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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.80 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Alterações ortográficas: existem erros específicos para diferentes transtornos de aprendizagem?

 

Orthographic alterations: are there specific errors for different learning disabilities?

 

 

Jaime Luiz ZorziI; Sylvia Maria CiascaII

IFonoaudiólogo; Professor do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação; Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas.
IIPsicóloga; Professora da Universidade Estadual de Campinas; Doutora em Neurociências pela Universidade Estadual de Campinas

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: Analisar a escrita de crianças com problemas diversos de aprendizagem para identificar perfis particulares de erros.
MÉTODO
: Examinou-se a escrita de 64 sujeitos avaliados por equipe multidisciplinar e diagnosticados como apresentando algum tipo de problema de aprendizagem: Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade28; Dificuldades de Aprendizagem13; Distúrbio de Aprendizagem7; Dislexia3; Distúrbios Associados5 e Diagnóstico inconclusivo9. As idades variaram entre 8,2 e 13,4 anos, média de 10,6 anos. Foram avaliados sujeitos em nível alfabético, sem rebaixamento intelectual. Os grupos de problemas foram comparados entre si, considerando-se a frequência e distribuição dos erros ortográficos produzidos nas situações de escrita.
RESULTADOS: Não foi possível identificar erros de maior prevalência para cada tipo de problema. Existe tendência à formação de blocos de erros, sendo as representações múltiplas, omissões e apoio na oralidade os erros mais frequentes. Os erros por inversão e letras parecidas são os menos presentes. O agrupamento dos erros nas categorias de ortográfico, fonológico ou visuo-espacial evidenciou tendência de predomínio dos erros devido a processos ortográficos. Não há diferença significativa entre os erros de base ortográfica e os de base fonológica, sendo que tal diferença se manifesta em relação aos erros de natureza visuo-espacial.
CONCLUSÃO: Não foram identificados erros típicos para cada problema. A presença maior de erros ortográficos e fonológicos indica que estes são os aspectos mais complexos da aprendizagem. Os poucos erros ligados a processos visuais demonstram que os mesmos não são característicos dos problemas analisados.

Unitermos: Transtornos de aprendizagem. Dislexia. Redação. Transtorno da falta de atenção com hiperatividade. Educação


SUMMARY

OBJECTIVES: To analyze the writing of children with learning problems to identify specific error profiles.
METHODS: The writing of 64 subjects was evaluated by a multidisciplinary team and diagnosed as having some kind of learning problem: Deficit / Hyperactivity Disorder (28); Learning Difficulties (13); Learning Disability (7); Dyslexia (3); Associated Disorders (5) and Inconclusive Diagnostics (9). Age group ranged from 8,2 and 13,4 years, in average: 10,6 years. We evaluated subjects in alphabetical level with no intellectual decrease. The groups of problems were compared considering the frequency and distribution of spelling errors produced in writing situations.
RESULTS: It was not possible to identify the most prevalent errors for each type of problem. There is a trend for forming blocks of errors, with multiple representations, omissions and oral assistance in the most frequent errors. The errors for inverting similar letters are the least found. The grouping of errors in the following categories: spelling, phonological or visual-spatial showed a trend to predominance of errors due to spelling errors. There is no significant difference among the basic spelling errors and the basic phonological errors, and such difference can be seen in relation to the visual-spatial nature errors.
CONCLUSION: No typical errors were identified for each problem. The major presence of orthographic and phonologic misspellings indicates that these are the most complex aspects of learning. The few errors related to visual processes show that they are not typical of the reviewed problems.

Key words: Learning disorders. Dyslexia. Writing. Attention deficit disorder with hyperactivity. Education.


 

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de habilidades básicas para ler e escrever, graças ao seu impacto na educação, recebe atenção especial, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental. Entretanto, tal aprendizagem pode ser um grande desafio para muitos e dificuldades variáveis podem surgir durante este processo. Neste sentido, um dos aspectos que chama a atenção diz respeito à ortografia, isto é, ao domínio da escrita convencional das palavras. Pode ser difícil, para muitas crianças, compreender como as palavras devem ser apropriadamente grafadas, o que pode ser observado nas alterações ortográficas presentes em suas produções escritas.

