1 (transição entre anomia e heteronomia), 3 (oscilações heteronomia e autonomia) e 5 (autonomia).

Quanto à realização das histórias morais, encontramos respostas que indicam que essas crianças se encontram "paralisadas" no estádio de heteronomia, como por exemplo: Mou (Hist. 1): "É justo, porque um é bom e o outro mau"; Enz (Hist. 2): "Eu não concordo, não é certo sair sem fazer seu trabalho. Ela fez, porque a gente deve fazer o que a mãe manda...". Como podemos verificar, essas crianças colocam a autoridade em primeiro plano, sendo o respeito unilateral o único mediator, deixando de lado a igualdade. Unicamente uma criança (Cha) nos deu uma resposta num nível de transição entre a heteronomia e a autonomia.

Quanto ao grupo 10/11 anos, os resultados nos mostram que 50% das crianças estão ainda no nível 2 (heteronomia), 38% se situam no nível 3 (oscilação entre heteronomia e autonomia) e 12% estão no nível 4 (transição entre a heteronomia e a autonomia). Como no grupo anterior, não encontramos nenhuma criança no nível 1 (transição entre a anomia e a heteronomia). Também nenhuma criança havia atingido a autonomia.

Pudemos observar que 50% das crianças do grupo 10/11 anos estão ainda no estádio de heteronomia pelas respostas seguintes: Ahm (Hist.2): "Isso não é justo, precisa que os dois trabalhem para obedecer à mãe"; Han (Hist.3): "A mãe tem razão é justo, porque engraxar as botas não é uma coisa que a gente faz por muito tempo".

Com referência às crianças que se encontram nas oscilações entre heteronomia e autonomia (38%), observamos por suas respostas que se apresentam entre uma obediência cega, porque se trata de um pedido de alguém que representa a autoridade, como o chefe, a mãe, etc., e o sentimento de justiça e de igualdade, fruto do respeito mútuo. Mostramos o exemplo de Log (Hist.1): "Não é justo, porque não é justo que um trabalhe mais e o outro não trabalhe. O chefe que manda, mas tem que ir conversar com ele".

Com relação à consciência da regra, esperávamos encontrar nossos sujeitos no 2° estádio (respeito unilateral), correspondendo aos níveis 2 e 3 do protocolo experimental.

Como pudemos observar, ao que diz respeito ao grupo 8/9 anos, todas as crianças (100%) se situam no nível 2, estádio de heteronomia. Essas crianças consideram as regras invioláveis, porque partem do adulto que é considerado autoridade. Elas não acreditam que seja possível para elas mesmas criar regras, pois isso só é permitido aos "grandes". Eles apresentaram dificuldades para explicar a utilidade das regras (para que elas servem). Veremos alguns exemplos: Mou (Questão 2): "Não, tem que ficar sempre igual"; (Questão 3): "Para compreender e obedecer". Hug (Questão 1): "As pessoas importantes que inventam"; (Questão 4): "As pessoas importantes".

Com relação ao grupo 10/11 anos, encontramos 5 (63%) crianças no nível 2, heteronomia, e o restante (37%) no nível 3, oscilação entre heteronomia e autonomia. Não vimos crianças nos níveis 1, 4 e 5, respectivamente, transição entre anomia e heteronomia, transição entre heteronomia e autonomia e autonomia. Vejamos questões que ilustram: Idr (Questão 1): "Foi um senhor que as fez"; (Questão 2): "Não, porque já tem o suficiente". Nad (Questão 2): "Não porque elas foram feitas assim e são boas como estão"; (Questão 4): "E a lei, as pessoas que viveram antes, na idade média".

Imaginávamos que nossos sujeitos teriam um modo de raciocínio figurativo, que pode se apresentar em todos os níveis, mesmo entre as crianças que já atingiram a conservação operatória, como enfatizam Dolle e Bellano12: "Há, então na percepção do estado atual, qualquer coisa do seu estado anterior ou inicial e das transições que se intercalam entre eles, que os duplicam na representação e que pode ser suficiente para afirmar uma conservação, mas que não permite pensar nas transformações enquanto tais, ou melhor, efetuá-las. Pensar as transformações é, (...), produzi-las mentalmente com controle móvel dos estados sucessivos por retroações e antecipações". Isto posto, nossa análise será em função do potencial demonstrado pelas crianças na aplicação das provas do diagnóstico operatório.

Apresentamos a seguir os níveis cognitivos das crianças obtidos à partir dos resultados das provas lógico-matemáticas (Tabelas 3 e 4).

