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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.80 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Comparação do nível de conhecimento das regras de correspondências grafofonêmicas entre escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental

 

Comparison of the Knowledge level of Brazilian Portuguese rules between students from 1st to 5th grades of the fundamental education

 

 

Natália FuscoI; Simone Aparecida CapelliniII

IDiscente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista -FFC/UNESP-Marília-SP. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
IIFonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, FCM/UNICAMP-Campinas - SP. Docente do Departamento de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista -FFC/UNESP-Marília-SP

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: Este estudo teve como objetivos elaborar um protocolo de avaliação de leitura e comparar o nível de conhecimento dos escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental quanto ao uso das regras do português brasileiro.
MÉTODO: Participaram 150 escolares divididos em 5 grupos de 30 escolares por série, na faixa etária de 6 a 10 anos e 11 meses, de ambos os gêneros, do 1º ao 5º ano, denominados de GI ao GV. Foi elaborado um Protocolo de Avaliação de Leitura baseado nas regras de decodificação do português brasileiro, composto por 6 categorias: Palavras Regulares, Palavras Irregulares, Palavras Regulares Incorretas com Trocas Visuais, Palavras Regulares Incorretas com Trocas Fonológicas, Palavras Homófonas e Pseudopalavras.
RESULTADOS: Os resultados revelaram diferença estatisticamente significante entre os escores esperados e obtidos em todos os subtestes, indicando que os escolares do 1º ao 5º anos não obtiveram a pontuação máxima de acerto para as categorias de leitura; os escolares do GI e GII apresentaram desempenho inferior para leitura das categorias deste estudo em relação aos GIII, GIV e GV. Com relação ao tempo de leitura, quanto maior a seriação escolar, menor tempo de leitura.
CONCLUSÃO: Pode-se concluir que o Protocolo de Avaliação da Leitura elaborado para este estudo permitiu conhecer o nível de conhecimento dos escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental quanto ao uso das regras do português brasileiro. Entretanto, novas pesquisas necessitam ser realizadas para verificar se os achados aqui apresentados retrataram o comportamento de leitura de escolares de escola pública.

Unitermos: Leitura. Avaliação. Aprendizagem.


SUMMARY

AIM: This study aims to elaborate a reading evaluation test and to compare the knowledge level of the students from 1st to 5th of fundamental education about the use of Brazilian Portuguese rules.
METHOD:
150 students divided in 5 groups of 30 students by grade, in the age range from 6 to 10 years and 11 months, of both genders, from 1st to 5th grades of a municipal school, distributed in GI to GV. The students were submitted to a Reading Evaluation Test composed by 6 subtests: Regular Word subtest (RW), Irregular Word subtest (IW), Incorrect Regular Words with Visual substitutions subtest (VW), Incorrect Regular words with phonological substitutions subtest (WP), Homophones Incorrect word subtest (WH) and Non-words subtest (NW).
RESULTS: The results revealed statistically significant difference between obtained and expected score in all subtests, showing that students from 1st to 5th grades did not obtain the maximum correct points in reading subtests; the students of GI and GII showed inferior performance in reading in all subtests in relation to GIII, GIV and GV. About the reading time, the higher the grade was, the shorter the reading time also was.
CONCLUSION: We conclude that the reading evaluation test elaborated in this study enabled to know the knowledge level of students from 1st to 5th grades of fundamental education about the use of Brazilian Portuguese rules; however, new research needs to be realized to verify if these results here presented depict the reading behavior of the students from public schools.

Key words: Reading. Evaluation. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

Para a aquisição da leitura em uma língua cujo sistema de escrita é alfabético, necessita-se entender que as letras correspondem a segmentos sonoros menores, ou seja, compreender o princípio alfabético da correspondência grafofonêmica1,2. A compreensão de que existe uma relação entre as letras e os sons da fala é o modelo ideal do sistema alfabético3-6. Entretanto, na língua portuguesa existem várias situações em que nem sempre existe correspondência única, acarretando confusões quanto à escolha do grafema a ser decodificado ou simbolizado no ato da leitura 1,7.

