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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.89 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A eficácia de estratégias de remediação fonoaudiológica na avaliação das dificuldades de aprendizagem

 

The effectiveness of speech therapist intervention in the evaluation of learning disabilities

 

 

Lia PinheiroI; Jane CorreaII; Renata MousinhoIII

IFonoaudióloga, graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); especialista em Educação Especial Inclusiva (UGF); Mestranda Programa de Pós Graduação em Psicologia UFRJ; Bolsista CAPES, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIGraduada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Psicologia Cognitiva pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Doutorado em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade de Oxford. Professora Associada do Instituto de Psicologia da UFRJ Coordenadora das Oficinas de Leitura e Escrita. Bolsista de Produtividade do CNPq e Cientista de Nosso Estado - FAPERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIRenata Mousinho - Fonoaudióloga; doutora e mestre em Linguística UFRJ; professora da Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Coordenadora do projeto ELO: escrita, leitura e oralidade UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: Analisar a eficácia da intervenção fonoaudiológica utilizando estratégias de remediação na avaliação das dificuldades de aprendizagem como no desenvolvimento de habilidades linguístico-cognitivas relacionadas ao aprendizado da leitura. A utilização da metodologia de resposta à intervenção visa distinguir dificuldades transitórias daquelas que indicariam transtornos específicos de aprendizagem.
MÉTODO: Foram estudados os protocolos de avaliação e intervenção aplicados em 48 crianças do 1º ano do Ensino Fundamental de escola federal de ensino da cidade do Rio de Janeiro. As mesmas foram reavaliadas quanto às habilidades linguístico-cognitivas, após um ano de intervenção fonoaudiológica, a fim de investigar os benefícios de tal estimulação.
RESULTADOS: Todas as crianças se beneficiaram da intervenção, porém, os efeitos desta foram mais expressivos em crianças com alteração em poucos componentes do processamento fonológico. As crianças que apresentaram déficits importantes no processamento fonológico obtiveram ganhos nessa habilidade, mas parecem demorar mais para transpor esses avanços para as habilidades de leitura.
CONCLUSÃO: A intervenção precoce se mostrou eficaz na estimulação do processamento fonológico, quer na prevenção quer na remediação de dificuldades na aprendizagem da leitura.

Unitermos: Leitura. Aprendizagem. Transtornos de aprendizagem.


SUMMARY

OBJECTIVES: Analyze the effectiveness of speech therapist intervention using remediation strategies in the evaluation of learning disabilities as well as in the development of linguistic-cognitive skills related to reading. The methodology response to intervention aims to distinguish temporary difficulties to those that indicate specific learning disorders.
METHODS: We studied the protocols of assessment and intervention applied in 48 children in the 1st year of a federal elementary school in the city of Rio de Janeiro. They were reassessed regarding linguistic-cognitve skills after a year of speech therapy to investigate the benefits of this stimulation.
RESULTS: All children were benefited from the intervention, but the effects of this were more prominent in children with alterations in only a few components of phonological processing. Children with important deficits in phonological processing benefited from the intervention, although they seem to take longer to transfer these advances to reading.
CONCLUSION: Early intervention has proven effective in the development phonological processing skills either in the early intervention or in the remediation of learning difficulties in reading.

Key words: Reading. Learning. Learning disorders.


 

 

INTRODUÇÃO

As dificuldades apresentadas por crianças com dificuldades de aprendizagem, incluindo aí aquelas com dislexia, se manifestam desde o início de sua experiência de aprendizado da língua escrita. A dificuldade em superar o realismo nominal não é trivial. Isto é, não é capaz de refletir sobre a língua, isentando seu valor semântico. Ao serem inquiridas sobre o tamanho de duas palavras, como "trem" e "abelhinha", as crianças frequentemente indicam "trem" como maior vocábulo. Entretanto, é com o desenvolvimento da consciência fonológica que ocorre a detecção de maior número de unidades silábicas na palavra "abelhinha".