Tais fatos têm merecido a atenção de muitos pesquisadores, gerando estudos comparativos sobre a complexidade ortográfica de diferentes línguas, o que pode torná-las mais ou menos transparentes e assim influenciar sua aprendizagem, facilitando-a ou dificultando-a1-4. Têm sido apontadas escritas com ortografias profundas e escritas com ortografias mais superficiais. O aspecto fundamental das diferenças reside na complexidade silábica e ortográfica. Na leitura, as estruturas silábicas afetariam principalmente a decodificação, enquanto que a profundidade ortográfica afetaria a leitura, tanto de palavras reais quanto de pseudopalavras5.

Uma atenção maior também tem sido dada às alterações ortográficas do português escrito no Brasil, com a finalidade de melhor compreendê-las6-18. Embora variem em termos de análises mais quantitativas ou qualitativas, de uma maneira uniforme, estes estudos indicam que os "erros" fazem parte da aprendizagem, podendo revelar hipóteses que as crianças vão, gradativamente, construindo para chegar a conhecimentos mais aprofundados sobre a escrita.

Desta forma, observa-se que as crianças cometem "erros" durante a aprendizagem da escrita até que, progressivamente, elas dominem de forma mais segura o sistema ortográfico. Consequentemente, os erros se tornam cada vez mais específicos e ocasionais. Porém, por outro lado, também se observa que algumas delas parecem ter uma trajetória diferente, exibindo uma diversidade e frequência de alterações de escrita mais intensa e duradoura. Tais dificuldades podem, além de revelarem uma possível má qualidade de ensino, ser sintomas de problemas ou limitações, como os distúrbios de aprendizagem e as dislexias1,3,16,17,19-27. Muitas destas crianças acabam sendo encaminhadas para profissionais especializados para diagnóstico e atendimento extra-escolar.

A leitura e a escrita envolvem o uso de estratégias fonológicas e ortográficas, sendo que algumas crianças podem ter grandes dificuldades com os aspectos fonológicos, enquanto outras podem ter tais limitações quanto aos aspectos ortográficos. Poderia haver uma influência genética mais forte sobre as dificuldades fonológicas, enquanto que os déficits de natureza ortográfica teriam maior influência ambiental, dado seu caráter convencional28. Têm sido apontadas dificuldades na representação da estrutura fonológica em palavras mesmo em disléxicos aprendendo a ortografia de escritas consideras como mais transparentes1. Neste sentido, a dislexia do desenvolvimento estaria mais relacionada aos déficits de decodificação de origem fonológica. Por sua vez, os déficits ortográficos estariam ligados a um atraso mais geral do desenvolvimento da linguagem, determinado por insuficiente exposição da criança à linguagem escrita28.

A existência de aspectos fonológicos e ortográficos determinando a escrita das palavras pode levar a diversos tipos de erros, os quais também podem ter frequências distintas de ocorrência. Esta incidência variável reforça a hipótese de que a presença destes desvios pode ser influenciada por características intrínsecas da própria linguagem escrita, as quais demandam diferentes habilidades ou conhecimentos por parte do aprendiz9,16,29-33. Na ortografia do inglês, por exemplo, fatores como frequência e comprimento das palavras, assim como os modos de combinação das letras, têm sido apontados como aspectos associados às dificuldades na soletração e na leitura, ao ponto de levar autores ao questionamento se não seria o inglês escrito, em si, uma língua disléxica30.

A aprendizagem depende de condições estruturais e funcionais do sistema nervoso central. Disfunções que ocorram nas etapas de desenvolvimento das unidades funcionais cerebrais podem acarretar alterações na linguagem e na aprendizagem. Problemas de atenção e concentração são derivados de disfunções nas zonas primárias. Dificuldades na aprendizagem envolvendo a leitura, a escrita e a matemática podem ser derivadas de disfunções nas zonas secundárias. Por sua vez, o baixo rendimento cognitivo, falhas na compreensão da linguagem falada, limitações em termos de leitura escrita e matemática, estão relacionadas a disfunções nas áreas terciárias34 .

