SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26 issue79Reading comprehension, velocity, fluency and precision in the second grade of elementary schoolUse of neuropsychological tests for the assessment of learning disabilities author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.79 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Inclusão escolar: há coesão nas expectativas de pais e professores?

 

Inclusive education: parents and teachers perspectives

 

 

Gilcineia Maria Silveira CintraI; Sonia das Dores RodriguesII; Sylvia Maria CiascaIII

ICoordenadora Pedagógica do Colégio Farroupilha - Campinas, /SP
IIPsicopedagoga e pesquisadora do Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE) - Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp
IIIProfa. Livre-Docente do Departamento de Neurologia e Coordenadora do Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE) - Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Avaliar as expectativas de diferentes grupos envolvidos no processo de inclusão escolar: professores, pais de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) e pais de alunos cujos filhos estão matriculados em classe onde há crianças com NEE.
MÉTODO:
A pesquisa foi desenvolvida em uma escola particular da cidade de Campinas, São Paulo. Fizeram parte do estudo 16 pais e quatro professores. Dentre os pais, quatro tinham filhos com NEE e 12 não. As crianças estavam matriculadas no ensino infantil (I, II e III) e na 1ª série do ensino fundamental. A avaliação das expectativas dos indivíduos envolvidos foi realizada por meio de questionário semi-estruturado, elaborado para esse fim. A análise dos dados foi feita de forma qualitativa.
RESULTADOS: Os resultados mostraram que houve divergências nas expectativas entre os indivíduos ouvidos (pais e professores). Enquanto os professores priorizam o aspecto emocional e social da inclusão, os pais demonstraram que esperam que se priorize e se atente para os aspectos emocional, social e pedagógico. Questiona-se se a postura dos professores pode estar relacionada com o conceito de auto-eficácia e se chama a atenção para a necessidade de se ouvir também os pais que não têm crianças com NEE.
CONCLUSÃO: Conclui-se que as divergências encontradas têm seus aspectos positivos, já que abrem caminho para discussões entre todos os envolvidos com a inclusão escolar e, consequentemente, para a melhoria do projeto pedagógico.

Unitermos: Auto-eficácia. Educação especial. Crianças portadoras de deficiência. Adaptação.


SUMMARY

OBJECTIVE: The aim of this study was to investigate the perspectives of the parents and teacher about inclusive education.
METHODS: Sixteen parents (four had a soon with special needs) and four teachers answered a questionnaire with structured questions. The children were enrolled in regular class (Maternal, Infantil II, III and Elementary School) of the private school, in Campinas, SP (Brazil).
RESULTS: The results show that the perspectives of the parents and the teachers were different. All the parents of the children (with and without special needs) have a positive attitude from inclusive education and think that school need to use strategies for the development of emotional, social and academic aspects of the children with special needs. The teachers have a positive attitude from inclusive education too, but they think that school need to use strategies for development of emotional and social aspects of the children with special needs. The authors use the concept of self-efficacy for explain the posture of this teachers.

Key words: Self-efficacy. Education, special. Disabled children. Adaptation.


 

 

INTRODUÇÃO

A inclusão de indivíduos com necessidades educativas especiais (NEE) no ensino regular é bastante discutida entre os profissionais da área da educação e, assim, vários aspectos sobre essa temática são apresentados na literatura. Poucos estudos, porém, abordam a expectativa dos pais sobre o processo de inclusão de seus filhos no ensino regular.

Esse dado é interessante, quando se considera que os pais de indivíduos com NEE desempenharam papel importante no decorrer do processo de inclusão, influenciando, inclusive, a criação de leis que legitimaram a inserção dos portadores de deficiências no trabalho e na escola regular1.

Atualmente, um número cada vez maior de escolas (públicas e particulares) atende crianças com NEE e a entrada das mesmas no contexto escolar costuma mobilizar seus profissionais, no sentido de buscar conhecimentos sobre fatores orgânicos que suscitaram a deficiência e a melhor maneira de promover a adaptação e o atendimento pedagógico das mesmas.

