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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.90 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação de crianças pré-escolares: relação entre testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hiperatividade

 

Assessment of preschool children: relation between executive functions tests and inattention and hyperactivity indicators

 

 

Ana Paula Prust PereiraI; Camila Barbosa Riccardi LeónII; Natália Martins DiasIII; Alessandra Gotuzo SeabraIV

IPedagoga, Psicopedagoga, Mestre e Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento; Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil
IIPsicopedagoga e Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento; Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil
IIIPsicóloga, Mestre, Doutora e pós-doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento (bolsista FAPESP). Professora convidada da Pós-Graduação lato sensu em psicopedagogia, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil
IVPsicóloga, Doutora e Pós-Doutora em Psicologia Experimental - USP, Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Bolsista de Produtividade CNPq, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Funções executivas (FE) referem-se às habilidades necessárias para planejar, iniciar, realizar e monitorar comportamentos intencionais. Incluem inibição, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, atenção seletiva, planejamento e organização e, de forma geral, são habilidades fundamentais à aprendizagem e ao comportamento autorregulado. As FE podem estar comprometidas em alguns distúrbios do desenvolvimento, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Perante esse panorama e pautando-se na crescente ênfase da literatura sobre a importância da avaliação precoce, esta pesquisa investigou as relações entre desempenho em testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hiperatividade em crianças pré-escolares de amostra não-clínica. Participaram 85 crianças de uma escola municipal de Educação Infantil da Grande SP, com idades entre quatro e seis anos, avaliadas no Teste de Trilhas para pré-escolares (TT-PE) e no Teste de Atenção por Cancelamento (TAC). Pais e professores responderam à SNAP-IV. As crianças com maiores índices de desatenção e hiperatividade, conforme relato dos pais, tenderam a apresentar piores desempenhos no TAC e aquelas com maiores índices de desatenção e hiperatividade, conforme relato dos professores, tenderam a apresentar piores desempenhos em diversas medidas do TAC e TT-PE. As relações entre desempenho nos testes e indicadores desatenção e hiperatividade tenderam a ser mais consistentes quando consideradas as respostas dos professores do que as dos pais. O estudo evidenciou que as relações entre desempenho em testes de FE e indicadores de desatenção e hiperatividade podem ser observadas desde idades precoces, em amostras não-clínicas, contribuindo para a discussão sobre avaliação e identificação precoce.

Unitermos: Transtorno do deficit de atenção com hiperatividade. Transtornos de deficit da atenção e do comportamento disruptivo. Testes neuropsicológicos.


SUMMARY

Executive functions (EF) refer to the skills needed to plan, initiate, implement and monitor intentional conduct. They include inhibition, working memory, cognitive flexibility, selective attention, planning and organization and, in general, are fundamental skills to learning and self-regulated behavior. EF may be compromised in some developmental disorders, such as Attention Deficit Disorder and Hyperactivity. Before this background and based on the increasing emphasis in the literature on the importance of early evaluation, this study investigated the relationship between performance in executive functions tests and inattention and hyperactivity indicators in preschool children of a non-clinical sample. A total of 85 children of a kindergarten public school from the state of SP, aged four and six years, were assessed at Trial Making Test for Preschoolers (TT-PE) and Attention Test for Cancellation (TAC). Parents and teachers were asked to answer SNAP-IV. Children with higher levels of inattention and hyperactivity, as reported by their parents, tended to have worse performance in TAC, and those with higher levels of inattention and hyperactivity, as reported teachers, tended to have worse performance on several measures of TAC and TT-PE. The relationship between test performance and indicators inattention and hyperactivity tended to be more consistent when considering the responses of teachers, instead of the parents' ones. The study showed that the relationship between performance on EF tests and indicators of inattention and hyperactivity can be observed from early ages, in nonclinical samples, contributing to the discussion on assessment and early identification.

Key Words: Attention deficit disorder with hyperactivity. Attention deficit and disruptive behavior disorders. Neuropsychological tests.


 

 

INTRODUÇÃO

Funções executivas referem-se às habilidades necessárias para planejar, iniciar, realizar e monitorar comportamentos intencionais, relacionados a um objetivo ou a demandas ambientais1,2. De forma integrada, tais habilidades permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar a eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse modo, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo3. Ou seja, as funções executivas são fundamentais para a capacidade de engajamento em comportamento orientado a objetivos, realizando ações voluntárias e auto-organizadas4.

Há evidências da relação entre as funções executivas e a aprendizagem escolar. Funções executivas têm se mostrado preditoras dos desempenhos em disciplinas de linguagem e de matemática em crianças pequenas5,6. De fato, conforme estudo de metanálise6, habilidades executivas avaliadas na pré-escola, tal como o controle atencional, predizem de forma significativa o sucesso posterior em matemática e em leitura. Além da relação com o sucesso acadêmico, as funções executivas têm sido relacionadas a problemas sociais e de saúde mental, tais como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtornos Globais do Desenvolvimento, deficiência intelectual, comportamentos disruptivos e evasão escolar2,7-9.

O TDAH é um dos transtornos psiquiátricos mais estudados na infância e estima-se que seja uma das principais fontes de encaminhamento infantil ao sistema de saúde. Apesar de estudos sugerirem alto índice de influência hereditária, o transtorno possui etiologia multifatorial, em que aspectos biológicos (genéticos e neurológicos) e ambientais interagem de forma complexa. É caracterizado pela presença de sintomas de desatenção, com ou sem hiperatividade e impulsividade10. Crianças com tal transtorno tendem a apresentar respostas mais lentas e mais variáveis em tarefas de funções executivas11. Estudos brasileiros já têm sido desenvolvidos para investigar a relação entre funções executivas e características como desatenção e hiperatividade. Por exemplo, pesquisadores investigaram a relação entre escores de 154 crianças de 3ª e 4ª séries em testes de funções executivas e na Escala de Déficit de Atenção e Hiperatividade (ETDAH)12. Os autores identificaram correlações significativas entre os índices da ETDAH e o desempenho das crianças no Teste de Trilhas, Teste de Memória de Trabalho Auditiva, Teste de Memória de Trabalho Visual e Teste da Torre de Londres. Conforme a bibliografia, esses testes avaliam flexibilidade, memória de trabalho auditiva, memória de trabalho visual e planejamento, respectivamente. De acordo com o estudo mencionado, crianças com percentis acima de 75 em pelo menos uma das quatro áreas (déficit de atenção, hiperatividade/impulsividade, problemas de aprendizagem e comportamento antissocial) mensuradas pela ETDAH e crianças com percentis abaixo de 75 em todas as áreas avaliadas pela escala demonstraram diferenças nos Testes de Trilhas e de Memória de Trabalho Auditiva, sendo que aquelas com maiores percentis na ETDAH demonstraram, conforme esperado, pior desempenho em ambos os testes.

Outro estudo avaliou 62 participantes divididos em dois grupos, com idades entre 8 e 12 anos13. O grupo 1 foi formado por 31 crianças com diagnóstico de TDAH, realizado por médico psiquiatra, segundo os critérios da Associação Psiquiátrica Americana - DSM-IV14. O grupo 2 foi formado por outras 31 crianças que não apresentavam sintomas de desatenção ou hiperatividade, conforme avaliado pela ETDAH, pareadas por idade e sexo com as crianças do grupo 1. Houve diferenças significativas entre os grupos para escores no Teste de Trilhas e para medidas de tempo de reação no Teste de Stroop Computadorizado e no Teste de Geração Semântica. Esses dois últimos instrumentos avaliam atenção seletiva e controle inibitório. Os resultados sugeriram que os desempenhos de crianças com TDAH em testes de funções executivas encontram-se rebaixado em relação ao de crianças sem o transtorno.

Em outra investigação, pesquisadores avaliaram 150 crianças, com idades de sete a 14 anos, com o objetivo de delimitar indicadores clínicos e neuropsicológicos em crianças com suspeita de TDAH15. Após triagem, que avaliou dificuldades de atenção, agitação psicomotora e dificuldades adaptativas relacionadas ao negativismo, impulsividade e agressividade, 124 crianças foram selecionadas. Estas foram submetidas a exames neurológico e psiquiátrico detalhado e à avaliação neuropsicológica. Dentre as crianças que preencheram critérios diagnósticos (N = 75), verificou-se que aquelas com hiperatividade e impulsividade apresentaram baixo desempenho nas tarefas relacionadas à memória de trabalho. Crianças com diagnóstico comórbido de Transtorno Opositor Desafiante apresentaram maiores taxas de omissão em um teste de atenção contínua. O estudo sugere múltiplas interrelações entre os escores em provas neuropsicológicas que são úteis para uma delimitação do perfil clínico de crianças com TDAH.

Especificamente em crianças pré-escolares, o desenvolvimento de funções executivas e sua relação com sinais de desatenção e hiperatividade foram investigados por Trevisan16. Ao avaliar a atenção e controle inibitório em crianças pré-escolares, de forma a analisar a relação entre indicadores de desatenção e hiperatividade e funções executivas, a autora utilizou em seu estudo Teste de Trilhas para pré-escolares, Teste de Atenção por Cancelamento, Teste de Stroop Semântico, Teste de Geração Semântica, GO/no-Go Task, Simon Task, Escala de Maturidade Mental Colúmbia, Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e SNAP-IV. Participaram 139 pré-escolares, com idades entre quatro e sete anos, sendo 65 do sexo masculino. Por um meio de MANOVAs e testes de Kruskal-Wallis verificaram-se tendências desenvolvimentais das habilidades de atenção e controle inibitório ao longo das séries escolares, demonstrando que, de fato, essas habilidades aumentam com a progressão escolar. A análise não-paramétrica de Mann-Whitney revelou, de modo geral, efeito de grupos extremos com e sem indicadores de desatenção e hiperatividade para medidas em todos os instrumentos de funções executivas, especialmente no domínio de desatenção. Isso sugere que, mesmo nessa idade precoce, sinais de desatenção e hiperatividade já estão relacionadas ao pobre desempenho em tarefas de funções executivas. Análises de correlação de Spearman também revelaram correlações significativas entre os indicadores de desatenção e hiperatividade e os desempenhos nos testes executivos, com mudanças nos padrões de correlação ao longo das séries, verificando relação com habilidades cognitivas mais básicas na série inicial e com habilidades mais complexas nas séries posteriores.

O foco de profissionais, clínicos e educacionais, e de pesquisadores sobre esse período da infância é fundamental para que se disponibilizem testes adequados à avaliação dessa faixa etária, assim como se torne possível a identificação precoce de alterações, não apenas nas funções executivas, mas considerando o desenvolvimento global da criança. Porém, apesar da importância de avaliações para identificação de alterações precoces em crianças em idade pré-escolar, alguns estudos mencionam dificuldades inerentes a essa avaliação. Seabra-Santos e Gaspar17 verificaram, por exemplo, que a concordância entre a avaliação de pais e professores é apenas de baixa a moderada. Em um de seus argumentos para explicar as correlações encontradas, os autores mencionam os diferentes ambientes de observação, que oferecem estrutura diferenciada, podendo facilitar ou não determinados comportamentos. Ressaltaram também que os pais tendem a avaliar suas crianças como mais desenvolvidas em relação à avaliação dos professores. Estes, por sua vez, podem valer-se da possibilidade de comparar cada criança com outras da mesma idade, e, dessa forma, poderiam estar em melhores condições de oferecer uma estimativa mais objetiva das suas características. Apesar das divergências, ambas as fontes de informação continuam sendo grandemente úteis na compreensão do funcionamento e das dificuldades de crianças.

No presente trabalho, crianças com desenvolvimento típico em idade precoce foram avaliadas em dois testes de funções executivas e foram investigadas as relações entre seus desempenhos e a presença de indicadores de desatenção e hiperatividade, conforme relato de pais e professores.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 85 crianças, sendo 43 da 1ª Fase da Educação Infantil, com idade média de 4,6 anos, e 42 da 2ª Fase, com idade média de 5,9 anos. Todas as crianças eram alunas de uma única escola municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Grande São Paulo. A Tabela 1 sumariza o número de participantes por série e idade.

 

 

Instrumentos

Teste de Trilhas para pré-escolares (TT-PE)

Para o presente estudo foi usada uma versão do Teste de Trilhas para pré-escolares16,18, baseada em estudos anteriores19-22.

A versão para pré-escolares do Teste de Trilhas mantém o mesmo objetivo da sua versão original, ou seja, de avaliar a flexibilidade cognitiva, porém sem demanda de conhecimento de letras e números. O teste é composto por duas partes, sendo que na primeira parte é apresentado apenas um tipo de estímulo e, na segunda parte, há dois tipos de estímulos que devem ser assinalados pelos sujeitos em ordem alternada, mantendo semelhança com a versão original do Teste de Trilhas. Assim, na condição 'A' do teste, é dada à criança uma folha com figuras de cinco cachorrinhos que devem ser ligados por ordem de tamanho, iniciando com o "bebê" até o "papai". Na condição 'B', figuras de ossos de tamanhos respectivos aos dos cachorros são introduzidas, e a criança deve combinar os cachorrinhos com seus ossos apropriados, na ordem de tamanho, ligando-os alternadamente. O desempenho em cada parte foi medido em termos de sequência (número de itens ligados corretamente em sequência) e tempo de execução. A Figura 1 ilustra uma parte da tarefa requerida na parte B do Teste de Trilhas para pré-escolares. O Teste de Trilhas para pré-escolares é comercializado no Brasil e evidências de sua validade e dados de normatização foram obtidas para crianças de quatro a seis anos23,24.

 

 

Teste de Atenção por Cancelamento (TAC)

O Teste de Atenção por Cancelamento25 é composto por três matrizes impressas com diferentes tipos de estímulos, em que a tarefa do sujeito consiste em assinalar todos os estímulos iguais a um estímulo-alvo anteriormente determinado. A primeira parte do teste é destinada à avaliação da atenção seletiva. Para essa tarefa é utilizada uma prova de cancelamento de figuras com uma matriz impressa, composta por seis diferentes tipos de estímulos: círculo, quadrado, triângulo, cruz, estrela e traço. Os estímulos são de cor preta em fundo branco, distribuídos em 15 linhas, sendo que cada linha é composta por 20 figuras. Deve-se, portanto, assinalar o estímulo-alvo sempre que este ocorrer, sendo o tempo máximo de execução da tarefa de um minuto. A Figura 2 apresenta uma ilustração da primeira parte do TAC, com a representação das respostas corretas.

 

 

Na segunda parte do instrumento, o objetivo, assim como na primeira parte, é avaliar a atenção seletiva, porém, com maior grau de dificuldade. A configuração estrutural da matriz não se modifica, sendo composta por 15 linhas com 20 figuras em cada linha. A tarefa é semelhante, porém, nessa segunda parte, o estímulo-alvo é composto por duas figuras impressas na parte superior da folha. O tempo máximo para a execução da tarefa é de um minuto. A Figura 3 ilustra a segunda parte do TAC, com a representação das respostas corretas.

 

 

Na terceira e última parte, o teste objetiva avaliar a atenção seletiva, no entanto, com uma demanda de alternância em função da mudança do estímulo-alvo. Para a execução dessa tarefa também é utilizada uma prova de cancelamento de figuras com uma matriz impressa. Nessa última parte, no entanto, o estímulo-alvo muda a cada linha e aparece representado como a figura inicial de cada linha. O número de vezes que o estímulo-alvo aparece se alterna, aparecendo no mínimo duas e, no máximo, seis vezes ao longo das linhas. O tempo máximo para a execução dessa tarefa é de um minuto. A Figura 4 ilustra a terceira parte do TAC, estando marcadas as respostas certas.

 

 

São computados para análise posterior dois tipos de escores: o primeiro corresponde ao número total de acertos (itens marcados adequadamente) e o segundo diz respeito ao número de erros por ação (itens marcados inadequadamente). O instrumento encontra-se disponível no Brasil25, com evidências de validade e dados de normatização obtidos para crianças de cinco a 14 anos, além de jovens adultos26,27.

Swanson, Nolan e Pelham Questionaire - SNAP-IV

O SNAP-IV é um questionário formulado a partir dos critérios do DSM-IV, utilizado para avaliar sintomas do TDAH e do Transtorno Desafiador e de Oposição (TDO). Trata-se de uma revisão da Swanson, Nolan e Pelham Questionaire - SNAP adaptada para o contexto brasileiro28 e tem como objetivo oferecer critérios padronizados de diagnóstico utilizados tanto na clínica quanto na pesquisa. É composto pela descrição de 18 sintomas do TDAH, entre sintomas de desatenção (9 primeiros itens) e hiperatividade/impulsividade (itens 10 a 18), além de sintomas de TOD (itens 19 a 26), os quais devem ser pontuados por pais e/ou professores, em uma escala de quatro níveis de gravidade. No presente estudo, foram utilizados somente os itens que avaliam indicadores de TDAH (1 a 18). Tanto pais quanto professores responderam ao instrumento.

Procedimento

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da universidade. Após sua aprovação, foi solicitada autorização junto à Secretaria de Educação do município participante, para efetivação da pesquisa em uma escola da rede. Após isso, a escola foi contatada e, para a entrega do termo de consentimento livre e esclarecido para os pais, foi realizada uma reunião de esclarecimento sobre a proposta da pesquisa, sendo que participaram da pesquisa apenas as crianças cujos responsáveis assim autorizaram. Foi também respeitada a decisão da criança, caso essa não desejasse ser avaliada no teste. As avaliações foram realizadas na própria instituição que os alunos frequentavam, em uma sala disponibilizada pela escola. Os instrumentos foram aplicados individualmente, durante o período regular e ao longo de 2 sessões com duração aproximada de 10 a 20 minutos cada. Na primeira sessão, foi aplicado o Teste de Atenção por Cancelamento e, na segunda, o Teste de Trilhas para pré-escolares. Os pais ou responsáveis, bem como os professores, levaram a SNAP-IV para preenchimento individualizado e autônomo, sem a presença do aplicador.

 

RESULTADOS

Para verificar a relação entre os indicadores de desatenção e hiperatividade e o desempenho das crianças nos testes de funções executivas, foram conduzidas análises de correlação de Spearman entre os desempenhos em ambos os testes e os indicadores de desatenção e hiperatividade avaliados pela SNAP-IV, segundo relatos de pais e professores. Esses resultados estão sumarizados na Tabela 2.

O indicador de desatenção, conforme relato de pais, apresentou correlação positiva baixa, porém significativa, com o número de erros na parte 3 do Teste de Atenção por Cancelamento. Esse resultado revela que crianças com maior índice de desatenção tenderam a cometer mais erros na parte 3 do Teste de Atenção por Cancelamento.

Já o indicador de desatenção, conforme relato de professores, apresentou correlação significativa com diversas medidas. Houve correlação positiva com número de erros nas partes 1, 2 e 3 do Teste de Atenção por Cancelamento, sendo a maior correlação com erros na parte 2 do TAC. Tal resultado é bastante interessante, pois revela que as crianças apontadas pelos professores como tendo mais sinais de desatenção de fato tenderam a apresentar piores desempenhos em todas as partes do teste.

