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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.27 no.82 São Paulo  2010

 

ARTIGO ESPECIAL

 

A intervenção psicopedagógica institucional na formação reflexiva de educadores sociais

 

The institutional psychopedagogic intervention in the reflexive formation of social educators

 

 

Sarah CazellaI; Rinaldo MolinaII

IPsicopedagoga e Coordenadora pedagógica do Centro Pastoral Santa Fé
IIPsicólogo; Doutor e Mestre em Educação; professor do curso de Graduação em Psicologia e de Pós-Graduação em Psicopedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Nosso objetivo é apresentar os resultados de um processo de intervenção que visou favorecer a construção de autonomia, pela via da prática reflexiva, de um grupo de educadores sociais.
MÉTODO:
Para o desenvolvimento teórico foi realizada a interlocução entre autores da psicopedagogia, da prática reflexiva e da educação popular. Os participantes deste estudo de caso foram onze educadores sociais de uma Associação de Educação e Assistência Social localizada na periferia da cidade de São Paulo. O processo teve duração de um ano, num total de dezoito encontros que contemplaram as seguintes atividades: 1) observação participante; 2) construção de um "painel de queixas" para o entendimento dos problemas e satisfações vivenciadas; 3) diante das queixas foram produzidos desenhos, a partir da técnica projetiva "par educativo", que evidenciaram concepções de ensinar e aprender; 4) apresentação de relatos que visavam compreender os modelos de ação para o ensinar; 5) discussão de textos com temáticas pertinentes aos assuntos detectados nos momentos anteriores e; 6) dinâmica para a construção de um mapa conceitual, que objetivou uma reflexão sobre o processo vivenciado e a prática diária.
RESULTADOS: Os educadores indicaram um repensar de sua atuação e novas propostas de trabalho, com base em processos interdisciplinares, que teriam como diretrizes a realidade sociocultural e a produção de um trabalho voltado ao resgate da história dos educandos, moradores da periferia, e a construção, com eles, da visão de cidadania para uma sociedade mais justa e humana.

unitermos: Educação. Psicologia social. Aprendizagem.


SUMMARY

OBJECTIVE: Our goal is to present the results of an intervention process that aimed to promote the construction of autonomy, by means of reflexive practice, the social educator.
METHODS: For the theoretical development was carried out dialogue between the authors of the pedagogy of reflexive practice and popular education. The participants of this case study were 11 educators of the Association of Education and Social Welfare on the outskirts of São Paulo. The process lasted one year, a total of 18 meetings distributed among the following activities: 1) participant observation in meetings with the coordination of the project and with the group of educators, 2) the construction of a panel of complaints to understand what problems they experienced educators, 3) before complaints were made drawings from the projective technique "par educativo" in revealing their conceptions of teaching and learning, to understand what each one had to act responsibly in their teaching, 4) activities were aimed at understanding the action models for teaching used by teachers; 5) from theoretical readings were discussed issues relevant to the issues identified in the moments before and, finally, 6) was a dynamic proposal to build a conceptual map for reflection on the experienced and the daily practice of educators.
RESULTS: The teachers have produced a new work proposal on the basis of disciplinary proceedings, it had as the cultural reality and the production of a work aimed at rescuing the history of students, residents of the periphery, course participants, and build with them idea of citizenship for a more just and humane.

Key words: Education. Psychology, social. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

A psicopedagogia ganha hoje cada vez mais espaço e importância no tecido social. Muitos dos envolvidos com os processos escolares apontam o psicopedagogo como aliado na proposição de novos caminhos para a melhoria da aprendizagem daqueles que fracassam nos processos desenvolvidos na educação formal. Vários são os estudos que caminham nessa direção, o que pode ser observado nas publicações da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Paralela à educação formal temos no Brasil várias experiências em educação popular, porém há na literatura da psicopedagogia poucos estudos que a exploraram1-9.

Nesse sentido, para contribuir na produção de conhecimentos sobre o trabalho do psicopedagogo na educação informal, esse artigo objetiva apresentar e analisar uma intervenção em psicopedagogia institucional com base na prática reflexiva para a construção da autonomia e da melhoria das relações com a aprendizagem de um grupo de educadores populares. Assim, considera que uma intervenção psicopedagógica institucional pode contribuir na ação de educadores sociais por meio de uma proposta que favoreça a sua prática reflexiva.

Algumas de suas questões norteadoras foram: Quais as concepções de aprendizagem de educadores populares? Quais seus modelos para a ação do ensinar? Quais dificuldades enfrentam em sua prática? Quais mudanças apresentam a partir de um processo de intervenção psicopedagógico institucional?

A experiência foi realizada em uma Associação de Educação e Assistência Social, locada na periferia da cidade de São Paulo, que atende no período noturno, aproximadamente, 150 jovens entre 18 e 29 anos. Os sujeitos do processo de intervenção psicopedagógica foram onze educadores que atuavam como orientadores de grupos de educandos no "Curso C", oferecido pela Associação.

No desenvolvimento do processo psicopedagógico, com duração de um ano, foram realizados aproximadamente dezoito encontros organizados dentro das possibilidades do cronograma institucional da Associação em que o grupo de sujeitos da pesquisa atuava.