Crianças que apresentam dificuldades no aprendizado da linguagem escrita encontram obstáculos na superação do realismo nominal porque a sua habilidade de análise fonológica está prejudicada. Quanto mais desenvolvido o sistema fonológico da criança, maior aperfeiçoamento de suas representações linguísticas. Snowling & Hulme1 advogam que tal aperfeiçoamento permite melhor desempenho em outras atividades cognitivas, tais como aumento da memória de trabalho fonológica. Deste modo, a defasagem nas habilidades de consciência fonológica poderia justificar parcialmente dificuldade na memória operacional.

A literatura aponta para déficit no processamento fonológico nas dificuldades no aprendizado da leitura e da escrita2-4. Entretanto, dificuldades de linguagem mais abrangentes podem ocorrer em consequência a este prejuízo. De acordo com Stanovich, a dificuldade no processamento fonológico avança na direção de alterações mais gerais no desenvolvimento da linguagem. Esse fato é explicado pela defasagem na manipulação dos sons da fala, o que torna frágil a representação fonológica das palavras. Assim, o vocabulário se tornará restrito e a linguagem oral pode ser prejudicada tanto no que diz respeito à produção, quanto à compreensão. Os resultados em testes de vocabulário, frequentemente, se apresentam abaixo do esperado para a idade5. Também são observadas dificuldade na evocação de vocábulos devido à fragilidade das representações fonológicas. Em decorrência, assiste-se à ocorrência de anomia e as parafasias. Tais ocorrências podem prejudicar a elaboração e recontagem de narrativas, mesmo em nível oral, tal qual o processamento de informações6.

As manifestações das dificuldades no aprendizado da leitura e da escrita são observadas, principalmente, no período da alfabetização. Algumas crianças possuem dificuldade na identificação das letras, apresentando confusão entre letras semelhantes, espelhando e invertendo tais símbolos6. A habilidade de identificação e nomeação de letras é considerada como um importante preditor para o desenvolvimento da leitura, tanto em línguas transparentes quanto em línguas opacas, no que diz respeito à regularidade ortográfica. Outras crianças, apesar de identificarem e reproduzirem visualmente as letras, não correspondem às expectativas de reconhecê-las em unidades maiores, as sílabas, devido à dificuldade importante na associação entre letra e som. Essa habilidade é reflexiva e metalinguística, ou seja, compreendida como monitoramento intencional dos processos cognitivos realizados7.

O acesso ao inventário mental de palavras, medido por meio da Nomeação Automatizada Rápida (Rapid Automatized Naming - RAN), é um importante preditor para a habilidade de leitura8,9. Essa relação é mais consistente em línguas com padrão ortográfico mais transparente, pois a decodificação seria realizada pela associação grafema/fonema10. Crianças que apresentam dificuldade na RAN podem se mostrar menos sensíveis à ocorrência de padrões ortográficos11. Ou seja, apesar da irregularidade da língua, seria possível adaptar-se à incidência de determinadas sequências de letras. Seriam compreendidas, então, apenas as combinações de letras possíveis dentro daquele idioma, o que poderia tornar a leitura mais rápida.

A literatura apresenta consenso no que diz respeito ao processamento fonológico como fator essencial para a leitura12. O desenvolvimento do processamento fonológico é de extrema importância e necessita de apoio especializado, tanto para as crianças com distúrbio de aprendizagem quanto para as disléxicas8,13.

Apesar da não coexistência de um quadro de deficiência mental com distúrbio de aprendizagem e de integridade do coeficiente de inteligência no caso das crianças com dislexia, o fracasso escolar é comum nesses grupos, levando, em alguns casos, à evasão escolar. Inicialmente, as dificuldades são observadas na disciplina de estudo da língua. Posteriormente, porém, podem se estender às demais, devido à crescente demanda de leitura. Com isso, passam a haver importantes falhas pedagógicas. Caso não haja o apoio necessário e intervenção adequada, aprender pode se tornar uma tarefa extremamente difícil e desmotivadora, prejudicando os aspectos sociais e afetivos, desfavorecendo o vínculo com a instituição escolar.