Nesse processo de busca, os sentimentos e expectativas dos principais envolvidos com a inclusão (pais de crianças com e sem NEE e professores) quase sempre são deixados à parte.

Em relação aos pais de crianças com NEE, costuma se esquecer, por exemplo, que os mesmos tiveram que se adaptar a uma situação inesperada e podem, inclusive, estar ainda no processo de adaptação à nova realidade, ou mesmo no processo de negação da deficiência de seu filho, que representa o primeiro estágio pelo qual passam os pais que têm filhos com NEE2,3.

Além disso, pelo fato de que encarar sentimentos e emoções fortes não é fácil sob qualquer aspecto2; não é incomum que os pais matriculem seus filhos na escola regular na esperança de contrapor o diagnóstico médico, ou seja, de comprovar a "normalidade" de seu filho.

Nesses casos, os pais podem colocar todas as suas expectativas no desempenho dos professores e esses, por sua vez, podem sentir-se impotentes e incapazes de desenvolver um bom trabalho pedagógico com a criança.

Como já se constatou que situações continuadas de fracassos e frustrações podem abalar a motivação e o empenho profissional dos professores4 e, ainda, interferir com a crença de auto-eficácia dos mesmos5; o processo de inclusão escolar pode vir a ser prejudicado.

Quanto aos pais das crianças que não têm NEE, a experiência pessoal tem demonstrado que esses têm altas expectativas quanto ao desempenho de seus filhos, já que mostram desejo de que sejam os melhores, desde a fase inicial de escolarização. Se há criança com NEE na mesma sala que seus filhos, não é incomum que os pais tenham receio de que a inclusão interfira com o aproveitamento da classe como um todo, apesar de serem esclarecidos do contrário.

Considerando, então, que a escola deve contribuir para o desenvolvimento global de todas as crianças, inclusive aquelas que têm NEE, e que divergências nas expectativas no processo de inclusão podem atrapalhar a inclusão plena e efetiva, é importante que ela abra espaço para ouvir os principais indivíduos que, direta ou indiretamente, participam desse processo, ou seja, pais de crianças com e sem NEE e professores.

Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é avaliar as expectativas de pais de alunos (com e sem NEE) e de professores quanto ao processo de inclusão escolar e, ainda, verificar se há divergências nas expectativas relatadas pelos mesmos.

 

MÉTODO

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Uma vez obtida a autorização junto à escola para a realização da pesquisa, foram selecionados aleatoriamente quatro pais de alunos com NEE, sendo que três estavam matriculados na pré-escola e uma na 1ª série (ensino fundamental de oito anos) de uma escola regular privada da cidade de Campinas, São Paulo. Os professores desses quatro alunos, assim como doze pais de crianças sem NEE (três de cada sala onde estavam matriculadas as crianças com NEE) foram convidados a participar do estudo. A casuística foi então composta por 16 pais (quatro que tinham filhos com NEE e 12 que tinham filhos sem NEE) e quatro professores. Todos os 20 sujeitos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e responderam a uma entrevista semi-estruturada, desenvolvida especialmente para a avaliação das expectativas dos sujeitos envolvidos (Anexo 1). Os dados obtidos foram analisados qualitativamente e confrontados entre si.

 

RESULTADOS

Na Tabela 1 são apresentados os dados relativos às crianças com NEE.

Nas tabelas seguintes são apresentados os principais dados relativos aos pais de cada uma das crianças com NEE (Tabela 2), aos professores de cada uma das crianças com NEE ( Tabela 3) e aos pais das crianças sem NEE (Tabela 4).

Conforme se observa nas Tabelas 2 e 4, os pais tinham bom nível educacional. Nota-se, também, que três professores tinham nível superior e um deles estava cursando essa etapa de ensino. Dentre os quatro professores, dois tinham mais de dez anos de experiência profissional, porém apenas um tinha feito curso de especialização.

