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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.89 São Paulo  2012

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

A importância do estímulo precoce em casos com risco para dislexia: um enfoque psicopedagógico

 

The importance of early stimulation in cases at risk for dyslexia: a psychopedagogical focus

 

 

Déborah Alcântara Prósperi CaridáI; Mônica Hoehne MendesII

IPedagoga, Psicopedagoga, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil
IIPedagoga, Psicopedagoga, Mestrado em Psicologia, Terapeuta de Casal e Família, docente nos cursos de Pedagogia e Psicopedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho constitui uma revisão bibliográfica, e versa sobre os aspectos gerais da dislexia, explicando esse distúrbio e discorrendo sobre suas implicações cerebrais. Apresenta-se o conceito de aprendizagem em todos os seus aspectos, esclarecendo porque alguns problemas no processo de aquisição da linguagem são considerados essenciais para reconhecer as crianças com risco para dislexia. São apresentados, também, os principais aspectos da linguagem, partindo-se do ponto de que esta se encontra intimamente conectada com o processo de aprendizagem. A seguir, apresentam-se as características das crianças com risco para dislexia, o que as difere de outras crianças, ressaltando-se de que maneira o estímulo é essencial para que esses indivíduos adquiram a chance de um futuro melhor, não somente no que se refere às questões escolares, mas também no âmbito social. Acentua-se a necessidade do diagnóstico multidisciplinar em um cenário com suspeita de dislexia, e a relevância da avaliação psicopedagógica, com vistas à elaboração de estratégias emocionais e cognitivas, para que o ambiente social e a vida escolar não sejam vistos como ameaça.

Unitermos: Psicopedagogia. Motivação. Dislexia. Aprendizagem.


SUMMARY

The present work is a literature review, and concerns to the general aspects of dyslexia, explaining the disorder and discussing brain implications. It presents the concept of learning in all aspects, explaining why some problems in the process of language acquisition are considered essential to recognize children at risk for dyslexia. Also show that the main aspects of language are closely connected with the learning process. Then, presents the characteristics of children at risk for dyslexia, which differ from the other children, highlighting how the stimulus is essential for these individuals acquire the chance of a better future not only as relates to school issues, but also in the social sphere. Emphasizes the importance of a diagnosis made by a multidisciplinary team when there is a setting suspected of dyslexia and the relevance of pedagogical assessment, with a view of create emotional and cognitive strategies for those who the social and school life are seen as a threat, don't feel this way anymore.

Key words: Psychopedagogy. Motivation. Dyslexia. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

Toda criança consegue se comunicar antes de começar a falar, uma vez que está habilitada a usar os gestos, as expressões faciais e corporais, além dos sons. Como o aprendizado do código linguístico está pautado no conhecimento adquirido, esse aprendizado está intimamente relacionado com o desenvolvimento das capacidades biológicas e com a interação com o meio, de acordo com a evolução do desenvolvimento neuropsicomotor1.

O processo de comunicação envolve a ampliação de quatro sistemas que funcionam de forma independente: o primeiro é o pragmático, relacionado com o uso formal da língua; o segundo é o fonológico, que capta os sons para serem reproduzidos; o terceiro diz respeito ao significado das palavras - semântica - e o quarto assume as regras para combinar frases de maneira inteligível, a gramática1.

Em termos de linguagem, cada criança possui seu próprio tempo de desenvolvimento, sendo diferente também a consciência fonêmica de cada um. Mesmo que não se conheçam as causas exatas desses diferentes tempos, é certo que o desenvolvimento irá depender do meio em que a criança vive, uma vez que, quando esta cresce em um ambiente abastado em linguagem, povoado de rimas e aliterações, a consciência fonológica é mais rápida. Entretanto, as crianças com dislexia, por terem falhas no módulo fonológico, apresentam dificuldades em segmentar as palavras em sons subjacentes e, assim, apresentam problemas na hora de decodificar a leitura2.

Segundo a Associação Nacional de Dislexia3, esses indivíduos apresentam uma lacuna entre a aprendizagem e a conquista acadêmica, porém tal problema não é de natureza comportamental, psicológica ou mesmo consequência de falta de motivação, mas, sim, fruto de um funcionamento diferenciado do cérebro, cujo processamento, embora não possa ser considerado anormal, possui características, habilidades ou inabilidades próprias.