 

 

 

 

Observamos que 80% dos sujeitos de 8/9 anos se situam no nível 3, que corresponde às oscilações cognitivas, e 20% deles (1 criança), no nível 4, intermediário entre as oscilações cognitivas e a conservação operatória. Não encontramos crianças nos níveis 1, 2 e 5 (respectivamente: não conservação, intermediário entre a não conservação e as oscilações cognitivas e conservação).

Percebemos que todas as crianças do grupo 8/9 anos se situam num nível de raciocínio cognitivo de dominância figurativa. Podemos observar que elas utilizaram argumentos figurativos, porque ficam centradas no que vêem (estado) e não levam em consideração as transformações causadas ao objeto. Foi com freqüência que elas aceitaram as contra-sugestões, mas que podemos supor porque vinham unicamente do adulto.

Evocamos o caso de Hug, que não consegue fazer mais do que duas dicotomias, com tateio, assim como não nomeia os agrupamentos. Enz, na prova de seriação, teve dificuldade para compreender a consigna e para começar a ordenar os bastonetes, levando em conta somente uma das duas extremidades, isto é, sem conservar a base.

Com relação ao grupo 10/11 anos, constatamos que 63% dos sujeitos estão no nível 3 (oscilações cognitivas), 25% no nível 2 (intermediário entre a não conservação e as oscilações) e os 12% restantes (1 criança) no nível 4 (intermediário entre as oscilações e a conservação operatória).

Nossos sujeitos dão a maior parte dos julgamentos de conservação pela manipulação do material, sem todavia poder justificar por argumentos operativos. A maioria deles não se descentra ainda da configuração, se baseando na percepção. Constatamos que eles têm necessidade de voltar ao estado inicial para julgar ou justificar, o que significa que raciocinam ainda figurativamente (Dolle e Bellano12).

Isso nos envia à prova de inclusão de Lou, que a princípio demonstrou ter compreendido a classe inclusiva animais. Todavia, segundo ele, a pessoa que terá o maior grupo será aquela que terá as vacas. A mesma criança, na prova de dicotomia, não conseguiu fazer mais do que uma classificação, pelo critério forma. Ele se mostrou incapaz de colocar junto às figuras geométricas que se pareciam.

• HT2: Sabendo que Piaget descreveu uma relação entre os desenvolvimentos cognitivo e moral, acreditamos existir um paralelo entre esses dois aspectos do desenvolvimento da criança.

Averiguamos que nossas crianças estão numa dinâmica de construção operatória. Somente uma criança (Mou), 20% entre eles, está no nível 4, isto é, em fase de aquisição do nível operatório concreto. Enz se encontra ainda no nível 2, ele encontrou mais dificuldades do que os demais a começar pelas consignas. Cho, Hug e Cha (60%) situam-se nas oscilações cognitivas.

Ao que concerne ao grupo 10/11 anos, como o grupo anterior, unicamente uma criança Cla (12%) se situa no nível 4. Idr, Nad e Han (38%) se encontram ainda no nível 2, intermediário entre a não conservação e as oscilações cognitivas, o que nos chama a atenção é a decalagem que eles possuem com relação às suas idades cronológicas. Finalmente, 50% dos sujeitos se situam no nível 3, oscilações cognitivas.

Sobre o desenvolvimento moral das crianças, destacamos a dificuldade encontrada de levar em consideração os diferentes pontos de vista e de descentração observada nos nossos sujeitos. Com efeito, constatamos que 80% (grupo 8/9 anos) e 38% (grupo 10/11 anos) de nossos sujeitos se mostram no nível 2 (heteronomia), o que significa que suas relações se dão num nível de respeito unilateral.

Tínhamos a expectativa de que os sujeitos se encontrassem num mesmo nível, tanto nas provas do diagnóstico operatório como nas histórias morais.

De acordo com nossos resultados, não encontramos crianças no nível 1, nem do desenvolvimento cognitivo, nem do moral.

Com referência ao grupo 8/9 anos, somente Enz (20%) se encontra no nível 2 do desenvolvimento cognitivo. Com referência ao desenvolvimento moral, todas as crianças do grupo 8/9 anos (80%) se situam no nível 2, com exceção de Cha (20%) que se situa no nível 3 (oscilações), tanto no desenvolvimento cognitivo como no moral. No entanto, Cho e Hug estão no nível 3 do desenvolvimento cognitivo. Somente Mou (20%) se mostra no nível 4 do desenvolvimento cognitivo (intermediário entre as oscilações e a conservação). Nenhum outro sujeito se encontra no nível 4 com relação ao desenvolvimento moral.

