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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.81 São Paulo  2009

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Instituições privadas de ensino: considerações para o processo de inclusão

 

Private school institutions: considerations regarding school inclusion process

 

 

Claudia GomesI; Vera Lucia Trevisan de SouzaII

IMestre em Psicologia Escolar e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia como Profissão e Ciência da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP
IIProfessora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia como Profissão e Ciência da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP

Correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O acesso de todos à Educação é um dos processos efetivos para o amplo movimento de inclusão social, no entanto, a contradição decorrente do embate entre o legalmente imposto e divulgado e o realmente possível delimita e amordaça as propostas de inclusão escolar.
MÉTODO: Assim, com o objetivo de explorar os aspectos organizacionais, institucionais e relacionais que sustentam as dinâmicas escolares inclusivas dentro de uma escola particular, este estudo delineado por um paradigma qualitativo de pesquisa contou com a participação de três professoras, sendo uma delas regente do ciclo de Educação Infantil, e duas docentes na 2ª série do Ensino Fundamental, de uma instituição particular da região do ABCD/SP. Como recursos priorizaram-se as observações e os sistemas conversacionais realizados e mantidos na instituição durante os sete meses de acompanhamento diário da pesquisadora à instituição.
RESULTADOS: As informações obtidas e analisadas qualitativamente puderam ser organizadas nos núcleos intitulados: 1) distanciamento de quem pensa e quem executa as ações pedagógicas; 2) realidades vividas em sala de aula.
CONCLUSÃO: Com as discussões dos indicadores construídos e sintetizados pelos núcleos de análise, pôde-se concluir que a proposta de inclusão exige mudanças na estruturação dos processos organizacionais, institucionais e pedagógicos nas escolas, indicando que o sucesso do processo de inclusão escolar depende do desenvolvimento de uma nova cultura organizacional, que possibilite espaços democráticos e criativos aos professores, na construção de ações pedagógicas e relacionais com enfoque na compreensão das diversidades e respeito de suas próprias diferenças e de seus alunos.

Unitermos: Inclusão. Instituições acadêmicas.


SUMMARY

INTRODUCTION: The access of all to the Education is one of the effective processes for the ample movement of social inclusion, however, the decurrent contradiction of the shock between legally imposed and divulged and the really possible one it delimits and it gags the proposals of school inclusion.
METHODS: Thus, on the objective to explore the factors contextual that influence in the process of school inclusion, this study delineated for a qualitative paradigm of research it counted on the participation of three teachers of 1st cycle of Regular Educations of the Regular Net of Private Education of the region of the ABCD/SP. As resources had been prioritized the comments and conversational systems achieved and kept in dill event moments of school activities during the seven months of daily accompaniment of researcher to the institution.
RESULTS: The gotten information had been organized and categorized in nucleus of discussion: distance of who thinks and who executes the pedagogical actions; 2) realities lived in classroom.
CONCLUSION: It can be concluded that the success of the process of school inclusion depends primarily on the development of a new organizational culture that makes possible democratic and creative spaces of teachers and pupils in the construction of pedagogical and relational actions with the approach to the understanding of the diversities and respect to the differences.

Key words: Inclusion. Schools.


 

 

INTRODUÇÃO

Como se sabe, no âmbito nacional, a polêmica discussão da proposta educacional inclusiva se deu pela aprovação, em 1993, e pela promulgação, em 1996, da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação1; que em seus artigos firma a necessidade de equidade ao atendimento educacional no ensino regular a todos os educandos. Deixa claro, em seu Art. 3º (inciso I, II e IV), que os princípios de igualdade de condições de acesso e permanência, com respeito à liberdade e apreço à tolerância, deverão ser as bases e princípios da Educação. Vale ressaltar que, mais recentemente, esses mesmos princípios foram novamente evidenciados com a implementação das Novas Diretrizes Curriculares para a Educação Especial no país2; assim como pelas atuais discussões lançadas pelo Decreto n. 6.571 (09/2008), que regulamenta a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva Inclusiva.

Entretanto, mesmos as discussões ligadas à inclusão escolar ganhando cada vez mais destaque por seus diferentes documentos, o que ainda vem se percebendo é um distanciamento entre os propósitos lançados e a realidade vivida em nossas instituições escolares. O panorama da inclusão escolar na maioria das escolas parece piorar ao se levar em conta seu quadro de profissionais e sua capacitação e a falta ou inexistência de materiais ou recursos3-5. Desta forma, o embate decorrente entre o legalmente imposto e divulgado (pelas legislações e regulamentos educacionais) e o realmente possível (estrutura física, organizacional e humana das instituições escolares) delimita e amordaça as propostas de inclusão escolar, ao empregar ações cada vez mais descomprometidas, distantes das realidades sociais, pedagógicas e relacionais dos alunos em processo de inclusão6,7.