Mais especificamente, existe evidência de que os diferentes tipos de dislexia podem estar associados a diferentes disfunções de áreas corticais específicas: a dislexia fonológica resultaria de disfunções no lobo temporal; a dislexia diseidética estaria associada a disfunções do lobo occipital e a dislexia mista a alterações funcionais do lobo pré-frontal, frontal, occipital e temporal 34. Tais achados têm sido alvo de muitas investigações, graças aos avanços dos exames por meio de neuroimagens, particularmente as imagens obtidas com a ressonância magnética funcional, a fim de se estudar a ativação cerebral durante o processamento de linguagem, em condições variadas de apresentação de estímulos. Diferenças no funcionamento cerebral, nas áreas envolvidas no processamento de linguagem de crianças apresentando problemas de leitura e escrita, têm sido confirmadas35.

Deve-se considerar que a apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo no qual o aprendiz elabora hipóteses ou idéias a respeito do que é a escrita, as quais revelam diferentes graus de conhecimentos que estão sendo constituídos. Isto significa que não se aprende a escrever de imediato e que "erros" estão implícitos em tal processo36,37.

Porém, a permanência de erros pode refletir déficits que produzem dificuldades ou lentidão acentuada no sentido de a criança gerar e generalizar hipóteses que, sucessivamente, permitam a apreensão cada vez mais aprofundada da escrita. Em razão destes déficits, tais crianças estabilizariam conhecimentos elementares e insuficientes a respeito da escrita das palavras. Uma série de habilidades apontadas como fundamentais, principalmente a precisão das representações fonológicas e o conhecimento das convenções ortográficas, não estaria sendo adequadamente desenvolvida, provocando as dificuldades na escrita das palavras14,15,38-41.

Estudos sobre dificuldades em leitura, assim como em soletração e ortografia, têm sido feitos principalmente com crianças disléxicas1,2,4,22,29,42,43. Por outro lado, pouca atenção tem sido dada a outros tipos de problemas, como os distúrbios específicos de linguagem23,44. Da mesma forma, embora a presença de erros ortográficos nos problemas de aprendizagem seja muito frequente e persistente, são escassas as pesquisas voltadas para o estudo de tais alterações nos distúrbios de aprendizagem, nos déficits de atenção e outros transtornos que comumente são encaminhados para diagnóstico e intervenção.

Esta carência gera a necessidade de investigações mais aprofundadas quanto aos tipos de erros encontrados nos diferentes transtornos de aprendizagem, de modo que se possa compreender se haveria diferenças entre eles. Em outras palavras, seriam os erros ortográficos produzidos por disléxicos, por exemplo, semelhantes àqueles encontrados nos distúrbios de aprendizagem e outros grupos? A mesma pergunta pode ser feita em relação à frequência de ocorrência dos erros: haveria ou não diferenças entre os diversos grupos? Haveria um perfil típico de erros que pudesse caracterizar cada um dos diversos tipos de problemas? Seria possível identificar déficits predominantemente fonológicos ou ortográficos? Aqui temos esboçado questões que merecem respostas.

O objetivo desta pesquisa é o de analisar a produção escrita de crianças diagnosticadas como apresentando diversos problemas de aprendizagem a fim de identificar se existem perfis particulares de erros para cada um deles: Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade, Dificuldades de Aprendizagem, Distúrbio de Aprendizagem, Dislexia, Distúrbios Associados e Diagnóstico desconhecido (inconclusivo). Os seguintes objetivos específicos dirigem este trabalho:

  1. Identificar os tipos de erros encontrados em cada tipo de problema;
  2. Verificar se a frequência de ocorrência dos erros entre os grupos é diferente;
  3. Verificar se, dentre os diversos tipos de transtornos diagnosticados, existem erros típicos que possam caracterizar cada um deles.

 

MÉTODO

Fazem parte desta pesquisa um grupo de 64 sujeitos que passaram pelo processo avaliativo do Laboratório de Distúrbios de Aprendizagem do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP (DISAPRE) e que foram diagnosticados como apresentando algum tipo de problema de aprendizagem. As idades variaram entre oito anos e dois meses e treze anos e quatro meses, com média de dez anos e seis meses. Tais sujeitos, de ambos os sexos, que frequentam desde a primeira série do ensino fundamental até o segundo ano do ensino médio de escolas públicas e particulares, chegam com a queixa de problemas na aprendizagem para serem avaliados pela equipe multiprofissional do Laboratório, tendo em vista o diagnóstico diferencial e encaminhamentos: avaliação neurológica, neuropsicológica e fonoaudiológica. Foram incluídos somente sujeitos que já haviam alcançado a fase alfabética de aquisição da escrita e que não apresentavam qualquer tipo de rebaixamento intelectual. A amostra ficou caracterizada da seguinte maneira: Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H - 28); Dificuldades de Aprendizagem (13); Distúrbio de Aprendizagem (7); Dislexia (3); Distúrbios Associados (5) e Diagnóstico inconclusivo (9).