No processo de intervenção junto aos educadores foram utilizados: A) a análise dos documentos da Associação para entender seu processo histórico; B) a observação participante10; C) dinâmica de grupo e construção de um painel de queixas; D) a técnica do "par educativo"11; E) reflexão autobiográfica12; F) estudos de textos acadêmicos13 e; G) elaboração de mapa conceitual14.

Algumas informações complementares necessárias são: 1) para formalizar a participação na pesquisa, com intuito de evitar faltas éticas na aquisição e análise dos resultados da pesquisa, foram utilizadas a "Carta de informação sobre pesquisa à instituição", a "Carta de informação ao sujeito de pesquisa" e o "Termo de consentimento livre e esclarecido" lidos e assinados pelos educadores e pela instituição; 2) no corpo do texto, cada educador ou educadora foi nomeado com as iniciais do seu nome, a fim de garantir a preservação da privacidade; 3) e, por se tratar de um trabalho voluntário, o número de participantes das atividades, acima apresentadas, variou de acordo com a disponibilidade dos envolvidos.

Para desenvolvimento do artigo, inicialmente, apresenta-se uma discussão teórica fundamentada nas referências da psicopedagogia institucional, da prática reflexiva e da educação popular, posteriormente, explicita-se a evolução do processo de intervenção.

 

REFERÊNCIAS TEÓRICAS ADOTADAS NA INTERVENÇÃO

A Psicopedagogia Institucional

Apesar da prevalência da Psicopedagogia em seu viés clínico, nas últimas décadas, desenvolveu-se a compreensão que no ambiente institucional a dificuldade de aprendizagem seria gerada ou agravada segundo as concepções adotadas pela escola.

[...] será o problema da não aprendizagem apenas do aluno? Não estará o professor [educador] estagnado em relação à busca de novos conhecimentos? Não estará a escola sendo apenas repetitiva, impondo diariamente uma dose de "conhecimentos prontos", que são "engolidos" pelo aluno e não "digeridos"? Discordâncias entre professores [educadores] vistas apenas como questão de "temperamento" ou "política" poderiam ser encaradas através do "modelo de aprendizagem" de cada um? A atualização da escola apenas em metodologias de ensino não poderia estar deixando de lado as questões de aprendizagem?15.

Foram esses questionamentos que levaram ao aparecimento da psicopedagogia institucional. Para ela, no desenvolvimento do trabalho psicopedagógico, a instituição, enquanto espaço físico e psíquico da aprendizagem, seria o objeto de estudo da psicopedagogia, uma vez que se avaliariam os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interfere no processo de aprendizagem.

Então a psicopedagogia institucional16:

[...] está vinculada a uma concepção crítica da Psicopedagogia e, consequentemente, da educação, que muito tem a contribuir com as situações de não aprendizagem na escola e com sua consequente superação. Desta forma, a ação do psicopedagogo está centrada na prevenção do fracasso e das dificuldades escolares, não só do aluno como também dos educadores e demais envolvidos neste processo. Para tanto, é necessário que a intervenção psicopedagógica invista na melhoria das relações de aprendizagem e na construção da autonomia não só dos alunos, mas, principalmente, dos educadores. A construção da autonomia do professor [educador], a postura crítica em relação a sua ação pedagógica e o desenvolvimento da autoria de pensamento pode acontecer pela intervenção psicopedagógica na escola.

E teria como objetivo16:

[...] auxiliar o resgate da instituição com o saber e, portanto, com a possibilidade de aprender. A reflexão sobre o individual e o coletivo traz a possibilidade da tomada de consciência e da inovação por meio da criação de novos espaços de relação com a aprendizagem.

Com isso, o profissional da psicopedagogia institucional assumiria como funções na instituição17: administrar as ansiedades geradas neste ambiente18; criar um clima harmonioso nos grupos de trabalho19; colaborar com a construção do conhecimento cognitivo20; identificar obstáculos no processo de aprendizagem21,22; implantar recursos preventivos à fragmentação dos conteúdos23; conceber o aluno como aprendente e o educador como ensinante24; clarear funções e tarefas no grupo25; possibilitar a rotatividade na liderança26; possibilitar a elaboração do conhecimento sobre si e do outro27; e contribuir para a reflexão sobre a prática28.

A Educação Popular

A educação popular surgiu na década de 1970, como um movimento inovador capaz de produzir possibilidades educativas para a democratização da Educação em espaços não formais29,30.

Seriam seus objetivos31:

"Desenvolver um trabalho no qual as pessoas sejam capazes de compreender o seu contexto sócio-político-econômico-cultural, exercendo, neste entorno, sua cidadania de forma adequada. O que revela tratar-se, assim como a educação formal, de uma ação intencional e, portanto, destinada a alcançar determinados fins, porém não em nível escolar. No que tange à educação não formal, a concepção de educação permanente apresenta grandes semelhanças com a de desenvolvimento cultural da comunidade, não podendo ser posta em ação sem mudanças sociais profundas.

Esta educação se diferenciou de outras, pois sua preocupação era "estimular a participação política [para] transformação das condições opressivas de sua existência social [por base no] desenvolvimento de habilidades básicas, como a leitura e a escrita"32.

A interlocução entre psicopedagogia institucional e educação popular se fundamentaria na dimensão social envolvida no processo de aprendizagem (além dessa temos também as dimensões biológica e cognitiva), pois, com ela, haveria a garantia da continuidade do processo histórico e a preservação da sociedade como tal, por meio de transformações evolutivas e estruturais33.