Quanto ao grupo 10/11 anos, encontramos Idr, Nad e Han (38%) no nível 2 do desenvolvimento cognitivo. Idr e Han estão também no nível 2 do desenvolvimento moral junto com Lou. Por outro lado, Log, Yas e Ahm estão no nível 3, tanto no desenvolvimento cognitivo como no moral. Lou se encontra no nível 3 do desenvolvimento cognitivo e Nad, nas oscilações em seu desenvolvimento moral. Cla (12%) se encontra no nível 4 nos dois domínios (cognitivo e moral). Não encontramos crianças no nível 5.

• HT3: Supomos que as crianças farão uma representação dos conteúdos do saber apropriado pelos membros da família e do modelo de aprendizagem que os mesmos transmitem, em relação à obediência à autoridade e às regras.

Analisaremos esta hipótese considerando a família como um sistema organizado em torno de suas próprias leis, mesmo as implícitas, e seus possíveis efeitos sobre o desenvolvimento, e mais precisamente sobre a aprendizagem das crianças. Segundo Sargo13, se faz necessária a análise da articulação do processo de aprendizagem com a dinâmica das relações pais/filhos para entender melhor a questão do fracasso escolar. Pain14 julga que o não aprender é um sintoma que tem uma função no sistema familiar.

A família é um lugar favorável às transmissões que se fazem em função da apropriação ativa por parte da criança. Segundo os conteúdos que circulam no seio familiar, problemas de aprendizagem, tanto assistemática como sistemática, podem ser gerados.

Verificando os vínculos de aprendizagem na família, constatamos que é ela que oferece às crianças a maior parte dos modelos de identificação, e que eles têm uma influência na maneira como as mesmas se apropriam dos objetos de conhecimento.

Tínhamos a expectativa de que os sujeitos representariam uma relação negativa com a aprendizagem sistemática, a partir do desenho "Família Educativa" de Visca11.

No grupo 8/9 anos, verificamos que dois de nossos sujeitos (40%) demonstram uma relação positiva com a aprendizagem sistemática, apesar do fracasso escolar. Nos perguntamos se não há neles fatores que favorecem a ação da resiliência (Cyrulnik15). Contudo, 60% dos sujeitos possuem uma relação negativa com a aprendizagem sistemática.

Com relação ao grupo 10/11 anos, constatamos que somente um dos sujeitos (12%) tem uma relação positiva com a aprendizagem sistemática, os outros 7 sujeitos (88%) possuem uma relação negativa com a aprendizagem sistemática.

Para explicar nossos resultados vamos nos referir aos comentários das próprias crianças durante a produção do desenho: Cho (8/9) é uma das crianças que demonstrou uma relação positiva com a aprendizagem sistemática. Para justificar sua reprovação, ele comentou: "... eu não trabalhava bem na escola, agora eu trabalho. Eu sei ler!" e complementa: "A gente aprende as coisas na escola...".

Cremos que as crianças do grupo 10/11 anos vivenciaram mais situações frustrantes na vida escolar do que as menores, e que o fracasso, assim como o sentimento de fracasso, acarretam um vínculo negativo com a aprendizagem sistemática e um rebaixamento na auto-estima.

Alguns exemplos do grupo 10/11 anos: Lou considera que tudo que evoca a situação escolar é fatigante: "duro!". Ele desenha seus pais dizendo que dois irmãos também reprovaram e que "Eu não consigo ler". Ahm parece só ter um vínculo positivo com o futebol, que é sua única fonte de prazer. Ele não vê relação entre a escola e o trabalho. Desenha sua família e, em seguida, fala dos membros da mesma: "ele não faz nada, ele não trabalha"; "eu não sei onde ele trabalha, não sei o que ele faz".

Esperávamos que pelo desenho "Família Educativa" as crianças representariam um vínculo negativo entre os membros da família com relação à aprendizagem.

É visível a influência do meio familiar na aprendizagem das crianças. "Embora se saiba que a escola tem um papel importante no desenvolvimento de habilidades metacognitivas, reconhece-se que crianças expostas a ambientes familiares com certas características vão desenvolver estratégias metacognitivas que favorecem o sucesso escolar" (Martini, 1995 citado por Maturano16).

Pudemos observar que 80% das crianças do grupo 8/9 anos demonstraram ter um vínculo de aprendizagem negativo entre os membros da família, situação que pode agravar as condições de fracasso escolar.