De maneira geral, as pesquisas que tratam das políticas educacionais refletem, explicitamente, o discurso da educação como instrumento para o enfretamento do processo de exclusão social, acrescido da possibilidade de justiça social da escola para todos, inclusive, para as pessoas com necessidades especiais. Estas mesmas políticas abordam e divulgam, em suas diretrizes, a importância do processo de sociabilização em detrimento de currículos conteudistas, em respeito ao ritmo de cada criança. Porém, Souza6 conclui que, embora esses princípios sejam, em tese, democráticos, na verdade existe um hiato entre a intenção e a realidade vivida em nossas escolas. Dimensionar a compreensão da exclusão escolar de alunos que não se adaptam aos modelos rígidos de currículos e avaliações, que lhe são impostos ao longo de suas curtas vidas acadêmicas equivale a ser favorável à inclusão escolar8.

Na escola, crianças são excluídas ressaltando-se suas condições, e assim, o cotidiano de muitas escolas constitui-se em cenários explícitos de exclusão, justificados por uma relação perversa de inclusão, que se dá pela marginalização dos educandos. A exclusão dentro da escola vem sendo concebida e reafirmada por práticas autoritárias, que não propiciam o avanço no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos6.

Pensar no processo de inclusão escolar como uma possibilidade de transformação social, com a instrumentalização de ações mais apropriadas a todos, indistintamente, parece ser um dos maiores impasses. A concepção restrita da ação de inclusão de alunos com necessidades especiais impede a abordagem da magnitude das mudanças que devem ser promovidas na instituição escolar, para que sejam satisfeitas as necessidades educacionais dos mais diversos grupos de alunos. É este enfoque simplificador da proposta inclusiva que parece vir dificultando a adoção de estratégias e ações inovadoras exigidas pela inclusão escolar9.

No entanto, o que parece também deflagrado pelos estudos desenvolvidos é que a responsabilização do êxito ou não da inclusão é direcionada para professores. O que se percebe, no entanto, é que os professores, quando indicam suas dificuldades e necessidades, podem também estar chamando a atenção para a sua condição de isolamento profissional. A democratização da gestão e a educação inclusiva se relacionam diretamente, e uma escola inclusiva deve ser, antes de tudo, uma escola democrática6.

A qualificação educacional para a inclusão deve provocar mudanças nas concepções e organização da instituição, transformando-se em um espaço de formação docente, dentro de um ambiente coletivo de trabalho, que venha a propiciar a possibilidade da discussão do ato educativo e de suas relações. Os autores complementam que o professor tem sim a responsabilidade de gerir sua sala de aula, no entanto deve, antes disso, ser membro de uma equipe de trabalho10.

Um novo patamar educacional só será alcançado quando revistos os valores implícitos na instituição, seu clima organizacional, as resistências apresentadas pelos agentes humanos envolvidos, assim como um espaço de articulação profissional propício para o desenvolvimento dos docentes como agentes de transformação, que discutam, inclusive, o papel da escola na sociedade8,11,12.

Pesquisas e ações que se direcionem à efetivação da proposta inclusiva devem ter como base a análise da democratização da gestão escolar e os valores organizacionais que a mantêm13,14. Para que as escolas se tornem inclusivas é necessário que novas práticas, novos valores e novos conhecimentos sejam instaurados, e para tanto, alguns fatores de acordo com Ainscow15 devem ser preconizados, dentre eles: liderança eficaz; envolvimento da equipe de trabalho; atividades colaborativas, política de valorização profissional e a abertura à comunidade para a discussão.

Assim, interessado nos desafios, embates e dificuldades vivenciadas por professores, este trabalho lançou como objetivo explorar os aspectos organizacionais, institucionais e relacionais que sustentam as dinâmicas escolares dentro de uma escola particular na compreensão das propostas inclusivas de alunos com necessidades especiais.

 

MÉTODO

Participantes

Foram convidadas a participar do estudo três professoras, sendo duas docentes da 2ª série do Ensino Fundamental, e uma professora regente do Ciclo de Educação Infantil, de uma escola particular da região do Grande ABCD/SP. Ressalta-se que as três docentes participantes atuavam no processo de inclusão escolar de dois alunos com necessidades especiais, sendo um deles pré-diagnosticado com Distúrbio Global do Desenvolvimento, e a outra aluna, com necessidades físicas, com comprometimento dos dois membros superiores.