Esta dimensão cumpriria um papel relevante na ruptura das classes sociais, pois supõe transformações, incitando assim a necessidade da educação de promover, conscientizar e motivar a militância para essa transformação.

Esta abordagem sociopolítica estava presente nas raízes da educação popular e teve como base teórica, a prática e o discurso de Paulo Freire34,35.

A criticidade no processo de aprendizagem se construiria e se desenvolveria na "curiosidade epistemológica", concebida como um aprender crítico em que a experiência da produção de saberes, que não permite a mera transferência de conteúdos, favoreceria um conhecimento mais abrangente do objeto24.

Se de um lado do processo existe a aprendizagem, e com destaque a aprendizagem social, do outro existe o ensino, a ensinagem.

Freire24 indicou alguns saberes indispensáveis a uma prática educacional crítica e progressista do educador comprometido com a educação popular. Para ele, ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e, este ensinar não seria meramente a transferência de conhecimento, mas a possibilidade da sua produção, criação e construção.

Assim, a experiência de cada aprendente seria considerada importante no momento da ensinagem e, produzir-se-ia a oportunidade de, no ensinar, deixar transparecer, a quem aprende, a peculiaridade do ser humano em "estar no mundo e com o mundo", como ser histórico. Possibilitar-se-ia com isso condições, por meio do ensinar, para que o sujeito do aprender se assumisse como ser social, por isso capaz de transformar, criar e pensar.

Deste modo, as ideias de Freire24,33,34 fazem eco ao olhar da psicopedagogia institucional, uma vez que esta promoveria a aprendizagem de forma a criar vínculos saudáveis e críticos com o conhecimento.

A Prática Reflexiva

Dentro do pensamento educacional a corrente da prática reflexiva definiu que a reflexão sobre a prática profissional seria a estratégia para o desenvolvimento profissional de professores, para nós de educadores, ao defender que os processos de construção do saber profissional partiriam da prática e da ação reflexiva e compartilhada.

Para Gómez36, a formação do professor (educador) reflexivo abrangeu duas grandes áreas. A primeira seria a do componente "científico-cultural" no qual se pretendia assegurar o conhecimento do conteúdo a ser ensinado. Já a segunda, foi a do componente "psicopedagógico", que permitia aprender como atuar com eficácia em sala de aula.

"No componente psicopedagógico é preciso distinguir duas fases principais: na primeira, adquire-se o conhecimento dos princípios, leis e teorias que explicam os processos de ensino-aprendizagem e oferecem normas e regras para a sua aplicação racional; na segunda, tem lugar a aplicação na prática real ou simulada de tais normas e regras, de modo que o docente adquira competências e capacidades requeridas para uma intervenção eficaz".

Neste sentido, Zeichner37 defendeu que o processo reflexivo não se limitaria a questões metodológicas do ensino ou a organização da sala de aula, o que poderia significar incorporar novas experiências em velhas estruturas. Esta incluiria também a problematização de aspectos que envolveriam a organização escolar e sua cultura, por exemplo, práticas concorrentes, estruturas hierárquicas, atuações excludentes, entre outras.

Para Nóvoa38, na formação do professor (educador), a preocupação da técnica e do conhecimento deveria ser superada, permitindo um avanço para a socialização e a reflexão de sua configuração profissional.

"A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores [educadores] os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica investimento pessoal, trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade profissional."

Ainda para este autor, deveriam ser criados espaços permanentes dessa formação, em ambientes que favorecessem a troca de experiências e a partilha dos saberes, em que cada um dos profissionais seria chamado ao papel de "formador" e também ao papel de "formando". Este seria o único caminho para a conquista do exercício da autonomia.

"O trabalho centrado na pessoa do professor [educador] e na sua experiência é particularmente relevante nos períodos de crise e mudança, pois uma das fontes mais importantes de stress é o sentimento de que não se dominam as situações e os contextos de intervenção profissional38."

Este tipo de formação valorizaria os paradigmas de formação que promovem a preparação de educadores reflexivos para assumirem responsabilidades frente ao seu próprio desenvolvimento profissional, diante dos desafios do ato de ensinar. "As situações que os professores [educadores] são obrigados a enfrentar (e a resolver) apresentam características únicas, exigindo, portanto respostas únicas"38.

Para a formação de educadores reflexivos, o desafio estaria na concepção de um espaço institucional educativo, que concebesse o trabalho prático e a formação de seus profissionais, não como atividades distintas, mas como um processo permanente, integrado ao cotidiano da instituição.

Ou seja, sua metodologia de trabalho se apoiaria na produção de espaços reflexivos coletivos de formação, presentes nas próprias instituições em que os educadores trabalham, que compreenderiam as possibilidades de reflexão e tomada de consciência das limitações sociais, culturais, pedagógicas contextuais e da própria profissão.

Diante do contexto teórico colocado, apresentamos a seguir o relato e a análise de uma intervenção psicopedagógica realizada com educadores sociais, na educação não formal. O olhar psicopedagógico, as intervenções e o processo reflexivo contribuíram para que o grupo participasse efetivamente na sugestão de propostas para o trabalho que desenvolviam, buscando autonomia na sua prática e melhorando as condições de aprendizagem dos seus educandos.