Houve também correlação negativa entre o indicador de desatenção na SNAP-IV, conforme relato de professores, e as medidas de acertos nas partes 2 e 3 do Teste de Atenção por Cancelamento e tempo de execução na parte B do Teste de Trilhas para pré-escolares. Tais resultados também sugerem que as crianças apontadas pelos professores como tendo mais sinais de desatenção tenderam a apresentar piores desempenhos nos testes de funções executivas. Deve-se observar que houve correlação negativa entre tais sinais e o tempo na parte B do Teste de Trilhas, ou seja, as crianças mais desatentas, conforme relato dos professores, tenderam a apresentar menor tempo no Teste de Trilhas, o que pode ter sido decorrente da impulsividade na realização da tarefa.

O indicador de hiperatividade, conforme relato de pais, apresentou correlação significativa, baixa e positiva com o número de erros nas partes 1 e 2 do Teste de Atenção por Cancelamento. Dessa forma, as correlações apontam uma tendência de que as crianças que apresentaram maiores indicadores de hiperatividade apresentam mais erros no Teste de Atenção por Cancelamento.

O mesmo indicador, porém, conforme relato de professores, apresentou correlação significativa, baixa e negativa com o tempo de execução no Teste de Trilhas para pré-escolares parte B, revelando que as crianças com mais sinais de hiperatividade apresentaram menor tempo de execução nessa parte do instrumento, provavelmente devido à impulsividade na resposta. Além disso, o indicador de hiperatividade também se correlacionou, de forma positiva, com o número de erros nas partes 1 e 2 do Teste de Atenção por Cancelamento. Sendo assim, as correlações apontam que crianças com mais indicadores de hiperatividade tenderam a apresentar também pior desempenho no Teste de Atenção por Cancelamento. A partir dos resultados, pode-se observar que houve maior número de correlações estatisticamente significativas entre os testes de funções executivas e o relato dos professores, e não com o relato dos pais.

 

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados evidenciaram relações entre o desempenho das crianças em testes de funções executivas e a presença de indicadores de desatenção e hiperatividade, conforme relato de seus pais e professores. Enquanto as crianças com maiores índices de desatenção e hiperatividade, conforme relato dos pais, tenderam a apresentar piores desempenhos no Teste de Atenção por Cancelamento, aquelas com maiores índices de desatenção e hiperatividade, conforme relato dos professores, tenderam a apresentar piores desempenhos em diversas medidas, em ambos os testes, TAC e TT-PE.

De fato, estudos anteriores já haviam evidenciado as relações entre desempenho em testes de funções executivas e indicadores ou sintomas do TDAH, porém em crianças mais velhas. No estudo de Capovilla et al.12, com crianças de 3ª e 4ª séries, aquelas com percentis acima de 75 na ETDAH tiveram pior escore nos Testes de Trilhas e de Memória de Trabalho Auditiva.

Assim, apesar da relação entre funções executivas e sintomas de TDAH estar relativamente bem documentada na literatura, ela é ainda pouco estudada em crianças mais jovens, em idade pré-escolar, tal como objetivou a presente pesquisa. Essa ênfase na avaliação do funcionamento executivo em crianças pequenas é condizente com o proposto por Malloy-Diniz et al.29. Os autores relataram a possibilidade de identificação de comprometimentos em funções executiva já em bebês de nove a 12 meses, contudo em investigações relacionadas ao desenvolvimento infantil é preciso estar atento à diversidade típica dessa fase do desenvolvimento30.

Também autores como Ashton31 ressaltam a importância da avaliação de crianças em idades precoces. O autor salienta que a identificação precoce sugere um foco ainda maior na infância, uma vez que nessa etapa do desenvolvimento algumas intervenções poderiam ser úteis na prevenção, bem como na reabilitação em longo prazo, de dificuldades. No entanto, são ainda necessárias pesquisas para avaliar a eficácia dessas intervenções.

No presente estudo, com crianças de quatro a seis anos de idade, os resultados evidenciaram que, mesmo em crianças em idade ainda precoce, pobres desempenhos em testes de funções executivas já se relacionam a indicadores de desatenção e hiperatividade, conforme relatado por pais e professores. Tais resultados são muito semelhantes ao estudo de Cozza32, conduzido com crianças mais velhas. Naquele estudo, o autor verificou que o desempenho no Teste das Trilhas, parte B, correlacionou-se com sintomas de desatenção e hiperatividade em crianças de 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, corroborando a relação entre desempenho em testes de funções executivas, nesse caso especificamente em flexibilidade cognitiva, e sinais de desatenção e hiperatividade em crianças. De fato, alterações nas funções executivas estão relacionadas a diversos distúrbios que acometem crianças e adolescentes, tais como o autismo e o próprio TDAH4. Portanto, é fundamental compreender seu funcionamento e identificar déficits em tais funções. Nesse sentido, o presente estudo soma sua contribuição ao evidenciar as relações entre indicadores de desatenção e hiperatividade e desempenho em testes de funções executivas em crianças pré-escolares, de quatro a seis anos e sem o diagnóstico do transtorno (amostra não clínica), relevando a importância da avaliação em idades precoces para identificação de dificuldades, orientação de intervenções preventivas ou remediativas e mesmo para triagem de crianças em condição de risco para problemas maiores nos anos vindouros do Ensino Fundamental.

Outro aspecto relevante a essa discussão refere-se ao fato de que o relato dos professores esteve mais relacionado aos desempenhos das crianças nos testes executivos do que o relato dos pais. A divergência entre avaliações de pais e professores já foi documentada e discutida por outros autores17. Por um lado, em acordo com essa pesquisa prévia, essa divergência evidencia a necessidade de ouvir ambos os informantes para obter uma avaliação mais ampla sobre tais sinais em crianças em idades precoces. Por outro lado, as correlações mais numerosas e consistentes entre o desempenho das crianças e a avaliação dos professores corrobora a conclusão de Seabra-Santos e Gaspar17 de que os professores estariam em melhores condições de oferecer uma avaliação mais objetiva da criança. Isso pode ser devido à possibilidade de comparar cada criança com outras da mesma idade ou ao seu maior conhecimento acerca do desenvolvimento infantil e de comportamentos que seriam, ou não, esperados para determinada faixa etária, possibilitados por sua formação específica na área.

À guisa de finalização, deve-se considerar que há limitações importantes do estudo, especialmente no que tange ao número pequeno de participantes. Tais limitações devem ser abordadas em estudos futuros. Sugere-se, portanto, que pesquisas ulteriores possam incluir, de forma mais específica, maior número de faixas etárias e níveis de escolarização, bem como analisar a diversidade entre gêneros e outras características, como nível social e tipo de escola, dentre públicas e particulares.

De forma geral, foi possível observar que há correlações entre o desempenho em testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hiperatividade, avaliados pela SNAP-IV, respondida por pais e professores em crianças pré-escolares de amostra não-clínica. Seria pertinente que estudos futuros acompanhassem crianças com maiores indicadores na SNAP-IV, de modo a investigar se estas poderiam ser consideradas, ainda nessa idade precoce, crianças de risco para TDAH. Isso colocaria à disposição dos profissionais da saúde e educação a possibilidade de identificação precoce, minimizando uma gama de comprometimentos e dificuldades futuras.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Paula Prust Pereira
Rua Rafael Correia Sampaio, 54
São Paulo, SP, Brasil - CEP 04457-100
E-mail: anaprust@yahoo.com.br

Artigo recebido: 5/10/2012
Aprovado: 12/11/2012

 

 

Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.