No grupo 10/11 anos, todas as crianças (100%) demonstraram ter um vínculo de aprendizagem negativo entre os membros da família.

Examinando os comentários das crianças, compreendemos melhor os vínculos dos membros da família com a aprendizagem: Mou foi a única criança que apresentou um bom vínculo familiar com a aprendizagem. Para explicar seu desenho, ele nos contou: "Minha mãe ajuda meu pai, e eu ajudo minha irmã", referindo-se ao que cada um sabe fazer e ensina ao outro na família. Por outro lado, Idr desenhou toda a família em situação de lazer, dizendo: "Ninguém ensina nada para ninguém". Ele comentou que seu problema na escola é a leitura, que foi por isso que ele foi reprovado, para ele ninguém na família se interessa por coisas "mais sérias".

Assim sendo, o fato de aprender ou de não aprender obtém uma significação própria em cada família e para cada membro da família. Kamlot17 menciona que a participação dos membros da família na construção do desejo de aprender da criança é essencial. A história de aprendizagem de cada criança se forma a partir da história comum da família, pois é dentro do seio familiar que as primeiras aprendizagens acontecem e servirão de base para a aprendizagem sistemática.

 

DISCUSSÃO

A finalidade principal do nosso estudo foi verificar a possível existência de um obstáculo de origem moral que pode impedir ou dificultar a apropriação do saber das crianças.

O professor Jorge Visca nos deixou uma grande contribuição, a descrição dos obstáculos de aprendizagem: cognitivo, funcional, social e afetivo. O que nos leva a considerar a convergência entre esses obstáculos e os quatro fatores descritos por Piaget e Inhelder18: maturação biológica/orgânica, experiência física, interações e transmissões sociais e equilibração. Para Piaget, se esses fatores não estão em harmonia a criança vai tender a ter dificuldades em seu desenvolvimento cognitivo. Daí a criação da teoria de equilibração e do modelo do sujeito epistêmico (modelo ideal de desenvolvimento) em oposição ao sujeito psicológico: cada indivíduo sendo um ser particular, todos diferentes uns dos outros. Ora, se um desses fatores não se encontra em harmonia com os outros, o sujeito se verá face a um obstáculo.

Por trabalhar o tema da obediência como valor moral, bem como o fracasso escolar, decidimos investigar mais precisamente os desenvolvimentos cognitivo e moral dos nossos sujeitos, sabendo que todas as dimensões humanas estão sempre implicadas. Os valores são de natureza afetiva, mas intelectualizados (Favre7) e eles são construídos pelo sujeito no seu meio social, no qual o objeto cultural é encontrado em interação constante. Nossos resultados atenderam nossos questionamentos, no âmbito permitido por uma pesquisa dessa proporção. Será necessário ampliar a amostra para que esse estudo seja verificado numa escala maior.

Gostaríamos que nossa amostra tivesse sido constituída de no mínimo 15 sujeitos. Entretanto, foi difícil chegar a esse número em função de nossos critérios de seleção. Essa dificuldade nos surpreendeu, uma vez que a literatura nos havia informado da presença de um grande número de crianças em fracasso escolar. Todavia, na França, os pais podem recusar a decisão de reprovar seus filhos, o que supomos ser o motivo do número reduzido de crianças reprovadas nas escolas consultadas.

Havíamos previsto uma entrevista individual com os pais de cada criança com a finalidade de aprofundar os dados referentes ao meio familiar, assim como o vínculo pais/filhos em relação ao desenvolvimento moral. No entanto, essa entrevista não aconteceu pela impossibilidade de encontrá-los e de contar com sua disponibilidade. Estimamos que os aportes do desenho "Família Educativa" (Visca11) nos trariam respostas para nossas hipóteses. Podemos afirmar que o teste projetivo nos proporcionou inúmeras informações diversas sobre o vínculo de aprendizagem entre as crianças e suas famílias, porém a entrevista poderia nos confirmar e ampliar as informações coletadas.

Nossa primeira hipótese geral foi de verificar a existência de um obstáculo de origem moral que impede ou dificulta a apropriação do saber de crianças em fracasso escolar. A análise dos nossos resultados parece confirmar nossa hipótese. Observando a performance e as respostas das crianças, constatamos que elas se encontram ainda no estádio de heteronomia (80% do grupo 8/9 anos e 50% do grupo 10/11 anos). Percebemos que as mesmas possuem um raciocínio moral egocêntrico, pois obedecem a uma autoridade quase sagrada, intangível e imutável. Além do mais "O egocentrismo intelectual leva a criança a afirmar continuamente, sem verificação, a acreditar em tudo que pensa, sem experimentar a necessidade que nasce da discussão" (Piaget19).

