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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.80 São Paulo  2009

 

PONTO DE VISTA

 

Sono e aprendizagem

 

Sleep and learning

 

 

Luiza Elena Leite Ribeiro do ValleI; Eduardo L. Ribeiro do ValleII; Rubens ReimãoIII

IPsicóloga, Especialização em Psicologia Clínica e Psicopedagogia. Mestrado em Psicologia Escolar e Educacional. Doutoranda em Psicologia Social e do Trabalho. Membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Brinquedoteca. Consultora Ad Hoc da Revista Psicopedagogia da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Editora da Revista de Neuropsicologia e Aprendizagem. Prof. da pós-graduação do curso de Psicopedagogiada PUC Minas, campus Poços de Caldas.
IIMédico Neurologista. Membro do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do HCFMUSP. Especialização em Neurofisiologia.
IIIProfessor Livre-Docente da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Presidente do Departamento de Neurologia da Associação Paulista de Medicina do Centro de Distúrbios do Sono (CDS). Coordenador do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do HCFMUSP.

Correspondência

 

 


RESUMO

É grande a importância do sono na vida diária, especialmente pensando no desenvolvimento físico e psicológico da criança, e suas influências sobre o comportamento infantil e o aprendizado.
OBJETIVO:
A identificação dos distúrbios do sono em crianças.
MÉTODO:
O questionário do sono de Reimão e Lefèvre (QRL) aborda diversos distúrbios do sono na infância, com questões respondidas pelos pais. Foi tomada uma amostra de 258 escolares, na faixa etária de 6 a 9 anos, em cinco escolas de ensino fundamental na cidade de Poços de Caldas, em Minas Gerais.
RESULTADOS: Entre os resultados, verificou-se que apenas 13(5%) pais admitiam a influência do sono na aprendizagem.
DISCUSSÃO:
A literatura relata as relações do sono com a aprendizagem, atenção e memória, porém poucos trabalhos avaliam o grau de informação dos pais quanto às conseqüências dos distúrbios do sono para a aprendizagem.
CONCLUSÃO: A utilização do QRL para pesquisas sobre o sono pode facilitar o diagnóstico e possibilitar tratamentos eficazes, especialmente quando a grande maioria dos pais e pessoal envolvido na escola, ainda desconhece a relação entre problemas no sono e transtornos na aprendizagem.

Unitermos: Sono. Transtornos do sono. Aprendizagem.


SUMMARY

Sleep is too important in daily life, especially thinking of child physical and psychological development and its consequence in childhood behavior and learning.
AIM:
The identification of sleep disorders in children.
METHOD:
The "Reimão e Lefèvre" (QRL) sleep questionnaire looks out a range of sleep disorders in children and is answered by their parents. A sample of 258 students aged from 6 to 9, was held in five schools of the basic stage in Poços de Caldas city, Minas Gerais.
RESULTS: Among the results, it was found out that only 13(5%) of the parents admitted the influence of sleep on learning.
DISCUSSION:
Literature relates the relationship between sleep and learning, attention and memory, but few researches attempt to the grade of father's information about the consequences of the sleep disorders to students learning.
CONCLUSION: The use of QRL questionnaire in researches may turn easier the diagnostic and make possible efficient treatment, especially when most of the parents do not realize the relation between sleep disorders and learning disabilities.

Key Words: Sleep. Sleep disorders. Learning.


 

 

SONO E APRENDIZAGEM

A aprendizagem é uma atividade cognitiva, ocorre a partir da consolidação da memória e o sono tem importância fundamental nesse processo.

Compreender o fenômeno do sono em seus diversos aspectos é o procedimento científico para buscar soluções para seus distúrbios, visando alcançar um rendimento satisfatório nas atividades diárias. Na vida diária, o sono interfere no humor, na memória, na atenção, nos registros sensoriais, no raciocínio, enfim nos aspectos cognitivos que relacionam uma pessoa ao seu ambiente. Alterações no sono determinam má qualidade ao desempenho e interferem na saúde, às vezes, de forma muito grave.

A quantidade e a qualidade do sono se alteram com a idade. Quando há distúrbios, precisam ser reconhecidos para permitir o atendimento preventivo ou o tratamento precoce.

"O sono não é um estado homogêneo: são dois estados distintos de sono. Ocorrem movimentos rápidos dos olhos (Rapid Eye Movement - REM) durante uma parte do sono, sendo este chamado de sono REM. Ele ocupa apenas 20% do tempo total de sono (TTS) de um adulto e o restante é chamado de sono NREM (Não REM)." 1. O sono é uma atividade especial, gerada por regiões específicas do cérebro, de ocorrências cíclicas, que se alternam para o equilíbrio da vida. O sono é iniciado pelo estado NREM e os estados NREM e REM se alternam. O estagiamento do sono é realizado pelo registro de ondas cerebrais que acontecem em suas diversas fases.

Passamos quase um terço da vida dormindo. A qualidade de vida, a saúde e a longevidade podem depender de boas noites de sono, porque nesse período as proteínas são sintetizadas com o objetivo de manter ou expandir as redes neuronais ligadas à memória e ao aprendizado. No cérebro, acontece o comando da produção e liberação de hormônios que interferem no bem- estar e são responsáveis por um sono tranquilo.