Recursos

Sistemas Conversacionais - o diálogo foi considerado fonte essencial e elemento imprescindível para a qualidade da informação produzida pela pesquisa16; evidenciando uma real construção dinâmica do pesquisador com os participantes, com a amplitude dos relatos. Para tanto, tornou-se imprescindível a utilização da modalidade metodológica de um diário de pesquisa, que não representa apenas uma finalidade de transcrição de informações, mas é fundamental para a reflexão sobre o processo de pesquisa.

Procedimentos

Os sistemas conversacionais foram firmados entre a pesquisadora e os participantes, direcionados com a devida exploração e o aprofundamento nos níveis de discursos ou narrativas construídas, durante sete meses, no período de maio/2007 a dezembro/2007, obtidas nas visitas diárias realizadas pela pesquisadora, no período das 13:00h às 17:00h.

Vale ressaltar, que foi, previamente, firmado um contato com a direção da escola a fim da obtenção da autorização, foram entregues a todos os participantes Termo de Consentimento Livre e Esclarecido quanto às questões éticas da pesquisa.

Plano de Análise das Informações

As informações obtidas por meio dos sistemas conversacionais foram, primeiramente, contextualizadas, e posteriormente, organizadas em categorias de indicadores, no entanto, relatos que exemplifiquem a construção dos indicadores apontados serão apresentados na discussão dos resultados sob a indicação da legenda "transcrição de relato".

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise das informações construídas ao longo do estudo proporcionou a organização de dois núcleos (Quadro 1): o primeiro denominado "Distanciamento de quem pensa e quem executa as ações pedagógicas", que agrupou indicadores relacionados aos embates vividos frente à estrutura e organização institucional, e o segundo núcleo "Realidades vividas em sala de aula", que aponta indicadores relacionados às dinâmicas em sala de aula, que permeiam a discussão e a compreensão do processo de inclusão assumido pelos professores na elaboração de suas atividades pedagógicas.

Pôde ser evidenciado, já nos primeiros contatos e relatos, que um dos focos que influem na concepção da proposta de inclusão escolar é gerado pelo conflito constante frente às exigências pedagógicas instauradas pela instituição escolar, que parecem paralisar seus profissionais na busca de ações mais críticas e autônomas, gerando descontentamento de modo geral entre as participantes: o que gera grande descontentamento às professoras. Relatos como: "Eu mesma não concordo", "são exigências que não contribuem para o desenvolvimento dos alunos", "acho importante oferecer novos caminhos aos alunos, mas aqui não podemos" (transcrição de relato), foram expressões constantemente verbalizadas para exemplificação dos conflitos das professoras quanto à necessidade de atividades diversificadas versus o cumprimento das tarefas programadas.

O que se pode constatar é que mesmo demonstrando descontentamento quanto às representações instauradas pela instituição, as professoras na maior parte do tempo atuam em consonância às exigências que lhe são impostas, mesmo que não concordem: "eles dizem, eles fazem, a gente acompanha"; "já tenho muito chão de estrada, depois de um tempo você percebe que não adianta, não concorda, mas também não vai conseguir mudar nada"; "já passei por muita coisa, estou cansada, querem mudar, que mude, eu cumpro e pronto, não estou aqui para discutir (transcrição de relato).

Pensar o professor, atualmente, nos remete a repensar as formas de gestão institucional. As práticas de gestão democráticas e emancipatórias são propícias para o desenvolvimento humano dos educadores como agentes de posicionamento e transformação10. No entanto, esta ação envolve situar a organização escolar em um contexto social mais amplo, dentro de uma concepção mais realista, que considere os valores, os significados, as interpretações pessoais de cada membro da equipe, para a instauração de fato de uma comunidade da aprendizagem, que se contraponha às organizações lineares que separam "quem pensa e quem executa as ações pedagógicas".

Desta forma, o que parece dificultar a apropriação por parte dos profissionais quanto ao ideal de superação e acolhimento implícito a todas as diretrizes da escola é o distanciamento existente entre as esferas de trabalho, o que revela a dicotomia entre "aqueles que pensam as propostas" (inclusive as propostas de divulgação e propaganda da escola) e "aqueles que cotidianamente vivenciam as ações" (ou buscam traduzir as propostas apresentadas em ações práticas de trabalho), como constatado nas observações e adequações necessárias do trabalho docente: "materiais apostilados, avaliações quantitativas, projetos isolados de cada professor, responsabilização isolada de cada professor, competição, ameaça e redução de horário de trabalho, entre outros".