Mousinho e Correa14 demonstram a importância da intervenção precoce em crianças em risco de problemas de aprendizagem, sobretudo em tarefas de consciência fonológica que envolvam rima e sílabas. Essas parecem ser as habilidades mais importantes para o desenvolvimento de leitura, tanto no que diz respeito à fluência quanto à compreensão.

O maior número de estudos sobre a resposta à intervenção (Response to Intervention - RTI) é realizado nos Estados Unidos15, onde o critério para o diagnóstico de transtornos de aprendizagem é baseado na falta de resposta à intervenção16. Em 2008, houve número crescente de pesquisas de intervenção com crianças em risco de dislexia. Esses trabalhos apontam para a necessidade da intervenção nos primeiros anos de escolarização.

A abordagem pode ser realizada dentro do contexto escolar, pelos próprios professores ou por equipe terapêutica (fonoaudiólogos e/ou psicopedagogos). A colaboração e envolvimento da família são essenciais. O objetivo é estimular os fatores preditivos para a leitura eficaz, a saber: domínio do alfabeto, nomeação automatizada rápida, memória operacional e consciência fonológica17. A intervenção deve ser realizada em crianças em risco de transtornos de aprendizagem.

Entretanto, pesquisas recentes demonstram a eficácia das estratégias de remediação também em crianças com desenvolvimento típico, o que justifica a necessidade da implementação da educação reflexiva no que diz respeito aos aspectos metalinguísticos2,18. A intervenção precoce pode, então, reduzir os efeitos negativos causados pelas dificuldades de aprendizagem, tal qual diferenciar crianças com dificuldades pedagógicas daquelas que necessitam de acompanhamento especializado.

Os programas de intervenção precoce ou remediação devem enfatizar o ensino da relação letra-som e das habilidades metalinguísticas preditoras para o bom desenvolvimento da leitura. Atividades de consciência fonológica devem expor a possibilidade de manipulação silábica, fonêmica e suprafonêmica (rima e aliteração). O modelo proposto por Broom & Doctor17 sugere que a intervenção se baseie na análise e síntese das unidades silábicas das palavras, seguidas pela identificação de sílabas e de fonemas, comparação de sílabas e fonemas, recombinação de sílabas e fonemas (segmentação e manipulação) e identificação de sons e sílabas por meio da rima de da aliteração.

Dada a importância da sistematização de formas de intervenção, pretendemos analisar as trajetórias de crianças em terapia de linguagem, com ênfase na importância das estratégias de remediação quando utilizadas como critério para avaliar a intensidade e a prevalência de dificuldades no aprendizado da leitura e no desenvolvimento de habilidades linguístico-cognitivas associadas a este aprendizado. Tendo como base a resposta à intervenção (RTI), tais estratégias de intervenção poderiam auxiliar na distinção de dificuldades transitórias daquelas que, por sua prevalência, seriam indicadores de possíveis transtornos de aprendizagem, incluindo a dislexia.

 

MÉTODO

O presente trabalho foi realizado a partir da análise da documentação disponível no Ambulatório de Transtornos da Linguagem Escrita para o projeto de Pesquisa-Intervenção "Acompanhamento longitudinal do desenvolvimento linguístico dos estudantes do CAp UFRJ: atuação na prevenção e na terapia dos transtornos de linguagem", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Deolindo Couto, sob o nº 003/07, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Deolindo Couto, sob o nº 003/07. Foram analisados os protocolos das avaliações das habilidades linguístico-cognitivas de 48 crianças, realizadas no início do 1º ano e de sua reavaliação, pós realização de grupo de estimulação fonoaudiológica, no início do 2º ano. Foram também consultados e analisados os relatórios das sessões do grupo de estimulação fonoaudiológica para o mesmo intervalo de tempo.

