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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.88 São Paulo  2012

 

ARTIGO ESPECIAL

 

A prática em evidência

 

The practice in evidence

 

 

Andréa Carla MachadoI; Suzelei Faria BelloII

IPedagoga, Psicopedagoga, Mestre e Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); membro do Grupo de Pesquisa "Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade" da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (FFC-UNESP - Marília-SP); Bolsista FAPESP, São Carlos, SP, Brasil
IIFonoaudióloga, Mestre e Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Bolsista CNPq, São Carlos, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Unitermos: Leitura. Pré-escolar. Linguagem.


Keywords: Reading. Child, preschool. Language.


 

 

INTRODUÇÃO

Considerando a linguagem como componente basal que canaliza grande parte do desenvolvimento humano, é um grande desafio refletir sobre práticas educacionais que favoreçam o desenvolvimento da linguagem. Assim, esse texto tem como objetivo apresentar algumas práticas que podem ser desenvolvidas tanto em sala de aula pelo professor, bem como pelo profissional fonoaudiólogo ou psicopedagogo, cuja função das mesmas é de associar a prática ao complexo campo teórico que permeia os conceitos sobre a linguagem.

Sabe-se que a realidade do contexto escolar tem revelado números crescentes de crianças com transtorno de aprendizagem e muitas outras dificuldades, no entanto, percebe-se que existem lacunas em associar a teoria à prática, para então monitorar as atividades e por elas ter a possibilidade de maximizar as potencialidades de cada aluno.

Sendo assim, o processo de compreensão das atividades perpassa pela importância da atenção, memória, resolução de problemas, interações comunicativas, consciência fonológica, percepção e construção da leitura e escrita, eventos fundamentais para a aprendizagem e o desenvolvimento de conteúdos na sala de aula.

Cada sugestão de atividade apresentada no presente texto foi planejada para que ocorra a interação entre o professor-aluno em ambiente construtivo, a fim de enfatizar o processo de ensino-aprendizagem. Espera-se que as estratégias, referentes às atividades descritas, possam auxiliar como campo norteador, pois ao utilizá-las em sala de aula, por certo, o professor poderá encontrar caminhos facilitadores e, muitas vezes, adaptar as atividades em função das suas necessidades destacadas nos seus alunos, bem como poderá também auxiliar na reflexão e na construção do planejamento de aula.

 

O CAMINHO TEÓRICO A SEGUIR

Sabe-se que a disfunção envolvida nas crianças com transtorno de aprendizagem intervém nos níveis de processamento da informação, envolvendo processos fundamentais como cognitivo, auditivo, visual, linguístico e integrativo1.

A linguagem consiste em uma função superior do cérebro, cujo desenvolvimento ampara desde a estrutura anatomo-funcional, geneticamente, determinada, até o estímulo verbal que o meio oferece. O processo de aquisição da linguagem oral, assim como da aquisição da leitura e da escrita submerge de uma complexa rede neural e diversas áreas cerebrais, envolvendo uma interação entre as áreas. Resumidamente, na região occipital, o córtex visual processa o estímulo visual gráfico e as áreas do lobo parietal processam a noção viso-espacial da grafia. Assim, essas informações são direcionadas à área de Werneck, responsável por compreender a linguagem oral e escrita, que ativa a área de Broca. Já na região frontal do cérebro ocorre o planejamento, organização e execução do movimento, além do envolvimento de outras áreas para uma resposta motora2,3.

Com relação ao envolvimento dos estímulos auditivos, esses são processados e analisados no lobo temporal, também na área de Werneck. Já os componentes sintáticos que remetem a compreensão do tema, de modo geral, são processados no lobo frontal, assim atinge o nível léxico-semântico e a resposta obtida remete a entrada do estímulo sonoro4.

Partindo desse pressuposto, e na tentativa de caminhar para uma interação entre saúde e educação, destaca-se o complexo fenômeno biológico e ambiental, além da importância da integridade motora, sensorial e socioemocional no favorecimento do processo da aprendizagem da leitura e da escrita5.