A maioria dos nossos sujeitos ainda não adquiriu a consciência da regra (100% do grupo 8/9 anos e 63% do grupo 10/11 anos). O que significa que essas crianças se mostram numa condição de heteronomia caracterizada pelo respeito unilateral, sendo a obediência cega predominante em suas relações com a autoridade. Elas apresentam dificuldade para se descentrarem e se colocarem no ponto de vista do outro, o que bloqueia a autonomia intelectual, condição necessária na aprendizagem.

Pudemos verificar que grande parte dos nossos sujeitos possui um raciocínio figurativo, seus julgamentos se fundam na percepção, no estado das coisas, não levando em conta as transformações. Esse funcionamento de natureza figurativa as mantém numa relação com o outro baseada na heteronomia e no respeito unilateral. Com relação às competências que essas crianças demonstram na escola, segundo Ramozzi-Chiarottino20 elas realizam um conhecimento-cópia: confundem o significado, a realidade e sua representação, pois organizaram o real de forma inadequada. Gostaríamos de salientar que a falta de solicitações do meio pode ocasionar a predominância figurativa no raciocínio das crianças.

Nossa segunda hipótese diz respeito à existência de um paralelo entre os desenvolvimentos cognitivo e moral, de acordo com a descrição de Piaget. Reconhecemos que o sujeito epistêmico de Piaget faz referência a um sujeito ideal, diferente do sujeito psicológico que somos cada um de nós, por isso podemos explicar nossos resultados que não colocam em evidência esse paralelo.

Com relação ao desenvolvimento cognitivo, nossos resultados mostram uma defasagem entre os potenciais das crianças e suas idades cronológicas. A maioria delas ainda não ultrapassou o nível 3 (oscilações cognitivas). Constatamos que nossos sujeitos se encontram num meio ambiente, cujas solicitações são escassas, que a maior parte deles esteve impedida de agir sobre o mundo dos objetos, pois não lhe foram propostas situações de construção do real: eles se utilizam de abstrações empíricas, quer dizer, só conseguem refletir na presença do que podem ver ou tocar, diferentemente do que pede um pensamento ponderado.

Nossa amostra foi composta de crianças oriundas de todas as classes sociais. Temos a evocar entre elas, as de zonas urbanas sensíveis. Essas crianças freqüentam uma associação de futebol vinculada a um centro de pesquisa e são freqüentemente solicitadas a submeterem-se às provas piagetianas. Fato esse que nos fez supor que algumas delas já conheciam algumas das provas. Inclusive chegamos a cogitar a possibilidade de as retirar da amostra, mas não o fizemos, pois seus resultados nos convenceram que não houve interferências. Por outro lado, nossa reflexão é de que a condição social, dimensão não explorada em nossa pesquisa, pode ter implicações consideráveis no desenvolvimento das crianças.

Repensando as provas operatórias escolhidas, lastimamos a não inclusão da prova das 3 montanhas no nosso protocolo. Cremos que poderia ter sido útil na comparação do nível de descentração das crianças. Gostaríamos de justificar nossa escolha pela prova de conservação de volume para o grupo 10/11 anos. Na verdade, consideramos que a prova de conservação de peso, que é alcançada antes dessa idade, teria sido a melhor opção. Contudo, apesar da nossa procura, não nos foi possível lançar mão de uma balança apropriada para a realização dessa prova.

Com referência ao desenvolvimento moral, a maioria dos nossos sujeitos se situa no estádio de heteronomia: suas relações envolvem o respeito unilateral, como conseqüência, eles não se utilizam da reciprocidade, condição necessária à construção da cooperação "que representa para Piaget, o equivalente da lógica para a inteligência" (Favre7).

Em se tratando da consciência de regras, verificamos que nossos sujeitos se situam no segundo estádio (Piaget8): para eles as regras verdadeiras não podem vir das crianças e toda modificação é considerada por eles uma infração.

No que tange à terceira hipótese, pensamos que as crianças fariam no desenho Família Educativa uma representação dos conteúdos dos saberes cujos membros da família se apropriaram e do modelo de aprendizagem que eles transmitem.