A avaliação das habilidades linguístico-cognitivas foi realizada individualmente, no horário escolar, em uma única entrevista. O teste de Consciência Fonológica adotado foi aquele proposto por Cielo19. Analisamos apenas os protocolos relacionados às habilidades de: reconhecer as palavras dentro da frase; reconhecer a extensão da palavra; identificar rima; realizar síntese e segmentação das palavras; julgar a semelhança entre sílabas em posição inicial, medial e final; e transposição silábica. A memória de trabalho fonológica foi avaliada por meio do protocolo repetição de não-palavras (São consideradas não-palavras os vocábulos que não são originados a partir de palavras reais, apesar de respeitarem os padrões ortográficos da língua portuguesa)20, sendo importante ressaltar que as crianças são avisadas que se tratam de palavras que não existem. Esse teste avalia a memória de trabalho necessária para o armazenamento dos sons da fala. Também foi aplicado o teste de repetição de dígitos Illinois de Habilidades Psicolinguísticas (ITPA), adaptado por Bogossian e Santos21. Nessa tarefa, a criança deve repetir uma sequência de dígitos fornecida pelo avaliador. O acesso lexical foi medido pelo teste de Nomeação Automatizada Rápida (NAR), proposto por Denckla e Rudel22, adaptado para o Brasil por Capellini. O teste consiste em quatro pranchas com estímulos visuais (objetos, cores, letras e números) que deverão ser nomeados o mais rápido possível em sequência. Os resultados são aferidos em segundos, onde quanto menor o tempo, melhor o desempenho. O objetivo central desse teste é avaliar a latência para o acesso ao léxico semântico. A fim de investigar a precisão da leitura, foi utilizada uma lista de palavras isoladas e não-palavras, utilizando como variáveis o tipo de palavra (regulares, irregulares ou regras), a frequência (alta ou baixa), e a extensão das palavras (dissílabas ou trissílabas) - (Pinheiro, 1994 adaptada por Capovilla e Capovilla23).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Às crianças que, no 1º ano, apresentaram os menores escores em consciência fonológica (palavra, rima e sílaba) em relação aos resultados da turma foram oferecidas, semanalmente, atividades de estimulação fonoaudiológica em grupo (Tabela 1). O principal objetivo da intervenção foi o desenvolvimento da consciência fonológica, considerada um bom preditor para a competência de leitura4,23. Foram convidadas a participar do grupo de estimulação fonoaudiológica 15 crianças. Dentre as crianças convidadas, somente 11 participaram efetivamente das atividades no primeiro ano de realização do grupo de estimulação fonoaudiológica.

A Tabela 2 demonstra o desempenho de ambos os grupos (habilidosos e menos habilidosos em análise fonológica) em outras habilidades que compõem o processamento fonológico e que também são associadas ao aprendizado da leitura. Tais habilidades incluem aquelas relacionadas à da memória de trabalho20 e da nomeação automatizada rápida.

Os grupos tiveram desempenhos diferenciados em função das tarefas de memória de trabalho que lhes foram apresentadas, se de repetição de dígitos e de repetição de não-palavras. Não houve diferença significativa na capacidade geral de armazenamento de informações na memória de trabalho, conforme medida pela tarefa de repetição de dígitos. Porém, observa-se diferença significativa entre os dois grupos no armazenamento de informações na memória de trabalho fonológica. Isso revela que não há comprometimento cognitivo na capacidade básica das crianças de armazenarem informação de modo geral na memória de trabalho, mas sim de armazenamento de informação de natureza fonológica das crianças menos habilidosas em análise fonológica quando comparadas às mais habilidosas.

Diferenças significativas foram observadas entre os grupos na prova de nomeação automatizada rápida, sugerindo acesso lexical mais lento no Grupo 1 tanto para objetos, quanto para cores. Como sugerido pelos valores do desvio padrão, observa-se, também, maior variabilidade entre as crianças avaliadas no Grupo 1. Este conjunto de resultados mostra as dificuldades do Grupo 1 em várias das habilidades implicadas no processamento fonológico.