Visto isso, é notório que a linguagem compreende cinco sistemas lingüísticos, sendo eles a pragmática (utilização adequada da linguagem em determinado contexto), a semântica (o significado), o sintático (como os termos são organizados), a morfologia (estrutura dos vocábulos) e o fonológico (estrutura sonora). Para aprender a decodificar a leitura, o sujeito precisa encontrar no subsistema fonológico o entendimento de que a percepção das palavras faladas pode ser fracionada em unidades menores da fala: fonema, ensinando como as letras escritas são formadas por sons6.

Desse modo, Zorzi7 também ressalta que "pensar as palavras, não só do ponto de vista de sua estrutura acústica, mas também a partir de um referencial visual, considerando a forma gráfica que as palavras têm, ou seja, a convenção", é um dispositivo complexo e amplo, que precisa estar envolvido no decorrer do dia-a-dia educacional por meio de atividades facilitadoras.

Portanto, observa-se a importância das vias sensoriais para o processo de desenvolvimento e aquisição da leitura e da escrita, pois em consonância diversas pesquisas relatam que a consciência fonológica está relacionada ao êxito na aquisição da leitura e da escrita8,9. Compreender os aspectos fonológicos vai além da acuidade auditiva, no entanto, sem essa atividade de percepção, compreensão e reflexão sobre os aspectos fonológicos da língua e a consciência do som, o caminho acaba sendo dificultado para aprendizagem da leitura e da escrita, consequentemente.

Autores como Share10, Capovilla & Capovilla11 e Adams et al.12 definem a consciência fonológica como uma habilidade de manipular a fala, substituindo ou segmentando em unidades menores (palavras, sílabas e fonemas), pois envolvem todos os tipos de consciência dos sons que compõem uma língua. Essa habilidade metalinguística pode ser estimulada por meio de diversas formas lúdicas, tais como as músicas e os jogos.

Pesquisas apontam para formas de estimular a consciência fonológica, essas investigaram as relações entre habilidades de processamento auditivo e de consciência fonológica em crianças de cinco anos de idade com e sem experiência musical13. Para tanto, utilizaram diversos instrumentos, entre eles: memória sequencial verbal, memória sequencial não-verbal, identificação de rimas, sintaxe e exclusão de fonemas, percebeu-se que a experiência musical propicia o aprimoramento de habilidades auditivas e metalinguagem.

Santos & Maluf14 realizaram uma pesquisa objetivando verificar a eficácia de um programa de intervenção baseado no desenvolvimento das habilidades metalinguísticas, envolvendo músicas, brincadeiras e jogos. Observaram que trabalhar as habilidades metalinguísticas favorece o processo de aquisição da leitura e da escrita.

Pimenta & Ghedin15 caracterizaram o desempenho de escolares com transtorno fonológico em tarefas que favoreçam a metalinguagem, identificação, produção e segmentação de rimas, observando que os sujeitos com transtornos fonológicos apresentam dificuldades, principalmente, em tarefas de identificação e de produção dos sons.

 

A CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA

O processo de ensino e aprendizagem apresenta-se como um trabalho conjunto entre professor e aluno, perante o qual o professor precisa relacionar e refletir sobre a dicotomia entre a teoria e a prática de maneira frequente e intensa, para potencializar de forma significativa, e atender às diversas habilidades do aluno e às várias demandas do conteúdo curricular.

A prática docente se constitui por múltiplas linguagens determinadas pelas circunstâncias históricas, sociais e culturais. Assim, de acordo com Demo16, a teoria não se materializa sem a prática, em contrapartida, a prática sem o embasamento teórico também não responde às transformações necessárias do processo de ensino-aprendizagem, portanto, a teoria e a prática são indissociáveis.

De acordo com Demo16, é necessário saber pensar para saber intervir, e pensar não é uma lógica linear, é um exercício constante de (re)construir e (re)formular ações que atendam a uma necessidade. Pensar, para esse autor, é atividade eminentemente mental e intervir é atividade eminentemente prática, mas ambas se interrelacionam e fazem com que a prática se potencialize em beneficio a um aprendizado construtivo.

Nessa direção, para trabalhar as atividades, principalmente as de consciência fonológica17, é importante que os profissionais conheçam a estrutura da nossa língua, principalmente os aspectos fonéticos fonológicos, por considerar que existe uma progressão de trabalho desde os pré-requisitos atencionais até as propostas mais elaboradas de leitura e escrita. Dessa forma, compreender como os fonemas são articulados e esses sons representados no sistema de escrita alfabética irá contribuir para melhor aproveitamento e desdobramento das estratégias12,17.