É importante cuidar do sono desde o início da vida, na fase da complexa modelagem e adaptação que transformam cada indivíduo, com suas possibilidades ilimitadas e subjetivas, combinando experiências com as características próprias.

Os conteúdos dos sonhos, que escapam à crítica e à capacidade reflexiva, são representações das experiências vividas e se manifestam nos eventos oníricos, ilusões, alucinações e inspirações artísticas. Assim, o sono não é um período passivo, desnecessário. É o momento em que há uma elaboração inconsciente da personalidade, por meio dos estímulos subliminares e todos os outros que a mente consciente não controla nessa fase.

Os distúrbios de sono são comuns em crianças e variam conforme a idade, podendo se manifestar como despertares noturnos, como terror noturno na idade escolar e como insônia e sonambulismo no adolescente. Alterações respiratórias ou distúrbios neurológicos pre-existentes podem ser a causa de fragmentação do sono, assim como outras manifestações: bruxismo, sonilóquio, sonambulismo, epilepsia ou enurese noturna2.

Os distúrbios do sono na população infantil devem ser analisados em sua evolução de acordo com as faixas etárias, gênero e classe socio-econômica, e o Questionário do Sono (QRL) é um instrumento que permite realizar esses estudos, conforme tem sido feito em relação a inúmeros distúrbios infantis, como sonambulismo, terror noturno, bruxismo durante o sono, jactatio capitis nocturnus, enurese e pesadelos 3. Utilizando este questionário em crianças escolares, consideradas normais, de três a dez anos, entre inúmeras conclusões, foi possível apontar que "crianças que dormem menos ou com pouca qualidade têm muitas vezes baixo rendimento escolar" 4.

O QRL aborda os diversos distúrbios de sono da infância e levanta dados detalhados que são observados pelos pais e familiares próximos. O questionário classifica os sintomas pela intensidade de sua frequência e relaciona os comportamentos diários, os hábitos familiares e as tarefas infantis.

Buscando contribuir para levantar as principais queixas relativas ao sono em escolares de 6 a 9 anos, utilizou-se o referencial teórico relacionado aos itens do QLR, que tem como objetivo detecção e frequência dos distúrbios do sono infantil em geral5.

O QRL foi aplicado em 258 crianças na faixa entre 6 a 9 anos de idade, em cinco escolas de primeiro grau, sendo 4 da rede particular de ensino e uma da rede pública, da cidade de Poços de Caldas, a saber: Escola A - 33 crianças; Escola B - 54 crianças; Escola C - 72 crianças; Escola D - 60 crianças e Escola E - 39 crianças;

Verificou-se que, em geral, os pais não estão informados sobre os distúrbios de sono e não procuram orientação de profissionais especializados (apenas 4,2% dos pais já procuraram atendimento para o sono do filho). Apenas 13 crianças foram apontadas como agressivas entre as 258 avaliadas, e a maioria dos familiares não relata dificuldades quanto a relacionamentos. Em geral, nessa idade, as crianças preferem os pares do mesmo gênero e idade semelhante. Mais frequentes foram as queixas de comportamento ligadas à ansiedade, principalmente roer unhas (21,3%). Houve um número significativo de características presentes nos distúrbios do sono: agitação na cama (53%), falar dormindo (39,9%), ranger os dentes (36,4%), sentar-se ou andar dormindo (22%), ter sonhos ruins e medo (47,6) ou roncar (24,8%). Algumas crianças ainda urinavam à noite (6,5%). Muitos dos analisados não acordavam espontaneamente pela manhã (57,3%) e os pais afirmaram que os filhos dormiriam até mais tarde todos os dias se pudessem (37,9%), mas, em geral, os pais não consideraram que a sonolência atrapalhava os filhos em suas atividades e as dificuldades foram atribuídas a outros fatores. Durante a noite, 48,4% das crianças acordavam alguma vez.

Os distúrbios de movimentos do sono são manifestações do sistema nervoso motor e/ou neurovegetativo, e ocorrem durante o sono ou na transição sono-vigília. Em geral, não têm base orgânica e são de reduzida intensidade, além de transitórios. Os distúrbios de movimentos relacionados ao sono costumam ocorrer no período inicial do sono, têm início após o primeiro ano de vida, são intermitentes e tendem a diminuir com o decorrer da idade. Existe um histórico familiar positivo, mas sem alteração orgânica ou metabólica associada.