Análise das respostas obtidas com a entrevista semi-estruturada

A questão número 1 procurava investigar que aspecto deveria ser priorizado (social, emocional, pedagógico, promoção da série escolar) em relação ao trabalho da criança com NEE. Nenhum dos 20 sujeitos entrevistados considerou a promoção de série como prioritário para uma escola inclusiva. Entre os pais de crianças com NEE, 50% priorizaram os aspectos sociais e 50%, os aspectos pedagógicos. Já os professores priorizaram os aspectos sociais (50%) e emocionais (50%). Quanto aos pais de crianças sem NEE, foram priorizadas as questões sociais (33,3%) e pedagógica (33,3%), seguida pela questão emocional (25%).

Questionados sobre o que pensam da inclusão escolar, todos os 20 sujeitos se mostraram favoráveis, mencionando termos como: positiva, necessária e direito de todos os indivíduos. Entretanto, 50% dos pais de crianças com NEE chamaram a atenção para o despreparo dos professores em lidar com as necessidades das crianças. Os professores, por sua vez, deixaram a idéia de que há muito a ser feito para que a inclusão ocorra de maneira eficaz. Interessante destacar, ainda, que a maioria dos pais de crianças sem NEE mencionou que a inclusão traz ganhos tanto para as crianças com NEE, quanto para as demais.

Na terceira questão, que teve como objetivo investigar o que uma família de um aluno com NEE deve esperar da inclusão escolar de seu filho, os pais de alunos com NEE relataram que esperam que seus filhos sejam acolhidos e, além disso, que querem uma escola com profissionais preparados para lidar com as necessidades educativas especiais das crianças. Já os professores demonstraram em suas respostas que os pais de crianças com NEE devem esperar apoio em relação aos aspectos emocionais e sociais (novamente chama a atenção o fato dos profissionais da educação não fazerem qualquer menção à questão pedagógica). Em relação aos pais de crianças sem NEE, embora tenha havido grande diversidade de respostas, notou-se que a idéia desses é concordante com as dos pais de crianças com NEE, ou seja, consideram que a escola deve estar preparada para acolher a criança e seus pais e promover o desenvolvimento global da criança. Um deles, inclusive, menciona que "Os professores devem ter sim, o objetivo do ensino pedagógico, já que os pais geralmente não são pessoas com preparo superior para tal".

O que um professor de um aluno com NEE deve esperar da inclusão escolar do aluno, foi objeto da quarta questão. A esse respeito os pais de crianças com NEE demonstraram que vêem o professor como peça fundamental para o crescimento e o desenvolvimento de seus filhos. Tal postura também foi identificada entre os 12 pais de crianças sem NEE, ou seja, consideram que o professor é primordial para o adequado processo de inclusão. Quanto aos professores, exceto por um, que lecionava na 1ª série do ensino fundamental, os demais mencionaram apenas a contribuição que podem dar às questões social e emocional. Desse modo, mais vez o aspecto pedagógico é desconsiderado entre os mesmos.

Por fim, a quinta questão objetivou investigar o que a família de uma criança sem NEE deve esperar do processo de inclusão escolar. Um dos pais de criança com NEE relatou o desejo de que seu filho contribua para o crescimento e desenvolvimento das demais crianças. Dois outros disseram que a família que não tem criança com NEE pode ajudar na inclusão das crianças, orientando e auxiliando seus filhos "saudáveis" a conviver com a diferença. Apenas um dos pais mostrou postura negativa, mencionado que a família sem criança com NEE não percebe a criança que a tem. Quanto aos professores, esses relataram o desejo de que as famílias de crianças sem NEE percebam que o convívio com as crianças incluídas deve ser respeitoso e solidário e, além disso, que esse convívio certamente favorece a aprendizagem de seus filhos. Concordante com os professores, os pais de crianças sem NEE também declararam que a inclusão é positiva não somente para as crianças com NEE, como também para seus filhos. Termos como desenvolvimento, crescimento, respeito e aprender a lidar a diferença foram frequentemente citados pelos mesmos.

 

DISCUSSÃO

A partir da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em Salamanca, Espanha, em 1994, passou-se a difundir no Brasil a filosofia da educação inclusiva1 e as escolas públicas e particulares passaram a receber maior número de alunos com NEE no ensino regular.

Essa nova filosofia vem gerando debates entre os diversos segmentos da saúde e educação que, em geral, defendem pontos de vista muitas vezes antagônicos sobre temas relativos à integração e inclusão (total ou parcial) de indivíduos com NEE1. O que se observa, no entanto, é que a maioria dos estudos foca a criança e suas necessidades, ficando os pais e os professores à margem do processo de investigação. Por essa razão, surgiu o desejo de não só investigar as expectativas desses sujeitos em relação à inclusão escolar, como também de identificar se haveria divergências de expectativas entre os sujeitos investigados.

Vale mencionar que antes de iniciar o trabalho, a hipótese que se tinha é que haveria resistência por parte dos pais em participar do estudo, principalmente daqueles que não têm filhos com NEE. Porém, o que se constatou foi exatamente o contrário, ou seja, todos aqueles que foram convidados a participar da entrevista não só aceitaram imediatamente, como também adiaram compromissos para responder ao questionário proposto. Entre os pais de crianças com NEE o interesse foi ainda mais visível, possivelmente pelo fato do tema os afetar diretamente e por acreditarem que estariam contribuindo para o melhor atendimento de seus filhos.

Depreende-se, então, que nesse estudo todos os pais viram na pesquisa uma forma de quebrarem o silêncio e de se manifestarem a respeito de uma questão que afeta todos os indivíduos do contexto escolar.

Também os professores demonstraram satisfação em participar, após se esclarecer sobre o sigilo da pesquisa.

Considerações sobre as respostas dadas pelos pais de alunos com NEE

"Deixo aqui como observação importante o fato de que, para um pai de criança portadora de deficiência, coisas simples como a aceitação da escola já é um ganho formidável. Perceber que o filho tem os seus direitos preservados, como qualquer outra criança, é o que realmente importa. O resto é uma questão de empenho, luta e muito amor". (Pai de uma das crianças com NEE)

Ao matricular uma criança com NEE na educação infantil, os pais enfrentam uma situação ambígua, pois isso os obriga e os ajuda a enfrentar uma situação penosa, ou seja, "reconhecer perante outros adultos, sobretudo perante outros pais, que seu filho tem uma deficiência"6.

Em geral, essa situação não é fácil de ser enfrentada, porque nessa fase inicial de ensino não é incomum que os pais estejam passando ainda pela fase de negação da deficiência de seu filho2,3 e, assim, vêem a escola como uma oportunidade de contrapor o diagnóstico médico. O aspecto pedagógico, então, passa a ser o fator considerado mais importante para esses pais.

Esse dado, aliado à experiência pessoal com a inclusão de crianças com NEE, fez com que se pensasse, a princípio, que os pais demonstrariam mais preocupação com o desenvolvimento cognitivo dos seus filhos, e menos interesse com os aspectos emocionais e sociais.

Entretanto, o que se verificou na análise das respostas dadas por esses pais foi que ambos os tipos de pais (com e sem crianças com NEE) ficaram divididos entre os aspectos pedagógicos e sociais. Possivelmente, a questão social também ganhou ênfase entre os pais pelo fato de as crianças estarem matriculadas no ensino infantil, etapa em que o aspecto social e emocional é de fato importante para sua convivência e socialização.

Analisando-se os dados como um todo, pôde-se perceber que os pais de crianças com NEE vêem a inclusão como um aspecto positivo, demonstrando desejo de verem seus filhos sendo acolhidos e respeitados, tal como acontece como as demais crianças. Um outro dado importante é que chamam a atenção para o aspecto político do processo de inclusão, alertando que essa foi feita por imposição governamental (palavras de um dos pais), sem que os professores tivessem sido preparados para tal. Percebe-se, ainda, que querem uma escola com profissionais preparados para lidar com as necessidades dos seus filhos e que vêem os professores como peça fundamental para o crescimento e o desenvolvimento dos mesmos.