Ainda em relação ao conflito institucional vivido pelas professoras, pode ser constatado que, mesmo que a instituição se autodenomine atuante nas causas e propostas inclusivas, cotidianamente, a tradução desses princípios é visualizada pela responsabilização das professoras no insucesso dessas mesmas ações: "não posso ir todo dia na sala da coordenadora, ela deixa bem claro quais são as minhas responsabilidades, e eu já tenho tempo para saber"; fiquei com receio de que quando estourasse o problema falassem que eu não avisei, fiquei tentando resolver sozinha, tentei até onde consegui, mas a aluna é da escola, acho que todos devem discutir isso".

Com essas considerações um foco de análise se abre frente às informações obtidas. De modo geral, a dinâmica institucional da escola não favorece discussões profissionais que contemplem novas estratégias de ensino, o processo de inclusão parece atrelado às competências de cada professor isoladamente em sua sala de aula, indicando a compreensão de que o processo de inclusão é uma tarefa do professor. O problema é que o professor se apropria desta atribuição e toma para si a responsabilidade pela inclusão.

Repensar ações consoantes e comprometidas com uma ação pedagógica mais crítica e construtiva exige trabalho em equipe, com base em ações de cooperação, que favoreçam a convivência e possibilitem encarar as transformações necessárias com uma ação oposta àquela do trabalho isolado, no qual o professor deve resolver tudo sozinho. A ação humana dos docentes deve, acima de tudo, ser entendida por seu fazer profissional, baseada no sistema de valores que inspiram suas ações e seus pensamentos, e que os posicionem ativamente frente às reais dificuldades, ao invés de sentirem-se isolados e acuados em suas salas de aula17.

O que se pode perceber é que as ações isoladas da professora são a base de algumas das relações pessoais e sociais vivenciadas na instituição, em que a competitividade parece transformar-se em dificuldade para compreender e desenvolver a proposta de inclusão escolar, como um processo efetivo de toda a instituição, como pode ser descrito no relato de observação a seguir: "há uma distinção de dois grupos que dominam a reflexão - "os profissionais da casa" e os "novatos", e assim novamente o espaço grupal instaura uma lógica de hierarquização fechada ao debate sadio" (transcrição de relato).

São ainda essas mesmas relações de competitividade que estremecem as possibilidades de instauração de relações sociais e pessoais que recuperem os sujeitos envolvidos, apresentando-lhes novas formas de convívio profissional, não apenas focados em instabilidades e ameaças. Ressalta-se, ainda, que o apoio institucional e organizacional em relação à estruturação das práticas pedagógicas parece inexistente. Assim, as ações no processo de inclusão escolar de um aluno com necessidades especiais, se apresentam como estratégias isoladas e acabam gerando a exclusão. Segundo uma das professoras: "nunca trabalhei com inclusão, daí chego aqui e sozinha vou descobrindo tudo, ou melhor, só vou descobrindo porque ainda não sei o que vou fazer com ele" (transcrição de relato).

Aparentemente, sem orientações precisas da coordenação (justificadas pela política de autonomia do professor), a professora utiliza-se de estratégias que se limitam à convivência social de seus alunos: "eles querem que o aluno fique aqui, então vou tentando um pouco de tudo, deixo sozinho, coloco junto, separo, faço o que querem para manter ele aqui, mas dizer que ele está se desenvolvendo, daí não sei" (transcrição de relato). A fala da professora revela que, em nome da autonomia, as escolas praticam o abandono. Também não se pode deixar de considerar a importância da formação dos docentes no que se refere à preparação para o trabalho com a inclusão de alunos com necessidades especiais, enfatizando que essa formação não deve se resumir à apropriação de dinâmicas e práticas pedagógicas a serem implementadas em sala de aula, mas impulsionar um processo de construção e reconstrução cotidiana das relações pedagógicas e interações humanas.

Entender a prática profissional dos professores nos patamares mais profundos, com a consideração de sua cidadania em sua ação humana, é condição central para a compreensão da proposta escolar inclusiva17; é uma ação de reconstrução, que possibilita a reflexão constante com o compromisso no tratamento da diversidade humana.