 

A PRÁTICA DA PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL NA EDUCAÇÃO POPULAR

Momento um: apresentação das queixas

A proposta inicial foi de diagnóstico dos incômodos e satisfações sentidas pelos educadores; para que esses não se sentissem constrangidos, foram expressas individualmente e anonimamente por escrito. Esse processo foi disparado com a apresentação de dois grandes cartazes: um com a imagem de um saco e outro com a imagem de um prato sob uma toalha. Foram dadas orientações para que escrevessem em papeletas, a partir do trabalho diário no "Curso C" e dentro da Associação: a) os incômodos e colassem no cartaz do saco e; b) as vivências boas e colassem no cartaz do prato.

Posteriormente, as papeletas foram lidas e seu conteúdo organizado em categorias determinadas pelos próprios educadores.

Como resultados, uma primeira categoria foi nomeada como "Queixas externas ao trabalho". Foram elas: A) "O tempo parece pouco para podermos ajudar os educandos, tanto na parte da formação humana, quanto no que se refere à parte educacional"; B) "O tempo que nos atropela"; C) "Falhas educacionais aberrantes"; D) "Dificuldade de entendimento dos educandos"; E) "Alternância de humor dos educadores e coordenação".

As "queixas A e B" trouxeram o conceito do tempo que educandos e educadores teriam para superar as "queixas C e D". Segundo Bonals e González21, essas se apresentaram como queixas ilimitadas, pois indicaram o caráter de dificuldade diante de uma situação, em que não estava definida a forma de superação da mesma, causando, muitas vezes, o desânimo e a impotência.

A "queixa D" sugeriu uma separação nas relações entre aprender e ensinar, fato entendido por Freire24 como impossível numa relação pedagógica. Assim, evidenciou-se uma queixa de delegação21, pois houve a transferência da não aprendizagem, centrando-a no outro, no caso o educando.

A "queixa E" teve como característica a busca de uma reação psicológica a falta de enfrentamento, a não superação dos problemas de aprendizagem dos educandos, caracterizando-se como uma queixa jogo21.

A segunda categoria foi nomeada como "Queixas de problemas de ordem individual": A) "Falta de material de apoio para as aulas de Biologia. Esclarecendo - o meu computador está na UTI. Problema pessoal!"; B) "Acho o tempo insuficiente para se trabalhar as disciplinas / sei a importância das optativas, mas acho que deveríamos ter mais aulas, pois acho a quantidade que temos insuficiente"; C) "Conversas excessivas na turma D, porém considero ser imaturidade específica desta turma por conta da faixa etária"; D) "Uma coisa que me incomodou muito quando comecei a trabalhar com o 'Curso C' foi a minha inexperiência em dar aulas, porque apesar de trabalhar com educação popular e formação em Fé e Política há muito tempo me dei conta que eram coisas diferentes"; E) "Educandos engraçadinhos"; F) "Quando trabalho com uma aula na turma, sinto a falta do trabalho na turma"; G) "Tempo para organizar a aula de laboratório / tenho muitas atividades na memória do computador".

A criação dessa categoria apontou, de maneira geral, para a consciência dos educadores de que poderiam e deveriam fazer algo para mudar. Também confirmavam a importância do processo de intervenção e das reflexões propostas, já que as mesmas sugeriram a revisão de algumas ideias, atitudes e propósitos diante de sua atuação.

Na terceira categoria, segundo a reflexão e classificação dos educadores, encontramos as "Queixas de problemas a serem resolvidos": A) "Falta de uma definição mais clara de tarefas e responsabilidades secundárias nos eventos (semanas / atividades especiais)"; B) "Falta de colaboração dos educadores (todos) na organização de eventos, semana da acolhida, por exemplo. Sempre as mesmas pessoas cuidam dos detalhes de providenciar materiais, etc."; C) "Existe ainda uma deficiência de logística quanto a preparar as atividades extras com as 'semanas', as reuniões de orientação, as saídas planejadas"; D) "Organicidade dos educadores e coordenação"; E) "Eu creio que deveríamos ser mais assíduos nos horários, pois temos pouco tempo para nos prepararmos melhor, devemos otimizar melhor o nosso tempo"; F) "Acho que também, às vezes, acabamos por deixar passar algumas atitudes de alguns educandos. Creio que devemos ser severos com eles, não se esquecendo de sua realidade, mas que essa realidade não sirva de pretexto para deixarmos passar essas atitudes (bagunça, falta de respeito, atrasos, conversas, desinteresse, etc)"; G) "Decisões que deveriam e devem ser tomadas por toda a equipe reunida"; H) "Algumas coisas que foram ditas que seriam para serem feitas de um jeito e que depois foram feitas totalmente diferente"; I) "Falta de pontualidade"; J) "Questões, decisões em aberto, às vezes não fica claro o que foi decidido ou acabamos nem decidindo. Isso dificulta o andamento do trabalho"; K) "Desorganização (horário)"; L) "Poucos jovens a procura do apoio no plantão de dúvidas. Principalmente os que estão começando"; M) "Às vezes falta limite para as brincadeiras, isso nos faz perder tempo e o foco do que estamos discutindo".

As "queixas A, B, C, D, G, H e J" evidenciaram a insatisfação com o trabalho coletivo, além das queixas de falta de organização da coordenação para que esse trabalho acontecesse. Interessante notar que estas se apresentaram de maneira imperativa, como queixas que demandavam uma expectativa de mudança de atitude de outras pessoas para haver colaboração na realização das tarefas educativas.

