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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.25 no.78 São Paulo  2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A construção do conhecimento em espaços organizacionais - uma perspectiva psicopedagógica

 

The construction of knowledge in the organizational environment: a psychopedagogical perspective

 

 

João Alves PachecoI; Marisa Irene CastanhoII

IEspecialista em Administração; Mestre em Administração de Empresas pela PUC-SP; Docente da Faculdade de Administração Zumbi dos Palmares - São Paulo - SP
IIPsicóloga; Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IPUSP; Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional do Centro Universitário FIEO - UNIFIEO - Osasco - SP

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo identificar e analisar os processos formais e informais de criação e transmissão do conhecimento no espaço organizacional. Como resposta aos desafios que se impõem às organizações na contemporaneidade, buscou-se responder de que forma o conhecimento é criado e compartilhado e se esse processo poderia ser compreendido em uma perspectiva psicopedagógica. O referencial teórico da epistemologia genética de Jean Piaget deu sustentação à definição de conhecimento na interface entre a ação prática dos sujeitos e a ação reflexionante, tendo o contexto como lugar das trocas compartilhadas. A realidade organizacional foi compreendida por meio de uma visão dialética própria do pensamento complexo consonante com a definição piagetiana de conhecimento. As idéias de ambas as perspectivas mostraram-se complementares na análise empreendida. Um estudo empírico anteriormente realizado junto a três empresas de distintos segmentos de serviços permitiu a diversidade dos processos analisados. Os resultados permitiram verificar que, em diversos processos de criação e transmissão de conhecimento em uma organização, mais importantes que os conteúdos são as maneiras como estes são operacionalizados. A identificação, caracterização e a análise dos processos de trabalho nestas empresas, sob um ponto de vista complexo e construtivista, pode contribuir para a verificação da recorrência dos estágios de desenvolvimento numa escala organizacional, o que traz pistas significativas para o investimento de ações psicopedagógicas nas organizações.

Unitermos: Conhecimento. Psicopedagogia.


SUMMARY

This paper aims to identify and analyze the formal and informal processes of creation and transmission of knowledge in the organizational environment. As an answer to this challenge that currently demand organizations, was made an investigation to respond how the knowledge is created and shared and whether that process could be understood in a psychopedagogical perspective. The theoretical reference of genetic epistemology of Jean Piaget gave support to the definition of knowledge in the conjunction between the subject action and his self reflection, inserted in the context of social interaction. The reality was understood through dialectic vision own of complex paradigm and it was chosen as the optimal approach to provide a concept of organization in line with the Piaget definition of knowledge. The ideas from both perspectives were confirmed as complementary in the analysis made in this work. The empirical study was conducted through a case study of multiple in three companies from different segments of services, allowing the diversity of cases examined. The results helped confirm that, in many of the processes of creation and transmission of knowledge in an organization, more important than the content, are the ways in which they are operated. The identification, characterization and analysis of the processes at work in these companies, under a complex and constructivist point of view, can help to check the recurrence of stages of development on organizational scale, which brings significant clues for psychopedagogical actions in organizations.

Key words: Knowledge. Psychopedagogy.


 

 

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, considera-se a importância da continuidade do aprender humano ao longo da vida, a necessidade de enfrentamento aos desafios que dela emergem, em especial no âmbito das organizações. Em sintonia com alguns autores1,2; a proposta é de participação do psicopedagogo nos atuais movimentos voltados para o aprender e o ensinar nos diversos espaços sociais.

A globalização da economia, a revolução das tecnologias da informação e da comunicação e a competitividade trazem conseqüências para as organizações, dentre elas o alto grau de exigência relativa ao profissional como detentor de conhecimentos. Assim, entende-se a importância dos processos socialmente compartilhados3; das aprendizagens individuais que transmudem em saberes coletivos e organizacionais por movimento dialético e de reciprocidade como forma de se obter um diferencial na superação da velha dicotomia entre capital e trabalho humano.

Uma investigação anteriormente desenvolvida por Pacheco4; em três empresas de capital privado no ramo da prestação de serviços, teve como objetivo identificar e analisar os processos formais e informais de criação e transmissão do conhecimento. A pesquisa teve como premissa o conhecimento como importante diferencial competitivo das organizações, sendo sua matriz geradora a interação entre as pessoas, por mais que sistemas e tecnologias avancem. Fundamentou-se na compreensão dos processos mentais envolvidos na criação do conhecimento humano de acordo com a Epistemologia Genética de Jean Piaget e no pensamento complexo de Edgard Morin.

O presente artigo trata-se de uma retomada dos principais resultados apontados na análise de Pacheco concernentes aos processos formais e informais de criação e transmissão do conhecimento nas empresas pesquisadas. O objetivo é buscar subsídios em teorias que dêem sustentação aos processos de construção do conhecimento numa visão psicopedagógica. Desta forma, buscou-se responder se havia criação de conhecimento, de que forma este conhecimento era criado e compartilhado e como esse processo pode ser compreendido por meio de uma ampliação do olhar sobre o ensinar e o aprender consonante com as atuais demandas de conhecimento nas organizações.

O processo do conhecimento na epistemologia genética

O núcleo da concepção piagetiana para a gênese e o desenvolvimento do sujeito epistêmico reside na proposta teórica da equilibração e da abstração reflexionante. O aspecto essencial destes processos é de que o sujeito se constitui na medida em que age. Para esta proposta, a linguagem possibilita ao sujeito, na perspectiva das trocas simbólicas, um universo infinitamente superior ao possível de acontecer entre o organismo e o meio biológico.

