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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.28 no.85 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Treinamento de habilidades fonológicas em escolares de risco para dislexia

 

Phonological skills training in students at risk for dyslexia

 

 

Cintia Cristina FadiniI; Simone Aparecida CapelliniII

IFonoaudióloga pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista-FFC/UNESP, Marília, SP, Brasil
IIFonoaudióloga. Livre-Docente em Linguagem Escrita. Docente do Departamento de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista-FFC/UNESP-Marília, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: O presente estudo teve por objetivo verificar a eficácia do treinamento de habilidades fonológicas em escolares de risco para dislexia.
MÉTODO: Participaram do estudo 60 escolares de escola pública municipal, de 1ª série, de ambos os gêneros, na faixa etária de 6 a 7 anos idade. Neste estudo, foi realizada a adaptação brasileira da pesquisa sobre treinamento de habilidades fonológicas composta de pré-testagem, intervenção e pós-testagem. Em situação de pré e pós-testagem, os escolares foram submetidos ao teste para a identificação precoce dos problemas de leitura e aqueles que apresentaram desempenho inferior a 51% das provas do teste foram divididos em GI: 19 escolares submetidos ao treinamento de habilidades fonológicas; e em GII: 41 escolares não submetidos ao treinamento de habilidades fonológicas.
RESULTADOS: Os resultados revelaram diferenças estatisticamente significantes, evidenciando que dos 19 escolares submetidos ao treinamento de habilidades fonológicas, 16 apresentaram melhor desempenho em situação de pós-testagem. Apenas 3 escolares não responderam à intervenção proposta, sendo submetidos à avaliação interdisciplinar.
CONCLUSÃO: A melhora das habilidades fonológicas e de leitura em situação de pós-testagem em relação à pré-testagem comprova a eficácia do treinamento de habilidades fonológicas em escolares de risco para dislexia.

Unitermos: Dislexia. Transtornos da Linguagem. Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem. Leitura.


SUMMARY

PURPOSE: The present study aimed to verify the effectiveness of a phonological skills training in students at risk for dyslexia.
METHODS: A total of 60 students of a municipal public school participated in the study, from 1st grade, both genders, ranging from 6 to 7 years old. In this study the Brazilian adaptation of the research was accomplished on training of phonological skills composed of pre-testing, intervention and post-testing. In pre-test situation and post-testing, the students were submitted to the test for the early identification of reading problems and those that presented performance inferior to 51% of the tests were divided into GI: 19 students submitted to the phonological skills training; and into GII: 41 students not submitted to the phonological skills training.
RESULTS: The results revealed statistically significant differences, evidencing that out of the 19 students submitted to the training of phonological skills, 16 presented better performance in situation of post-testing. Only 3 students did not respond to the proposed intervention, being submitted to interdisciplinary evaluation.
CONCLUSION: The improvement of the phonological skills and of reading in situation of post-testing in relation to the pre-testing proves the effectiveness of the phonological skills training in students at risk for dyslexia.

Key words: Dyslexia. Language Disorders. Language Development Disorders. Reading.


 

 

INTRODUÇÃO

A relação entre as habilidades de leitura e o processamento fonológico da informação tem sido amplamente descrita na literatura. Existe um consenso entre os pesquisadores de que a habilidade fonológica é importante para a aquisição da leitura e que, para a maioria dos indivíduos com atraso em leitura ou dislexia, alterações nessa habilidade, como discriminação e percepção dos sons, são geralmente identificadas1-3.

A dislexia é caracterizada como um distúrbio específico de aprendizagem de origem neurológica, na qual a criança encontra dificuldade com a fluência correta na leitura e com a habilidade de decodificação e soletração, resultante tipicamente de um déficit no componente fonológico da linguagem inesperado em relação a outras habilidades cognitivas e a práticas educativas4.