A presença das "queixas E, I, K" retomaram o tema da falta de organização, mas especificamente ligadas à questão do tempo. A temática do tempo esteve presente no grupo "Queixas externas ao trabalho", porém agora apareceram com uma conotação diferente já que se tornaram fatores a serem considerados no processo educativo, ou seja, não mais tão externas as atividades realizadas pelos educadores.

As "queixas F e M" referiam-se diretamente ao comportamento de determinados educandos na realização das atividades.

A "queixa L" revelou o descontentamento quanto a pouca frequência dos educandos no plantão de dúvidas, espaço que possibilitaria o atendimento individualizado e uma tentativa de reverter o quadro de não aprendizagem.

Momento dois: a concepção de ensinar e aprender

Diante das queixas apresentadas, foi iniciada uma ação que objetivou conhecer e analisar o que cada um dos educadores manifestava como responsabilidade no seu ato de ensinar e como entendia as relações entre ensinante e aprendente e, assim tivesse a possibilidade de refletir sobre como se via neste processo. Foi utilizada para este trabalho a técnica do "par educativo". Nela cada educador desenhou uma pessoa que aprende e uma que ensina e formulou uma história envolvendo esses personagens.

AD ao escrever sobre o desenho, uma situação de trânsito feito na frente e no verso da folha com riqueza de detalhes, afirmou que: "essa pessoa que está ensinando [...] não está deixando a pessoa que está aprendendo à vontade e com a calma necessária para aprender, não respeitando o seu tempo e seu raciocínio [...]". Salientou, com isso, que o educador não deveria se eximir de suas responsabilidades, porém deveria respeitar a experiência que tem o educando ao favorecer outros esquemas de aprendizagem. Sua frase para o desenho foi: "Aprendendo a dirigir de forma espantosa e assustada".

FR ao referir-se ao seu desenho, um adulto e uma criança com sua bicicleta na rua, afirmou: "Estar presente em todos eles" seria fundamental ao educador para acompanhar o processo de desenvolvimento da aprendizagem do educando. Fazer-se presente seria o desafio do acompanhamento permanente, características da maternagem39. Sua frase para o desenho foi: "Sou eu ensinando meu filho a andar de bicicleta".

A escrita da história do desenho realizado por LC, uma situação de conflito entre educandos com a presença passiva do educador, pareceu incomodá-lo no momento em que realizava o desenho. Em sua história os educandos brigavam, mas não sabiam o motivo. Quando da intervenção do educador presente no desenho o destaque esteve na frase: "Paulo [educador nomeado no desenho] não podia deixar aquilo acontecer". Indicou-se um conflito quanto à resolução de problemáticas advindas das relações que os educandos criaram. A história terminou de maneira bastante afetiva "um grande abraço"! Sua frase para o desenho foi: "A necessidade de compreensão, por parte do mediador, dá importância, dá proximidade e compreensão na construção de um ambiente de aprendizagem".

No desenho realizado por FB, crianças brincavam o jogo de amarelinha. Não havia presença de um adulto que fizesse o papel de quem ensinava. Na escrita da história do desenho, houve destaque para a ideia de que o lúdico envolveu a criança e nela as situações de aprendizagem espontânea ficariam mais fortes que as situações formais de aprendizagem. A transmissão do conhecimento aconteceu de maneira bastante espontânea entre as crianças que ensinavam, a outras crianças, as regras da brincadeira. Essa característica pareceu muito peculiar, já que FB também lecionava aulas na Educação Infantil. Sua frase para o desenho foi: "Ensinar e aprender em situações não escolares. É importante não escolarizar todos os conhecimentos, eles são da vida. Aprende-se no brincar, e em cada fase com coisas diferentes".

Para EC o ambiente da aprendizagem também estava relacionado ao espaço não formal. Ele trouxe em sua narrativa a presença de um ambiente cercado por árvores, em que um educador, no desenho representado por um homem cercado por crianças, que aprendeu com "os mais velhos" transmitia para crianças, de forma oral, seus saberes e vivências. Sua frase para o desenho foi: "Conhecer para preservar".

Numa mesma tendência, ou seja, uma história de aprendizagem e ensino que acontecia em um ambiente extraclasse, BR representou em seu desenho uma criança e um adulto contemplando e conversando embaixo de uma árvore. Em sua apresentação, foi pertinente a afirmativa sobre as dificuldades que os educadores encontravam em ensinar em um ambiente que não fosse a sala de aula. Sua frase para o desenho foi: "Aprender com a realidade do cotidiano, de maneira informal, apreciando o conhecimento".

Ao narrar a história de seu desenho, uma área urbana com muitos carros e uma escola, EZ tomou o lugar de seus educandos para relacionar o aprender e o ensinar. Detalhadamente apontou a observação dos educandos sobre a realidade como ponto de partida para que a aprendizagem acontecesse em sala de aula. Sua frase para o desenho foi: "Observando e decifrando a paisagem".

O desenho de NZ foi um resgate em sua memória do que viveu no período escolar com sua educadora de Língua Portuguesa. NZ definiu que ensinar seria viver aquilo que se sabe com "magia, amor, empatia [...]" e aprender seria "descobrir que o conhecimento pode ser mágico - lugar da criatividade, da experiência do novo - amor, empatia [...]". NZ afirmou que repetiu a palavra empatia, para aprender e ensinar, por se tratar de um processo de uma "via de mão dupla". Sua frase para o desenho foi: "Para aprender e ensinar é preciso amor ao conhecimento, empatia, acolhida, partilha [...]".

As memórias negativas do ambiente escolar formal foram lembradas por PL. Em seu desenho, o professor de matemática, a sua frente, ensinava sem se dar conta de que seu aluno pouco entendia do que ele falava. Na narrativa sobre o desenho, PL destacou que o aprendido pelo aluno foram apenas as palavras: "Blá, Blá, Blá", dando a conotação de que o conteúdo apresentado pelo professor não possuía nenhum sentido. Sua frase para o desenho foi: "O professor de matemática está ensinando e o aluno não está aprendendo. Enquanto o professor fala, pensa no que ouve, isto é, não entende o raciocínio do professor, mas não tem coragem de falar que não está entendendo".

Outra situação de trânsito foi criada para representar a situação de ensino e aprendizagem. Desta vez, SL apresentou em seu desenho, com riqueza de detalhes, personagens que foram descritos em sua narrativa como cumpridores de regras específicas para o "trânsito". Demonstrou preocupação com o papel que cada indivíduo deveria ocupar para que o processo de ensino e aprendizagem pudesse acontecer. Sua frase para o desenho foi: "Aprender também é saber respeitar".

Dos dez desenhos e das discussões destacamos que:

• Quatro educadores indicaram para o uso da realidade como ponto de partida e suporte para o trabalho de ensinar, como facilitador da aprendizagem (AD, LC, PL e EZ). Tem-se, assim, a possibilidade de no ensinar deixar transparecer, a quem aprende, a peculiaridade do ser humano em estar no mundo e com o mundo, como ser histórico, intervindo no mundo. Assim, deve-se considerar a experiência do aprendente no momento da ensinagem;

• Sete educadores apontaram para a necessidade de construção da proximidade entre educador e educando (PL, LC, AD, FR, EZ, EC e NZ) e, com isso, nos remeteram aos "saberes necessários à prática educativa" (Freire24), em que ensinar exige do educador o respeito ao que o educando sabe e, além disso, autonomia do ser educando;

• Para FR, aprender e ensinar significou também o acompanhamento permanente do educando pelo educador;

• FB assinalou a importância da aprendizagem não escolarizada, ou seja, essa também se dá na vida e no prazer de viver;

• Três desenhos relacionaram-se a paisagens: dois deles à paisagem natural (BR e EC) e outro à paisagem urbana (EZ). Mais uma vez, a formação dos educadores se fez presente: os dois educadores que representaram a paisagem natural eram formados na área de Biologia e responsáveis por alguns projetos ambientais da Associação. O desenho da paisagem urbana foi feito pelo educador da área de Geografia;

• Dois desenhos apresentaram a temática do trânsito e suas regras. Os educadores que os realizaram (AD e SL) ministravam disciplinas das Ciências da Natureza e Matemática, o que evidenciou a preocupação que tinham com as ordens e regras, exigências dessas disciplinas para se alcançar um resultado exato;

• Três desenhos representaram a situação escolar com a presença física do responsável pelo ensinar - o professor (PL, LC e NZ). Interessante notar que nos desenhos o professor presente faz toda diferença para o processo de quem aprende. Em um dos desenhos, o professor estava distante e não percebeu as dificuldades do aluno, já nos outros dois, a interferência e a proximidade do professor facilitaram a aprendizagem do aluno;

• Dois desenhos tratavam do lúdico (FB e FR). O lúdico se apresentou na convivência diária ao favorecer a construção de uma relação de proximidade entre as pessoas, assim como facilitador na aproximação dos conteúdos à vida dos educandos, o que tornaria o aprender prazeroso e favoreceria a melhoria da aprendizagem24,34,35.

Esta atividade, além de ser um momento de bastante descontração no grupo, deixou claro que seus componentes valorizavam as atividades educativas não formais, já que em várias situações quem ensina e quem aprende não estavam identificados especificamente com esta função e não estavam no ambiente formal de educação.

Outra questão presente nas discussões da psicopedagogia, e que se evidenciou nos desenhos e na fala dos educadores foi que no processo educativo, aspectos biológicos, afetivos e intelectuais sofreriam influências e seriam influenciados pelas condições socioculturais do indivíduo e do seu meio27.

Momento três: Os educadores modelos

Em um processo reflexivo, fez-se importante o resgate das matrizes pedagógicas, os modelos para a ação do ensinar. Freire40 defendeu esta tese destacando que o processo de resgate contribuiria para a percepção da distância entre aquele que constrói e aquele que reproduz o processo de aprendizagem. Para ele, tal processo "possibilita que [se] compreenda a diferença entre construir conhecimento e reproduzir conhecimento, repetir história e construir história".

Os dez sujeitos da pesquisa relataram quem/qual eram seus modelos a partir da frase: "Aprendemos sempre a partir de um modelo, nunca do nada. Não existe ação educativa que prescinda de modelos"41.

Como resposta um deles trouxe como modelo para sua atuação a experiência direta com seus educandos. A proposta apresentada era clara para que buscassem em sua memória exemplos de educadores que ajudaram a construir os profissionais que eram hoje. Não houve tempo para discutir a presença dos educandos neste resgate, porém não houve falta de participação do mesmo, já que outros "modelos" foram trazidos em seu registro.

De maneira geral, os educadores citaram que o grupo do qual fazem parte, ou seja, o grupo aqui estudado, colaborou como modelo para a sua atuação individual. Para alguns, essa presença do modelo do comportamento do grupo foi tão importante que o exemplo de ser educador nesse foi levado para outros ambientes de atuação na educação formal.

O nome de um educador, do próprio grupo, foi citado como modelo. Tal situação decorreu da característica comum de que um grupo de educadores passou pela Associação como educando e hoje trabalha nela, tendo no grupo de trabalho esse antigo educador. A maneira peculiar de como tratava cada um deles favoreceu o resgate, pois tinha uma postura de cumplicidade ao mesmo tempo em que dominava o conteúdo.

Apresentaram-se modelos familiares que ajudaram a construir a maneira de atuar. O caráter, os valores e atitudes de respeito diante do educando e das diferenças que cada um apresentava eram, segundo os relatos, contribuições de aprendizagens que construíram dentro das relações familiares.

Outros modelos para a prática pedagógica foram lembrados pelo domínio de certo conteúdo e a aproximação do mesmo com a realidade, modelos esses baseados em profissionais de diversas áreas do mercado de trabalho.

Um último dado relevante foi que apenas dois educadores não relataram como modelo educadores/professores antigos, das disciplinas que ministravam no curso.

Momento quatro: As propostas de mudanças

Apoiados pelas provocações metodológicas e didáticas de alguns textos, principalmente Fazenda42 e M. Freire43, os educadores foram convidados a confrontar a prática efetivada junto aos educandos na expectativa de evidenciarem aspectos que necessitavam de revisão e refletir sobre as possibilidades do desenvolvimento de novas experiências pedagógicas.

Depois de um longo caminho de reflexão possibilitado pela leitura e discussão dos textos, uma dinâmica foi proposta para a construção de um mapa conceitual. Foi escolhido entre o grupo um dos educadores para ser o escriba de tudo o que acontecesse na reunião e um segundo para registrar o mapa conceitual, que foi construído na lousa, no papel.

A dinâmica tinha como objetivo, a partir da ideia central "Curso C", que os educadores individual e coletivamente, e em silêncio, construíssem relações, em um organograma, entre questões da sua prática diária no curso. Ou seja, de forma organizada, cada educador poderia levantar-se, ir à lousa, e contribuir no mapa, também era permitido apagar uma ideia colocada anteriormente, ou relacioná-la com outras. O grupo aceitou e reagiu com muita expectativa.

Ao final da construção, foi pedido que cada educador registrasse, por escrito, o que era possível ler no que haviam acabado de construir. Quando encerraram esta etapa, houve a partilha e alguns deles relataram ver uma grande confusão e que não podiam explicar tudo o que estava colocado no mapa conceitual.

No encontro seguinte, cada educador recebeu uma cópia do mapa conceitual construído coletivamente. A intenção foi promover uma discussão entre duplas que objetivava o repensar do mapa com a produção de uma nova organização para clarear a atuação do grupo.

Para finalizar esse trabalho, a partir da reorganização do mapa, foi criada uma proposta de atividades que tinha como base as atividades já desenvolvidas no "Curso C", ou seja, simulados, encontros dos educadores, a metodologia utilizada em sala de aula, a organização das turmas, o cronograma de horários e o material para os educandos.

A reflexão nas duplas foi um momento de muito trabalho criativo, em que os educadores trocaram e leram a forma como enxergavam cada ponto colocado na primeira proposta do mapa conceitual.

O momento seguinte serviu para a partilha das duplas.

A primeira dupla, AD e SL, relatou que a partir do momento que se dedicaram ao mapa algumas coisas pouco compreendidas inicialmente fizeram sentido. Propuseram atividades para além do curso do qual estavam envolvidos: organização de um cronograma específico por eixo temático de aulas "diferentes"; realização de simulados mensais nos finais de semana e; a realização de atividades culturais e esportivas complementares.

A segunda dupla, EC e FR, apresentou uma releitura que evidenciou a saída do caos em que se encontravam frente a tantas questões emergentes. Quanto às sugestões concluíram: algumas semanas temáticas da instituição (atividades semestrais em que alguns temas relacionados a questões ambientais e de cidadania eram estudados durante uma semana por todos os educandos que participavam da Associação) deviam ser agregadas e repensadas em seu tempo de duração; que era necessário intensificar os temas dos eixos com atividades conjuntas; que o momento coletivo e mensal de assistir um filme, para reflexão de um tema proposto pela Associação, contasse com participação dos educandos em sua preparação; que acontecessem simulados nos finais de semana; que houvesse estímulo aos educandos e aos outros educadores da instituição na participação em lutas sociais e políticas; além da garantia de um dia de encontro por eixo no cronograma de atividades semanais dos educandos.