As atividades foram baseadas em Adams et al.12 e Almeida & Duarte18, por considerar que ocorre uma interlocução entre a teoria e o processo de atuação no cotidiano educacional relacionado com a prática.

Assim, as atividades enfocadas nesse texto seguem a importância de se trabalhar a consciência fonológica no contexto escolar para a aquisição do processo de leitura e escrita. Entendendo que a consciência fonológica inclui diversas habilidades, as atividades se desenvolvem desde os aspectos atencionais até as habilidades de reconhecimento de palavra, incluindo a utilização de rimas e aliterações.

 

SUGESTÕES DE ATIVIDADES

Atividade de audibilização

Atividade 1

Objetivo: possibilitar o trabalho com a atenção e a memória auditiva, praticando a escuta de sons específicos.

Atividade: oferecer sons por categorias semânticas (sons de animais, meios de transporte, sons do corpo humano, sons de instrumentos musicais).

  1. Oferecer o som isolado e solicitar a nomeação do som;
  2. Oferecer o som associado - figura e fundo, solicitar que descubra o maior número de sons, podendo iniciar com dois sons e aumentar a complexidade.

Atividade de visualização

Atividade 1

Objetivo: discriminação de palavras e ou figuras

Material: utilizar figuras ou figuras e palavras

 

 

Linguagem oral - descrições

Atividade 1

Objetivo: evocar fatos e acontecimentos do cotidiano.

Material: solicitar a descrição verbal de ações que são realizadas ao acordar, ou a rotina do dia, ou como se realiza uma compra no supermercado.

Consciência fonológica

Da palavra

Atividade 1

Objetivo: observar que as palavras rimam.

Material: oferecer uma palavra ou figura e solicitar que as crianças digam com que outras palavras ou figuras rima.

 

 

Da sílaba

Atividade 1

Objetivo: reconhecer a quantidade de sílabas que há numa palavra.

Material: diga ou aponte figuras e a criança bate palmas para contar a quantidade de sílabas, podem ser utilizados nomes de pessoas da sala, da família, de animais, brinquedos e o que for de mais significativo para o contexto.

Do fonema

Atividade 1

Objetivo: reconhecer os fonemas.

Material: ofereça várias figuras à criança e solicite:

 

 

  1. Que conte os fonemas
  2. Poderá fazer uma lista de palavras que as crianças gostem e então solicitar que descubram quais os fonemas das palavras. Ex: "pé", "piano", "boneca", "morango".
  3. O adulto fala um fonema e a criança descobre e fala uma palavra que começa ou termina com o fonema. Ex: /s/.... sino; /l/...mula
  4. Adição ou subtração de fonemas - oferecer tampa de garrafa ou outro material e solicitar que ela coloque na mesa a quantidade de fonemas para a palavra solicitada, depois retira-se um fonema e solicita-se novamente a quantidade. Ex:
  5. Foca -

 

 

Retira-se o fonema /f/ oca

 

 

Rima

Pode-se utilizar textos do folclore brasileiro, músicas e delas extrair as atividades.

Atividade 1

Objetivo: discriminar a terminação de palavras semelhantes.

Material: utilizar figuras e espalhá-las pela sala ou mesa, confeccionar cartões com diversos nomes e que serão retirados de uma caixa e a criança deverá associar as palavras que rimam à figura, relembrando que a rima é a semelhança nos finais das palavras.

 

 

REFERÊNCIAS

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5. Capelini SA, Gonçalves BAG. Desempenho de escolares de 1ª série na bateria de identificação de erros de reversão e inversão na escrita: estudo preliminar. Rev CEFAC. 2010; 12(6):998-1008.         [ Links ]

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18. Almeida CE, Duarte PM. Consciência fonológica: atividades práticas. Rio de Janeiro: Revinter; 2003.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Andréa Carla Machado
Rua Rui Barbosa, 416 - Centro
Neves Paulista, SP, Brasil - CEP 15120-000
E-mail: decamachado@gmail.com

Artigo recebido: 23/11/2011
Aprovado: 5/3/2012

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil.