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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.79 São Paulo  2009

 

RESENHA

 

Psicanálise e educação: construção do vínculo e desenvolvimento do pensar

 

 

Resenha: Nívea Maria de Carvalho Fabrício; Paula Virginia Viana Cantos

Resenha do livro: Dupas MA. Psicanálise e Educação: construção do vínculo e desenvolvimento do pensar. São Paulo:Fundação Editora da UNESP;2008.

Nívea Maria de Carvalho Fabrício - Psicóloga, Terapeuta Familiar, Psicopedagoga, Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia ( 1999/2001), Conselheira Nata da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Editora da Revista Graphein, Organizadora de Livros e diversos artigos publicados em Revistas Científicas e livros da área da educação, autora do Livro Singularidades na Inclusão - Estratégias e Resultados, Membro do Conselho Editorial da Revista Psicopedagogia (desde 1995).

Paula Virgínia Viana Cantos - Psicóloga clínica, formada na Universidade Paulista, com especialização em problemas de aprendizagem. Atuação na área educacional com foco na inclusão e inserção social. Experiência como orientadora educacional em escolas particulares da cidade de São Paulo. Coordenadora no Colégio Graphein.

Diretora dos Colégios Brasil Canadá S/P e GrapheinS/P

Correspondência

 

 

Esta obra tem como finalidade descrever como a Psicanálise contribui com a Educação no processo que vai da imaturidade à maturidade, construindo vínculos e diminuindo agravos, destacando a necessidade de se criar um vínculo afetivo com a criança, para que a mesma tenha sucesso na maturação. Partindo do pressuposto que as bases da saúde mental vão se definindo a partir dos primeiros anos de vida, Margarida costura de forma magnífica o desenvolvimento da capacidade de pensar e da auto-continência afetiva no bebê. De forma didática e acessível, expõe conceitos fundamentais da psicanálise, baseando-se primordialmente em Sigmund Freud, Melanie Klein e Wilfred Bion, e os interliga com o processo educativo, que se dá à medida que a criança cresce e se desenvolve.

A obra nos faz refletir sobre a importância da formação de uma personalidade saudável para o sucesso educacional e escolar. As relações primitivas entre a mãe e o bebê, o estabelecimento dos vínculos, a construção da capacidade de pensar e interagir com o mundo são ações formadoras das quais depende a saúde mental da criança/adolescente.

Segundo a autora, o indivíduo é um ser desejante, quer seus instintos satisfeitos plena e imediatamente. Porém, à medida que isto não acontece, frustra-se e precisa lidar com a angústia. Inicialmente o bebê não dispõe de recursos para lidar com estas frustrações e então as projeta na mãe. A mãe, quando em uma relação saudável, contém esta frustração, transforma-a e devolve-a ao bebê de maneira que ele possa suportá-la e elaborá-la. Em condições ideais, esta mãe dá sentido aos acontecimentos, e o bebê pode elaborá-los e construir uma relação positiva com a realidade. Pode então estabelecer os vínculos.

No entanto, sempre haverá uma diferença entre o desejo do indivíduo e o que a realidade pode lhe permitir. Durante toda a vida terá que administrar as frustrações decorrentes dos conflitos entre os instintos e os padrões culturais. A escola, em determinado momento, assume o papel de intermediação entre o indivíduo e a cultura. Sendo uma de suas tarefas, conforme o próprio Freud afirma, ensinar a criança a controlar seus instintos.

A autora também reflete sobre a forma ideal de a escola exercer este papel de maneira "ótima". Ou seja, propiciando a saúde mental ao indivíduo e estabelecendo os limites adaptativos necessários, transformando-se este livro em um excelente manual para educadores.

O indivíduo desenvolve um aparelho psíquico para lidar com os estímulos mentais e para elaborar aqueles que não podem ser simplesmente descarregados. O bebê estrutura uma forma de reduzir e gerir a tensão causada pela não satisfação imediata de seus desejos primitivos - o pensamento. A habilidade de tolerar a dor psíquica é diretamente ligada à construção da capacidade de pensar e ao impulso de ser curioso.

Outro ponto importante abordado pela autora é a questão dos vínculos; inter-relacionada à questão da construção do conhecimento, entendendo o conhecimento como uma ampliação da capacidade de pensar. Vínculos que, segundo Bion são "experiência emocional, que une duas ou mais pessoas, ou duas partes da mesma pessoa: consciente/inconsciente, parte psicótica/parte não-psicótica, emoção/pensamento, que passam a se comportar como uma estrutura".

Um aspecto essencial tratado pela autora é a inter-relação entre a psicoterapia e a Educação. A Educação trabalharia na garantia de que as disposições inatas da criança não causem dano ao indivíduo ou à sociedade, enquanto a terapia conduziria estas disposições para a "não-formação" de sintomas patológicos.

A cultura - família e escola - frustra a criança, porém o seu papel está justamente em articular o indivíduo e a cultura por meio do conhecimento. Podemos dizer que a educação se dá na justaposição entre a coerção e a proteção à repressão excessiva. O indivíduo precisa ser considerado em sua subjetividade. E a escola deve funcionar como agente crítico no interior da própria cultura.

A escola tem a função de formar o cidadão e inseri-lo na cultura por meio do conhecimento; por outro lado esta mesma escola precisa se preocupar com transmissão da cultura ao aluno, formando-o e protegendo sua singularidade, o que significa buscar formar um indivíduo que tenha autonomia no pensar.

Como pudemos verificar no trabalho da autora, detectar precocemente os transtornos emocionais é de fundamental importância. O reconhecimento de que a maioria das crianças atravessa fases precárias requer um adulto maduro para ajudá-las a pensar e se desenvolver. Essa é uma das brilhantes conclusões da autora no seu trabalho de pesquisa. O educador deverá ser capaz de lidar com as angústias e frustrações de seu aluno, receber os conteúdos que este aluno projeta nele e devolvê-los transformados em algo assimilável; num processo que lembra o rêverie que a criança tem com a mãe, e que possibilitou seu amadurecimento.

Neste contexto, faz-se necessário um cuidado especial com a capacitação dos educadores, que lidam diretamente com estas questões. Os capacitadores de educadores deveriam manter este livro como um "livro de cabeceira", pois ele nos leva a uma excelente reflexão a respeito do que é formar crianças, e fundamentalmente destaca a necessidade do cuidador ser cuidado. Pois, como ressalta Renato Mezan na contracapa do livro, na relação com os alunos são mobilizadas fantasias e ansiedades infantis do próprio professor, que devem ser trabalhadas para que este possa exercer seu papel.

Nas relações primitivas é a mãe que dá palavras ao bebê. E depois é a escola que continua a dar palavras aos alunos e possibilita a continuidade do desenvolvimento mental, em outro nível.

O próximo passo é a inserção do jovem na vida em sociedade. Ao ingressar na vida adulta, o indivíduo continua a lidar com as frustrações e angústias inerentes a sua condição humana, continua pensando e amadurecendo. A intervenção psicológica, associada a um processo educacional satisfatório, pode contribuir com a integração adequada.

Consideramos esta obra leitura obrigatória para todos os educadores que se preocupam em atuar de maneira eficaz, revendo e aprimorando sua prática.

 

 

Correspondência:
Nivea Maria de Carvalho Fabrício
Rua Cardoso Almeida, 586
Perdizes - São Paulo - SP
Tel: (11) 3868-2631
E-mail: graphein@terra.com.br

Artigo recebido: 18/11/2008
Aprovado: 3/3/2009

 

 

Resenha realizada no Consultório particular da autora.

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