O procedimento para coleta do material escrito está composto de duas partes: um ditado de palavras reais e inventadas, previamente elaborado para medir uma série de conhecimentos ortográficos, e de uma redação a partir de um tema dado ("Uma casa abandonada"), através da qual é verificado o nível de domínio da ortografia em situação de produção de escrita espontânea. O material escrito foi coletado durante o processo de avaliação/diagnóstico por um avaliador previamente orientado quanto à forma de propor a situação para obtenção do material. Os erros foram analisados de acordo com os critérios de Zorzi9.

O tratamento estatístico foi realizado a partir do emprego dos seguintes procedimentos: Teste de Kruskal-Wallis, para comparar os grupos em relação a cada tipo de erro, e o Teste de Friedman, para a comparação dos erros quando agrupados em categorias. O nível de significância adotado para este trabalho é o de 0,05 (5%).

Compõem a pesquisa os sujeitos cujos responsáveis permitiram, por escrito, sua participação a partir das informações contidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este projeto foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa do CEFAC - Pós-Graduação em Saúde e Educação, tendo sido registrado sob o nº 025/08.

 

RESULTADOS

Inicialmente, foi empregado o Teste de Kruskal-Wallis para a comparação dos grupos de problemas em relação a cada tipo de erro. Dessa forma, pode-se constatar se alguns tipos de erros são mais específicos ou não para cada um dos grupos. Foram analisados somente os cinco tipos de problemas mais prevalentes, que correspondem a 88,4% da amostra: problemas associados, diagnóstico desconhecido, dificuldades escolares, distúrbio de aprendizagem e TDA/H (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade).

De acordo com os dados das Tabela 1, foram obtidos os seguintes p-valores na comparação dos grupos para cada tipo de erro: representação múltiplas p=0,693; oralidade p=0,595; omissão p=0,659; junção-separação, p=0,296; confusão entre am/ão p=0,618; generalização p=0,482; surdas/sonoras p=0,757; acréscimo p=0,294; letras parecidas p=0,781; inversões p=0,230 e outras alterações p=0,888. Observa-se, deste modo, ausência de diferença significante entre os grupos.

 

 

Após esta primeira análise, os onze diferentes tipos de erros foram agrupados em três categorias, de acordo com as características do processamento de escrita envolvido: (1) processo predo-minan-temente "Ortográfico"; (2) processo predominantemente "Fonológico" e processo predominantemente "Visuo-espacial". Na categoria "processamento ortográfico" foram incluídos erros envolvidos em procedimentos que dependem não apenas da correspondência fonema-grafema, mas principalmente do domínio de regras contextuais, regras morfossintáticas e regras etimológicas16; como é o caso das representações múltiplas, oralidade, am/ão, generalização e junção/separação. Na categoria "processamento fonológico", que depende basicamente da análise fonológica apropriada da estrutura sonora das palavras e de sua correspondente associação com os grafemas, foram incluídas as omissões, as trocas surdas/sonoras, outras alterações e acréscimo de letras. Como mais dependentes de um "processamento visual" foram consideradas as confusões entre letras parecidas e a inversão de letras.

O teste de Kruskal-Wallis foi novamente usado para a comparação entre tais categorias e os problemas de aprendizagem, a fim de verificar se há categorias de erros mais específicas para os tipos de problemas. Para tal análise foram usados os seis grupos mais prevalentes (92,8% da amostra), o que levou à inclusão do grupo "dislexia".

Os resultados da Tabela 2 apontam que, para todas as categorias de erros, não existe diferença estatisticamente significante entre os problemas, isto é, não existe uma categoria de maior ocorrência para os seis tipos de problemas analisados: ortográficos (p=0,143); fonológicos (p=0,421) e visuo-espaciais (p=0,128).

Uma nova análise, agora invertida, foi realizada. As três categorias de erros, de acordo com o tipo de processamento envolvido, foram comparadas dentro de cada um dos grupos com problemas de aprendizagem, como mostra a Tabela 3. Para tanto, foi usado o Teste de Friedman.

Os dados da Tabela 3 demonstram que, considerando-se cada grupo em particular, existe uma diferença estatisticamente significante entre os tipos de erros, com exceção para o grupo "Dislexia". Porém, este resultado em "Dislexia" não deve ser considerado como expressivo, uma vez que sua amostragem é baixa.

Nos grupos de problemas nos quais foram encontradas significâncias entre as categorias de erros, foi realizada uma comparação par a par, a fim de determinar, com precisão, entre quais erros ocorre a diferença (dentro de cada grupo de problemas). A Tabela 4 indica os p-valores das comparações duas a duas entre as categorias de erros.

 

 

De acordo com a Tabela 4, em todos os grupos de problemas, a diferença básica ocorre entre a categoria Visuo-espacial e as demais (Ortográfica e Fonológica). Existe uma exceção no grupo TDA/H, no qual a diferença ocorreu entre todos os tipos de erros (Fonológico/Ortográfico p<0,001; Visuo-espacial/Ortográfico p<0,001 e Visuo-Espacial/fonológico p<0,001). O grupo Dislexia não foi estatisticamente considerado devido à baixa amostragem.

 

DISCUSSÃO

A análise comparativa de cada tipo de erro e de suas frequências nos cinco maiores grupos de problemas (Tabela 1) revela que, para todos os erros, não se observou diferença estatisticamente significante entre os grupos, ou seja, não foi possível identificar um erro de maior prevalência para determinado tipo de problema de aprendizagem. Nos grupos de problemas analisados existe tendência geral à formação de blocos, sendo que, respectivamente, as representações múltiplas, omissões e apoio na oralidade estão sempre entre os erros mais frequentes, em todos eles.

No pólo oposto, ou seja, de baixa frequência de ocorrência aparecem, principalmente, os erros por letras parecidas e inversões. Um bloco intermediário é formado pelos demais tipos de erros, com ocorrências variáveis entre eles nos diferentes problemas.

O agrupamento dos erros em três categorias, dependendo do processo de escrita subjacente (ortográfico, fonológico ou visuo-espacial) permitiu constatar tendência de predomínio dos erros devido a processos ortográficos, seguidos dos erros relacionados a processos fonológicos e, finalmente, erros decorrentes de questões visuo-espaciais sem que houvesse, porém, uma diferença estatisticamente significante entre os grupos de problemas (Tabela 2). Este tende a ser o perfil geral dos grupos.

Por outro lado, quando se analisam estas três categorias de erros dentro de cada tipo de problema de aprendizagem, observa-se uma diferença significante entre tais erros (Tabela 3). Porém, a comparação entre os tipos de erros (Tabela 4) aponta que, embora haja tendência de maior incidência de erros ligados a processos ortográficos, não há diferença estatisticamente significante em relação aos erros ligados a processos fonológicos, o que indica que ambos os processos se apresentam como áreas de grande complicação para os sujeitos dos diversos grupos. A diferença significativa acontece em relação aos erros ligados a processos visuo-espaciais, cuja ocorrência é bem menor, comparando-se com as duas outras categorias, conforme ilustra a Figura 1.

 

 

Os erros ligados ao processamento ortográfico tendem a ocorrer quando o sujeito escreve uma palavra não regular e não conhecida, sendo necessário, portanto, ativar uma série complexa de conhecimentos: as possibilidades de associação fonema-grafema (um mesmo som pode ser escrito por várias letras e uma mesma letra pode ter vários sons, assim como pode haver variação entre o modo de falar e o de escrever); regras contextuais; regras morfossintáticas e regras etimológicas. Os erros decorrentes da possibilidade de representações múltiplas podem ilustrar bem as dificuldades neste tipo de processamento que é de alta frequência na escrita do português. A necessidade de tais conhecimentos, de natureza mais gramatical, faz com que a ortografia de uma língua se torne menos transparente, dificultando sua aprendizagem1-4. Daí, portanto, a razão para a alta incidência deste tipo de alteração.

Os erros decorrentes de falhas no processamento fonológico revelam imprecisão nas representações fonológicas, dificultando a análise da composição sonora das palavras, assim como sua adequada correspondência fonema-grafema, mesmo em palavras regulares. Os erros de escrita caracterizados como omissão de letras e outras alterações (com substituição de letras decorrentes de uma imprecisão de análise fonológica ou de associação fonema-grafema adequada) também se apresentam, nestes casos de problemas de aprendizagem, com alta frequência.