A esse respeito, Bueno7 opina que a consecução do princípio da educação inclusiva não se efetuará simplesmente por decreto e, portanto, julga que é necessário avaliar as reais condições para que a inclusão de crianças nos sistemas de ensino regular se dê de forma gradativa, contínua, sistemática e planejada.

Entretanto, na prática não é isso que vem acontecendo e, talvez por esse motivo, os professores continuam a privilegiar o desenvolvimento dos aspectos emocionais, em detrimento do aspecto pedagógico, tal qual se verificou neste estudo.

Desse modo, talvez haja um descompasso entre os desejos dos pais e as prioridades dos professores. Os pais anseiam por ver seus filhos inseridos nas exigências sociais de estudo e de trabalho e, assim, querem que aprendam a ler e a escrever, como qualquer outra criança. Porém, como atingir essas expectativas em se tratando de crianças com NEE? Os professores sabem fazê-lo?

Na prática, o que se nota é que a inclusão das crianças no ensino regular deixa a desejar e o despreparo dos professores contribui para isso. Porém, esse problema é de certo modo superado e até perdoado pelos pais, possivelmente em função da longa jornada de dificuldades que enfrentam e pela aceitação das limitações que a deficiência impõe. Como bem coloca Paniagua6:

"Muitos sentem admiração e orgulho valorizando o esforço de seu filho para aprender e superar suas dificuldades. Muitos outros, com o passar dos anos, valorizam sua experiência com seu filho com deficiência como algo positivo e insubstituível, apesar do esforço que possa ter exigido". (Paniagua, 2006, p.331)

Considerações sobre as respostas dadas pelos professores de alunos com NEE

"A palavra inclusão hoje em dia é muito presente e exige certa reflexão sobre ela". (Professor de um dos alunos com NEE).

Analisando-se os dados relativos às respostas dadas pelos professores, verifica-se que, conforme já mencionado, o aspecto emocional aparece como prioridade entre os professores e isso ocorre em todas as séries pesquisadas, mesmo nas séries alfabetizantes. De modo geral, os professores acham que o aspecto pedagógico deve ser desenvolvido depois do emocional e, pelo discurso pode-se visualizar uma visão ingênua e romântica do processo de inclusão.

A questão que se coloca é por que esses professores não vêem o aspecto pedagógico "caminhando" junto com o emocional/social, como ocorre com os demais alunos? Será que não se sentem capazes de levar adiante um projeto pedagógico adequado às necessidades especiais que esses alunos requerem?

Nesse sentido, é interessante pensar sobre a questão da auto-eficácia, termo que está relacionado ao julgamento de competência para realizar uma tarefa específica ou um conjunto de tarefas em um determinado domínio4,8.

Assim, não basta o indivíduo ser capaz de realizar algo, porque será necessário que ele se julgue capaz de utilizar as capacidades e habilidades pessoais diante das mais diversas situações10. Se as pessoas não acreditam que têm o poder para produzir resultados, elas não tentarão fazer as coisas acontecerem9.

No âmbito da educação, principalmente em se tratando da educação especial, esse sentido de auto-eficácia pode ser abalado pelo fato de o professor ter que lidar diariamente com obstáculos, fracassos e frustrações e esses, por sua vez, acabam interferindo com a motivação e com a atuação pedagógica10.

Em geral, o professor acredita que para desenvolver um trabalho eficaz com as crianças com NEE há necessidade de total domínio de todos os aspectos ligados ao quadro clínico da criança. Como a NEE pode ter origem e etiologia variada, seria difícil para o professor ter total domínio a esse respeito. Como resultado, o professor sente-se, indevidamente, incapacitado para lidar com a criança e essa postura acaba afetando a crença de auto-eficácia. Como consequência, o trabalho pedagógico pode vir a ser prejudicado.

