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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.89 São Paulo  2012

 

PONTO DE VISTA

 

Novos parâmetros da sociedade inclusiva: uma oportunidade de atuação para a psicopedagogia institucional no ambiente corporativo

 

 

Maria Rosa CrespoI; Priscila CovreII; Elizeu Coutinho de MacedoIII

IBibliotecária, pós-graduação em Psicopedagogia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Docente na Fundação Escola de Sociologia e Política - FESPSP, São Paulo, SP, Brasil
IIPsicóloga e Neuropsicóloga; Professora Convidada do curso de Especialização em Psicopedagogia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Coordenadora de pesquisa em reabilitação neuropsicológica no Centro Paulista de Neuropsicologia (AFIP), São Paulo, SP, Brasil
IIIElizeu Coutinho de Macedo - Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo; professor adjunto da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Coordenador do programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A atuação do psicopedagogo institucional direciona-se à prevenção ou redução de fracassos no processo de aprendizagem e encontra-se plenamente estabelecida nas instituições de ensino, porém, no ambiente corporativo no Brasil, ainda é bastante recente e o campo carece de maiores avaliações e propostas de atuação1.

O presente artigo se propõe a discutir como questões relacionadas à sociedade inclusiva, aceleram e justificam a necessidade da inserção da psicopedagogia institucional nas empresas e na administração pública. Será realizada uma breve revisão sobre o contexto e a importância da aprendizagem para as empresas, a fim de familiarizar o leitor com o ambiente corporativo. Na sequência serão abordadas questões relacionadas à sociedade inclusiva e o impacto nas empresas públicas e privadas. Por fim, discutir-se-á o papel do psicopedagogo institucional no ambiente corporativo, apresentando uma proposta de atuação.

 

APRENDIZAGEM NO CONTEXTO EMPRESARIAL

No atual formato econômico globalizado, um dos grandes desafios das empresas e da administração pública dos países emergentes está em reduzir o abismo educacional que os separa dos países desenvolvidos2 e, no Brasil, a falta de profissionais qualificados tem sido apontada como o grande entrave para o desenvolvimento econômico e social desejado para o futuro próximo. Tal fato vem despertando um novo interesse governamental e da opinião pública para a questão da Educação, haja vista as recentes iniciativas de democratização do acesso ao ensino superior e às manifestações culturais. Devido aos conhecidos problemas da educação pública, o jovem brasileiro chega ao mercado de trabalho com notória defasagem intelectual e de conhecimento técnico-científico3, reproduzindo, na maioria das vezes, seu histórico de fracasso escolar diante do processo de aprendizagem corporativa, traduzido pela incapacidade de progredir na carreira e de alcançar seus próprios objetivos acadêmicos.

As atuais teorias de administração empresarial, como a Gestão do Conhecimento, valorizam sobremaneira as ações e estruturas educacionais corporativas, apontando sua importância estratégica para alcance da competitividade e sustentabilidade e identificam as organizações que aprendem, como aquelas que possuem capacidade de se adaptar rapidamente, e com sucesso, às inevitáveis mudanças econômicas, políticas, sociais e de mercado4. Tradicionalmente, o setor de Recursos Humanos, ou aqueles voltados para gestão e desenvolvimento de pessoas, têm a responsabilidade de atrair, treinar, reter e desenvolver talentos, visando à sustentabilidade do negócio. Contudo, a proposta de escola inclusiva e o modelo de progressão continuada, bem como a lei de quotas que estabelece a contratação de pessoas com deficiência, têm tornado essa tarefa cada vez mais complexa.

Com os novos parâmetros propostos para uma sociedade inclusiva, o sistema educacional tradicional, preparado para filtrar alunos não competentes e com isso torná-los excludentes da sociedade e do mercado de trabalho, foi substituído por um sistema em que todas as pessoas, independentemente de suas necessidades e capacidades, são aceitas e mantidas como participantes, desde que sejam fornecidas condições especiais para seu aprendizado. Para as empresas, o resultado disso é que sua atuação como educadora se tornou mais necessária e mais desafiadora e esse desafio extrapola os limites das necessidades de educar e/ou instruir trabalhadores que apresentem dificuldades de aprendizagem, exige também uma atuação específica voltada para a superação da desinformação e do preconceito, o que envolve questões comportamentais relacionadas ao ambiente de trabalho5.

 

A SOCIEDADE INCLUSIVA E A LEI DE COTAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

É somente no século XX que a sociedade compreende que deve garantir o acesso da pessoa com deficiência a todos os serviços que são oferecidos aos demais cidadãos, ou seja: saúde, educação, inclusão social e profissional. É com fundamento nessas ideias que surge o Paradigma de Suporte, caracterizado pela aceitação de que a pessoa com deficiência tem direito à convivência não segregada e ao acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos "[...] onde se contextualiza a ideia de inclusão, prevê intervenções decisivas e incisivas, em ambos os lados da equação: no processo de desenvolvimento do sujeito e no processo de reajuste da realidade social"6.

Em termos de legislação, o Decreto nº 3.298/997 prevê o acesso da pessoa com deficiência à educação profissional "a fim de obter habilitação profissional que lhe proporcione oportunidades de acesso ao mercado de trabalho" (Art. 28) e a "inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou sua incorporação as sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido" (Art. 34). O mesmo decreto estabelece a obrigatoriedade de preenchimento de 2% a 5% dos cargos das empresas com mais de 100 empregados, com beneficiários da Previdência Social reabilitados, ou com pessoas com deficiência habilitadas (Art. 36). Em 1989, foi sancionada a Lei 7.853, de 24 de outubro8, que criou a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) e dispôs, dentre vários outros assuntos, sobre o "apoio governamental à formação profissional, à orientação profissional e à garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional" para a pessoa com deficiência. No mesmo ano, é sancionada a Lei 8.069, de 13 de julho9, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde se assegura ao "adolescente portador de deficiência o trabalho protegido" e o "direito a condições de capacitação para o exercício de atividade regular e remunerada".

Contudo, o país está longe de efetivar um ambiente de trabalho inclusivo, devido à insuficiente destinação de recursos do setor, e também pela necessidade de rever e modernizar os fundamentos teóricos e metodológicos de ações voltadas para capacitação e colocação de pessoal com deficiência no mercado de trabalho. A pós-modernidade permite a existência de várias visões e diferentes propostas científicas, políticas, sociais e de comportamento e propõe não apenas a tolerância e aceitação das minorias, mas a concretização de ações inclusivas. No mundo do trabalho, a partir da reserva de vagas nas empresas encontra-se a garantia constitucional, mas ainda não se pode considerar concretizada a mudança de paradigma social, ou a inversão de valores na experimentação e comprovação de métodos de gestão e implementação de estruturas que permitam a real inclusão e condições de produtividade ao portador de deficiência.

 

A PROPOSTA DA PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL NO AMBIENTE CORPORATIVO

Os fatores expostos acima têm tornado a gestão do conhecimento na empresa uma tarefa cada vez mais desafiadora, levando à necessidade da construção de estruturas de suporte que ajudem as pessoas a aprender dentro do seu tempo e possibilidades, desenvolvendo aptidões e habilidades específicas para o desempenho de sua função, aumentando sua produtividade. Com os mesmos objetivos de prevenção e superação de dificuldades de aprendizagem, a atuação da psicopedagogia no ambiente corporativo irá demandar competências adicionais, além da otimização do uso da infraestrutura física e da tecnologia. Dentre elas é possível citar: o domínio da temática da dinâmica dos grupos, familiaridade com a cultura organizacional e atualização em relação às práticas e modelos de administração de empresas.

O psicopedagogo no âmbito corporativo irá apresentar questões, formular um diagnóstico da situação e elaborar propostas para solução de problemas, conflitos e crises envolvendo processos de aprendizagem, procurando perceber o contexto de forma abrangente. Poderá, também, auxiliar na superação das dificuldades de relacionamento entre os diversos grupos, calcadas na falta de informação e no preconceito, levando à melhoria do ambiente organizacional. Como ponto de partida para uma reflexão, é importante ressaltar que o lugar, a função e o papel do psicopedagogo institucional, assim como uma definição sobre sua formação ideal, ainda não estão bem delimitados. Questões importantes, como o grau de autonomia possível no contexto corporativo e a posição hierárquica, deverão ser respondidas pela análise de cada situação. Questões de ordem prática, como remuneração, instrumentos de avaliação e diagnóstico e relacionamento com outros profissionais, ainda carecem de discussões e análises.

Propõe-se que a psicopedagogia institucional poderá oferecer auxílio às pessoas envolvidas em Educação corporativa e fornecer subsídios para maior compreensão de uma sociedade plural e inclusiva, tornando-se um apoio estratégico para as lideranças organizacionais que se encontram diante de uma problemática alheia a sua experiência e funções. Essa atuação, porém, necessita de delimitação dos contornos possíveis, aprimoramento das experiências já existentes e maior divulgação por parte dos profissionais psicopedagogos junto aos setores empresariais que, muitas vezes, desconhecem essa possibilidade.

 

REFERÊNCIAS

1. Weiss ML. Psicopedagogia institucional: controvérsias, possibilidades e limites. In: Sargo C, ed. A práxis psicopedagógica brasileira. São Paulo:Associação Brasileira de Psicopedagogia;1994.         [ Links ]

2. Ricúpero R. O Brasil e o dilema da globalização. 3ª ed. São Paulo: Editora Senac; 2010.         [ Links ]

3. Souza PNP. Educação brasileira. Problemas brasileiros. São Paulo, n. 407, set/out, 2011 (encarte).         [ Links ]

4. Rocha Neto I. Gestão estratégica de conhecimento e competências: administrando incertezas e inovações. Brasília: ABIPTI, UCB/Universa;2003.         [ Links ]

5. Senra VF. Análise acerca da pessoa portadora de deficiência mental no mercado de trabalho e a legislação vigente. [Monografia - Bacharelado em Direito]. Assis: Instituto Municipal de Ensino Superior, Fundação Educacional do Município de Assis; 2006. 104p.         [ Links ]

6. Aranha MSF. Trabalho e emprego: instrumento de construção da identidade pessoal e social. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, Secretaria Especial dos Direitos Humanos;2008. p.16.         [ Links ]

7. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm        [ Links ]

8. Brasil. Presidência da República. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm.         [ Links ]

9. Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Maria Rosa Crespo
Rua Campos do Jordão, 200 72-C - Caxingui
São Paulo, SP, Brasil - CEP 05516-040
E-mail: rosa.crespo@fespsp.org.br

Artigo recebido: 5/7/2012
Aprovado: 8/8/2012

 

 

Trabalho realizado no programa de Pós Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.