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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.28 no.86 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação dos cursos de capacitação: "método das boquinhas"

 

Evaluation of training courses: "little mouth method"

 

 

Renata Savastano Ribeiro JardiniI; Lydia Savastano Ribeiro RuizII

IDoutora e Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente na Área de Saúde da Criança e do Adolescente pela UNICAMP; Especialização em Psicopedagogia pela UNICEP, Fonoaudióloga pela EPM
IIDoutora e Mestre em Agronomia na Área de Energia pela UNESP, Campus Botucatu; Especialização em Matemática - Álgebra pela FCL - Avaré; Especialização em Ensino e Ciências e Matemática pela UNESP, Campus Bauru; Licenciatura em Física, Matemática e Química pela UNESP - Campus Bauru

Correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O Método Fonovisuoarticulatório (Método das Boquinhas) utiliza, além das estratégias fônicas (fonema/som) e visuais (grafema/letra), as articulatórias (articulema/Boquinhas). Seu desenvolvimento foi alicerçado na Fonoaudiologia, em parceria com a Pedagogia, indicado para alfabetizar quaisquer crianças, jovens e/ou adultos e reabilitar os distúrbios da leitura e escrita.
OBJETIVOS: Os objetivos do presente trabalho são avaliar os cursos e os multiplicadores do Método, bem como a metodologia em si.
MÉTODO: Foi feita uma análise quantiqualitativa de questionário de múltipla escolha. Participaram 10 multiplicadores, que ministraram 37 cursos para 1668 educadores, em 13 cidades dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, durante o ano de 2010.
CONCLUSÕES: Concluiu-se que o Método das Boquinhas foi aceito pela maioria dos participantes, para ser utilizado em sala de aula para todo tipo de aluno, com ênfase nos que apresentam algum grau de dificuldade, abrindo precedentes para a reflexão sobre o sucesso da inclusão pedagógica, que é a demanda educacional atual, estar relacionado à metodologia adotada. Ainda, concluiu-se que os educadores desse estudo vêem a necessidade e a urgência de uma proposta de natureza fonológica e articulatória, com bases oralistas, para a melhoria da educação brasileira, inclusive, enfatizando a necessidade de capacitações continuadas, que se iniciem na grade curricular da formação de docentes alfabetizadores. Como finalização, a totalidade dos entrevistados ficou satisfeita com a atuação/forma de trabalho dos multiplicadores, constatando se tratar de um trabalho já aprovado como Tecnologia Educacional pelo MEC. Esse trabalho reforça a necessária aliança entre a Fonoaudiologia e Pedagogia, para o melhor desempenho de alunos e docentes.

Unitermos: Aprendizagem. Educação. Fonoaudiologia.


SUMMARY

INTRODUCTION: Besides using phonic (phoneme/sound) and visual (grapheme/letter) strategies, the Phono-visual-articulatory Method (the "Little Mouth Method") also makes use of articulatory (articuleme/little mouth) strategies. Its development was based on Speech Therapy and also on Pedagogy, recommended for teaching any types of kids, youngsters and/or adults how to read and write and to rehabilitate their reading and writing disorders.
OBJECTIVE: This study aims to evaluate the courses and the multiplier agents of the method, as well as the methodology itself.
METHODS: A quantitative and qualitative analysis of the multiple choice questionnaire was carried out. The study had the participation of 10 multiplier agents who delivered 37 courses to 1668 educators in 13 cities in the stages of Paraná and Rio Grande do Sul in the year 2010.
CONCLUSIONS: It was concluded that the "Little Mouth Method" was accepted by most participants to be used in the classroom with all types of students, especially with the ones who have some degree of difficulty, making educators and parents give serious thoughts over the success of inclusive education, the current educational demand and its relation to the methodology adopted. Moreover, it was concluded that educators involved in this study feel there is a need and urgency for a phonologic and articulatory proposal, with oralistic basis, to improve the Brazilian education system, with emphasis on the need to develop continued qualification courses that might be included in the curriculum guidelines for the education of leaning and writing teachers. Finally, all respondents to the study were satisfied with the performance of the multiplier agents and the way they handled the project, knowing that this work is already approved by the MEC (Ministry of Education) as Educational Technology. This study strengthens the necessary cooperation between Speech Therapy and Pedagogy for better performance of students and educators.