O conhecimento não é algo pronto, mas decorrente de um processo construtivo na interação social e na relação evolutiva entre a criança e seu meio, por meio de estruturas ou organizações de pensamento características de períodos ou estágios, a partir dos quais a criança reconstrói suas ações e idéias em relação a novas experiências. As principais aquisições em cada período são aqui resumidas5.

No período sensório-motor, do nascimento aos dois anos, a criança não diferencia seu ego do mundo externo e parte dos comportamentos caracterizados por reflexos inatos, em direção ao comportamento intencional, à imitação, prenunciando o aparecimento da memória e da representação como sustentação de formas ulteriores de raciocínio dedutivo, percebidas no simbolismo da linguagem e das brincadeiras.

No período pré-operacional, dos dois aos sete anos, a criança opera no nível da representação simbólica, por meio de um pensamento ainda egocêntrico e não consegue conceber mentalmente o ponto de vista de outra pessoa. Assiste-se ao surgimento do raciocínio pré-lógico, cuja base são as aparências perceptuais, o que a leva a operar por ensaio e erro, e a linguagem ainda é usada de forma egocêntrica.

No período das operações concretas, dos sete aos 12 anos, a criança pensa logicamente sobre experimentos concretos e pode manipulá-los por meio das operações aritméticas. Absorveu o conceito da conservação, ou seja, reconhece que um copo d'água possui a mesma quantidade, seja estreito e alto ou largo e baixo. Adquire os raciocínios retrospectivo e prospectivo que permitem as deduções.

No período das operações formais, dos 12 anos até a idade adulta, adquire a capacidade de raciocinar logicamente sobre idéias ou coisas abstratas, de forma dedutiva e indutiva, baseado na forma de uma proposição fornecida. Podem ser exemplos deste tipo de raciocínio, problemas de matemática ou química.

Autores pós-piagetianos, a exemplo de Freitag6; consideram que, se o meio não provê condições mínimas para a evolução do processo, isto pode resultar em defasagem. Este fenômeno pode ser observado em crianças que se desenvolveram em precárias condições sociais, em favelas ou regiões subdesenvolvidas. A autora atribui o desenvolvimento das estruturas formais do pensamento às relações no interior da escola, e afirma que: "possivelmente, o efeito atribuído à escola pode ser alcançado também em certos contextos profissionais"6.

Neste trabalho, entende-se que os contextos organizacionais constituem-se como espaços de desenvolvimento e de aprendizagem para os indivíduos, em especial quando esses contextos implementam situações de participação individual e coletiva para tal desenvolvimento.

Para Piaget7; o desenvolvimento da inteligência resulta de um processo dinâmico e de complementaridade entre dois outros processos: reflexionamento (réfléchissement), cujo apoio reside na abstração empírica dos observáveis (objetos, eventos, dados) nas suas características materiais, e também dos não observáveis, ou seja, as relações ou aspectos associados a um objeto na mente do sujeito; e reflexão (réflexion), definida "como ato mental de reconstrução e reorganização sobre o patamar superior daquilo que foi assim transferido do inferior"7.

O processo pode ser explicado na medida em que o indivíduo obtém informações do meio e as reconstrói, em consonância com sua história, construindo novos conteúdos e novas estruturas por abstração de características até então impossíveis de serem assimiladas. Nessa perspectiva, o conhecimento prático é considerado a matéria prima do conhecimento, mas não é sobre ela que Piaget8 focou sua atenção, e sim sobre as ações de segundo grau marcadas por um processo crescente de interiorização.

Para ilustrar a distinção, Becker9 propõe a seguinte situação: um aluno de um colégio técnico desmonta e remonta o sistema de carburação de um automóvel, como atividade de aula. Isto não significa que ele tenha evoluído em termos de conhecimento. Se o professor, após a conclusão da tarefa, pedisse aos estudantes que explicassem verbalmente, por texto ou desenhos, o que executaram, mas sem retornar à bancada - no curso da explicação - faria com que esses estudantes enfrentassem uma dificuldade nova, tão ou mais complexa, do que a dificuldade enfrentada na atividade prática. Este desafio demanda dos alunos uma ação de segundo grau, pois consiste no exercício de uma abstração, simultaneamente empírica e reflexionante. Este processo é dinâmico, as primeiras formas explicativas transformam-se em conteúdos a partir dos quais se constroem novas formas, em uma verdadeira espiral, evoluindo para novos patamares de conhecimento.

Portanto, considerando o desenvolvimento cognitivo por meio deste processo, cai por terra a idéia empirista/positivista de que a teoria é uma reprodução do objeto. Para a perspectiva piagetiana, o conhecimento é resultado de uma construção, cujo locus reside na interação sujeito/objeto e ocorre por meio do processo de abstração reflexionante, suportada pela abstração empírica. A criatividade é um fenômeno individual potencializado por uma interação qualificada entre o sujeito e o objeto em um contexto que favorece tal interação.

O paradigma complexo

Um conceito importante para a compreensão da visão complexa é o de paradigma, que privilegia um tipo se relação lógica na análise dos fenômenos, em detrimento de outras. "O paradigma é uma maneira de controlar ao mesmo tempo o lógico e o semântico", de acordo com Morin10. Para o autor, vivemos sob o império dos princípios da disjunção e da redução, denominados por ele de paradigma da simplificação. O pensamento complexo postula a adoção de uma abordagem multidimensional das ciências humanas, na qual cada disciplina não busca conceber a realidade total somente a partir de seus referenciais. Em tal paradigma, a disjunção é destacada como a principal operação lógica, começando pela separação entre sujeito e o objeto e prosseguindo esta dissociação entre: alma/corpo; espírito/matéria; qualidade/quantidade; finalidade/causalidade; sentimento/razão; liberdade/determinismo; existência/essência. Ou seja, em lugar da disjunção, propõe-se uma visão complementar pelo caráter dialógico entre as partes do binômio.