Algumas desordens da vigília e do sono:

  • Sonolência - desejo de permanecer dormindo.
  • Insônia - demora muito para adormecer ou acorda durante a noite. Muitas vezes esse sintoma não é percebido por falta de avaliação especializada.
  • Bruxismo - distúrbio de movimento rítmico e repetitivo dos músculos de mastigação durante o sono, sendo originado por fatores sistêmicos, psicológicos, ocupacionais (hábitos de morder objetos, lápis) e oclusão 6.
  • Sonambulismo - falar, andar ou executar alguma atividade durante o sono. O sonambulismo pode ser acompanhado de outros distúrbios: Enurese (urinar quando está dormindo), Terror Noturno e Sonilóquio (falar dormindo).
  • Pesadelos - ocorrem na fase do sono REM, sendo assim, realmente um sono de angústia, ao contrário do terror noturno, quando os registros polissonográficos mostram que atividade autonômica é muito maior, ou seja, são uma descarga psíquica pobre em representação imaginária.
  • Terror noturno - grito de terror sem motivo, acompanhado por intensa descarga autonômica, frequentemente associada a atividade motora estereotipada e repetida 7.
  • Ronco - ocorre com a respiração bucal. O ronco evolui da respiração bucal crônica e podendo culminar em distúrbios obstrutivos respiratórios do sono, como a apnéia do sono8.
  • Enurese Noturna - incontinência urinária noturna. A incidência diminui progres-sivamente na infância, sendo que aos seis anos de idade apenas 5% das crianças a apresentam9.

Enfim, são muito relevantes os estudos em Medicina do Sono, em sua atuação interdisciplinar, em função da interferência do sono no aprendizado, desempenho e satisfação, em geral. Os hábitos de dormir variam na infância, que necessita de um período mais longo de repouso do que os adultos e as influências culturais determinam as expectativas em relação ao horário das atividades diárias10.

A família e a escola são sistemas sociais importantes para a promoção do desenvolvimento do caráter e das competências humanas. As experiências vivenciadas determinam a qualidade do desenvolvimento mental infantil e provocam o próximo estágio de organização organismo-ambiente11.

Para que as crianças desenvolvam hábitos envolvendo as questões relativas à higiene do sono, pais e educadores devem conhecer e valorizar a necessidade de um sono satisfatório para o desenvolvimento, adaptação e aprendizagem do jovem estudante. É necessário intervir precocemente, diagnosticar as situações de crise, responsáveis pelo comprometimento do sono, orientar as famílias sobre a higiene do sono porque essas situações interferem diretamente na qualidade de vida desde a infância.

 

REFERÊNCIAS

1. Valle LELR, Ribeiro do Valle M, Valle EL. Sono e aprendizagem. In: Segredos do sono. Reimão R, Rossini S, Valle LEL, Ribeiro do Valle M, orgs. Ribeirão Preto:Tecmedd Editora;2008.         [ Links ]

2. Melluso Filho AS. Hipoxemia noturna na infância e reflexos na atividade escolar. In: Reimão R, ed. Sono normal e doenças do sono. São Paulo:Associação Paulista de Medicina;2004. p.82-4.         [ Links ]

3. Reimão R, Lefèvre AB, Diament AJ. Avaliação populacional de características do sono na infância. J Pediatr (Rio de Janeiro). 1982;53(4):243-8.         [ Links ]

4. Gonçalves MF, Reimão R. Sono e rendimento escolar de crianças de 7 a 9 anos. In: Reimão R, org. Sono normal e doenças do sono. São Paulo:Associação Paulista de Medicina;2004. p.269. (resumo).         [ Links ]

5. Araújo P, Reimão R, Inocente N, Lima A, Angelis G, Turco G, et al. Questionário do sono na pesquisa científica. In: Reimão R, ed. Medicina do sono: neurociências, evoluções e desafios. [CD-ROM]. São Paulo:Associação Paulista de Medicina;2007. p.37-9.         [ Links ]

6. Kogler VL, Sobreira C, Duarte J, Crivello J, Garrido A, Reimão R. Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica de Fobi-Capella e manifestação de bruxismo do sono no pós-operatório tardio. In: Reimão R, ed. Medicina do sono: neurociências, evoluções e desafios. [CD-ROM]. São Paulo:Associação Paulista de Medicina;2007. p.101-4.         [ Links ]

7. Rossini S, Reimão R. Psiquismo em sonambulismo e terror noturno. In: Reimão R, ed. Medicina do sono: neurociências, evoluções e desafios. [CD-ROM]. São Paulo:Associação Paulista de Medicina;2007. p.42-3.         [ Links ]

8. Albertini R, Reimão R. Ronco SAOS, odontologia e umidade do ar. In: Reimão R, ed. Medicina do sono: neurociências, evoluções e desafios. [CD-ROM]. São Paulo:Associação Paulista de Medicina;2007. p.98-100.         [ Links ]

9. Reimão R, Souza JCRP, Gaudioso CEV. Hábitos de sono da criança indígena Bororó. Arq Neuro-Psiquiatr. 1999;57(1):14-7.         [ Links ]

10. Proença CA, Reimão R. Aspectos psicodinâmicos dos pesadelos e do terror noturno na infância. In: Reimão R, ed. Sono normal e doenças do sono. São Paulo: Associação Paulista de Medicina;2004. p.205-7.         [ Links ]

11. Valle LELR, Guzzo RL. Desenvolvimento infantil. Ribeirão Preto:Tecmedd;2004.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Luiza Elena L. Ribeiro do Valle
Interclínica Ribeiro do Valle. Rua Goiás, 77- Poços de Caldas, MG.
E-mail: contato@segredosdosono.com
interclinica@terra.com.br

Artigo recebido: 23/7/2009
Aprovado: 17/8/2009

 

 

Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

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