Considerando fatores fonológicos e ortográficos, a dicotomia apontada, no sentido de que na dislexia do desenvolvimento haveria um déficit de natureza fonológica, enquanto que os déficits ortográficos estariam presentes em transtornos mais gerais de linguagem28; não coincide com os dados desta pesquisa. Embora o grupo "Dislexia" não permita afirmações com base em análises estatísticas, os resultados indicam que, em todos os tipos de problemas de aprendizagem, estão simultaneamente presentes erros ligados principalmente ao processamento e também fonológico. Embora tais erros, principalmente os de natureza ortográfica, sejam mais sensíveis a falhas no processo de ensino28; eles também podem indicar possíveis limitações ao nível individual9,16,29-33. Esta hipótese parece plausível, levando-se em conta o grau de complexidade de habilidades meta-linguísticas envolvidas no processamento ortográfico. Quanto à exceção exibida pelo grupo TDA/H, a diferença significante existente entre as três categorias de erros pode ser decorrente de um déficit primário de atenção, e não de falhas ortográficas ou fonológicas propriamente ditas, como nos demais casos.

Por sua vez, os erros originados de processos predominantemente visuo-espaciais mostram-se, de forma consistente, como os menos presentes em todos os tipos de problemas de apren-dizagem. Neste sentido, muita atenção tem sido dada aos erros por inversão, como por exemplo "p/b" ou "esta/seta", os quais têm sido, tradicionalmente, considerados como um marca da dislexia. Porém, pouca investigação têm sido feita a respeito40,45. Tais estudos têm apontado que, na realidade, as inversões são mais raras, não ocorrendo com a frequência imaginada em tais crianças. Mais especificamente, considerando a porcentagem média de erros, as inversões não são prevalentes, tendo baixa ocorrência. São mais comuns nas crianças que estão iniciando a escrita e que, ocasionalmente, podem produzir erros de tal tipo e não um indício seguro indicativo de algum distúrbio45. Tais achados são compatíveis com os resultados aqui obtidos. A frequência muito baixa de erros do tipo inversão de letras e confusão entre letras parecidas sugere que os aspectos visuo-espaciais da escrita são os elementos mais facilmente dominados e compreendidos por quem aprende a escrever, não sendo marcadores da presença de dificuldades de escrita nestes grupos.

 

CONCLUSÕES

Não foi possível identificar perfis de erros típicos para cada tipo de problema de aprendizado analisado de modo que cada um deles pudesse ser diferenciado de outros a partir de tais características. Os tipos de erros encontrados em cada um dos grupos, quer considerados separadamente, quer reunidos em categorias (fonológicos, ortográficos e visuo-espaciais), assim como as freqüências relativas de cada um, não se mostraram suficientemente discrepantes ou significativos para diferenciar um grupo de problemas do outro.

Os erros decorrentes de processos ortográficos tendem a ser os mais presentes, em todos os tipos de problemas de aprendizagem, seguidos pelos erros relacionados a processos fonológicos, embora sem diferença estatística entre tais processos. Este fato é indicativo de que os grandes desafios para quem aprende a escrever estão relacionados a habilidades ligadas ao processamento ortográfico (habilidades metalinguísticas gerais) e ao processamento fonológico (como a consciência fonológica e a corres-pondência fonema-grafema). Os erros relativos a processos visuo-espaciais, embora sejam dos mais citados quando se fala em alterações da escrita, apresentam-se pouco presentes no conjunto de erros produzidos por todos os grupos de problemas, o que indica que esta não é a área mais problemática para a aprendizagem, mesmo para aquelas crianças com algum tipo de transtorno.

O número reduzido de diagnósticos em dislexia (3 sujeitos em 64 estudados) aponta a necessidade de se continuar a pesquisa com um número maior de sujeitos classificados nesta condição, para que o tratamento estatístico torne-se viável.

 

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Correspondência:
Jaime Luiz Zorzi
Rua Cayowaá, 664, São Paulo, SP.
E-mail: jaime@cefac.br

Artigo recebido: 8/5/2009
Aprovado: 19/07/2009

 

 

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.

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