Assim, discutir o processo de inclusão é ainda dimensionar o compromisso dos professores e demais profissionais para ações mais comprometidas e projetos pedagógicos que ultrapassem as paredes da sala de aula, e se efetivem em ações pensadas e organizadas coletivamente, e que se contraponham à compreensão de que o processo de inclusão escolar é uma responsabilidade única e exclusiva de cada professor em sala de aula, compreensão essa que permeia as relações profissionais e acarretam entraves que sustentam e dificultam as relações pedagógicas em sala de aula.

O que se pode evidenciar é que no âmbito das relações em sala de aula, reflexos das dinâmicas de isolamento profissional, que firmam as relações na escola, são firmadas também as relações pedagógicas nas dinâmicas de ensino-aprendizagem relacional. Pôde-se observar uma tendência dos docentes em isolar-se também dentro de suas disciplinas, ou seja, não só deixam de realizar atividades conjuntas, como em suas aulas limitam-se aos seus próprios programas e conteúdos. De modo geral, as professoras possuem e utilizam um livro base no qual são descritas e rigorosamente desenvolvidas as atividades em aulas, fato que pode ser constatado no seguinte relato de uma das professoras: "Eu nem me atrevo a participar dessas atividades, essa coisa de temas transversais, puxar um conteúdo de outra matéria e desenvolver, já fiz muito, agora deixo para lá, sei o que tenho que desenvolver, os outros são conteúdos dos outros" (transcrição de relato).

Com base nessa rotina de trabalho, há outra consideração a ser feita: as observações de sua aula revelam ainda que, dentro de uma atuação conteúdista fragmentada, o papel do professor passe a ser concebido pelas professoras como limitado à transmissão do conhecimento aos alunos, como evidenciado no relato: "50 minutos de aula, é chegar, abordar o conteúdo, questioná-los se pegaram ou não, e finalizar a aula, é isso!"; "Ao início de cada aula, retomamos tudo que vimos na última lição, senão muitos esquecem e não conseguem dar continuidade às atividades, não esquecem, ficam repetindo e não esquecem mais", "tenho o conteúdo a ser desenvolvido, tenho o material apostilado, é abordar, explicar e pronto" (transcrição de relato).

Assim como as atribuições limitadas à transmissão do conhecimento, a concepção de avaliação dos alunos também é fragmentada, segundo uma das professoras: "a avaliação deve indicar o que os alunos sabem ou não sabem" (transcrição de relato), compreensão que reflete uma visão apenas quantitativa do processo, e que não se compromete realizar o acompanhamento dos progressos dos alunos, que somada à compreensão estática de avaliação e às dinâmicas em sala de aula focadas em estratégias reprodutivas de ensino impulsiona os alunos a repetirem os conteúdos ministrados, sem ater-se à concretude do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

O que se pôde perceber no acompanhamento da instituição escolar é que, com as relações sociais reduzidas à sala de aula, torna-se comum que as ações pedagógicas passem a se concretizar em processos avaliativos que desconsideram as potencialidades dos alunos, focando apenas suas necessidades. Ações essas que são ainda impulsionadas e justificadas pela adequação aos recursos e procedimentos pedagógicos, como por exemplo: "adoção de livros didáticos, sistemas de avaliação burocráticos que impõem a todos os alunos e professores que ensinem e aprendam da mesma forma" (transcrição de relato), aniquilando qualquer forma subversiva de desenvolvimento, e que, portanto, parece contrapor-se à efetividade da ação escolar inclusiva.

É dentro da sala de aula que novas possibilidades de interações podem ser estabelecidas e confirmar a constituição do desenvolvimento humano em sua complexidade, mas, para tanto, exige a construção e reconstrução do professor como um ser social, que participa na interlocução ativa18. Fato esse que não é considerado pelos docentes, que parecem paralisados frente às possíveis mudanças, não se assumindo como sujeito ativo em construções sociais e profissionais.

Sem condições para propor atividades direcionadas, que atendam às peculiaridades do aluno, as professoras revelam "perdição" em relação ao processo de desenvolvimento e aprendizagem: "não dá nem para avaliá-lo, eu acho que tem dias que está melhor, mas como vou avaliar isso?" (transcrição de relato).

As observações quanto às dinâmicas em sala de aula, e procedimentos de avaliação dos professores, denotam que vivenciam sentimentos de impotência, culpa, frustração, pânico, revolta e isolamento. que a levam ao desânimo e à desistência de investir nos alunos, em práticas efetivas: "Hoje vou mudar, você me desculpe, pode não concordar, mas estou cansada, todos acham que eu não dou conta, do jeito normal, você viu, não dou mesmo" (transcrição de relato).