Key words: Learning. Education. Speech and language sciences.


 

 

INTRODUÇÃO

Defende-se a construção do conhecimento a partir do incentivo à pesquisa como o modo de promover o desenvolvimento humano de forma sustentada. Para tanto, a capacidade de aprender a aprender e saber pensar são habilidades vitais para o cidadão e trabalhador moderno1. Na trilha de uma reconfiguração ética do trabalho docente, e a despeito da imagem quase caótica que parece acompanhar as representações que hoje se têm da educação brasileira, a palavra de ordem para a cidadania do novo século é uma só: escolaridade com qualidade2. Acredita-se, no trabalho aqui apresentado, no desenvolvimento humano docente, sustentável, pautado na escolaridade consciente, que tem em si atrelada a avaliação como reflexão transformadora em ação3.

Pratica-se que avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória, nem seletiva, ao contrário, é diagnóstica e inclusiva4.

O Método Fonovisuoarticulatório, carinhosamente apelidado de Método das Boquinhas, utiliza-se, além das estratégias fônicas (fonema/som) e visuais (grafema/letra), as articulatórias (articulema/Boquinhas). Seu desenvolvimento foi alicerçado na Fonoaudiologia, em parceria com a Pedagogia, que o sustenta, sendo indicado para alfabetizar quaisquer crianças e reabilitar os distúrbios da leitura e escrita5. Parte das reflexões deste método foi proporcionada pelo contato com o "Programa de Mejoramiento de la Calidad y Equidad de la Educación" (MECE) - "Programa das 900 Escolas", desenvolvido no Chile desde 1990, indicado pela UNESCO e estendido a outros países6. Sua fundamentação encontra-se também nos estudos de diversos autores7-11, entre outros, cujas ideias são resumidas numa percepção holística frente à alfabetização, tendo a visão da linguagem como ponto focal da aprendizagem.

O ponto de partida do ser humano na aquisição de conhecimento reside na boca, que produz sons - fonemas, que são transformados em fala, meio de comunicação inerente ao ser humano. Para aquisição da leitura e escrita é necessário que os fonemas sejam decodificados/codificados em letras (grafemas), como é feito no processo fônico, trabalhando diretamente nas habilidades de análise fonológicas12 e consciência fonológica e fonêmica13,14 fator primordial e sine qua non no processo de alfabetização15,16. Esse processo, bastante abstrato, deve ser favorecido por meio de intervenção pedagógica, mas por vezes torna-se incompreensível e dificultoso para alguns alunos.

Assim, acrescentaram-se os pontos de articulação de cada letra ao ser pronunciada isoladamente (articulemas, ou boquinhas), baseados nos princípios da Fonologia Articulatória - FAR, que preconiza a unidade fonético-fonológica, por excelência, o gesto articulatório17-19, favorecendo a compreensão do processo de decodificação, por mecanismos concretos e sinestésicos, isto é, com bases sensoriais. Desta forma, a aquisição da leitura e escrita passaria a ser acessível a quaisquer tipos de aprendizes, de maneira simples e segura, pois bastaria uma única ferramenta de trabalho - a boca. Essa metodologia foi consagrada em oito livros sobre o tema, além de materiais, jogos, DVDs e banners de apoio para seu desenvolvimento e aplicabilidade, tanto em salas de aula, como clínicas.

Como consequência, começaram a ser ministrados pela idealizadora de Boquinhas, os diversos cursos de capacitação de educadores e profissionais ligados à alfabetização e à intervenção da leitura e escrita, em centenas de cidades pertencentes a dezenas de estados brasileiros. Com a aprovação de Boquinhas como Tecnologia Educacional pelo MEC (DOU/2009), houve aumento da demanda por cursos de capacitação e a necessidade de adequar-se a oferta de trabalho de maneira organizada, sistemática e sem o risco de equívocos no conteúdo e desvios da informação. Assim, passou-se a formar multiplicadores de Boquinhas, supervisionados e treinados pela autora, para capacitar educadores, mantendo a proposta metodológica assegurada em sua origem.