A terceira dupla, FB e BR, organizou o mapa conceitual por cores, em torno de quatro eixos de atuação: o contexto individual, o contexto coletivo, o que ofereciam no curso e as dúvidas que surgiram no processo. Sugeriram muitas propostas: encontros de formação do grupo de educadores com mais afinidade temática; otimização do tempo de planejamento coletivo; exploração dos diversos espaços da instituição; preparação dos conteúdos com oportunidades para que os educandos se expressassem por meio de registros; aulas temáticas; o uso de material de apoio, pronto ou elaborado pelos educadores; estudo de meio com diversidade de temas; simpósios preparados pelos educandos; organização da semana da primavera e da cidadania; participação dos educandos na preparação da atividade intitulada cine fórum; e integração dos eixos, projeto de vida e atividades complementares.

A última dupla, EZ e LC, ao apresentar seu mapa conceitual, provocou um grande debate, caracterizado pela confusão que, segundo os outros participantes, ainda apresentavam em sua leitura. A dupla conseguiu explicar que o processo que fizeram era de separar o antes e depois da passagem dos educandos no curso. Sugeriram: adequação do espaço, com diferenciação da organização tradicional de escola; exposições artísticas que atingissem e influenciassem o espaço da sala de aula; semanas temáticas por eixos; mais estudos do meio e; reorganização do cronograma de aulas.

As discussões trouxeram novos ares para as relações entre os educadores e, para finalizar, todas as sugestões foram encaminhadas à coordenação geral do projeto como demonstração da necessidade de reformulação de aspectos importantes na produção do trabalho pedagógico com os educandos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Talvez que um professor seja um funcionário das instituições que gerenciam lagoas e charcos, especialista em reprodução, peça num aparelho ideológico de Estado. Um educador, ao contrário, é um fundador de mundos, mediador de esperanças, pastor de projetos. Não sei como preparar o educador. Talvez que isto não seja nem necessário e nem possível... É necessário acordá-lo. E aí aprenderemos que educadores não se extinguiram como tropeiros e caixeiros. Porque, talvez nem tropeiros e nem caixeiros tenham desaparecido, mas permaneçam como memórias de um passado que está mais próximo do nosso futuro que o ontem. Basta que o chamemos do seu sono, por um ato de amor e coragem, E talvez, acordado, ele repetirá o milagre da instauração de novos mundos44".

Durante a intervenção, ficou clara a necessidade da construção de um olhar psicopedagógico específico voltado ao grupo de educadores sociais. Os mesmos possuíam inúmeras práticas, porém lhes faltavam os momentos de análises das mesmas para perceber a qualidade de sua atuação e o envolvimento com a aprendizagem dos educandos que chegavam à educação não formal, sem algumas aprendizagens entendidas como básicas no momento formal da educação escolar.

A psicopedagogia institucional pôde colaborar com este grupo em sua perspectiva preventiva16, pois favoreceu o resgate das concepções e estratégias metodológicas utilizadas com vistas à diminuição da frequência dos problemas de aprendizagem apresentadas pelos educandos.

No processo, os educadores entenderam que o ambiente em que acontecia o processo de aprender e ensinar poderia se organizar para favorecer que os diversos conhecimentos trabalhados fossem usados por seus educandos, diante das várias temáticas abordadas, de forma interdisciplinar24.

Seus modelos de educadores contribuíram para justificar esta ideia, pois tais modelos iam desde pessoas que não atuavam em instituições educacionais, passando por seus familiares, até os educadores identificados como seus companheiros de trabalho ou os professores do passado que dominavam os conteúdos e os aproximava da realidade.

Na observação desse grupo, foi possível entender um conceito defendido por M. Freire43 de que todo educador é um "alfabetizador", não só entendido como aquele que nos primeiros anos de vida escolar ensina a linguagem escrita à criança, mas como um profissional preocupado com outras linguagens e, em qualquer faixa etária da vida.

Para tanto, sugere-se que a prática de intervenção crie espaços sistematizados de acompanhamento desses educadores, em uma constante entre: a) uma prática estética: apropriação do seu pensamento por meio de referências culturais e pessoais; b) uma prática reflexiva sobre a ação pedagógica: momento para pensar com o outro, estruturar hipóteses, registrar o processo para revê-lo, aprofundar e ampliar suas ideias e; c) uma prática teórica: significação da realidade por meio de estudos para recriar a prática16,24,28.

Neste processo de intervenção psicopedagógica, o desenvolvimento do trabalho foi mediado pelas práticas estéticas, reflexivas e teóricas, o que possibilitou a produção de propostas do grupo de educadores, para a Associação.

Nesse contexto de educação popular, em que se considerou a realidade sociocultural do educando, possibilitou-se o avanço da intervenção de maneira crítica sobre a atuação dos educadores. Com isso finalizaram com propostas que, fundamentadas na melhoria do trabalho educativo, pretenderam resgatar a história dos educandos da periferia e construir, com eles, discussões sobre a cidadania para uma sociedade mais justa e humana, como pretende essa concepção de educação.

Por fim, cabe ressaltar a importância do distanciamento do profissional psicopedagogo do processo vivenciado. Desafio importante para que o envolvimento necessário possibilitasse intervenções profundas com o devido "cuidado do cuidador"33,45.

 

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Correspondência:
Sarah Cazella
Centro Pastoral Santa Fé
Rod. Anhanguera, s/n Km 25,5
São Paulo - SP.

Artigo recebido: 19/11/2009
Aprovado: 22/2/2010

 

 

Trabalho realizado no Centro Pastoral Santa Fé, São Paulo, SP.

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