A capacidade da leitura de palavras envolve processos distintos, como a informação visual, fonológica e ortográfica da palavra. Para que adquira a leitura, a criança necessita passar por todos estes processos, especialmente entender que as letras representam os fonemas, isto é, que as letras correspondem a segmentos sonoros menores, compreendendo, assim, o princípio alfabético da correspondência grafofonêmica, esta noção é fundamental para a aquisição da leitura em uma língua cujo sistema de escrita é alfabético 1,8,9.

Para realizar a leitura, é necessário que a criança obtenha algumas habilidades perceptivo-linguísticas. Habilidades que incluem a capacidade de focalizar a atenção para o segmento de instruções, a fim de entender e interpretar a língua escrita, memória auditiva e ordenação, memória visual e ordenação, habilidade no processamento das palavras, análise estrutural e contextual da língua, síntese lógica e interpretação da língua e ter um bom desenvolvimento e expansão do vocabulário e fluência na leitura10.

De acordo com a literatura1,11; a melhor maneira de avaliar o reconhecimento das palavras é por meio da aplicação de leitura de palavras reais isoladas, pois, desta forma, não há sugestões psicolinguísticas, pictóricas ou contextuais, enquanto que para avaliar a decodificação, é recomendada a leitura de pseudopalavras, pois esta determina a capacidade que o leitor tem em decodificar palavras que ele não conhece. As pseudopalavras podem ser definidas como segmentos de sílabas e grafemas que fazem parte do sistema linguístico, mas que não possuem significado; são derivadas de palavras reais, modificando-se apenas um ou mais grafemas.

O reconhecimento da palavra, em um sistema de escrita alfabético, pode ser explicado pelo processo da dupla rota, isto é, a leitura pode ocorrer por meio de um processo que envolva mediação fonológica (rota fonológica) ou por meio de um processo visual direto (rota lexical). A leitura pela rota fonológica depende da utilização do conhecimento das regras de conversão entre grafema e fonema, para que a construção da pronúncia da palavra possa ser efetuada. É criado, então, um código fonológico com o objetivo de este ser identificado pelo sistema de reconhecimento auditivo de palavras, liberando o significado da palavra. A leitura pela rota lexical depende do reconhecimento de uma palavra previamente adquirida e memorizada no sistema de reconhecimento visual de palavras e na recuperação do significado e da pronúncia dessa palavra por meio de endereçamento direto ao léxico, sendo esta pronúncia obtida como um todo. Assim, palavras de diferentes níveis de regularidade alfabética podem ser lidas sem problemas 12,13.

Com base no exposto, este estudo tem por objetivos elaborar um protocolo de avaliação de leitura baseado nas regras de decodificação do português brasileiro e comparar o nível de conhecimento dos escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental quanto ao uso das regras do português brasileiro.

 

MÉTODO

Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - CEP/FFC/UNESP/Marília - SP, sob o protocolo número 2120/2008.

Participaram deste estudo 150 escolares, sendo 30 de escola pública municipal do Município de Marília-SP, distribuídos entre o 1º e o 5º ano escolar, de ambos os gêneros, na faixa etária de 6 anos a 10 anos e 11 meses de idade. Os grupos foram divididos nos seguintes grupos:

• Grupo I (GI): composto por 30 escolares de escola pública municipal do 1º ano do ensino fundamental, sendo 17 (57%) do gênero feminino e 13 (43%) do gênero masculino;

• Grupo II (GII): composto por 30 escolares de escola pública municipal do 2º ano do ensino fundamental, 17 (57%) do gênero feminino e 13 (43%) do gênero masculino;

• Grupo III (GIII): composto por 30 escolares de escola pública municipal do 3º ano do ensino fundamental, 11 (37%) do gênero feminino e 19 (63%) do gênero masculino;

• Grupo IV (GIV): composto por 30 escolares de escola pública municipal do 4º ano do ensino fundamental, 13 (43%) do gênero feminino e 17 (57%) do gênero masculino;

• Grupo V (GV): composto por 30 escolares de escola pública municipal do 5º ano do ensino fundamental, 13 (43%) do gênero feminino e 17 (57%) do gênero masculino.

Como critério de exclusão, foi considerada a ausência de deficiência sensorial, motora ou cognitiva e como critério de inclusão foi considerada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e ausência de queixa auditiva ou visual descritas nos prontuários escolares dos participantes deste estudo.