Outro dado que merece ser destacado em relação ao papel do professor diz respeito à sua formação. A esse respeito, diversos trabalhos são encontrados na literatura e a maioria deles remete à necessidade de formação adequada, a fim de se conseguir promover a inclusão e transformar a escola e o ensino11-13.

Analisando-se a formação dos professores da presente pesquisa, verifica-se que três deles são formados em pedagogia e o quarto professor está cursando o último ano. Dos três pedagogos, dois têm mais de dez anos de formação e o terceiro concluiu o curso há dois anos. Somente um professor tem curso de especialização (Psicopedagogia) e três deles têm uma jornada de oito horas diárias.

Assim, pode-se apreender que a busca pelo investimento e pela especialização na carreira foi buscada somente por um profissional (33,3%) e, além disso, dos quatro professores, três têm uma jornada diária de oito horas, o que certamente dificulta a busca de informações, leituras, planejamento e avaliação do trabalho pedagógico. Se a ausência de estudo e de planejamento pode ser mais facilmente superada quando se têm crianças sem deficiência ou problemas para aprender, o mesmo não se pode dizer em relação às crianças que têm NEE.

"Ainda que se leve em conta a diversidade nos processos de planejamento da escola e da turma pode ocorrer que certas necessidades dos alunos não sejam contempladas nesses níveis de planejamento, sendo necessário adaptar o currículo de forma individual". (Blanco, 2006, p.296)14

Do até então exposto, chama-se a atenção para a necessidade de políticas governamentais que valorizem de fato o trabalho do professor. Essa valorização pressupõe um conjunto de iniciativas que envolvem os cursos de formação (básica e continuada), melhoria na remuneração, diminuição da jornada de trabalho, possibilidades de discussão e de planejamentos pedagógicos adequados, entre outros.

Considerações sobre as respostas dadas pelos pais cujos filhos são colegas dos alunos com NEE

"Acredito que esse tipo de iniciativa representa uma ótima oportunidade de poder desenvolver nos colegas o senso de solidariedade, humanidade; coleguismo e, principalmente, o senso de discriminação" (Pai de uma das crianças sem NEE)

A expectativa que se tinha era que esses pais, por temerem que seus filhos fossem prejudicados no aspecto pedagógico, manifestariam receios em relação à inclusão de crianças com NEE. Essa expectativa estava embasada em experiências anteriores junto a outros pais que expressaram o receio de que a professora iria "nivelar" a classe em função da criança com NEE ou, ainda, que teriam que acompanhar o ritmo pedagógico dessas crianças.

Entretanto, não foi o que aconteceu com esse grupo de pais, que se ofereceram para responder à entrevista semi-estrutura sobre a inclusão escolar. A percepção de que eles queriam romper o silêncio e falar sobre o tema da inclusão reafirmou o propósito que se tinha de ouvir todas as partes envolvidas com esse processo.

Nas respostas dadas por esse grupo de pais, ficou claro que mesmo que não tenham sido ouvidos ou devidamente preparados para o processo de inclusão escolar, esses se mostraram totalmente favoráveis à inclusão. Interessante destacar que esses pais foram os que mais manifestaram posições de cobrança (escola e professores) em relação à necessidade de se atentar para o aspecto pedagógico das crianças com NEE.

Nesse sentido, a visão de certo modo "romantizada" dos professores sobre a inclusão não é decorrente da opinião desses pais, pois esses se mostraram abertos para discutir o tema e se posicionaram, tanto em relação à necessidade de formação dos professores, como na necessidade de criação de projetos pedagógicos eficazes para essas crianças.

