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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.30 no.91 São Paulo  2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Delinquência juvenil e família

 

Juvenile delinquency and family

 

 

Maria de Lourdes Bersogli PaulaI; Francisco B. Assumpção Jr.II

IPsicóloga, especialização em Saúde Mental Infantil pela FACIS-IBEHE, São Paulo, SP, Brasil
IIProfessor associado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), professor livre docente pela Faculdade de Medicina da USP, membro das Academias Paulista de Medicina (cad.103) e Psicologia (cad.17), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os autores avaliam 30 adolescentes cumprindo medida socioeducativa na FEBEM de São Paulo em função de quadro delitivo, comparando-os com outros 30 adolescentes de idade e classe social similar, provenientes de escola normal de ensino do estado de São Paulo, por meio de questionário elaborado com 17 perguntas, a fim de verificar repetição das condutas no mesmo sistema familiar. Resultados apontam diferenças estatisticamente significativas entre as duas populações, com o grupo em medida socioeducativa apresentando maior índice de familiares que já haviam cumprido a mesma medida ou mesmo que já haviam sido reclusos em penitenciárias, da mesma forma, pode-se observar maior índice de utilização de drogas, menor apoio familiar e piores perspectivas de futuro. Os autores concluem que se pode aventar a hipótese de continuidade transgeracional dessas condutas, em função não só dos modelos parentais, mas também da dinâmica familiar que, provavelmente, se estrutura ao redor dessas condutas.

Unitermos: Delinquência juvenil. Transtorno da conduta. Família.


ABSTRACT

The authors evaluated 30 adolescents in socio-educative programs in the FEBEM-SP, by the antisocial behavior and then compared with 30 adolescents with the same age and social class of the normal school of São Paulo city, by the questionnaire with 17 answers to examine the same behaviors in the familiar group. The results suggests differences with significance statistics in the group in socio-educative programs, with the other members of the family presenting the same behavior, reclusion episodes, drugs utilization, less familiar support and poor future perspectives. The conclusion is that has a transgenerational continuity in this families by the parental models and the familiar dynamics organized by this behaviors.

Key words: Juvenile delinquency. Conduct disorder. Family.


 

 

INTRODUÇÃO

A questão da delinquência, enquanto fator de extrema importância no que se refere à criança e ao adolescente, remonta ao século XIX, principalmente nos seus últimos 30 anos, quando, em função da ampla industrialização e da urbanização crescente, uma série de crianças com menos de 14 anos de idade apresentava condutas delinquenciais alarmantes1.

Assim, as atitudes de caráter criminoso transfiguram-se, sob o ponto de vista teórico, em uso ou irracionalidade, aproximando-se da loucura e demandando cuidados médicos, uma vez que subvertem os "valores básicos" da "natureza humana", sendo então passíveis de interpretação no contexto dos "selvagens da natureza" e, em consequência, de serem abordados sob a ótica das Ciências Naturais1.

Emminghaus (apud Stone2) considera a criança delinquente como emocionalmente doente, e não moralmente má. Essa visão estrutura-se basicamente na teoria das degenerações que, em seu sentido literal, significa "perda das qualidades"; entretanto, os naturalistas a utilizam para definir "...um desvio natural da espécie..." e, partindo Morel dessa concepção, vai considerá-la um desvio, para fins da espécie3.

A delinquência é então vista enquanto uma alteração antropológica definida como "desvios doentios do tipo normal da humanidade, hereditariamente transmissíveis, com evolução progressiva no sentido da decadência...", relacionando características psíquicas com disposições corporais, do mesmo modo que propõe uma característica de transmissão de caracteres físicos e morais, engendrando tipos antropológicos desviantes4.

Suas causas podiam ser físicas ou morais, embora se superpondo ao território frágil da predisposição (podendo essa ser hereditária ou adquirida). Essa teoria será retomada por Lombroso5, que vai considerar uma verdadeira classe de criminosos natos, categoria de degenerados cuja descompensação fazia-se indiscutivelmente de maneira antissocial. Cita-se, ainda, que grande parte das afecções psíquicas são efeitos da degeneração, ou seja, da ação da hereditariedade sobre os filhos de alcoólatras, sifilíticos, surdos ou daqueles afetados por outros quadros graves, como o uso de mercúrio, lesões cerebrais ou outros fatores que alteram profundamente o tecido nervoso5. Nesses, a apatia, a perda do senso moral, a impulsividade e outros sintomas associam-se a características físicas, como barba rala, dentes malformados, anomalias faciais e da cabeça, precocidade sexual e outras, já percebidas na criança. Essa visão lombrosiana é citada e defendida por Berardinelli6..

Nesse mesmo momento, Nobécourt & Bobonneix1 já referem para a etiologia da delinquência o papel da associação entre fatores pessoais e fatores sociais, citando Heuyer ao referir que "...a hereditariedade não determina um impulso fatal ao crime; a teoria lombrosiana do criminoso nato não tem mais partidários...". Embora esses autores frisem que existe certo número de tendências nocivas da criança, originárias do estado físico e psíquico de seus pais1. Holt7 também demonstra os estigmas da degeneração, dividindo-os em anatômicos, fisiológicos e psíquicos, dentro dos quais inclui, ao lado da insanidade, da idiotia e da imbecilidade, a delinquência moral e as perversões sexuais.