Para a realização deste estudo, foram utilizados os seguintes procedimentos:

- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 196/96, previamente ao início das avaliações, os pais ou responsáveis pelos escolares selecionados assinaram o Termo de Consentimento autorizando a aplicação dos procedimentos deste estudo.

- Protocolo de Avaliação de Leitura: O protocolo de avaliação de leitura baseado nas regras de decodificação do português brasileiro foi elaborado a partir de estudo descrito na literatura14. O protocolo é composto por 76 palavras regulares, 20 irregulares, 10 pseudo-palavras e 68 figuras distribuídas em 6 categorias de palavras: palavras regulares, palavras irregulares, palavras regulares incorretas com trocas visuais, palavras regulares incorretas com trocas fonológicas, palavras incorretas homófonas e pseudopalavras. Cada subteste foi composto por figuras e palavras, sendo que as categorias 1 e 2 serão compostas de 2 figuras e 1 palavra e as demais categorias por 1 figura e 2 palavras. Este protocolo é composto pelos seguintes subtestes:

a- Pseudopalavras: para a realização da prova, o avaliador mostrou ao escolar a folha contendo as ilustrações com as respectivas palavras sob as figuras, sendo uma palavra e uma pseudopalavra que correspondia à figura. As palavras estavam dispostas em itens: 1 e 2. O avaliador mostrou a figura e solicitou ao escolar que a nomeasse. Depois da resposta correta, o avaliador perguntava ao escolar qual é a forma correta de se escrever o nome da figura, se igual à palavra de número 1 ou à palavra de número 2, em caso de resposta errada, o avaliador falava o nome correto da figura. Foram consideradas respostas corretas quando o escolar apontou para a palavra ou quando o escolar falou o número a que a palavra escolhida correspondia.

b- Palavras Irregulares: Para a realização da prova, o avaliador mostrou ao escolar a folha contendo as ilustrações com as respectivas palavras abaixo destas, sendo uma palavra irregular correta e a mesma palavra irregular com violação da irregularidade que correspondia à figura. As palavras estavam dispostas em itens: 1 e 2. Depois da instrução, o avaliador perguntou ao escolar qual era a forma correta de ler a figura, se era a palavra de número 1 ou a palavra de número 2. Foram consideradas respostas corretas quando o escolar apontou para a palavra ou respondeu o número a que a palavra escolhida correspondia.

c- Palavras Regulares: foi solicitado ao escolar que identificasse, a partir do desenho proposto, a palavra correta. Para a realização da prova, o avaliador mostrou ao escolar a folha contendo uma palavra ao centro entre duas figuras, uma destas correspondia à figura correta e a outra figura de mesma classe semântica. As figuras estavam dispostas em itens: 1 e 2. O avaliador mostrou a palavra e solicitou ao escolar que a lesse. Depois da resposta, o avaliador perguntou ao escolar qual dos desenhos correspondia à palavra, se era o desenho de número 1 ou o desenho de número 2. Foram consideradas respostas corretas quando o escolar apontou para o desenho ou respondeu o número a que o desenho escolhido correspondia.

d- Palavras Regulares Incorretas com Troca Visual: o escolar teve que identificar, a partir do desenho proposto, quais das palavras não apresentavam inversão de letras. Para a realização da prova, o avaliador mostrou ao escolar a folha contendo as ilustrações com as respectivas palavras abaixo destas, sendo uma palavra correta e uma palavra incorreta com troca visual que correspondia à figura. As palavras estavam dispostas em itens: 1 e 2. O avaliador mostrou a figura e solicitou ao escolar a nomeação desta. Foi dada continuidade apenas quando o escolar soubesse o nome do desenho. Depois da resposta correta, o avaliador perguntou ao escolar qual era a forma correta de se ler o nome da figura, se é a palavra de número 1 ou a palavra de número 2. Foram aceitas como respostas corretas quando o escolar apontou para a palavra ou respondeu o número a que a palavra escolhida correspondia.

e- Palavras Regulares Incorretas com Troca Fonológica: o escolar teve que identificar, a partir do desenho proposto, a palavra correta que não apresentava substituição fonológica. Para a realização da prova, o avaliador mostrou ao escolar a folha contendo as ilustrações com as respectivas palavras abaixo destas, sendo uma palavra correta e uma palavra incorreta com troca fonológica. As palavras estavam dispostas em itens: 1 e 2. O avaliador mostrou a figura e solicitou ao escolar a nomeação desta. Foi dada continuidade apenas quando o escolar soubesse o nome do desenho. Depois da resposta correta, o avaliador perguntou ao escolar qual era a forma correta de ler o nome da figura, se era a palavra de número 1 ou a palavra de número 2. Foram consideradas respostas corretas quando o escolar apontou para a palavra ou respondeu o número a que a palavra escolhida correspondia.

f- Palavras Homófonas: o escolar teve que identificar, a partir do desenho proposto, a palavra correta, cuja grafia difere da fonologia. Para a realização da prova, o avaliador mostrou ao escolar a folha contendo as ilustrações com as respectivas palavras abaixo, sendo duas palavras com características homófonas. As palavras estavam dispostas em itens: 1 e 2.

As palavras deste estudo foram selecionadas do banco de palavras elaborado a partir de coleção de livros didáticos da Língua Portuguesa utilizados pelos professores de escola pública municipal do Município de Marília-SP. As palavras foram selecionadas segundo os princípios psicolinguísticos de decodificação das regras do sistema alfabético do português do Brasil15: D1 (Regra de correspondência grafofonêmica independente do contexto) e D2 (Regra de correspondência grafofonêmica dependente do contexto).

Os resultados foram analisados por meio do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, com o intuito de verificar possíveis diferenças entre o escore esperado e obtido em cada categoria do protocolo; do Teste de Mann-Whitney, com o intuito de verificar possíveis diferenças entre as séries dos grupos de escolares deste estudo, e do Teste de Kruskal-Wallis, para comparar o desempenho dos cinco grupos concomitantemente, do Teste de Friedman, para verificar possíveis diferenças dos 8 grupos em relação ao tempo de realização de leitura em cada categoria do Protocolo.

Para a análise estatística, foi adotado o nível de significância de 5% ( size="2">α = 0,050), marcado com asterisco. A análise dos dados foi realizada utilizando o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 13.0.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a comparação entre as médias do desempenho dos escolares do GI, GII, GIII, GIV, GV nos subtestes do Protocolo de verificação do nível de conhecimento das regras do português brasileiro. Com a aplicação do Teste de Kruskal-Wallis, verificou-se que ocorreu diferença estatisticamente significante entre os escores obtidos em todos os subtestes, indicando desempenhos diferentes entre os grupos.

 

 

Com a aplicação do Teste de Mann-Whitney, verificou-se que, de um modo geral, o GI apresentou desempenho inferior aos demais grupos, o mesmo ocorrendo com o GII. Os escolares dos GIII, GIV e GV apresentaram desempenhos semelhantes entre si, não ocorrendo diferença estatisticamente significante entre estes (Tabela 2), com exceção do subteste palavras homófonas (PH), em que os escolares do GI, GII e GIII apresentaram desempenhos inferiores aos GIV e GV, indicando que os escolares do 4º e 5º ano apresentaram melhor reconhecimento de palavras homófonas para leitura do que os escolares de séries iniciais.

Estes resultados foram indicativos de que os escolares de 1º e 2º ano reconhecem menos as categorias de palavras deste estudo, ou seja, palavras regulares, palavras irregulares e pseudopalavras do que os escolares do 3º, 4º e 5º ano, como também identificam menos palavras incorretas com troca visual; prova de palavras incorretas com troca fonológica e prova de palavras homófonas.

Em relação ao grupo GIII, verificou-se que os escolares deste estudo apresentaram desempenho inferior para leitura de palavras homófonas (PH), palavras irregulares (PI), identificação de palavras incorretas com trocas visuais (PV) e trocas fonológicas (PF) em relação aos demais grupos, e obtiveram desempenho superior para leitura de pseudopalavras (PS) e palavras regulares (PR).

O grupo GIV obteve desempenho inferior para a leitura de palavras homófonas (PH), palavras irregulares (PI), identificação de palavras incorretas com trocas visuais (PV) e trocas fonológicas (PF), pseudopalavras (PS) e palavras regulares (PR). Em relação aos demais grupos, o GIV obteve os melhores desempenhos para a leitura de palavras homófonas (PH), palavras irregulares (PI).

O grupo GV obteve desempenho inferior para a leitura de palavras homófonas (PH), palavras irregulares (PI), palavras incorretas com trocas visuais (PV), palavras incorretas com trocas fonológicas (PF). Em relação aos demais grupos, o GV obteve desempenho superior para a identificação de palavras incorretas com trocas visuais (PV) e com trocas fonológicas (PF) na leitura.

Estes resultados apontam para o fato de os escolares do 5º ano terem maior sensibilidade para a identificação de palavras incorretas, percebendo as palavras com substituições de origem fonológicas e visuais. Entretanto, observou-se que os escolares do 4º ano apresentaram dificuldades para a realização de leitura de palavras irregulares e homófonas, indicando dificuldade com a apropriação do sistema ortográfico da língua portuguesa.

Quanto à comparação do tempo de realização dos subtestes do protocolo aplicado, a Tabela 3 apresenta o desempenho dos escolares dos grupos deste estudo. Nesta tabela ainda é possível verificar os valores mínimos e máximos de cada prova, sendo que o valor mínimo é considerado como o efeito base e o valor máximo, como efeito teto para cada prova realizada pelos escolares.

Aplicando o Teste de Friedman, observou-se que ocorreu diferença estatisticamente significante, indicando diferença no tempo de realização da leitura em segundos entre os grupos deste estudo.

Na Tabela 4, com a aplicação do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, para verificar qual grupo apresentou maior variação no tempo de leitura dos subtestes, observou-se que ocorreu diferença estatisticamente significante entre o tempo de reconhecimento de palavras incorretas com trocas visuais (PV) e a leitura de pseudopalavras (PS) para os GII, GIII, GIV e GV, entre a leitura de palavras homófonas (PH) e pseudopalavras (PS), palavras homófonas (PH) e palavras irregulares (PI) para os GI e GIII, entre a leitura de palavras regulares (PR) e palavras irregulares (PI) para os GII e GIV, entre a identificação de palavras incorretas com trocas visuais (PV) e palavras irregulares (PI) para os GI, GIII e GIV, entre a identificação de palavras incorretas com troca fonológica (PF) e a leitura de palavras irregulares (PI) para os GIV e GV, entre a identificação de palavras incorretas com trocas visuais (PV) e a leitura de palavras regulares (PR) para os GI, GII, GIII e GIV, entre a identificação de palavras incorretas com troca fonológica (PF) e a leitura de palavras regulares (PR) para o GII, entre a leitura de palavras homófonas (PH) e palavras regulares (PR) para os GII, III e GIV, entre a identificação de palavras incorretas com troca fonológica (PF) e com trocas visuais (PV) para os GIII, GIV e GV, entre PH (palavras homófonas) e identificação de leitura de palavras incorretas com troca visual (PV) para os GI e GV e entre leitura de palavras homófonas (PH) e identificação de palavras incorretas com troca fonológica (PF) para os GI, GIII, GIV e GV.

Estes resultados indicaram que o aumento da seriação influi no tempo de realização de leitura dos escolares, isto é, quanto maior a seriação escolar menor o tempo de realização da leitura de palavras regulares, irregulares e homófonas e identificação de palavras incorretas com troca visual e troca fonológica.

 

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo apontaram para o fato de que com o aumento da seriação o escolar se torna consciente da palavra e melhora seu vocabulário visual, o que proporciona, por sua vez, melhora nas habilidades de processamento fonológico e ortográfico para a decodificação e reconhecimento da palavra durante a leitura, corroborando a literatura especializada 16,17. Os escolares se tornam mais hábeis em decodificar novas palavras usando a relação letra/som, usando esta conversão para ajudá-los a ler pseudopalavras 6.

Os escolares do GI e do GII deste estudo obtiveram desempenho inferior se comparados aos demais grupos e isso pode ser explicado pelo fato de que, com o aumento da escolarização, há maior exposição do escolar à leitura e consequentemente à ortografia, desta forma, o escolar aprende e estabiliza as relações ortográficas, o que permite a recuperação automática e adequada da palavra e conduz ao uso menos frequente da rota fonológica para leitura. Na tentativa de recuperar a palavra diretamente do léxico, deixam de regularizá-la e segmentá-la, buscando palavras com estrutura fonológica similar. Assim, nossos dados sugerem que quando o escolar em fase inicial de alfabetização se depara com uma palavra com estrutura ortográfica familiar, tenta lê-la pela rota lexical, ocorrendo os erros na leitura ou não reconhecendo os erros das palavras, pois, na troca por uma palavra similar, as regras não são decodificadas, conforme descrito na literatura1,18,19.

Com relação ao desempenho em leitura dos escolares do GII, GIV, GV e GVI, verificou-se neste estudo que os resultados encontrados apontam para o fato de os escolares com maior seriação apresentarem reconhecimento para a leitura de palavras complexas, como as irregulares e homófonas, como também apresentarem maior sensibilidade para o reconhecimento dos erros durante a leitura das palavras. Isso pode ser explicado pelos escolares apresentarem com a escolarização uma mudança no uso das rotas de processamento da leitura, sendo que, nas séries iniciais, a decodificação exige o uso da rota fonológica, depois, quando esta habilidade já está mais consolidada, o processo de decodificação fonológica contribui para que a criança forme a representação ortográfica da nova palavra, permitindo que esta nova palavra seja lida pela rota lexical e a decodificação passe a ser mais rápida. O uso da rota lexical pode ter provocado menos erros na decodificação de palavras homófonas e irregulares no 4º e 5º ano deste estudo, conforme descrito anteriormente na literatura 20-23.

Quanto ao tempo de leitura, verificou-se neste estudo uma relação indiretamente proporcional à seriação, pois quanto maior a seriação, menor o tempo dedicado pelos escolares para a realização da leitura. Com a seriação, ocorre uma mudança no uso das rotas de processamento da leitura, sendo que, nas séries iniciais, a decodificação exige o uso da rota fonológica, depois, quando esta habilidade já está mais consolidada, o processo de decodificação fonológica contribui para que a criança forme a representação ortográfica da nova palavra, permitindo que esta nova palavra seja lida pela rota lexical e o reconhecimento da palavra passa a ser mais rápido 1,24-25.

Considerando o tempo dedicado para leitura das palavras deste estudo, verificou-se que para todos os grupos ocorreu um comportamento homogêneo, pois as palavras com trocas visuais, com trocas fonológicas e palavras homófonas exigiram maior tempo de análise visual do que as palavras regulares e pseudopalavras. Desta forma, as palavras que remetem à regra de conversão fonema-grafema, independente do contexto, são rapidamente reconhecidas, enquanto que as palavras cuja regra de conversão fonema-grafema dependentes do contexto são reconhecidas mais lentamente necessitando de maior tempo de análise visual para o seu reconhecimento, conforme descrito na literatura 1,12.

 

CONCLUSÃO

Com base nos resultados deste estudo, pode-se concluir que:

• os escolares do GI e GII obtiveram desempenho inferior em todas as categorias dos subtestes do Protocolo de Avaliação da Leitura proposto para este estudo se comparado aos GIII, GIV e GV, indicando que o aumento da seriação escolar propicia melhor domínio das regras do português e, consequentemente, melhor desempenho em leitura. A decodificação de palavras de regras dependentes do contexto ocorreu com o aumento da seriação escolar, assim como a identificação de palavras incorretas de origem fonológica e visual.

• quanto ao tempo de leitura, verificou-se neste estudo uma relação indiretamente proporcional à seriação, pois quanto maior a seriação, menor o tempo dedicado pelos escolares para a realização da leitura das palavras.

O Protocolo de Avaliação de Leitura elaborado para este estudo permitiu conhecer o nível de conhecimento dos escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental quanto ao uso das regras do português brasileiro. Entretanto, o protocolo necessita de novas aplicações para aumento da amostra de escolares, a fim de verificar se os achados aqui apresentados realmente retratam o comportamento de leitura e decodificação das regras independentes e dependentes do contexto do Português Brasileiro de escolares de escola pública.

 

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Correspondência:
Simone Ap. Capellini
Rua Hygino Muzzi Filho, 737 - Marília
CEP: 17525-900- SP
Tel.: (14) 3402-1324

Artigo recebido: 24/1/2009
Aprovado: 3/6/2009

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), Marília, SP.

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