Das onze crianças que participaram efetivamente do grupo de estimulação fonoaudiológica, todas tiveram dificuldades em consciência de palavras no 1º ano. As dificuldades em consciência de rima chegaram a 67% e de sílaba a 50%. Em relação à memória de trabalho, 60% das crianças apresentaram dificuldade na repetição de não-palavras (Tabela 3).

Dentre as crianças com baixos escores em consciência de palavras, 9 (75%) delas apresentaram dificuldade em pelo menos algum outro nível de análise fonológica (rima e/ou sílaba). Todas as crianças que apresentaram dificuldades na avaliação da memória de trabalho fonológica também tiveram baixos escores em pelo menos um nível de análise fonológica (rima e/ou sílaba), além da consciência de palavras.

A Tabela 4 apresenta os resultados obtidos pelas crianças participantes do grupo de estimulação nas provas de nomeação automatizada rápida para objetos e cores. Uma criança, neste estudo denominada Joana - a designação das crianças por nomes foi um procedimento empregado para facilitar a compreensão dos resultados; importante ressaltar que os nomes das crianças que aparecem ao longo deste trabalho são todos fictícios - não conseguiu nomear as cores no 1º ano, por esse motivo não realizou a tarefa de nomeação automatizada rápida de cores. Os resultados estão expressos em segundos. Quanto maior o tempo, maior a dificuldade da criança de acesso ao seu léxico mental.

 

 

Segundo o critério adotado para avaliar o desempenho do grupo nas tarefas de nomeação automatizada rápida, 5 (42%) crianças encontraram grande dificuldade na nomeação de pelo menos um dos estímulos apresentados. De forma geral, observa-se que o tempo de nomeação para cores foi menor do que para objetos.

Examinando o desempenho das crianças em todos os componentes do processamento fonológico, observamos que 25% (4 crianças) tinham dificuldades em pelo menos dois níveis de análise fonológica (consciência fonológica) e fraco desempenho nas tarefas de repetição de não-palavras e nomeação automatizada rápida. Em outras palavras, um quarto das crianças do grupo apresentava dificuldades no processamento fonológico e não apenas em consciência fonológica. Três (33%) crianças exibiam dificuldades em consciência fonológica e memória de trabalho fonológica. Duas (17%) crianças apresentavam dificuldades observadas apenas em consciência de palavras. Apenas uma criança apresentou dificuldades em consciência fonológica e nomeação automatizada rápida. Em suma, 83% das crianças que frequentaram o grupo tinham dificuldade em pelo menos dois componentes do processamento fonológico, sendo um deles a consciência fonológica.

Inicialmente, o grupo que participou das atividades de estimulação fonoaudiológica mostrou-se bastante heterogêneo em relação a seus conhecimentos prévios e práticas de letramento, uma vez que a entrada no Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp-UFRJ), no primeiro ano do Ensino Fundamental, ocorre por meio de sorteio. Por esse motivo, algumas crianças já iniciaram as oficinas de estimulação com mais conhecimento formal acerca da escrita do que outras. No entanto, após um semestre de acompanhamento, os conhecimentos formais relacionados à linguagem escrita eram semelhantes entre as crianças que participaram do grupo de estimulação.

O foco da intervenção fonoaudiológica consistiu na identificação de letras associadas à atribuição dos respectivos valores sonoros, como proposto por Capovilla23. Também foram utilizadas práticas de consciência fonológica baseadas na aliteração, identificação de rimas e combinação de sons, em nível silábico, inicialmente, e ao final do ano, em nível fonêmico, com e sem auxílio de pistas visuais. Foram realizados 27 encontros do Grupo de Estimulação Fonoaudiológica no período compreendido entre maio e novembro de 2007. A frequência média foi de 85%. Atividades de consciência fonológica foram as que mais motivaram as crianças. Tais tarefas foram associadas a movimentos corporais, tais como sincronização de gestos (pulos, "polichinelos" e dedilhação). Em contrapartida, a identificação de letras se mostrou mais complexa no primeiro momento. As letras foram apresentadas isoladamente, em consonância com o conteúdo oferecido pela escola.