Os principais sinais da dislexia podem ser evidenciados durante o desenvolvimento da criança, e, segundo alguns autores5,6, estes sinais se referem a: fala ininteligível; imaturidade fonológica; redução de léxico; dificuldade em aprender o nome das letras ou os sons do alfabeto; dificuldade para entender instruções, compreender a fala ou material lido; dificuldade para lembrar números, letras em sequência, questões e direções; dificuldade para lembrar sentenças ou estórias; atraso de fala; confusão direita-esquerda, embaixo, em cima, frente-atrás (palavras-conceitos) e dificuldade em processar sons das palavras e história familial positiva de problemas de fala, linguagem e desenvolvimento da leitura. 

Estudos apontam para a necessidade de realização de programas de treinamento fonológico precocemente em escolares, em fase pré-escolar ou nos dois primeiros anos de alfabetização, que apresentam desempenho abaixo do esperado se comparado ao seu grupo-classe nos fatores preditivos para o bom desempenho em leitura, como: conhecimento do alfabeto, nomeação automática rápida, repetição de não-palavras e habilidades de consciência fonológica. Estes escolares são denominados na literatura internacional como escolares de risco para a dislexia7-10.

Os programas de treinamento com a base fonológica têm por objetivo verificar se, após a realização de programas específicos com as habilidades cognitivo-linguísticas alteradas, os escolares apresentam melhora na aprendizagem da leitura ou se permanecem com as defasagens em tais habilidades, o que significa que os escolares apresentam realmente uma desordem de origem genética-neurológica que compromete a aquisição e o desenvolvimento de habilidades perceptivas e linguísticas e que, por isto, devem ser submetidos a avaliações interdisciplinares para a investigação do quadro de dislexia7.

Assim sendo, a importância para a prática clínica e educacional destes estudos é o fato de que a falta de resposta ao treinamento fonológico precoce com os sinais da dislexia pode ser considerada um critério para o diagnóstico da dislexia7,10-12.

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo verificar a eficácia do treinamento de habilidades fonológicas em escolares de risco para dislexia.

 

MÉTODO

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - CEP/FFC/UNESP, sob o protocolo nº 3348/2008.

Participam deste estudo 60 escolares de 1ª série do ensino público fundamental municipal, de ambos os gêneros, e na faixa etária entre 6 anos e 11 meses a 7 anos e 3 meses (Tabela 1).

 

 

Como critério de exclusão, foi considerado a presença de deficiência sensorial, motora ou cognitiva descrita em prontuário escolar e como critério de inclusão, assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ausência de queixa auditiva ou visual, presença de deficiência sensorial, motora ou cognitiva descritas nos prontuários escolares dos participantes deste estudo.

Neste estudo, foi realizada a adaptação brasileira da pesquisa sobre treinamento de habilidades fonológicas composta de pré-testagem, intervenção e pós-testagem descritas na pesquisa sobre treinamento de habilidades fonológicas e conhecimento de letra-som em crianças de risco para dislexia7. Em situação de pré e pós-testagem, os escolares foram submetidos ao teste para a identificação precoce dos problemas de leitura.

Inicialmente, todos os escolares deste estudo foram submetidos aos seguintes procedimentos:

• Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 196/96, previamente ao início do estudo, os pais ou responsáveis pelos escolares selecionados assinaram o Termo de Consentimento autorizando a aplicação dos procedimentos deste estudo;

• Teste para identificação precoce dos problemas de leitura - Foi realizada a adaptação brasileira de sete provas para identificação precoce dos problemas de leitura baseadas na descrição da pesquisa original que oferece suporte teórico para a realização deste estudo. As provas que compõem o Teste estão descritas a seguir e foram normalizadas para população de escolares brasileiros em estudo anterior13.

1. Conhecimento do alfabeto: foi apresentado ao escolar o alfabeto para que identificasse o nome da letra e o valor sonoro de cada letra apresentada.

2. Consciência fonológica: composta por subtestes de produção de rima, identificação de rima, segmentação silábica, produção de palavras a partir do fonema dado, síntese fonêmica, análise fonêmica e identificação de som inicial.

2.1. Produção de rima: foram apresentadas ao escolar 20 palavras auditivamente e solicitado que dissesse uma palavra que terminasse com o mesmo som.

2.2. Identificação de rima: foram apresentados ao escolar 20 grupos de três em três palavras auditivamente e solicitado que identificasse as palavras que terminassem com o mesmo som.

2.3. Segmentação silábica: foram apresentadas ao escolar 21 palavras auditivamente (dissílabas, trissílabas e quadrissílabas) e solicitado que separasse as palavras por silabas.

2.4 Produção de palavras a partir do fonema dado: foram apresentados ao escolar os sons do alfabeto e solicitado que dissesse uma palavra que começasse com o mesmo som.

2.5. Síntese fonêmica: foram apresentadas ao escolar 21 palavras auditivamente separadas por sons e solicitado que dissesse a palavra formada.

2.6. Análise fonêmica: foram apresentadas ao escolar 21 palavras auditivamente e solicitado que dissesse os sons de cada letra das palavras apresentada.

2.7. Identificação de som inicial: foram apresentadas ao escolar 21 palavras auditivamente e solicitado que dissesse o som inicial da primeira letra de cada palavra apresentada.

3. Memória de trabalho: foram apresentadas ao escolar 24 pseudopalavras auditivamente e solicitado que repetisse como havia entendido.

4. Velocidade de acesso à informação fonológica: foram apresentadas ao escolar sete sequências intercaladas de desenhos coloridos (carro, bola, pato, casa e chave) e solicitado que realizasse a nomeação rápida.

5. Atenção visual: foram apresentadas ao escolar 10 figuras coloridas e solicitado que identificasse entre duas palavras a que correspondia às figuras.

6. Leitura de palavras e pseudopalavras: foram apresentadas ao escolar 40 palavras visualmente (20 palavras e 20 pseudopalavras) e solicitado que realizasse a leitura em voz alta.

7. Compreensão de frases a partir de figuras apresentadas: foram apresentadas ao escolar 20 frases incompletas com figuras ilustrativas e solicitado que observasse as figuras e completasse as frases.

A aplicação deste procedimento durou, em média, 50 minutos e foi realizada individualmente em uma única sessão, durante o horário de aula dos escolares, com a anuência e autorização da professora e da direção da escola em que foi realizado o estudo para retirada dos escolares da sala de aula para aplicação do procedimento em local apropriado, cedido pela escola.

O material linguístico utilizado para a elaboração das provas descritas foi retirado de um banco de palavras de livros didáticos de 1ª a 4ª séries, utilizados na rede municipal de ensino de Marília, SP. As palavras utilizadas para a elaboração das provas seguem as regras de decodificação do português brasileiro, tanto para palavras como para pseudopalavras: a) regra de correspondência grafofonêmica independente do contexto e b) regra de correspondência grafofonêmica dependente do contexto14.

Entretanto, levou-se em consideração para a elaboração das provas, a seleção de palavras de alta frequência presentes em todos os livros de 1ª a 4ª séries, para que o estímulo linguístico não interferisse no desempenho do escolar, com base em critérios psicolinguísticos de adaptação para a Língua Portuguesa.

A caracterização do desempenho dos 60 escolares deste estudo no Teste para identificação precoce dos problemas de leitura está descrita na Tabela 2.

Os dados descritos na Tabela 2 apresentam os resultados de todos os participantes deste estudo, conforme demonstrado na apresentação dos dados após tratamento estatístico. Isto se fez necessário, pois os escolares que apresentaram desempenho inferior a 51% do valor máximo, em pelo menos quatro provas do teste para identificação precoce dos problemas de leitura em relação (conhecimento do alfabeto, consciência fonológica, nomeação rápida e leitura de palavras e pseudopalavras) em relação ao grupo-classe, foram considerados de risco para dislexia. Assim, a Tabela 2 apresenta a média e o valor máximo que foram considerados como ponte de corte para inclusão dos escolares de risco para a dislexia.

Dentre os 60 (100%) escolares submetidos ao Teste para identificação precoce dos problemas de leitura, 19 (31,7%) apresentaram desempenho inferior. A partir deste achado, os escolares foram divididos em dois grupos:

Grupo I (GI): composto por 19 escolares submetidos ao programa de treinamento de habilidades fonológicas, sendo 47,4% do gênero masculino e 52,6% do gênero feminino.

Grupo II (GII): composto por 41 escolares não submetidos ao programa de treinamento de habilidades fonológicas, sendo 56,1% do gênero masculino e 43,9% do gênero feminino.

A partir da distribuição dos escolares em dois grupos, foi realizada a aplicação do procedimento de intervenção com os escolares distribuídos em duplas e trios. Tal como a avaliação utilizada anteriormente neste estudo, foram adaptadas estratégias para o treinamento de habilidades fonológicas a partir da descrição da pesquisa original7.

O programa de treinamento de habilidades fonológicas utilizado neste estudo foi composto por dez atividades trabalhadas em 18 sessões de 50 minutos de duração, realizadas em duas sessões semanais na escola de origem das crianças, com duração total de 10 semanas. As atividades desenvolvidas no programa de treinamento estão descritas a seguir:

1. Reconhecimento do alfabeto fonêmico: foi apresentado o alfabeto para os escolares identificarem o nome da letra e o valor sonoro de cada letra apresentada;

2. Identificação de palavras dentro de uma frase: foram apresentadas sete frases afirmativas auditivamente para que os escolares dividissem a frase em palavras, marcando-as por palmas;

3. Identificação e manipulação de sílabas na palavra: foram apresentadas duas palavras auditivamente para identificação de sílabas iguais e, logo após, solicitado aos escolares manipulação de segmentação silábica para a formação de novas palavras em posição inicial, medial e final. Em cada sessão, foram fornecidas seis palavras;

4. Síntese fonêmica: foram apresentadas sete palavras auditivamente separadas por sons para que os escolares identificassem as palavras;

5. Rima: foi solicitado aos escolares palavras que terminassem com o mesmo som e identificação de figuras que rimem em sua nomeação;

6. Identificação e discriminação de fonemas: foi apresentado auditivamente um fonema e solicitado aos escolares que mencionassem uma palavra que começasse com este som. Depois, foram apresentadas oralmente sete palavras e questionado se têm o fonema-alvo naquelas palavras. Os fonemas foram apresentados seguindo a ordem de aquisição e desenvolvimento do sistema fonológico;

7. Segmentação de fonemas: foi apresentada aos escolares uma palavra oralmente e solicitado que dissessem todos os fonemas desta. Nesta fase do programa, foram utilizadas fichas coloridas para auxiliar os escolares a segmentar os sons das palavras auditivamente apresentadas. Em cada sessão, foram fornecidas sete palavras;

8. Subtração de fonemas: foram apresentadas aos escolares seis palavras para que retirassem o fonema final; e, em seguida, foram apresentadas seis palavras para que os mesmos retirassem o fonema inicial.

9. Substituição de fonemas: foi apresentada aos escolares uma palavra oralmente e solicitado que os mesmos retirassem o fonema inicial e o substituísse por outro, formando assim uma nova palavra. Em cada sessão, foram fornecidas sete palavras;

10. Transposição de fonemas: foi solicitado aos escolares que falassem os fonemas das palavras em ordem inversa da apresentada, para assim formar novas palavras. Em cada sessão, foram fornecidas seis palavras;

Após o término do treinamento de habilidades fonológicas, os escolares do GI e GII foram submetidos novamente à aplicação do Teste para identificação precoce dos problemas de leitura, a fim de verificar se os sinais da dislexia identificados no GI se extinguiram ou se permaneceram presentes nesta população. Levando em consideração que os escolares do GII não foram submetidos ao programa de treinamento, mas continuaram em situação de aprendizagem escolar, os mesmos foram submetidos a nova aplicação do procedimento de avaliação, justamente para verificar a eficácia do treinamento e da escolarização dos escolares do GI.

Ressalta-se que, em atenção aos aspectos éticos em pesquisa com seres humanos, os escolares de risco para dislexia identificados neste estudo e submetidos ao programa de treinamento, quando finalizado o tempo previsto para o treinamento, foram encaminhados para diagnóstico interdisciplinar e tratamento fonoaudiológico na instituição em que o estudo foi realizado, se as habilidades avaliadas na primeira testagem não tivessem melhorado em situação de pós-testagem.

Para a análise estatística foi utilizado o Teste de Mann-Whitney, com o objetivo de verificar possíveis diferenças entre grupos considerados em situação de pré-testagem, treinamento e pós-testagem. Outro método de análise estatística utilizado foi a aplicação do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, com o objetivo de verificar possíveis diferenças entre os dois momentos, pré e pós-testagem, considerados na avaliação do grupo. O nível de significância adotado para a aplicação dos testes estatísticos foi de 5%. A análise dos dados foi realizada utilizando o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 13.0.

 

RESULTADOS

A Tabela 3 apresenta a distribuição da média, desvio padrão e valor de p do desempenho obtido pelo GI e GII no Teste para identificação precoce dos problemas de leitura em situação de pré e pós-testagem. Comparando-se os dois momentos de avaliação por meio do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, pode-se observar que os escolares do GI submetidos ao programa de treinamento de habilidade fonológicas apresentaram diferenças estatisticamente significantes em todos os subtestes do protocolo, demonstrando que o programa foi eficaz para o domínio de habilidades fonológicas e leitura.

Os escolares do GI submetidos ao treinamento fonológico no protocolo de identificação precoce dos problemas de leitura em situação de pré-testagem obtiveram melhor desempenho apenas nas atividades de segmentação silábica (SS), atenção visual (AV) e compreensão de frases (CF), enquanto que o GII, nessa mesma situação, obteve o melhor desempenho nas atividades de conhecimento do alfabeto (CA), segmentação silábica (SS), produção de palavras a partir do fonema dado (PP), memória de trabalho (MT) e atenção visual (AV).

Na situação de pós-testagem, os escolares do GI obtiveram melhor desempenho em todas as atividades propostas, principalmente no conhecimento do alfabeto (CA), produção de rima (PR), segmentação silábica (SS), produção de palavras a partir do fonema dado (PP) e identificação de som inicial (ISI), enquanto que os escolares do GII mantiveram o desempenho em todas as atividades propostas.

Na Tabela 4, pode-se observar que os escolares do GI em situação de pré-testagem apresentaram menor tempo de nomeação rápida de figuras do que o GII, e que este tempo diminuiu na pós-testagem. Apesar de não haver diferença estatisticamente significante, esse dado demonstra que o programa favoreceu a fusão rápida de estímulos em sucessão, exigida tanto em tarefas de nomeação rápida como em leitura.

Dentre os 19 (100%) escolares submetidos ao programa de treinamento de habilidades fonológicas, apenas 3 (15,8%) continuaram apresentando valor mínimo inferior a 51% em 4 provas do Protocolo para a identificação precoce dos problemas de leitura em relação ao grupo-classe em situação de pós-testagem. Esses escolares foram encaminhados para avaliação interdisciplinar composta por avaliação neurológica e neuropsicológica no Centro de Estudos da Educação e Saúde - CEES/FFC/UNESP, tendo sido constatado o diagnóstico de dislexia em apenas um escolar, os outros dois escolares não compareceram à avaliação. Depois do diagnóstico interdisciplinar, essa criança permaneceu no CEES para início de intervenção fonoaudiológica.

 

DISCUSSÃO

O programa de treinamento de habilidades fonológicas adaptado neste estudo enfocou atenção, discriminação e memória auditiva de forma direta em todas as sessões, proporcionando aos escolares melhor e maior atenção à base fonológica do sistema de escrita da Língua Portuguesa. Assim, tanto os escolares com sinais de dislexia como os escolares sem estes sinais apresentaram melhora nas habilidades fonológicas, apontando para a necessidade de uma reflexão sobre a metodologia de alfabetização utilizada em situação de sala de aula, uma vez que as habilidades de atenção, discriminação e percepção dos sons trabalhados neste programa proporcionaram aumento na sensibilidade e na percepção fonológica, refletindo também na melhora do tempo de realização da leitura. Esses achados foram descritos também por autores internacionais em seus estudos7,8,11,15.

