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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.88 São Paulo  2012

 

PONTO DE VISTA

 

A interface do cotidiano escolar na perspectiva da educação inclusiva: possibilidades de intervenção psicopedagógica

 

The interface of school routine from the perspective of inclusive education: psychopedagogical intervention possibilities

 

 

Fabiani Ortiz Portella

Pedagoga, Orientadora Educacional, Especialista em Psicopedagogia Clínica, Mestre em Educação, Professora Universitária, Organizadora de livros na área da Psicopedagogia, Conselheira da ABPp Nacional

Endereço para correspondência

 

 

"Trate as pessoas como se elas fossem o que poderiam ser e você as ajudará a se tornarem aquilo que são capazes de ser." [Goethe]

 

Trate as pessoas como se elas fossem o que poderiam ser, trate as pessoas como se elas fossem: cheias de vida, de expectativas, de esperanças. Pessoas que amam e odeiam e são amadas ou indesejadas, que assumem diferentes papéis, que aceitam e que recusam, que protestam e que concordam, que sorriem, mas que também choram. Pessoas que têm histórias, que têm cultura, que têm crenças e que têm valores. Pessoas que devem ser consideradas com suas idiossincrasias, como qualquer ser humano que deseja SER. Para isso, muitas delas vão à luta. Nem sempre vencem, mas transformam os fracassos em ensinamentos para buscarem novas conquistas.

Partindo desse pressuposto, na sua prática diária, você, educador certamente ajudará seus educandos a se tornarem aquilo que são capazes de ser. A frase é interessante e provoca muitas reflexões. Veja que o autor usa os verbos tratar, poder e ser. Depois usa, ajudar, tornar e ser. Dá margem para um amplo debate na perspectiva da Educação Inclusiva.

Pensar e escrever algumas ideias preliminares sobre o cotidiano escolar na perspectiva inclusiva não é uma iniciativa fácil, pois requer uma leitura diária reflexiva e sistematizada, não podendo correr o risco de tornar-se uma "fotografia" isolada de todo o processo de aprendizagem inerente à escola. Para tanto, convido você a partir dos embasamentos dos campos de conhecimentos oriundos da Psicopedagogia e Pedagogia a buscar algumas reflexões sobre o fazer educativo no cotidiano escolar.

O dia-a-dia da vida na escola estabelece as primeiras relações sociais, afetivas e cognitivas fora do ambiente familiar. Um cotidiano a ser explorado, permeado de inúmeros desafios, que deve se constituir como um ambiente favorável para criar interações e novas formas de aprendizagem. Na perspectiva psicopedagógica, compreende-se aprendizagem como uma articulação entre o conhecimento e o saber de forma singular, realizada por meio da relação estabelecida entre ensinante e aprendente - Fernandez utiliza para designar uma nova visão da relação entre educadores e educandos, onde os espaços e tempos do aprender estão para além das escolas e são percebidos na complexidade e na totalidade da vida de cada um de nós, sujeitos inseridos na dinâmica relacional do viver e conviver com os outros - e suas experiências de vida.

Um dos fatores essenciais, presentes no ambiente escolar é a sala de aula, no aspecto físico, pois passa a ser o local de referência do educando, portanto, é fundamental um projeto de acessibilidade, implicando mudança estrutural da escola para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e na informação. A sala de aula também deve ser considerada no aspecto social, cognitivo e afetivo, o qual se constitui com a grande oportunidade de compartilhar conceitos e valores básicos culturais, visando ao desenvolvimento de um currículo que privilegie, ao mesmo tempo, o reconhecimento individual e a valorização da diversidade, rompendo os "pré-conceitos" contidos no pensamento hegemônico vigente.

Outro fator fundamental é o projeto político pedagógico da escola, que deve respeitar e colocar em prática os pressupostos da Inclusão, estabelecendo em conjunto uma rede de apoio desde o acesso até a permanência de todos na escola, com um ensino de qualidade, desejando que cada educador possa entender e intervir com o desafio da multiculturalidade como possibilidades de leitura e compreensão de mundo.

De acordo com Morin2, "não se pode reformar a instituição sem a prévia reforma das mentes, mas não se pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições". O pesquisador adverte sobre a premência do investimento em formação, tanto pelos órgãos competentes, como também pela responsabilidade e ética profissional de cada educador, na implementação de estratégias e criação de estratégias facilitadoras do processo de aprendizagem.

A grande interface da Educação Inclusiva está focalizada no papel da instituição escolar na formação das novas gerações, isso implica em questionar - De que forma isso tem acontecido? Segundo Mantoan3, "um novo paradigma do conhecimento está surgindo das interfaces e das novas conexões que se formam entre saberes outrora isolados e partidos e dos encontros da subjetividade humana com o cotidiano, o social, o cultural. Redes cada vez mais complexas de relações, geradas pela velocidade das comunicações e informações estão rompendo as fronteiras das disciplinas e estabelecendo novos marcos de compreensão entre as pessoas e do mundo em que vivemos".

É certamente com o ingresso no ambiente educativo que geralmente ocorrem as interações favoráveis ou desfavoráveis, ao expor a imagem pessoal na sala de aula, onde a criança se socializa e desenvolve suas habilidades. Hoje se aprende para viver e não mais se vive para aprender, feito o trocadilho percebe-se a ruptura dos paradigmas educativos, sabendo-se que é justamente na diversidade que se aprende; do inesperado, é que nascem as ideias; do desequilíbrio é que se faz a transformação. Portanto, a legitimação do ato educativo inclusivo cada vez mais se torna objetivada pela cotidianidade.

O cotidiano escolar passar a ser entendido como um grande espaço promotor de criatividade e de desenvolvimento de potencialidades de cada educando. Por meio das relações com o outro, com sua aprendizagem e com os adultos esse espaço potencial vai sendo construído de forma a tornar-se um lugar que desenvolve a criatividade e a formação do ser. Por meio de um ambiente contenedor e promotor de confiança, as relações transformam-se e as crianças trilham seus caminhos rumo à independência e à autonomia. É o exercício diário de busca por uma sociedade cada vez mais educativa que reinvindica a participação de todos os envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem.

Dessa forma, cria-se uma possibilidade para um ambiente cada mais motivador, na medida em que alunos e professores tornam-se autores de iniciativas compostas de subjetividades e desejos. Não estamos falando sobre utopias, mas sim de uma proposta de pensar que amplia e reconfigura algumas dimensões da escola hoje em seu contexto social.

Cabe ao educador, de acordo com seu modo de tratar seus educandos, tanto pela igualdade como pela diferença, poder ter esse paradigma como um valor indissociável, desenvolvendo o projeto político pedagógico e ser agente de transformação social. Por meio de suas intervenções, criar alternativas para superar as dificuldades ajudar, tornar e ser a cada educando, promover no dia-a-dia da escola esse espaço para a convivência e construção de novas configurações, a fim de acompanhar as mudanças da sociedade e articular todos os envolvidos no processo de aprender.

 

REFERÊNCIAS

1. Fernández A. O saber em jogo. Porto Alegre: Artmed; 2001.         [ Links ]

2. Morin E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Jacobina E. 4ª ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil; 2001.         [ Links ]

3. Mantoan MTE. Caminhos pedagógicos da inclusão. São Paulo: Memnon Edições Científicas;2001.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Fabiani Ortiz Portella
Rua Luiz Afonso, 269 - Cidade Baixa
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90050-310
E-mail: fabianiortizportella@gmail.com

Artigo recebido: 18/5/2011
Aprovado: 11/7/2011

 

 

Trabalho realizado no consultório da autora, Porto Alegre, RS, Brasil.