A proposta de oferecer a Capacitação de Boquinhas por meio de multiplicadores tem a intenção de facilitar o acesso desses profissionais às instituições, minimizar os gastos com deslocamentos e aumentar a atenção e supervisão da implantação e implementação do método, estando o profissional mais perto da instituição. A autora do Método das Boquinhas é corresponsável pelo trabalho desenvolvido pelos multiplicadores e solicita às instituições uma avaliação de desempenho do profissional referente ao curso ministrado, avaliação esta objeto deste trabalho. Pois se acredita que não se pode questionar sem ser questionado, não se pode arrumar consciência crítica sem tê-la, não se pode avaliar sem ser avaliado. Quer dizer, a coerência da crítica está na autocrítica1. Assim, os objetivos desse trabalho pautam-se em avaliar os cursos e os multiplicadores, além da metodologia em si.

 

MÉTODO

Foi elaborado um questionário composto de dez questões, cada uma com quatro alternativas. Foram escolhidas alternativas que propiciassem interpretação quantiqualitativa das respostas.

Participaram dez multiplicadores, qualificados, treinados e supervisionados pela autora, que ministraram cursos em 37 encontros de oito horas cada, durante o ano de 2010. A carga horária de cada curso variou desde um dia de atividades de oito horas até vários dias não consecutivos, totalizando 40 horas de capacitação, incluindo assessoria aos professores para a implantação do método nas escolas envolvidas. Os multiplicadores possuíam, na época em que os cursos foram ministrados, tempo de prática na vivência do método como palestrantes variando de oito a 18 meses.

Participaram desta avaliação 13 cidades, em dois estados brasileiros, Paraná e Rio Grande do Sul, totalizando 1668 profissionais que, após terem participado do curso de capacitação com os multiplicadores, se dispuseram a responder individualmente o questionário. Embora não tabulados estatisticamente, a grande maioria dos profissionais era composta de educadores e/ou supervisores da rede pública de ensino, lotados no ensino fundamental e educação infantil. Dentre eles haviam alguns profissionais também qualificados na área clínica, além de docentes.

Os dados foram tabulados e analisados em dois pilares, visando atingir aos objetivos da presente pesquisa:

a) atuação/capacitação do multiplicador;

b) utilização/eficiência do Método das Boquinhas.

 

RESULTADOS

No primeiro pilar avaliado, a pergunta de número 1 indagou sobre a forma de trabalho do multiplicador e obteve 1171 (70,2%) respostas para interessante, 497 (29,8%) para prazerosa e nenhuma (0%) para as alternativas desmotivante e complicada. A pergunta de número 2 investigou a atuação do multiplicador com os alunos, obtendo 968 (58%) para atencioso, 770 (42%) para motivador e nenhuma (0%) para as alternativas distante e inseguro. Ainda nesse pilar, a terceira pergunta, ilustrada na Figura 1, avalia a atuação do multiplicador frente ao conteúdo abordado.

 

 

Nas questões seguintes, avaliou-se o método em si, sendo a de número 4 referente à opinião sobre o Método, ilustrada na Figura 2.

 

 

Na questão de número 5, avaliou-se como os alunos aceitariam o método, obtendo os dados ilustrados na Figura 3.

 

 

Na questão de número 6, avaliou-se a visão do educador para se utilizar Boquinhas como uma ferramenta de trabalho, ou seja, inserida dentro de sua prática pedagógica vigente. Obteve-se 1121 (67,2%) respostas que Boquinhas é compatível com qualquer metodologia utilizada, bastando ser adaptada ao material pedagógico já usado na escola. Ainda, 405 (24,2%) acreditam que a metodologia possa ser usada em qualquer disciplina e conteúdo acadêmico, independentemente do material, enquanto que 112 (6,7%) assinalaram como resposta que a metodologia só seria viável se usada com os livros Boquinhas e ainda outros 30 (1,7%) responderam que a metodologia somente deveria ser usada na disciplina de Língua Portuguesa.

Na questão de número 7, apenas 1321 (79,1%) questionários foram respondidos e investigou-se como o educador acredita que a metodologia possa ser utilizada, em relação ao tipo de clientela e forma de aplicação. Obteve-se 852 (64,5%) respostas para todas as crianças juntas, priorizando as que apresentam mais dificuldade, 421 (31,9%) indiscriminadamente para qualquer tipo de aluno, todos juntos, 48 (3,6%) isoladamente, apenas com os alunos com distúrbios e nenhuma (0%) somente para os alunos que apresentam distúrbios, estando dentro da sala.

Na questão de número 8, apenas 1608 (96,4%) questionários foram respondidos e avaliou-se os cursos de capacitação em Boquinhas, e as respostas foram ilustradas na Figura 4.

 

 

Na questão de número 9, apenas 1642 (98,4%) questionários foram respondidos e avaliou-se a recomendação do uso da metodologia para outros educadores, obtendo-se os resultados de 861 (52,4%) para recomendaria fortemente, 495 (30,2%) para depende do tipo de educador, 231 (14,1%) depende do tipo de alunos e 55 (3,3%) não recomendariam.

A questão de número 10 era específica para a justificativa dos educadores que não acreditaram na metodologia e 1624 (97,4%) dos entrevistados deixaram de responder a essa questão, ou seja, foi respondida apenas por 44 entrevistados. Dos que responderam, obteve-se 5 (11,3%) para dificuldade de ser compreendida pelos alunos, 38 (86,3%) para dificuldade para ser aplicada, nenhuma (0%) resposta para incompatibilidade com a proposta educacional de escola e 2 (4,5%) por ser contrária à proposta pessoal educacional.

 

DISCUSSÃO

A opção por questionários de múltipla escolha teve a intenção de facilitar o seu preenchimento, pela agilidade da resposta e não exposição do educador. A escolha de palavras aparentemente de conteúdo semelhante deveu-se ao fato da possibilidade de se analisar o verbete em seus aspectos semânticos, mesmo que subliminarmente, pois durante o preenchimento, esse fato deve ter sido pouco consciente pelos profissionais participantes.

Optou-se por quatro alternativas, com duas palavras de caráter positivo, uma que suscitasse apelo emocional e outra, apelo intelectual, o mesmo acontecendo com as duas palavras de caráter negativo. Essa abordagem forneceria dados qualitativos relativos à aceitação/recusa do profissional e/ou metodologia, por aspectos emocionais e/ou intelectuais, fornecendo informações preciosas no tocante à continuidade do trabalho e possíveis reestruturações, sendo um feedback de excelente qualidade. Ainda, propositalmente, a ordem entre o caráter positivo e negativo das alternativas não foi mantida a mesma durante todo o questionário, a fim de se evitar respostas mecânicas ou uma irrefletida leitura.

As palavras escolhidas de apelo emocional atrelado à resposta foram: prazerosa, motivador e confiante. As demais palavras: interessante, atencioso e seguro suscitaram apelo intelectual, posto que se reportavam a conceitos relativos à aprendizagem em si e não apenas a sensações durante o trabalho.

A discussão apresentada a seguir foi baseada nos dois pilares acima citados, iniciando-se com o primeiro: atuação/capacitação do multiplicador.

Em relação à forma de trabalho do multiplicador (questão 1), a resposta interessante superou a resposta prazerosa, indicando que o profissional usou mais de recursos convincentes para produzir interesse, que se reporta à aprendizagem em si do que estratégias para suscitar prazer, que poderia ser encarado como momentâneo. Não houve respostas de aspectos negativos. Por estes dados, infere-se que a forma de trabalho eleita esteja de acordo com os objetivos almejados, ou seja, aprendizagem consciente.

Sobre a atuação do multiplicador com os profissionais (questão 2), as respostas para atencioso superaram motivador, indicando, embora com pouca margem de diferença, que o profissional recrutou por sua apresentação mais atenção, sugestiva de conceitos neuropsicológicos, do que motivação, atrelada aos aspectos socioemocionais. Não houve respostas de aspectos negativos. Acredita-se que, nesse caso, é fundamental que a atuação do palestrante contenha certa dose de empatia, além de assertividade, possibilitando aos educadores a aprendizagem gradual e voluntária, sem estresse e/ou alto nível de desgaste. Também aqui se infere que o trabalho do multiplicador esteja de acordo com os objetivos almejados, possibilitando ganhos a ambos, profissionais e palestrante.

Analisando a atuação do multiplicador em relação ao conteúdo abordado (questão 3), um pouco mais que a metade dos entrevistados avaliou como seguro, ou seja, que domina intelectualmente o assunto, enquanto outros avaliaram como confiante, ou seja, que apenas confia no que está apresentando. Não houve respostas de aspectos negativos. Novamente, viu-se a presença de aspectos positivos na escolha predominante pela resposta que denota conhecimento assimilado, portanto, com chances de repassá-lo seguramente. Ainda pode-se inferir que a palavra seguro esteja atrelada à experiência pessoal sobre o assunto, o que vem corroborar com a formação oferecida aos multiplicadores.

Analisando-se o segundo pilar: utilização/eficiência do Método das Boquinhas, na opinião sobre o Método (questão 4), novamente observa-se o caráter intelectivo presente na resposta interessante, com grande número de escolha, que desperta interesse e possíveis chances de aprendizagem, frente a algumas respostas na alternativa prazeroso, que se remete ao caráter emocional frente ao Método. Ainda houve um mínimo de educadores que o avaliou como difícil. Não houve resposta para não compreensão. Destaca-se aqui a forte aceitação em relação à metodologia proposta que, embora inovadora, tem ganhado adeptos e bons resultados, confirmados pelos inúmeros feedbacks oferecidos pós-capacitações e adoção da metodologia em caráter municipal. Esta questão nos remete à assimilação do novo, que embora traga conflito e desequilíbrio, é necessária para que se torne aprendizagem. Segundo Piaget, assimilar é atribuir significado à experiência, enquanto que acomodar é fazer o novo conhecimento fazer parte do ser, o que vimos pelos comentários recebidos de educadores ávidos em usar a metodologia tão logo finalizasse a capacitação.

Sobre a possível recepção dos alunos em relação ao Método (questão 5), um pouco menos da metade dos entrevistados avalia como facilmente, a maioria como prazerosamente e um mínimo de respostas como dificilmente. Não houve respostas para não aceitarão. Nessa pergunta vemos que o educador avalia que seus alunos usarão mais características emocionais (prazerosamente) do que racionais (facilmente) para assimilar o trabalho proposto. Acredita-se que esse dado deve-se ao fato de serem crianças em fase de aquisição, o que naturalmente estaria relacionado à aprendizagem lúdica. Essa constatação também colabora para que a aplicação da metodologia se torne mais eficaz, uma vez que o educador sente-se seguro ao oferecer algo que atinja às expectativas infantis, ou seja, brincar e aprender ao mesmo tempo. Já a pequena porcentagem que o relatam como difícil para a criança (assimilação do novo, como discutido anteriormente) nos remete à reflexão de que, por vezes, a técnica oferecida em um curso de capacitação de apenas oito ou 16 horas não seja suficiente para que o educador sinta total segurança em repassá-la com facilidade aos alunos. Fato esse que será mais bem abordado na discussão da questão de número oito.

Avaliando o Método das Boquinhas como uma ferramenta de trabalho (questão 6), ou seja, seu uso como um recurso a mais, dentro da prática pedagógica já utilizada pela escola, um pouco mais que a metade julga que Boquinhas é compatível com qualquer metodologia, desde que adaptada ao material pedagógico da escola. Já outros, bem menos que a metade, acreditam que Boquinhas pode ser extensivo a todas as disciplinas e conteúdos acadêmicos, enquanto que um mínimo dos entrevistados encara a metodologia somente no contexto de Língua Portuguesa e outros a sinalizam ser utilizada somente com os livros Boquinhas. Infere-se aqui que o uso da metodologia está em consonância com o idealizado pelas autoras, ou seja, um trabalho integrado aos conteúdos e recursos já disponíveis pela escola e pelos educadores, não se desfazendo nunca de sua bagagem anterior, descartando-a, para apenas trocá-la por algo novo. Acredita-se que o ser que aprende, seja ele educador e/ou aluno, traga consigo sua visão sócio-cultural-histórica de desenvolvimento permanente, inserindo a aprendizagem em sua vida. Os livros da metodologia são e devem ser utilizados como apoio e parte do processo. Gradativamente, os materiais autênticos disponíveis passarão a fazer parte dos livros didáticos adotados pelas escolas, uma vez que atendem às necessidades de uma alfabetização segura, que está sendo aplicada.

Na análise do tipo de clientela e forma de aplicação (questão 7), obteve-se um pouco menos que a metade de respostas favoráveis a assertiva de uso da mesma metodologia para toda a classe junta, e mais da metade de aceitabilidade da metodologia como inclusão, mas com prioridade aos que apresentam mais dificuldade, enquanto que um mínimo de educadores acredita que o uso de Boquinhas deva se restringir somente aos alunos com algum distúrbio e, ainda, separados do grupo. Não houve resposta para a alternativa de uso isolado e separado da turma. Discute-se aqui a aceitação do educador para com a demanda atual de que todo aluno deve aprender junto com os demais, isto é, a inclusão total, social e pedagógica. Pela soma das respostas, temos a quase totalidade favorável à inclusão, o que vem abrir precedentes de reflexão sobre a eficiência de a metodologia ser a responsável pela aceitação das diretrizes educacionais atuais, o que contradiz a visão de resistência ou preconceito dos educadores frente à inclusão. Acredita-se que esse seja um dos fortes ganhos apresentados pela metodologia, que foi demonstrado por essa análise. Na discussão da questão seguinte, esse assunto será retomado.

Quanto à avaliação dos cursos de capacitação que acabaram de participar (questão 8), um pouco menos da metade o considerou como eficaz e suficiente para a utilização imediata da metodologia, todavia quase a metade sentiu a falta da educação continuada, com assessoria e supervisão ao educador. Entretanto, outros detectaram a necessidade dessa formação iniciar ainda na graduação como formação dos docentes. Esses dados são fundamentais para a reflexão de que o educador tem interesse e vontade de se qualificar melhor e mais adequadamente para atender às necessidades atuais das crianças, principalmente referentes à aprendizagem e seus resultados. O fato de solicitarem mais aprofundamento e estudo em relação à metodologia proposta, inclusive iniciados na graduação, é forte indicativo da aceitabilidade e abertura para novos conhecimentos, como a aliança entre conceitos fonológicos e aquisição da leitura e escrita. Esses dados já foram elucidados em inúmeras pesquisas atuais sobre o tema5,13,14,16,20,21, e devem ser motivo de reflexão para as capacitações e projetos educacionais.

Referindo-se à recomendação do uso do Método das Boquinhas para outros educadores (questão 9), um pouco mais que a metade o recomenda fortemente, enquanto que outros são reticentes em afirmar que depende do tipo de educador, e outros na dependência do tipo de alunos. Essa discussão passa pela constatação que o educador é consciente de que mudanças metodológicas requerem mudanças pessoais, pois nada que se refere à educação é apenas realizado em sala de aula. Adotar Boquinhas significaria pensar a alfabetização partindo de pressupostos oralistas e fonológicos, o que vem em oposição ao forte paradigma de que "aprende-se copiando da lousa". Aqui, vê-se, com clareza, a consciência de que a mudança proposta é trabalhosa e requer estudo e prática, embora seja desejosa e aceita. Novamente abrem-se precedentes para que a formação dos docentes em relação à alfabetização requeira conteúdos diversos, analisados e refletidos, como a relação fonológica e articulatória intrínseca envolvida na conversão fonema/grafema. Pois de nada adianta oferecer-se práticas construtivistas aos alunos, quando educadores não o são.

Finalizando, foram avaliados os motivos pelos quais os educadores possam não ter acreditado na proposta como metodologia de alfabetização (questão 10). No entanto, um mínimo de educadores respondeu essa questão, com escore maior por ser de difícil aplicabilidade. Desta forma, a análise voltou-se aos participantes que não responderam à questão, ou seja, os que acreditaram na proposta como metodologia de alfabetização, que foi quase a totalidade dos entrevistados.

 

CONCLUSÃO

De acordo com os dados analisados pelos 1668 entrevistados, em dois estados brasileiros, concluiu-se que o Método das Boquinhas, multissensorial, de ênfase fonovisuoarticulatória, indicado para alfabetizar e intervir nas alterações de leitura/escrita foi aceito pela maioria dos participantes dos cursos de capacitação oferecidos pelos multiplicadores do referido método. Ainda, abrindo precedentes para a reflexão sobre o sucesso da inclusão pedagógica, demanda educacional atual, estar relacionado à metodologia adotada, a quase totalidade dos entrevistados afirma que a metodologia proposta possa ser utilizada em sala de aula para todo tipo de aluno, com ênfase nos que apresentam algum grau de dificuldade.

Obteve-se que quase a totalidade dos entrevistados aceita a metodologia, no entanto, a metade desses refere que o uso da mesma depende do tipo de educador e tipo de aluno, abrindo precedentes para a análise do "novo" frente aos paradigmas educacionais vigentes. Ainda, concluiu-se que os educadores vêem a necessidade e urgência de uma proposta de natureza fonológica e articulatória, com bases oralistas, para a melhoria da educação brasileira, inclusive, enfatizando a necessidade de capacitações continuadas, que se iniciem na grade curricular da formação de docentes. Esse trabalho reforça a necessária aliança entre as duas ciências Fonoaudiologia e Pedagogia, para o melhor desempenho de alunos e docentes.

Como finalização, a totalidade dos educadores entrevistados ficou satisfeita com a atuação e forma de trabalho recebida na capacitação oferecida pelos multiplicadores de Boquinhas, constatando se tratar de um trabalho já aprovado como Tecnologia Educacional pelo MEC (DOU 2009), que tem perfeitas condições de ser repassado às instituições interessadas.

 

AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são para os multiplicadores que participaram da coleta de dados no ano 2010, assim como as Secretarias Municipais de Educação das cidades participantes, que ofereceram a capacitação aos seus profissionais nesse ano: Alessandra A. Baquete da Cunha - Ivaiporã/PR, Roncador/PR; Andressa Alves Fernandes Gonçalves - Nova Esperança/PR; Cristiane Muller - Imbé/RS; Cristina Ossig da Luz - Imbé/RS; Danielle Peres Toigo - Caxias do Sul/RS; Jeanine C. Elgersma - Senges/PR; Mayumi Yabe Terao - Ivaiporã/PR; Patrícia Hoffmeister de Almeida - Viamão/RS, Passo Fundo/RS; Rosana Alves de Liz - Conselheiro Mairink/PR; Suélia Pinheiro de Oliveira - Mariluz/PR, Iguaraçu/PR, Paranaguá/PR, Santa Izabel do Oeste/PR.

 

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Correspondência:
Renata Savastano Ribeiro Jardini
Av. Prof. Antonio Felippe da Rocha, 195 - Camboinhas
Niterói, RJ, Brasil
CEP 24358-711
E-mail: rsjardini@terra.com.br

Artigo recebido: 30/4/2011
Aprovado: 26/7/2011

 

 

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

 

 


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