Os mais importantes sinais de que a criança é portadora de dislexia aparecem na primeira infância, quando se percebe que a capacidade fonológica da criança não está sendo desenvolvida como deveria. Nessa fase, deve-se estar atento para as dificuldades que a criança apresenta ao pronunciar fonemas, ou seja, para a permanência da chamada "conversa de bebê". Além disso, é importante observar as dificuldades para cantar rimas infantis, aprender nomes e sons, em uma idade na qual a criança normalmente já pronuncia as palavras de forma correta. Segundo Sally Shaywitz2, é de grande importância não se concentrar somente nas deficiências da criança, mas também nas suas habilidades, uma vez que são as habilidades e não as deficiências que irão determinar a vida da criança.

A confirmação do diagnóstico de dislexia deverá ser feita por uma equipe multidisciplinar, responsável pela elaboração de um processo de avaliação não somente minucioso, mas também abrangente, a chamada Avaliação Multidisciplinar e de Exclusão4.

Com este artigo, pretende-se elucidar a importância do estímulo precoce em casos de crianças com risco para dislexia, a partir de um enfoque psicopedagógico.

 

DESENVOLVIMENTO

As autoras Chamat5 e Palangana6 descrevem de forma clara e complementar os estágios do desenvolvimento humano. No início da vida, o bebê apresenta apenas reflexos; com a maturação do sistema nervoso e a interação com o meio, formam-se os primeiros esquemas da coordenação sensória motora. Ao longo desse período, a criança adquire a noção de permanência, noção de causalidade, espaço e tempo, como há predomínio do egocentrismo, apenas na fase final começa a diferenciar "o que é dela e o que é do mundo". Em seguida, o desenvolvimento é marcado pela capacidade simbólica, ou seja, dos esquemas internalizados. A criança deixa de depender apenas do movimento, aumenta o repertório verbal, a coordenação motora fina começa a se desenvolver, passa a utilizar o jogo para transformar o real e obter gratificação com relação aos seus desejos, desenvolvendo a sociabilidade e as relações afetivas.

Nesse momento, a função semiótica se estrutura, o que permitirá a passagem para o estágio seguinte, no qual se formam as operações lógicas e a consequente capacidade de realização das construções de "pensamento sob pontos de vistas diferentes". Os mecanismos de assimilação e acomodação entram em equilíbrio e o pensamento adquire o nível de reversibilidade, assim como a capacidade de operação. A criança adquire mais autonomia e aumentam suas capacidades de cooperação e de interiorização do pensamento. Então, ela passa fazer a distinção entre o real e o possível. O pensamento deixa de ser apenas concreto, as operações passam a ser realizadas também no plano das ideias, da formulação de hipóteses5,6.

O ser humano que não consegue aprender não alcança nenhuma das funções sociais da educação. A psicopedagogia, sendo um meio de condução do processo da aprendizagem, visa tornar possível a realização dos fins educativos. As perturbações na aprendizagem são aquelas que vão contra a normalidade do processo; já os problemas de aprendizagem se "superpõem ao baixo nível intelectual, não permitindo ao sujeito aproveitar suas possibilidades"7.

Nos disléxicos, as alterações de linguagem se manifestam por meio de leitura lenta, bloqueios, omissões, interrupções, distorções, correções e substituição de palavras, mas em grande parte das crianças essas alterações aparecem mesmo antes que comecem a ler, na linguagem oral, com um atraso relativo na fala, e problemas com rimas e aliterações8.

A partir da leitura, o ser humano passa a conhecer o mundo no qual está inserido, assim como todas as áreas de conhecimento9. As autoras Parente e Salles10 afirmam que a leitura pode ocorrer de duas maneiras: por meio de um processo visual direto, a rota lexical, ou através de um processo envolvendo mediação fonológica, a rota fonológica.

O processo fonológico depende da consciência fonológica, que possibilitará, como consequência, a "leitura e a escrita lexicais". Assim como a decodificação, a consciência fonológica é "pré-requisito para o domínio da linguagem escrita". Dessa forma, quem apresentar dificuldades no desenvolvimento da consciência fonológica, provavelmente, terá dificuldades na alfabetização10.

Para Capellini e Ciasca11, a consciência fonológica é o termo relativo à consciência de que, para formar palavras, são necessários diversos sons e que essas palavras podem ser quebradas em unidades menores. Já para Cielo12, consciência fonológica encerra um conceito um pouco mais abrangente, incluindo a habilidade da construção e do reconhecimento de rimas, síntese, dentre outras manipulações, tanto das sílabas, quanto dos fonemas.