Neste sentido, mostrou-se o quanto essencial são as instruções formais que explicitem as regras de manipulação dos sons da fala na escrita alfabética (relações fonema-grafema) para a aprendizagem da leitura10-16, visto que são condições necessárias que envolvem o diagnóstico da dislexia.

Dentre os 19 escolares considerados de risco para a dislexia, apenas 3 escolares apresentaram desempenho inferior a 51% do valor máximo em pelo menos 4 provas do Teste para identificação precoce dos problemas de leitura em situação de pós-testagem. Sendo assim, 16 escolares apresentaram apenas falhas no processo de alfabetização e não o quadro de dislexia. Esses achados evidenciam que os sinais descritos na literatura nacional e internacional sofrem interferência direta da metodologia de ensino, o que justifica o fato de se utilizar programas de intervenção com base fonológica para identificar e intervir precocemente nos sinais da dislexia e, dessa forma, diminuir o número de encaminhamentos desnecessários para a realização de diagnóstico6,7,10,18.

Apenas um escolar deste estudo que não respondeu ao treinamento fonológico apresentou atraso cognitivo limítrofe em avaliação neuropsicológica, isto nos leva a considerar duas hipóteses, a primeira se refere à importância de levarmos em consideração não apenas a testagem neuropsicológica realizada, que embora seja fundamental, pois a interpretação de seus resultados, o contexto étnico e cultural, o nível educacional e a motivação podem gerar desempenho artificialmente baixo em alguns subtestes, refletindo em um coeficiente intelectual rebaixado, e a segunda, o fato do rebaixamento leve ou limítrofe ser detectado em escolares em idade e seriação mais avançadas, quando o escolar começa a falhar em decorrência de maior exigência de armazenamento e recuperação de memória, resultando em fracasso escolar decorrente do aumento de conteúdo escolar, descrito na literatura18-21.

Desse modo, o treinamento da habilidade fonológica em escolares de risco para a dislexia apresenta-se com instrumento de auxílio ao diagnóstico de uma condição determinada genética e neurologicamente, como a dislexia, uma vez que o fracasso da criança de risco a este tipo de treinamento é um critério diagnóstico para a dislexia, isto ocorreu com apenas uma criança deste estudo, que após não responder ao treinamento proposto foi identificada a dislexia em situação de avaliação interdisciplinar22.

Estes achados apontam para o fato de que quanto menor for a instrução na base fonológica para a aprendizagem da leitura, maior será o risco de os fonoaudiólogos identificarem erroneamente uma criança como sendo disléxica, e na presença do diagnóstico, essa possa receber atendimento precoce por profissionais capacitados.

 

CONCLUSÃO

A realização do programa de treinamento das habilidades fonológicas foi eficaz para os escolares de risco para dislexia, o que foi comprovado pela melhora das habilidades fonológicas e de leitura em situação de pós-testagem em relação à pré-testagem.

A comparação entre os dados de pré e pós-testagem do teste de identificação precoce nos problemas de leitura evidenciou a importância da realização de um trabalho que enfoque as habilidades fonológicas no âmbito educacional, visto que isso auxiliaria os escolares em situação de alfabetização a desenvolverem as habilidades cognitivo-linguísticas necessárias para a aprendizagem da base alfabética do sistema de escrita do português brasileiro.

Portanto, somente por meio dessa instrução formal pode-se garantir que os escolares que não apresentarem aprendizagem do mecanismo de relação letra-som sejam eletivos para o diagnóstico da dislexia e a distinção entre o mau leitor e o leitor disléxico poderia ser finalmente reconhecida entre os profissionais que atuam no diagnóstico e na intervenção dos problemas de aprendizagem.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pela concessão de bolsa de iniciação científica à primeira autora e da bolsa produtividade em pesquisa à segunda autora.

 

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Correspondência:
Simone Aparecida Capellini
Rua Hygino Muzzy Filho, 737
Campus Universitário - Marília, SP, Brasil
CEP: 17525-900
E-mail: sacap@uol.com.br

Artigo recebido: 15/12/2010
Aprovado: 8/2/2011
Fonte de auxílio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista-FFC/UNESP, Marília, SP, Brasil.

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