Um segundo princípio para a compreensão da complexidade é o da recursão organizacional definida como um "processo no qual os produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores do que os produz"10. Desta forma, a recursão representa um rompimento com a idéia de causa/efeito.

Um terceiro princípio é o hologramático, pelo qual a parte está inserida em um todo, o todo está em cada parte. Um exemplo deste princípio é a célula do nosso organismo que em seu interior possui toda a informação genética do organismo.

Consoante com a proposta do pensamento complexo, esses princípios são complementares, pois na lógica recursiva o conhecimento adquirido pelas partes age sobre o todo que retroage sobre as partes, numa dialética produtora do conhecimento. E a idéia recursiva também se conecta ao princípio dialógico. Deste modo, a integração entre o observador e o observado é essencial no pensamento complexo.

No que diz respeito às operações lógicas, que em última análise caracterizam um paradigma, é possível afirmar que, enquanto no paradigma clássico predominou a disjunção e a redução, no paradigma complexo deve preponderar o princípio da conjunção e de implicação, ou seja, a partir do par causa/efeito, será também considerada a retroação do efeito sobre a causa. O princípio fundamental é o da conjunção complexa.

Segundo Morin10; num universo de pura ordem não haveria inovação, criatividade e evolução. Por outro lado, é impossível conceber a existência na absoluta desordem, pela falta de um elemento de estabilidade. Assim, o que se conclui é que, muito embora a desintegração seja uma constante, também o é a luta pela regeneração, reorganização, cujo estímulo advém justamente da degenerescência. Neste contexto, a complexidade deve ser aceita como princípio de pensamento que aceita a realidade, e não como um princípio que busca revelar sua essência.

O conhecimento é concebido como um movimento circular ininterrupto no qual há um ponto de partida quando se coloca em movimento, mas não há um fim. Para Morin11; a análise da natureza do conhecimento propõe a necessidade de privilegiarmos o modo de conhecimento que apreenda os objetos em seu contexto, considerando sua complexidade e conjunto, bem como os métodos que possibilitem a percepção das relações mútuas e influências recíprocas entre as partes e o todo, entre o sujeito e o objeto.

Complexidade e epistemologia genética

É possível identificar pontos de convergência entre os princípios da complexidade e a epistemologia genética, a começar pela concepção do conhecimento enquanto um processo dialético, traduzido por Morin11 como um movimento circular ininterrupto por meio do qual conhecemos as partes que permitem conhecer melhor o todo, mas o todo permite novamente conhecer melhor as partes. Reconhece-se aí o princípio da recursividade implícito na dinâmica do conhecimento proposta na Teoria da Abstração Reflexionante.

Outra homologia importante é quanto à idéia de que leis de organização da vida não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio, recuperado ou compensado dinamicamente, que é compatível com a proposta piagetiana do conflito cognitivo. A partir das interações com o meio, o ser humano recebe informações que podem perturbar seu equilíbrio e o impelir na busca de respostas que lhe permitam alcançar um novo estado de equilíbrio. Por se tratar de um sistema aberto, o aparecimento de novos conflitos é constante, ou seja, o equilíbrio e o desequilíbrio são fundamentais para a construção do conhecimento.

Ambas as perspectivas concebem o conhecimento como um processo evolutivo. Na verdade, o próprio Morin declarou-se um construtivista, afirmando que a proposta do sujeito epistêmico de Piaget é fecunda, concordando com a idéia da origem biológica do conhecimento humano.

A convergência também se dá quanto à operação lógica que norteia o processo de criação do conhecimento. No paradigma complexo também se considera a retroação do efeito sobre a causa. O processo proposto na Teoria de Abstração Reflexionante é congruente com esta lógica, pois postula que a criatividade é resultado da passagem entre dois patamares hierárquicos, que possibilitam novas reorganizações, e até pela retroação do superior sobre o inferior, transformando-o.

Evidencia-se uma sintonia entre estas perspectivas, tornando-as adequadas para contextualizar a problemática investigada. Entende-se que, por estas visões do processo de construção do conhecimento, é possível subsidiar uma análise psicopedagógica da emergência das atuais demandas de conhecimento em espaços organizacionais.

 

MÉTODO

Pacheco4; em pesquisa anterior, realizou um estudo de caso múltiplo em três empresas privadas, do mercado de serviços e de capital fechado. A opção por empresas do setor de serviços deveu-se ao fato de um aspecto emblemático desse ramo ser a velocidade das transformações e a fluidez dos produtos. Isto implica em que um dos fatores essenciais para sobrevivência e sucesso dessas organizações é a estruturação dos processos de aprendizagem tanto individual como coletiva.

Para a coleta de dados foram realizadas reuniões presenciais com os principais executivos de cada empresa, que resultaram em um total de quatorze entrevistas. Foram também aplicados questionários estruturados, com questões de múltipla escolha, tendo como sujeitos dessa pesquisa cerca de 350 funcionários executores da atividade fim de cada empresa.

A análise se deu pela organização dos conteúdos das entrevistas e questionários, nas categorias: conhecimento essencial, estrutura organizacional, indutores do conhecimento, processos de gestão de pessoas, processos formais de criação do conhecimento e processos informais de criação do conhecimento.

No presente trabalho, são retomados os resultados anteriormente obtidos a partir das seguintes categorias:

Conhecimento Essencial - conhecimento considerado necessário para executar o negócio da empresa e o tipo de conhecimento aspirado pela organização, destacando-se a explicitação da competência pessoal valorizada em cada empresa;

Processos de Gestão de Pessoas - distinção e análise dos mecanismos existentes, buscando determinar se estes incentivam formas de desenvolvimento coletivas ou individuais;

Processos Formais de Criação do Conhecimento - aqueles institucionalizados por meio de programas formais de capacitação;

Processos Informais de Criação do Conhecimento - que decorrem das relações cotidianas ou situacionais.

 

RESULTADOS

Empresas

A Empresa A é uma imobiliária internacional com presença em mais de 58 países, com 221 escritórios, cujo foco são os grandes empreendimentos comerciais e industriais. A unidade sul-americana sediada em São Paulo, com cerca de 3.000 funcionários, foi objeto do estudo. Como exemplos das atividades desenvolvidas destacam-se: gerenciamento de propriedades, avaliação de imóveis, pesquisa de mercado, intermediação de compra, venda, estudos de ocupação, gerenciamento de projetos, consultoria pré-operacional e de certificação para "prédios verdes". No mercado brasileiro é considerada líder no segmento de gerenciamento de prédios corporativos (sedes de empresas). A característica singular do serviço nesta empresa é o fato das equipes desenvolverem suas atividades nas instalações do cliente, com contratos de longa duração, sendo comum que durem por mais de cinco anos.

A Empresa B é uma multinacional, cuja filial brasileira foi estabelecida em São Paulo, em 1993. Presta serviços de consultoria de engenharia na área ambiental e seu produto final são relatórios técnicos. A organização possui 100 escritórios em 39 países, com cerca de 2.500 funcionários, o que lhe assegura presença em todos os continentes. No Brasil, possui cerca de duzentos funcionários, sendo considerada a maior empresa do segmento no mercado brasileiro. Suas atividades são: análise de riscos ambientais, auditorias ambientais, políticas de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social corporativa, estudos de impactos ambientais, gerenciamento de água e resíduos, investigação e remediação de áreas contaminadas, qualidade do ar e ruído, saúde e segurança no local de trabalho, sistemas de gestão ambiental, treinamento em saúde e segurança do trabalho e meio ambiente.

A Empresa C tem sua sede em São Paulo, é a única só com controladores brasileiros e, na época do estudo, mantinha cerca de 5.500 pontos de atendimento, cerca de 510 funcionários espalhados por 19 estados, com sete bases operacionais e 22 sub-bases. Iniciou suas atividades em 2001, prestando serviços de manutenção volante de infra-estrutura: manutenção de instalações elétricas de baixa tensão, sistemas de ar condicionado, equipamentos de fornecimento de energia de emergência, pequenos reparos de hidráulica, alvenaria e pintura, luminosos e letreiros. É considerada líder nesse mercado, opera por meio de visitas programadas ou por solicitação, em um mercado concorrencial, no qual o principal vetor é o preço. Este segmento se caracteriza por contratos com prazos curtos, o que resulta em alta rotatividade da mão de obra e necessidade de investimentos constantes em treinamento dos novos funcionários.

Destacam-se a seguir os principais conteúdos obtidos pela coleta de dados, nas categorias selecionadas.

a) Conhecimento essencial

a.1 - Empresa A

Nesta empresa, o conhecimento essencial é o que permite à equipe administrar os serviços de suporte à infra-estrutura e habitabilidade de ambientes de trabalho. Conforme já descrito, o local de trabalho da equipe é o ambiente físico da empresa contratante.

Um valor agregado importante nos serviços desta companhia são os ganhos em eficiência traduzida em redução de custos operacionais. Este discurso tem forte apelo na etapa da venda e se efetiva no início dos novos contratos. No entanto, nem sempre este é o fator que vai assegurar a fidelidade do cliente. Reside aí um conhecimento talvez o mais importante, o da apreensão de aspectos culturais da empresa cliente para conseguir oferecer serviços adequados ao seu perfil. Isto implica no desenvolvimento, nas pessoas das equipes operativas, da capacidade de se colocar no lugar do cliente, como uma competência que deve ser construída.

A empresa elegeu a autonomia como uma competência pessoal desejável, mas é percebida como singularidade dos indivíduos, distinguindo-se os que "vão atrás" dos que esperam as soluções prontas. Esta aspiração pode ser relacionada com os valores organizacionais de "iniciativa" e "assertividade" identificados em algumas afirmações, tendo sido registradas dúvidas quanto à possibilidade de a autonomia ser objeto de capacitação.

a. 2 - Empresa B

O conhecimento importante para esta empresa é aquele que permite que um grupo de trabalho elabore um projeto técnico relacionado às questões de meio ambiente e cujo produto seja concretizado em um relatório padronizado. Este projeto também deve abranger, além da dimensão técnica, outras dimensões relevantes para o cliente. É função dos executores do projeto a compreensão destas dimensões, ou seja, serem capazes de assumir o ponto de vista do outro, ou conforme Freitag6; de realizar a descentração.

Como uma característica pessoal importante para esta empresa, foram destacadas a autonomia e a ênfase em que as pessoas devem se mostrar ativas na busca de informações para o desempenho de suas funções. Esta qualidade pode ser identificada nos valores da companhia por meio da frase: "valorizamos o comportamento empreendedor" e da palavra "empowerment".

Ressalta-se a importância da ação do sujeito para que este se aproprie da informação no sentido de transformá-la em conhecimento. E por meio da caracterização da descentração como um atributo necessário para o desempenho do trabalho e da autonomia, é possível afirmar que esta organização busca pessoas cujo processo mental lide com conceitos ou abstrações independentes do concreto.

Outro aspecto importante é de que um forte indutor da criação do conhecimento é a própria estrutura organizacional da Empresa B, caracterizada pela flexibilidade e pela formação de equipes temporárias de trabalho, voltadas para a execução de projetos. É uma estrutura formada a partir da contratação do projeto e permanecerá existindo até sua conclusão.

Como o foco do negócio da empresa são questões relacionadas ao meio ambiente, a diversidade na formação das pessoas na constituição das equipes é um requisito fundamental. Deste modo, trabalham lado a lado engenheiros, geólogos, químicos, biólogos e, em certos casos, sociólogos e economistas.

Assim, além de um ambiente que favorece a interação, é possível afirmar que em função da própria natureza hologramática do meio ambiente, ou seja, na dificuldade de compartimentá-lo por causa de suas interdependências intrínsecas, é o negócio da Empresa B o principal vetor para a ocorrência da diversidade e da interação qualificada.

a. 3 - Empresa C

O conhecimento considerado importante pelos gestores desta empresa é aquele que permite que suas equipes executem atividades de manutenção nas instalações prediais de seus clientes por meio de visitas periódicas. Desta forma, o conhecimento exigido de seus funcionários é o instrumental, ou seja, a capacidade de executar reparos e procedimentos de verificação nos equipamentos presentes num imóvel denominado "ponto de atendimento". Além disso, é valorizada a criatividade como outra competência pessoal.

Desse modo, percebe-se no discurso dos gestores da empresa a demanda por pessoas que possuam tais características na execução do trabalho, não se satisfaçam em apenas cumprir o que foi determinado, mas busquem explorar oportunidades de conquistar o cliente. Caracterizam-se deste modo as pessoas que, segundo Piaget8; atingiram estágios superiores de operações mentais.

Entretanto, o fato de esta empresa estar inserida num mercado concorrencial de baixo valor agregado, e de sua operação ser caracterizada por grande fragmentação, propiciou a adoção de uma estrutura marcada por mecanismos de controle. Assim, todo aparato tecnológico e organizacional possui majoritariamente uma função de controle, o que pode inibir o potencial de autonomia e de criatividade.

b) Processos de Gestão de Pessoas

b. 1 - Empresa A

A empresa desenvolve pesquisa de clima, avaliação por subordinados e seleção integrada, esta última aplicada somente para cargos gerenciais. Não foram observados processos de avaliação do desenvolvimento ou aptidão para todos os funcionários. A empresa também não fornece subsídios para capacitação ou formação. Desta forma, foi detectada uma carência de mecanismos de avaliação, tanto individual quanto dos grupos, e perda de qualidade na seleção. Isto sugere que muito embora a valorização das pessoas faça parte do credo da companhia, tal discurso não se concretiza na prática.

b. 2- Empresa B

No que tange à gestão de pessoas, a empresa adotou como política corporativa o modelo de competências. Neste processo, o funcionário e sua chefia são responsáveis pela definição dos cursos, treinamentos, etc. e isto deve estar conectado com o plano de carreira. A função da área de recursos humanos é de suporte, assegurando a adequação dos cursos e treinamentos. A ferramenta utilizada é conhecida por análise do perfil pessoal - PPA, para identificar as aptidões de cada colaborador e indicar as atividades nas quais atingirá sua melhor performance, assim como também que abordagens devem ser adotadas para seu desenvolvimento. Assim, a ferramenta também auxilia em movimentações internas, evitando que as pessoas sejam transferidas para atividades contrárias às suas características pessoais.

Em função do trabalho ser orientado para o projeto, é importante ressaltar que não cabe ao coordenador o desenvolvimento profissional das pessoas que temporariamente ficarão sob sua gestão. Este papel é do gerente da área a que a pessoa pertence, cabendo ao coordenador avaliar se a pessoa escolhida está ou não em condições de desempenhar as funções necessárias à consecução do trabalho. O coordenador contribui para o desenvolvimento do funcionário na medida em que informa ao gerente de área os pontos positivos e os que devem ser melhorados no trabalho do colaborador.

A essas ferramentas adicionam-se as de pesquisa de clima organizacional e de avaliação por subordinados, confirmando uma preocupação com a dimensão humana objetivada por seus diferentes aspectos por meio da utilização dos diversos mecanismos. Entretanto, uma característica comum da maioria destas ferramentas é de que sua abordagem é exclusivamente individual. A boa performance de um grupo que encorajaria a interação criadora do conhecimento fica oculta, ou só é percebida de forma intuitiva.

b. 3 - Empresa C

Evidenciaram-se as seguintes ferramentas: a pesquisa de clima, a avaliação por subordinados e a seleção integrada, sendo que esta última, parcialmente. A política de desenvolvimento da empresa é orientada pelo enquadramento de cada função em um diagrama com três atributos: conhecimento, habilidade e atitude. Dependendo da função, um deles deverá ser mais desenvolvido. Há um entendimento de que as pessoas nascem com tais características e devem ser desenvolvidas no sentido de aperfeiçoá-la, ou seja, uma concepção inatista.

Registrou-se, também, a expectativa de que os gestores usassem o diagrama no desempenho de suas funções. No entanto, a realidade não segue modelos tão cartesianos, pois os eventos na prática cotidiana mostram o improviso no exercício de tarefas e soluções de problemas, ilustrada por uma fala: "Aí, esse seria o diagrama ideal que a "gente" criou, só que a "gente" tem um problema: este "cara" muitas vezes faz o trabalho desse, esse faz o trabalho desse e muitas vezes a "gente" acaba descendo para fazer o trabalho desse... E aqui na empresa isso acontece muito"... .

Assim, os processos enquadrados nesta categoria mostraram que esta empresa vem buscando adotar mecanismos que respeitem as particularidades de seu negócio, muito embora seu modelo de desenvolvimento revele sua base paradigmática cartesiana de difícil consecução no dia-a-dia.

c) Processos Formais de Criação de Conhecimento

c. 1 - Empresa A

A empresa desenvolveu um portal em sua Intranet, visando estabelecer uma base informacional comum, por meio de um armazenamento dos procedimentos básicos para o gerenciamento de uma nova operação. Como guia para o uso desta ferramenta, elaborou-se um documento eletrônico contendo uma descrição sucinta do repositório, contatos telefônicos e endereços eletrônicos dos integrantes da equipe de desenvolvimento corporativa, também responsável pela atualização e renovação das informações em função de demandas e sugestões encaminhadas pelas operações.

Embora esta iniciativa se constitua como uma etapa importante em termos de implantação de mecanismos formais, não parece suficiente para assegurar a criação do conhecimento novo na empresa. Uma dificuldade a ser considerada é o acesso à Internet pelas equipes operativas, pois mais da metade das pessoas não tem acesso ao recurso, limitando as iniciativas de transmissão ou criação de conhecimento por este veículo.

c. 2 - Empresa B

Um processo formal importante identificado nesta empresa é o de incentivar os consultores a publicarem seus trabalhos, inclusive sendo remunerados e premiados por esta atividade. Iniciativas como esta podem permitir às pessoas o exercício do processo de abstração reflexionante postulado pela epistemologia genética, possibilitando uma ação de segundo grau, em cuja dinâmica pode emergir o conhecimento novo.

A empresa faz investimentos consideráveis em treinamentos, com foco predominantemente instrumental. Muito embora seja inegável a necessidade deste tipo de treinamentos para uma empresa que se dedica à elaboração de trabalhos técnicos, é importante assinalar que, do ponto de vista da epistemologia genética, estes podem ser limitados enquanto processo de construção de conhecimento no nível das ações de segundo grau reflexivas.

c. 3 - Empresa C

O baixo nível de conhecimento técnico dos profissionais selecionados no mercado de trabalho é um desafio para esta empresa. Um dos entrevistados assinalou que hoje o sistema educacional brasileiro está focado no ensino superior, e que isto marginalizou o principal segmento de mão de obra utilizado na empresa, o técnico de nível médio, sendo que muitos destes profissionais saem das instituições de ensino públicas e privadas sem o mínimo conhecimento instrumental para o desempenho de suas funções, ficando a cargo da empresa assumir a função de transmitir conhecimentos básicos para funcionários que teoricamente deveriam ter recebido este conhecimento na sua formação.

Algumas iniciativas são tomadas para solucionar este problema: a capacitação por meio de cursos técnicos genéricos presenciais, treinamento de manutenção de equipamentos e aparelhos via Internet, cursos de atendimento ao cliente, além de subsídios parciais de cursos técnicos regulares.

Um processo formal de transmissão de conhecimentos é realizado por meio de técnicos multiplicadores, residentes nas diversas bases da companhia. Estes, a partir de um treinamento diferenciado e contínuo, principalmente em novas tecnologias, ficariam encarregados de transmiti-los aos demais funcionários. O modelo atual de transmissão é definido como "on-the-job" e seria incrementado com a presença dos multiplicadores.

No entanto, o objetivo explícito é de que este seja apenas um mecanismo de transmissão. Com relação à inovação dos processos de execução, o presidente da empresa acredita que isto deve ser desenvolvido por uma área corporativa específica.

Desta forma, a pesquisa revelou que o principal foco é o treinamento instrumental, buscando ensinar o treinando como ele deve executar as tarefas técnicas ou como se comportar na presença do cliente.

d) Processos Informais de Criação de Conhecimento

d. 1 - Empresa A

Houve o reconhecimento de que uma das funções da organização é permitir a criatividade e, indo um pouco além, que a cultura da empresa incentiva a criação do conhecimento. Junto às equipes operativas existem mecanismos informais de criação de conhecimento, como o correio eletrônico, as consultas informais à equipe corporativa, no sentido de buscar alternativas para a solução de problemas.

No âmbito da corporação observou-se que nos processos de venda é bastante comum o envolvimento de gestores das operações para a construção das propostas comerciais. Tal iniciativa incita, por vezes, o surgimento de novos processos operacionais, que podem ser aplicados às operações existentes.

No entanto, foi possível perceber que esta empresa passou e está passando por transformações que implicam, conforme sugerido por Bauer8; uma reavaliação de sua identidade, que deve estar alinhada com sua realidade. Esta discussão é importante para a gestão dos processos de criação de conhecimento, por sua relação dialógica com a identidade.

Nos primeiros seis anos de existência, a empresa promoveu diversos eventos ou reuniões formais, com o objetivo de disseminar seus valores identitários. Entretanto, em função do crescimento, nos últimos cinco anos houve uma redução considerável deste tipo de mecanismo. Embora estes não possam ser caracterizados exatamente como processos de criação de conhecimento, pode-se qualificá-los como importantes instrumentos indutores de processos informais, por permitirem a ocorrência da interação qualificada, por meio do encontro de pessoas diferentes, cujo traço comum é o trabalho que desenvolvem.

Assim, a pesquisa permitiu o registro de alguns efeitos colaterais indesejáveis que o crescimento desta organização causou em processos importantes. Os processos informais, em grande uso na empresa, são espontâneos, sem qualquer ingerência da alta administração no sentido de induzi-los. Deste modo, é possível deduzir que existe interação, cujo objeto é o trabalho, mas não foi possível qualificá-la, nem identificar inovações importantes oriundas deste processo. Pode-se afirmar que a possibilidade de uma intervenção com vistas à criação de uma dinâmica produtora de conhecimento está ocorrendo, muito embora de forma aleatória e parcial, ou talvez por iniciativa individual de algum gestor.

d. 2 - Empresa B

Quanto aos processos informais nesta empresa, além da intensa interação de pessoas, com formações e histórias diferentes, durante a execução dos projetos, verificou-se a existência do "brown bag", como um processo de transmissão e, eventualmente, de criação de conhecimento. O nome tem origem no saquinho marrom de lanches existente nos EUA. Na Empresa B, é uma reunião organizada espontaneamente por funcionários de diferentes áreas, que elegem um tema e se reúnem na hora do almoço ou café, na área de descompressão da empresa, para discussão do assunto. O tema pode ser uma nova tecnologia ou até o desejo de um funcionário em conhecer as atividades de outra área. Segundo a gestora de recursos humanos, sua área somente provê um eventual apoio para esta atividade, mas a iniciativa parte sempre dos funcionários.

O correio eletrônico é outra forma de compartilhar informações a respeito de temas técnicos e as práticas informais, da busca por intermédio do "boca a boca" parecem conviver perfeitamente com a tecnologia.

d. 3 - Empresa C

O estudo registrou a realização de reuniões periódicas das equipes com seus supervisores na cidade de São Paulo, para a discussão de questões ligadas ao trabalho. Seu formato é flexível o bastante para ser considerada uma comunicação socializada, nos termos propostos por Freitag6. Houve um relato promissor sobre os efeitos e resultados deste tipo de interação, de forma que já existe a intenção de reproduzi-lo nas demais bases operacionais da companhia.

No entanto, a pesquisa permitiu verificar a ênfase dada pela empresa aos treinamentos instrumentais, ou seja, a convergência com um dos valores de sua Missão: "valorização, suporte, preparação e comprometimento dos nossos profissionais".

 

DISCUSSÃO

A interação social é um elemento constitutivo das organizações, assim como, sob a ótica da epistemologia genética, do conhecimento humano. Nesse sentido, é possível afirmar que as organizações podem se transformar em ambientes propícios para a construção de conhecimento individual e coletivo. E, no processo inverso e complementar, pode ser objeto de apropriação pela organização, desde que ela abandone uma concepção de conhecimento individual e unilateral. A empresa pode criar as condições que permitem sua dinâmica, mas entendam que, quando se considera o caráter recursivo da organização postulado pelo pensamento complexo, as condições que produziram a interação são dinâmicas e não preenchem quadros absolutamente previsíveis.

A caracterização empreendida pelo estudo possibilitou observar este fenômeno na Empresa A. O crescimento da empresa, resultado da efetividade de seus processos, implicou o estabelecimento de estruturas, que por sua vez afetaram os processos que permitiram seu crescimento. Ou seja, o fenômeno revelou uma dinâmica recursiva, que ensejou a transformação de seus processos, no sentido de exigir novas adaptações às novas circunstâncias.

Devido a outros aspectos constitutivos, tais como estrutura física, organizacional e tecnológica, uma organização também oferece recursos importantes para a transmissão e preservação de informações. Contudo, conforme foi observado no estudo, estas mesmas características podem se transformar em barreiras para a inovação.

Os dados indicaram que o negócio das empresas é um dos fatores para o estabelecimento ou não do ambiente favorável à criação do conhecimento. Nos casos pesquisados, pelo fato de as empresas atuarem em segmentos distintos do mercado de serviços, foi possível delinear bem estas diferenças.

Embora o trabalho na Empresa B possa ser definido como técnico, por tratar de questões ligadas ao meio ambiente, assume a natureza complexa de seu objeto, ou seja, esta termina por impor a multidisciplinaridade como um determinante para sua construção. Desta forma, a interação e a diversidade são elementos intrínsecos à construção do trabalho, o que se traduz na maneira como as equipes desta organização se constituem para realizá-lo.

Em oposição, aparece o trabalho da Empresa C, cujo caráter instrumental enseja a adoção de processos rígidos de controle e na ênfase de treinamentos instrutivistas como forma de alcançar seus objetivos.

Deste modo, os objetivos da empresa ou mais concretamente o que ela faz representam um elemento que contribui para a formação de sua própria identidade e que se traduzem pela estrutura, pelos processos de gestão de pessoas e de criação de conhecimento. Em consonância com a idéia de identidade complexa e tendo em vista o processo de desenvolvimento para a organização, é possível afirmar que, para uma empresa jovem como a Empresa C, a passagem por uma etapa na qual prevaleçam mecanismos de controle e processos instrutivistas pode ser uma condição necessária para sua evolução.

Também deve ser considerado que a implementação de mecanismos instrutivistas parece mais simples, apresentando bons resultados no curto prazo, principalmente quando se considera o caráter instrumental da atividade da empresa. Entretanto, ao privilegiar as operações concretas, seus efeitos no médio e longo prazo podem ser a limitação do pensamento inquisidor, necessário na solução permanente de problemas.