Com referência ao ambiente onde evoluem as crianças, os vínculos de aprendizagem mantidos com suas famílias nos mostraram que são nutridos essencialmente de respeito unilateral. Dessa forma, as crianças não podem se descentrar suficientemente, pois ficam fechadas na heteronomia numa relação de obediência cega. Para essas crianças, o adulto é a fonte da moral, elas não questionam sua palavra. Evidentemente, elas não possuem uma autonomia intelectual que possa lhes fazer escapar desse tipo de raciocínio. De acordo com nossos resultados, se a família favorecesse a autonomia e mantivesse as regras vindas do respeito mútuo, ela poderia participar ativamente no progresso do processo escolar de suas crianças.

Os resultados do nosso estudo nos encorajam a continuar nossas investigações. No mais, podemos salientar a falta de autonomia vivenciada por nossos sujeitos em dificuldade escolar, tendo em vista as relações verticais de obediência vividas em casa e na escola. Essas relações contribuem para que eles fiquem fechados em si mesmos, que não tenham uma boa auto-estima, levando-o à uma grande insegurança e continuam a crer que só o adulto (pais, professor) detém o saber. Isto posto, cremos necessária a moral como base de toda formação do indivíduo.

 

CONCLUSÃO E PERSPECTIVAS

Nosso interesse por essa pesquisa foi motivado pelo acompanhamento de crianças em fracasso escolar, bem como pela constatação da pouca autonomia das mesmas na prática clínica-educacional. Por esse estudo gostaríamos de demonstrar a relação entre o valor obediência e a reprovação, sob a ótica piagetiana. Além das respostas encontradas, essa problemática nos suscitou muitas outras questões, o que já nos lança a novas pesquisas nesse sentido.

Almejamos que o nosso estudo possa também abrir percursos a outros profissionais interessados na relação entre o fracasso escolar e o desenvolvimento moral. Pois, é somente pelo estudo, pela pesquisa e pelas descobertas sobre o desenvolvimento da criança que poderemos lhes proporcionar novas perspectivas.

Através desse trabalho confirmamos mais uma vez que o desenvolvimento cognitivo é condição fundamental ao desenvolvimento moral e vice-versa: "Compreender o desenvolvimento moral da criança é então compreender seu desenvolvimento lógico" (Piaget, 1928, citado por Xypas21). O que nos leva a novas questões e abre um novo horizonte para um estudo mais aprofundado sobre o tema, em direção à proposição de grupos de remediação cognitiva com crianças em fracasso escolar cuja causa possa ser de origem moral, pois: "... sem a atividade do sujeito, não haverá pedagogia que o transforme" (Moro22).

A realização desses grupos de remediação cognitiva poderá permitir às crianças se descentrarem e poderem considerar o ponto de vista do outro, fato que provavelmente influenciará no progresso do sujeito no plano cognitivo. Cremos que essa remediação poderá igualmente contribuir no desenvolvimento moral: será enriquecedor levar em consideração o contexto das interações entre pares, que nos permitirá observar e compreender a formação do julgamento moral nas crianças e como são os processos que as conduz a respeitar as regras. Segundo Piaget e Inhelder18, "As trocas sociais (...) dão lugar a um processo de estruturação gradual ou socialização, passando de um estado de incoordenação ou de indiferenciação relativa entre o ponto de vista próprio e dos outros a um estado de coordenação dos pontos de vista e de cooperação nas ações e nas informações".

Estimamos que as práticas cooperativas podem favorecer a emergência de novos conhecimentos e que as trocas conduzem à descentração (Cf. Favre23, 2007) que autoriza a criança a progredir no seu pensamento. Uma vez que a cooperação é fonte de crítica e de respeito mútuo, nos propomos a investir nesse propósito, pois o futuro precisa de indivíduos moralmente autônomos para progredir: "o estudo da moral infantil é de grande importância para a compreensão da moral do homem" (Piaget, 1928, citado por Favre7). Podemos igualmente refletir sobre a posição do adulto na educação moral da criança: ele a favorece?

 

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Correspondência:
Johnny Guedes de Lima Favre
Cabinet de Psychologie
166, Rue de Thizy
69400- Villefranche Sur Saône - France
Tel. (0033) 4 74 65 24 81
E-mail: johnny.favre@univ-lvon2.fr
jacqueglaser@orange.fr

Artigo recebido: 02/02/2008
Aprovado: 01/04/2008

 

 

Trabalho realizado no Département de Psychologie de la Santé, de l'Education et du Développement (PSED), Université Lumiére Lyon 2, Bron, França.

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