O que não se pode deixar de considerar é que parte da cultura organizacional da instituição é composta por elementos que demarcam isoladamente ações pedagógicas dos professores que, impulsionados por uma relação competitiva em que se valorizam aqueles que correspondam às suas exigências, penalizam individualmente os insucessos, como se a política organizacional da escola não configurasse padrões a serem estabelecidos, e mais, reproduzidos inclusive nas relações pedagógicas ditas inclusivas. Ou seja, a escola exclui os professores, justamente aqueles que esperam que incluam os alunos.

São inúmeros os estudos que apontam para as consequências da exigência do processo de inclusão escolar, nos quais os professores são obrigados a incluir, sem que sejam consideradas suas próprias necessidades e limites6,19. No entanto, o que ainda parece não discutido são as consequências desse processo no cotidiano de professores de escolas particulares.

Pôde ser constatado que, ainda que as condições físicas e estruturais sejam adequadas, podem se transformar em um grande peso ao profissional, que deve não só incluir esses alunos, mas, principalmente, manter sua permanência satisfatoriamente, sob o risco de ser penalizado por possíveis evasões (com processos contínuos de transferências entre as escolas particulares, a qualquer momento do ano letivo), como pode ser evidenciado nos relatos da professora: "Ela me falou: são só cinco alunos em sala, se você não dá conta de ficar com ele, é incompetência sua" (transcrição de relato).

São as reações a ameaças e sufocamento, que quando somadas às exigências das propostas inclusivas parecem paralisar a compreensão da instituição escolar sobre as mudanças de concepção, necessárias para se efetivar a inclusão, e assim continuam propagando a adoção de estratégias que não impulsionam o processo inclusivo.

Porém, o que fica evidenciado é que essa compreensão atrelada à proposta de inclusão escolar só se dará de fato quando a instituição avançar para uma discussão organizacional, pois, como já apresentado e discutido, o distanciamento existente entre as esferas que compõem a instituição escolar cria um abismo entre os profissionais, que interfere efetivamente no processo de inclusão em todas as suas esferas (sociais, pedagógicas, acadêmicas, familiares).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pode perceber no processo de pesquisa é que algumas deficiências arquitetônicas e instrumentais passam a se constituir em barreiras secundárias, ao se considerar o distanciamento existente entre a legalidade e objetividade das políticas educacionais inclusivas e a realidade vivida nas ações educacionais reais que a escola desenvolve.

A análise dos fatores relacionados à estruturação e à organização da instituição escolar necessária ao processo de inclusão denotou que, se de um lado a instituição pode possuir uma avaliação satisfatória quanto a seus aspectos físicos, por outro a organização pedagógica burocratizada parece privar seus profissionais da elaboração das ações a serem construídas, distanciando as esferas de "quem pensa as propostas e de quem as instrumentaliza cotidianamente".

Já no que se refere aos aspectos que influenciam o processo de inclusão, enfocando as atividades em sala de aula, puderam ser obtidos entraves pedagógicos, como procedimentos focados ainda na reprodução do conhecimento, ou ainda esferas de avaliação com base na competitividade dos alunos que, somados a uma prática profissional de isolamento de cada professor em sua sala de aula, estremecem de modo geral as relações sociais instauradas com a "desconsideração das potencialidades dos alunos/professores".

Além destas questões, o que já ficou evidente no estudo é a interferência de muitos outros aspectos, a depender do contexto que se propõe a implementar a inclusão escolar. No caso da escola particular, por exemplo, a questão socioeconômica do público, assim como a econômico-financeira da instituição, parece ser determinante da forma como os processos inclusivos se desenvolvem no interior da escola. Assim, pode-se concluir que efetivar o processo de inclusão escolar exige o desenvolvimento de uma nova cultural organizacional que possibilite aos próprios professores a criação de espaços profissionais focados na valorização e autonomia, que sustentem a construção de ações pedagógicas com o enfoque às diversidades e respeito às diferenças de seus alunos.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pelo apoio financeiro para a realização do estudo.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Claudia Gomes
Rua Coronel Francisco Amaro, 258 - Centro
Santo André, SP - CEP: 09020-250
E-mail: claudiagomes.psi@bol.com.br

Artigo recebido: 11/10/2009
Aprovado: 12/11/2009

 

 

Texto produzido a partir dos resultados da tese de doutorado realizada no Programa de Pós-graduação em Psicologia como Profissão e Ciência da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP.

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