No início do 2º ano letivo, toda a turma foi reavaliada quanto às habilidades de processamento fonológico (Tabelas 5 e 6). Foi introduzida, nesse segundo ano, avaliação da leitura por meio da lista de palavras isoladas proposta por Capovilla23 (baseada em Pinheiro).

 

 

Pode-se perceber que o desempenho das crianças que participaram do grupo de estimulação apresentou evolução importante em consciência fonológica. Na consciência de palavras, 5 (42%) das crianças realizaram a tarefa de consciência de palavra em nível compatível com seus colegas de turma, sendo que duas delas tiveram bons escores em todas as outras medidas de consciência fonológica e de memória de trabalho. A dificuldade com a consciência de palavra, no entanto, persistiu ainda em 58% das crianças no grupo, com a rima em 50% e com a sílaba também em 42%.

Progresso expressivo foi observado no desenvolvimento da memória de trabalho fonológica. Apenas 3 (25%) crianças tiveram diferença de desempenho expressiva em relação aos seus colegas de turma. Todas as crianças apresentaram ganhos nas tarefas de processamento fonológico.

O desempenho do grupo nas tarefas de nomeação automatizada rápida (Tabela 6) não apresentou evolução importante em relação àqueles obtidos no primeiro ano, quando consideradas todas as crianças participantes do grupo.

O percentual de aumento na velocidade de nomeação para objetos compatíveis com os níveis da turma consiste em 50% (5 crianças). Apenas 2 crianças não apresentaram ganho na velocidade de nomeação. Os tempos obtidos para nomeação de cores continuaram melhores do que aqueles para nomeação de objetos para todas as crianças.

Com relação às habilidades de leitura (Tabela 7), observa-se que das 6 crianças cujos escores eram superiores a um desvio-padrão, 3 delas tiveram desempenho próximo à criança que escolhemos para controle. Tomando essa referência em consideração, poderíamos, então, assinalar como indicador de dificuldade os escores obtidos por 3 (25%) crianças do grupo.

 

 

Das sete crianças que tiveram escores discrepantes daqueles de seus colegas de turma em precisão na leitura de palavras e/ou não-palavras, 3 delas revelaram muita dificuldade em ambas as tarefas. As 3 outras crianças tiveram maior dificuldade na leitura de não-palavras. Essas crianças foram justamente aquelas que obtiveram baixos escores nas diversas tarefas que avaliaram os diferentes componentes do processamento fonológico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo corrobora os achados encontrados por outros autores2, ao verificar a eficácia dos programas de remediação aplicados em crianças com desenvolvimento típico, tal qual naquelas com indicadores de dificuldades de aprendizagem. As crianças cujas dificuldades foram transitórias apresentaram baixos escores em provas isoladas, enquanto que aquelas com dificuldades específicas de aprendizagem evidenciaram alterações em diversas tarefas que dependessem do processamento fonológico. Crianças com transtornos de aprendizagem (dislexia e distúrbio de aprendizagem) obtiveram evolução importante na consciência fonológica; entretanto, a habilidade de leitura ainda se mostrou difícil no segundo ano, sobretudo quando dependia exclusivamente do processamento fonológico, ou seja, na leitura de não-palavras. Nesse sentido, a estimulação do processamento fonológico parece ser uma forma bastante eficaz de prevenir como remediar dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.

 

AGRADECIMENTOS

O presente artigo deriva da dissertação de mestrado em curso no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela primeira autora, bolsista CAPES, sob orientação das demais autoras. Agradecimentos à CAPES pelo apoio concedido.

 

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Endereço para correspondência:
Renata Mousinho
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Neurologia Deolindo Couto
Avenida Venceslau Brás, 95 - sala 18 - Botafogo
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP: 22290-140
E-mail: renatamousinho@ufrj.br

Artigo recebido: 17/5/2012
Aprovado: 22/8/2012

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.