Paradoxalmente, embora os processos na Empresa C privilegiem o exercício de operações similares às observadas do estágio das operações concretas, foi registrado o descontentamento do presidente da empresa com o fato de os integrantes das equipes operativas executarem "o que deve ser feito" e não considerarem "como podemos resolver este problema" e uma demanda por pessoas os dados criativas.

Esta contradição também foi constatada pela pesquisa nas demais empresas, nas quais os dados indicaram a aspiração dos gestores por pessoas dotadas da capacidade de refletir sobre suas ações na busca da solução de problemas. Todavia, muitos dos processos observados atuam no sentido oposto. A ênfase em treinamentos instrumentais, sistemas de avaliação com foco único no indivíduo, etc.

Mesmo a Empresa B, que pode ser considerada a empresa que reúne as melhores condições para a interação social qualificada propícia para a criação do conhecimento, apresentou indícios inquietantes, na forma da adoção de um sistema de gerenciamento de projetos com um viés de controle acentuado, típico do paradigma clássico.

Foi possível perceber, no estudo empírico, o embate entre as visões paradigmáticas clássica e complexa. Na medida em que estas empresas cresceram, em termos geográficos e populacionais, observou-se a perda de processos de interação criativa e o estabelecimento progressivo de mecanismos de controle. Deste modo, quando se considera a forma como se constrói o conhecimento por meio de um indivíduo ativo conforme a epistemologia genética, constata-se que estes mecanismos reduzem ou eliminam um dos elementos essenciais para a criação do conhecimento.

Em relação aos processos informais na construção do conhecimento, estes aparecem como traço comum tanto para a solução de problemas, quanto para a aprendizagem, sendo ambos essenciais para as organizações pesquisadas.

A criação de conhecimento nas organizações pode ser entendida como uma possibilidade, favorecida ou dificultada pela identidade da organização, mas possível desde que seja permitida a interação qualificada, traduzida em processos formais ou informais que facilitem a construção do conhecimento, ao invés da transmissão de informações.

Entretanto, quando se considera a influência da identidade organizacional sobre os processos, é importante reconhecer as limitações da atuação do gestor no sentido de induzir interações qualificadas. Observou-se que, quando se diz como as coisas devem ser feitas, anula-se o sujeito, a pessoa enquanto ser pensante. Ao contrário, quando o problema é colocado permitindo-se que o funcionário busque a solução, está se reconhecendo o sujeito que reflete e que pensa, portanto criando a interação qualificada.

Para finalizar, é digna de registro a observação na dinâmica das organizações estudadas da recorrência dos constantes movimentos de desequilibração e de tentativas de equilibração, fenômenos estes que, à semelhança do que ocorre no desenvolvimento da ontogênese, não obedecem a um processo evolutivo contínuo, mas que podem também retroceder em função de condições do ambiente sócio-econômico.

É aqui que reside a argumentação favorável a possíveis ações psicopedagógicas nos espaços organizacionais, possibilitando maior envolvimento e participação na reflexão e criação de soluções pautadas pelos conhecimentos partilhados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou levantar a hipótese de que novos modelos organizacionais devam ser desenvolvidos, fugindo do estatuto paradigmático clássico de controle, privilegiando estruturas e processos que permitam ao sujeito o exercício das operações formais que permitem a emergência do novo.

Entendendo-se o conhecimento como um dos elementos básicos para o crescimento e sobrevivência lucrativa das empresas, coloca-se o conflito entre a tendência normatizadora e controladora que acompanha o crescimento da organização e a interação qualificada que permite a criação de conhecimento.

Nesse sentido, os resultados e as discussões encaminhadas na pesquisa realizada abrem a perspectiva de uma reflexão psicopedagógica sobre as múltiplas interações e condições em que se inscrevem os processos de construção de conhecimento e de aprendizagem pelos indivíduos e grupos nos espaços organizacionais.

A pergunta norteadora deste estudo acha-se, assim, plenamente respondida, na medida em que se pode apreender os movimentos e ações implementadas pelas empresas na tentativa de construir e manter sua identidade, ao mesmo tempo em que se abrem para os desafios que as ameaçam. Ou seja, a demanda é de abertura para a construção de um conhecimento novo, não fragmentado, não exclusivo, não sectário, na visão de uma psicopedagogia nas organizações.

A escolha de um referencial teórico pautado de um lado por uma leitura psicológica do sujeito do conhecimento, a epistemologia genética de Piaget, e de outro, por uma perspectiva da complexidade responde à emergência de leituras interdisciplinares para a compreensão dos fenômenos complexos da atualidade. E esta postura interdisciplinar coaduna com o caráter da Psicopedagogia. Fica, portanto, aberto o desafio para o desenvolvimento de ações psicopedagógicas nos espaços organizacionais.

 

REFERÊNCIAS

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11. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 5ª ed. São Paulo: Cortez;2002.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Marisa Irene Siqueira Castanho
Rua Loreto, 61 - apto 81 - Vl. Sto. Estéfano
São Paulo - SP CEP: 04152-130
E-mail: mis_cast@yahoo.com.br

Artigo recebido: 22/09/2008
Aprovado: 15/10/2008

 

 

Trabalho realizado nas seguintes empresas: Cushman & Wakefield Semco Gerenciamento de Ativos Ltda, ERM Brasil Ltda, Semco Manutenção Volante, São Paulo, SP.

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