Ao se ter essa consciência, faz-se necessário que aconteça o desenvolvimento fonológico. Segundo Snowling13, as crianças fazem o elo entre a linguagem que falam e a que escutam, o que, de maneira ampla, é um dos aspectos fundamentais no desenvolvimento fonológico, e esses aspectos se aprimoram na medida em que a criança cresce. Assim, esse aprimoramento traz consigo uma melhoria nas habilidades cognitivas adquiridas e subjacentes.

O sistema fonológico é totalmente desenvolvido a partir da inserção da leitura no cotidiano e "pode proporcionar uma base para o sistema da leitura, que pode ser considerado como parasítico daquele". Existem inúmeras teorias sobre o desenvolvimento da leitura, e muitas delas adotam o princípio de que as crianças estabelecem relações diretas entre as palavras escritas e as faladas, o que as leva a decodificar muitas outras. A partir desse ponto, será criado um sistema de leitura mais flexível. Assim, as crianças que têm certa facilidade no domínio da leitura são passíveis de ter bom desempenho em uma série de trabalhos de processamento fonológico13.

Dessa maneira, utilizando-se o raciocínio inverso, uma criança que tenha dificuldade na leitura e na escrita tem, de alguma forma, uma deficiência no processamento, na consciência fonológica e no que se refere à memória verbal de curto prazo. Então, é possível afirmar que as crianças com dislexia "têm mais dificuldade com a percepção de sugestões auditivas breves", sugerindo um possível prejuízo nas várias tarefas de processamento fonológico13.

Além das razões já apresentadas, existem outras que também devem ser consideradas quando uma criança apresentar dificuldades no processo de alfabetização, como, por exemplo, diferenças culturais e econômicas, pedagógicas e emocionais, além da própria condição funcional, como o caso da dislexia. Cada indivíduo é único em suas manifestações, mesmo quando se trata de um quadro patológico e, sendo assim, é importante um olhar abrangente para identificar o perfil sintomatológico de cada um e traçar a melhor abordagem terapêutica14.

A dislexia é um "distúrbio específico de aprendizagem de origem neurológica", porém, previamente ao seu diagnóstico, alguns sinais que são factíveis de serem percebidos antes da alfabetização propriamente dita, ou seja, durante o desenvolvimento da criança nos seus primeiros anos de vida ou na pré-escola, podem demonstrar risco para dislexia. Esses sinais incluem "fala ininteligível, imaturidade fonológica, redução de léxico, dificuldade em aprender o nome das letras ou os sons do alfabeto, em compreender instruções, atraso de fala, dificuldade para lembrar números, letras em sequência, confusão direita-esquerda, embaixo, em cima, frente-atrás (palavras-conceitos) e dificuldade em processar sons das palavras e história familial"15.

A neurologia é um importante instrumento na explicação dos processos de aprendizagem e de linguagem16. A neuropsicologia teve seu início há muitos séculos, quando houve necessidade de se estudar a "relação entre o organismo e os processos mentais até o estágio atual (...), quando se busca compreender como o sistema nervoso modula as funções cognitivas, comportamentais, motivacionais e emocionais"17.

Essa ciência está atrelada ao conhecimento das relações entre o funcionamento do sistema nervoso central e as funções cognitivas e comportamento "tanto nas condições normais quanto nas patológicas. Possui natureza multidisciplinar, apoiando-se em fundamentos da neurociência e da psicologia (...)"18.

A capacidade de responder a estímulos ambientais é uma das características que tornou o ser humano capaz de dar respostas adaptativas16.

Segundo Gough e Tunmer19, um dos estímulos mais fortes é a linguagem, uma "atividade complexa" que abrange o processo de reconhecimento das palavras e, então, a compreensão da linguagem. De acordo com Perfetti & Hogaboam20, o que difere um bom leitor de um iniciante ou com dificuldade é o esforço que esse tem que fazer para identificar e significar o que está sendo lido.

De acordo com Corrêa21, assim como a linguagem, a memória é "um fenômeno biológico fundamental e extremamente complexo, sendo ainda um dos campos mais enigmáticos da natureza". A palavra memória está diretamente relacionada a conhecimento, uma vez que se trata da "aquisição e retenção de informação"; permite a conservação do ser humano, bem como tudo o que está relacionado à aprendizagem. Para Myers22, o aprendizado está atrelado à memória, sendo este sua consequência.

Theódule Ribot, um grande pesquisador francês, em seu estudo, que ficou conhecido como a lei de Ribot, diz que "A velocidade do esquecimento se dá na ordem inversa do tempo de formação da memória, isto é, quanto mais recente é a memória, mais rapidamente ela pode ser esquecida". Em 1890, William James separou as memórias em primárias e secundárias, porém só Broadbent, anos mais tarde, nomeou-as como memória de curto e de longo prazo, terminologia que perdura até hoje. Em 1968, Atkinson e Schiffrin difundiram o modelo de seriação de memória, dividindo-a em memória sensorial, de curto prazo, de longo prazo e lembrança21.

A aprendizagem é o quociente de vários processos cognitivos, entre eles as memórias de curto (operacional) e de longo prazo. De acordo com Braddeley (apud Gomes23), a memória operacional "é um conjunto de habilidades cognitivas que permite que informações novas e antigas sejam mantidas ativas". Essa é uma das principais memórias no que diz respeito à aprendizagem, às funções executivas e ao raciocínio, exercitando o córtex pré-frontal.

As funções executivas, ou um conjunto de habilidades que o ser humano possui, o qual permite que ele possa ponderar a eficiência e a eficácia de seus comportamentos, são necessárias para que seja possível traçar metas e executá-las com um planejamento rigoroso. Se essas metas não forem bem sucedidas, é necessário que o planejamento seja refeito, mantendo sempre a atenção para o determinado fim24.

Ainda é relevante abordar algumas habilidades que se fazem presentes na função executiva como, por exemplo, o Controle Inibitório, que, como o próprio nome diz, versa sobre a capacidade dos seres humanos de inibir respostas prepotentes, entendidas como uma tendência humana, ou algumas respostas que "interrompam o curso eficaz de uma ação, ou ainda a interrupção de respostas que já estejam em curso". Normalmente, a "impulsividade" é atribuída a algumas dificuldades nessa habilidade24.

Outra habilidade é a Tomada de Decisões, processo que envolve tomar algumas decisões em momentos de incerteza. Essas decisões, como todas da função executiva, deverão basear-se no cálculo de custo e benefício, mas, em momentos de incerteza, outras variáveis deverão ser levadas em consideração, como, por exemplo, os aspectos sociais e morais e a autoconsciência. Há ainda a Flexibilidade Cognitiva, responsável pela mudança das ações ou dos pensamentos respeitando o ambiente externo. A já citada Memória Operacional, por sua vez, constitui um "sistema temporário de armazenamento de informações que permite a sua monitoração e o seu manejo"24.

A Categorização é um processo de armazenamento e junção dos "elementos que compartilham determinadas propriedades". E, por último, Fluência, que "consiste na capacidade de emitir comportamentos (verbais e/ou não-verbais) em sequência, obedecendo a regras pré-estabelecidas, sejam elas explícitas ou implícitas" 24.

Outro aspecto importante para ser considerado é o da Plasticidade Cerebral, que segundo Gomes23, "refere-se a modificações que ocorrem no sistema nervoso central dos organismos, com o fim de adequá-los às novas exigências do meio, seja no nível funcional, através do aumento da eficiência da transmissão sináptica, seja no nível estrutural, através do crescimento neuronal". A plasticidade cerebral é fundamental para as funções de aprendizado e memória. Também podem ser encontrados exemplos de plasticidade cerebral em relação às habilidades linguísticas ou abalos no cérebro.

Para Capovilla25, tanto a linguagem quanto a aprendizagem dependem de fatores neurológicos, diretamente ligados ao plano temporal. Em crianças com essas áreas preservadas o plano temporal tende a ser assimétrico, e o maior lado é aquele responsável pela linguagem, diretamente atrelado ao processamento fonológico.

Nos disléxicos, o plano temporal tende a ser simétrico ou apresenta uma assimetria reversa, mas isso não constitui um fator diagnóstico, porém fator de risco, uma vez que não-disléxicos também podem apresentar um plano temporal simétrico. Essa alteração se dá entre o 5º e o 7º mês de gestação e tem motivos congênitos25.

Para Wajnsztejn26, os profissionais da saúde e da educação não têm uma opinião precisa sobre os fatores neurológicos que causam a dislexia, sabendo-se que há uma alteração cerebral nos campos atrelados à linguagem e à aprendizagem. Há muitos exames, como o eletroencefalograma e a tomografia, que não se mostram efetivos no que diz respeito à dislexia.

Ciasca27 acredita que o que se tem hoje são exames capazes de detectar o fluxo sanguíneo e, a partir disso, se obtêm alguma compreensão sobre as áreas afetadas do cérebro.

Os estudos mais recentes têm demonstrado que os disléxicos têm disfunções nos níveis pré-frontal, parietal e temporal inferior. Assim, os pesquisadores ainda procuram respostas no que diz respeito aos cérebros dos disléxicos, que provam alterações funcionais e malformações cerebrais, o que cria a necessidade de um diagnóstico multidisciplinar28.

Andrade29 sinaliza a importância em desenvolver atividades práticas como forma de identificação de crianças com dificuldades nas habilidades subjacentes às aquisições da leitura e escrita, provavelmente com risco para dislexia. É necessário isolar os problemas do sistema de educação ou metodologias inadequadas de alfabetização no momento de identificar possíveis crianças em risco para dislexia.

Além dos fatores pedagógicos, que são diretamente beneficiados com a identificação precoce ou com a estimulação de crianças em risco para dislexia, os fatores psicológicos e socioafetivos também se beneficiam, uma vez que a identificação precoce do problema irá minimizar os sentimentos de fracasso e o desânimo das crianças que enfrentam dificuldades no processo de aprendizagem5.

É importante ressaltar que, dentro dos fatores apresentados, na primeira infância os principais vínculos, bem como as condições para o desenvolvimento da criança, deveriam ser oriundos da família. Porém, muitas vezes isso não ocorre, uma vez que a atenção aos aspectos físico e afetivo-social é decorrente das questões socioeconômicas e psicossociais. A interação entre crianças e entre crianças e adultos é necessária, constituindo um dos principais elementos do estímulo. Os conhecimentos e habilidades decorrentes dessa interação irão beneficiar sobremaneira o desenvolvimento da criança. Além disso, essa interação possibilita que a criança desenvolva seu próprio ambiente, e também desenvolva seu cognitivo30.

No entanto, os baixos níveis sociais e, muitas vezes, as fragilidades dos vínculos familiares são possibilidades de fatores de risco, acarretando em perdas na linguagem, na memória e nas habilidades sociais, todas de extrema importância para o desenvolvimento cognitivo30.

Assim, a identificação precoce ou a identificação antecipada das crianças com risco para dislexia é fundamental para a diminuição dos riscos de perda cognitiva e, futuramente, a lacuna escolar certamente será menor31.

Segundo a proposta cognitiva, um estímulo provoca uma resposta externa e, se reforçada positivamente, irá gerar mesmo comportamento em outros momentos; no entanto, se reforçada negativamente poderá não ocorrer mais. No caso da linguagem, para que o processo de aquisição aconteça, é necessário uma recompensa ou um reforço dos adultos para com as crianças32.

Os estímulos levam as crianças ao desenvolvimento das funções executivas e se expandem para outros campos, como memória, inibição motora, autorregulação afetiva. "As funções psicológicas têm suporte biológico" e se baseiam nas relações sociais, intercedida pelos sistemas simbólicos33.

Schirmer et al.1 destacam a importância do estímulo para concretizar o processo de comunicação, seja através de conversa, canto, leitura ou mesmo brincadeiras.

Além das possíveis falhas no estabelecimento de vínculos, um dos primeiros sinais clínicos da dislexia é a história familiar de dificuldade de leitura, que, em muitas vezes, pode ser hereditário. Os atrasos ou distúrbios no desenvolvimento da linguagem nos anos pré-escolares podem ser os primeiros sinais da dislexia. Uma linha de pesquisa denomina as crianças que demoram a desenvolver a linguagem, como "falantes tardios", sendo considerado como um sinal significativo de risco para a dislexia, quando combinado com outros fatores de risco34.

A identificação precoce do distúrbio é muito importante, pois, caso não aconteça, poderá acarretar problemas no desenvolvimento linguístico, na escolarização e nas interações sociais35.

O processo de avaliação psicopedagógica não se reduz a atividades e tarefas pontuais, mas um continuum de atuações destinadas a pesquisar e a compreender melhor a forma como o indivíduo aprende e de ensiná-lo. A ação diagnóstica é planejada de acordo com a demanda ou queixa, momento em que o profissional coleta informações relevantes sobre o contexto familiar, escolar e social no qual está inserido o indivíduo em avaliação9.

O diagnóstico envolve uma equipe multidisciplinar, em que o médico irá evidenciar causas orgânicas, diagnosticar e tratar a comorbidade. O psicólogo deverá realizar uma avaliação neuropsicológica, quantificando e qualificando o nível de inteligência. Já o fonoaudiólogo avaliará as habilidades auditivas, o nível de desenvolvimento da linguagem oral, da leitura e da escrita. O psicopedagogo irá avaliar o desempenho acadêmico e o terapeuta ocupacional, a forma integrada das habilidades motoras e sensoriais36.

A elaboração da hipótese, no trabalho diagnóstico, exige um conhecimento prévio sobre sintoma e causa e suas inter-relações. Tratando-se de diagnóstico psicopedagógico, o levantamento de hipóteses tem a finalidade de direcionar o trabalho de avaliação, tornando-o mais objetivo e evitando especulações37.

No processo de diagnóstico, os profissionais devem obter todos os dados para compreender o significado, a causa e a modalidade da perturbação, ao receber uma queixa de aprendizagem, os aspectos cognitivos e comportamentais devem ser levados em consideração. Assim como, compreender o indivíduo integrado no ambiente familiar, social, escolar e pessoal e em seus processos de aprendizagem informal e formal38.

Fernandez39 lista algumas questões principais que um diagnóstico psicopedagógico deve responder, como o significado do conhecimento e o aprender no imaginário do sujeito e da família; com que recursos conta para aprender; qual a modalidade de aprendizagem; qual a posição do sujeito frente ao não dito; que função tem o não aprender para ele e para o seu grupo familiar; qual é o significado da operação particular que constitui o sintoma; que papel foi designado por seus pais em relação ao aprender; como aprende e como não aprende.

Ao final de uma avaliação psicopedagógica, o profissional deverá ter como base a "dificuldade natural, evolutiva e transitória, dificuldade secundária a outras patologias e transtornos específicos da aprendizagem". O psicopedagogo irá apresentar em conjunto as avaliações neurológicas, neuropsicológica e cognitiva, o que permitirá traçar direções para uma intervenção contemplando a criança, a família e, caso esteja inserido, a escola, com objetivo de promover autonomia, autoestima e o desenvolvimento das funções mentais superiores, levando em conta os aspectos afetivo-sociais29.

 

CONCLUSÃO

O número de escolares que apresentam alguma dificuldade na aprendizagem é crescente. Há muitos fatores que contribuem para esse quadro, e pode-se afirmar que a aumento na quantidade de crianças com risco para dislexia, está diretamente atrelado a fatores socais e ambientais, além dos de ordem emocional-afetiva, sem desconsiderar possíveis déficits cognitivos. Os principais fatores que representam as crianças com risco para dislexia são o déficit fonológico, a questão da memória, e as dificuldades na nomeação rápida, entre tantas outras31.

Como há uma deficiência na formação acadêmica dos profissionais da educação, e há pouca familiaridade com os conhecimentos específicos para suprir a demanda de escolares com algum tipo de dificuldade, há também falta de instrumentos pedagógicos para caracterizar as crianças que apresentam os riscos para dislexia31.

A identificação precoce de crianças com risco para dislexia irá auxiliar nos prováveis impactos de longo prazo na trajetória da criança, pois as experiências repetidas de insucesso podem reduzir sua motivação40.

Chamat5 e Almeida-Filho et al.30 citam o estímulo como o principal elemento para a aprendizagem, ou seja, é necessário que exista relação entre as crianças, os adultos, o ambiente físico e social para que desenvolva o cognitivo.

A avaliação psicopedagógica fundamentará e dará ferramentas para o entendimento da criança e dos pais acerca do seu problema, além de orientar o processo educacional41.

Lopes e Oliveira4 afirmam que as principais contribuições do psicopedagogo estão relacionadas à "recuperação das habilidades cognitivas, emocionais, sociais", tal profissional irá utilizar diferentes estratégias, porém sempre com o objetivo de desenvolver habilidades na criança com dislexia, elevando, consequentemente, sua autoestima e autoconfiança e valorizando suas potencialidades. Freitas42 complementa que "a intervenção psicopedagógica tem para o disléxico um caráter de urgência, na reintegração de seu mundo".

 

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Endereço para correspondência:
Déborah Alcântara Prósperi Caridá
E-mail: deprosperi@hotmail.com

Artigo recebido: 12/5/2012
Aprovado: 23/7/2012

 

 

Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.