 

CONCLUSÕES

No presente trabalho constatou-se que todos os envolvidos (pais e professores) são favoráveis à inclusão escolar. Os pais de crianças sem NEE consideram, inclusive, que a convivência de seus filhos com as crianças especiais traz benefícios para todos, contribuindo para o conceito de justiça, direito e igualdade. Quanto aos pais de crianças com NEE, esses mencionaram o desejo de acolhimento da criança e de que sejam contemplados os aspectos emocionais, sociais e pedagógicos. A idéia de que o professor é peça-chave no processo de inclusão e, além disso, que há necessidade de se ter profissionais capacitados e bem preparados para lidar com as necessidades das crianças incluídas, foi mencionada por ambos os tipos de pais (que têm e que não têm crianças com NEE). Por fim, os professores deixaram a idéia de que priorizam os aspectos emocionais e sociais da criança com NEE e não contemplam, como deveria, a contribuição que podem dar ao trabalho pedagógico que pode e deve ser desenvolvido com essas crianças.

 

REFERÊNCIAS

1. Mendes EG. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Rev Bras Educ. 2006;11(33):387-405.         [ Links ]

2. Buscaglia L. Os deficientes e seus pais. 3ª ed. São Paulo:Editora Record;1983. p.104-14.         [ Links ]

3. Cintra GMS. Inclusão escolar: aspectos psicossociais (uma reflexão). [Trabalho de Conclusão de Curso de Extensão; Capacitação em Saúde Mental Escolar: limites e alcances do papel do professor na Saúde Mental]. Campinas:Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unicamp;2004.         [ Links ]

4. Bzuneck JA, Guimarães SR. Crenças de eficácia de professores: validação da escala de Woolfolk e Hoy. Rev Psico-USF. 2003;8(2):3.         [ Links ]

5. Pelissoni AMS Auto-eficácia na transição para o trabalho e comportamento de exploração de carreira [Dissertação de Mestrado]. Campinas:Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas;2007.         [ Links ]

6. Paniagua G. As famílias de crianças com necessidades educativas especiais. In: Coll, Marchesi, Palácios et al. Desenvolvimento psicológico e educação. vol. 3. Transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Porto Alegre: Artmed;2004. p.341-6.         [ Links ]

7. Bueno JGS. A inclusão de alunos deficientes nas classes comuns do ensino regular. Temas sobre Desenvolvimento. 2001;9(54):21-7.         [ Links ]

8. Bandura A. Social foundations of thought and action: a social cognitive approach. Englewood Cliffs:Prentice Hall;1986.         [ Links ]

9. Azzi R, Polydoro SAJ. Auto-eficácia: introdução ao conceito. In: Bandura A, Azzi RG, Polydoro SAJ, Azzi R, Polydoro SAJ, orgs. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre:Artmed;2008.         [ Links ]

10. Bzuneck JA, Guimarães SR. Crenças de eficácia de professores: validação da escala de Woolfolk e Hoy. Rev Psico-USF, 2003, v.8,n.2,p.3.         [ Links ]

11. Rodrigues AJ. Contextos de aprendizagem e integração/inclusão de alunos com necessidades educativas especiais. In: Educação especial. Do querer ao fazer. Campinas:Amercamp;2003. p.13-26.         [ Links ]

12. Silva MOE. A análise de necessidades na formação contínua de professores: um contributo para a integração e inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais no ensino regular. In: Educação especial. Do querer ao fazer. Campinas:Amercamp;2003. p.53-70.         [ Links ]

13. Mantoan TEM. Inclusão escolar: O que é? Por que? Como fazer? São Paulo:Editora Moderna;2006.         [ Links ]

14. Blanco R. A atenção à diversidade na sala de aula e às adaptações do currículo. In: Coll, Marchesi, Palácios et al., orgs. Desenvolvimento Psicológico e Educação. vol. 3. Transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. Porto Alegre:Artmed;2004.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Sônia das Dores Rodrigues
Rua Luiz Gama, 937, apto 64 - Castelo
Campinas, SP CEP 13070-170
E-mail: sdr@fcm.unicamp.br

Artigo recebido: 5/2/2009
Aprovado: 29/3/2009

 

 

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas - Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP.

Creative Commons License