Da mesma maneira, Galton, em 1877 (apud Bringman et al.8), estabelecia relações entre tipos criminosos e suas características físicas, por meio de procedimentos fotográficos.

Também Ribot9 vai frisar, de maneira característica para a época, a importância da hereditariedade nos sentimentos e emoções.

Essas mesmas ideias aparecem no Brasil com Nina Rodrigues (apud Stubbe10), quando se refere ao "jagunço" como tendo a natureza feroz do índio, com seu temperamento belicoso e sua apatia contra as dores físicas, sendo seu espírito infantil e inculto e ele pertencente a uma raça inferior. Definia, assim, um substrato biológico e natural não somente para o crime, como também para a existência de raças inferiores com características de degeneração. Essas mesmas ideias, ainda que um pouco modificadas, são encontradas em Carvalhal Ribas11, cerca de 40 anos após.

No Brasil, essa visão aparecerá em trabalhos que são publicados já no início do século. Isso porque, conforme Antunes12, a Psiquiatria brasileira nasce no seio da medicina social com a "medicalização" das condutas, se constituindo em um esforço de reconstituição do pensamento médico que deveria constituir-se em uma técnica e conhecimento sobre a vida, sendo portanto, e sobretudo, uma ciência humana, fato esse paradoxal quando comparado ao conceito atual, vigente no modelo pragmático da Psiquiatria moderna. Portanto, vai considerar que a tendência ao crime é tão natural em idades menores quanto o é nos primitivos, devendo, por isso, ser encarada sob o ponto de vista filogenético, ainda que ressaltando que as causas deveriam ser buscadas não só na constituição biopsíquica, como também nas condições do meio. Mesmo assim, a busca sistemática de sinais de degeneração na criança com condutas delitivas é visível.

É interessante, entretanto, colocar-se a visão posterior de Roxo13, quando refere que da escola positiva do direito derivam a escola antropológica e a eclética, dizendo a primeira que o meio age sobre um indivíduo anômalo por nascimento e a segunda que as condições sociais defeituosas são a origem do fenômeno, sendo ele da opinião que ambas encarnam perfeitamente bem o ato delituoso.

Mesmo com as mudanças conceituais observadas no restante do mundo, onde se propõe que a melhor maneira de reabilitar crianças delinquentes seria por meio do afeto e da compreensão, uma vez que a agressividade representaria uma "reação de ódio" contra cuidadores anteriores2, a questão eugênica no Brasil, vinculada diretamente à questão racial, ainda se faz presente.

Embora a visão a respeito da delinquência fosse gradativamente alterada em todo o mundo, com Adelaide Johnson, na década de 1940, falando de uma "lacuna de superego" como um defeito na consciência dos pais que toleram todas as desculpas e transgressões nas normas sociais2, demonstrando nítida influência das correntes psicodinâmicas e sociais, em nosso meio a visão vigente continuava ligada a conceitos biologizantes, conforme observamos no trabalho de Teixeira Lima et al.14.

Também Silveira & Toledo15 referem que "...perversão de instintos e de caráter consequente a encefalite epidêmica...", reforçando a questão biológica em detrimento de aspectos sociofamiliares.

Essa discrepância de opiniões mostra exatamente duas tendências observadas na Psiquiatria brasileira. Uma, defendida por Márcio Nery desde 1886 (apud Antunes12), considerando antagônicas as duas ideias, crime e loucura. A outra, representada por Franco da Rocha, já em 1901 (apud Antunes12), reforçava as relações íntimas entre a delinquência e a anomalia mental, propondo que o "estudo das causas do crime seria uma armadilha imposta pela psicologia metafísica ligada à ultrapassada doutrina do livre-arbítrio em criminologia". Propunha, assim, considerar os estudos de Naecke, que apresentava "a castração como o meio mais seguro e menos dispendioso de impedir a propagação da espécie degenerada12. Ambas as tendências se refletirão nos anos seguintes.

Rocha16 expressa que atitudes dos pais e traços de caráter são relacionados, reforçando a relação transtornos de personalidade e atitude dos pais, contrapondo-se a Carvalhal Ribas11, que refere que "...em vista do ambiente apenas favorecer ou impedir a manifestação das disposições inatas do indivíduo, sem conseguir modificar o patrimônio hereditário, a Eugenia não abrangeu o estudo do meio, salvo como corolário. Coube à Eutécnica o objetivo de melhorar as condições do ambiente, a fim de torná-lo mais propício ao desenvolvimento das boas tendências do indivíduo...".

Michaux17 cita que "...a delinquência da criança e do adolescente aparece como dependente sobretudo de fatores sociais. É na cidade, nos bairros mais pobres onde as pessoas têm ocupações incertas e rudimentares, onde se encontra o alcoolismo, a sífilis, a tuberculose, e onde a família tende a não ser mais que uma palavra que não corresponde a uma realidade afetiva e moral, que se recrutam os jovens delinquentes".

Essas ideias embasam outras que sugerem que a delinquência juvenil seja vista sob a ótica de um contexto cultural, que supre o sistema de valores não honrado pelo transgressor2.

Nos anos 1970, Hoirisch18 refere que "...grande parte das desordens de comportamento na infância e na adolescência radicam no social, mais particularmente na microsociedade que é a família...". Assim, as ideias de que a família tenha fundamental importância na gênese do problema chegam ao nosso meio, caracterizando um modelo ainda hoje presente em nosso contexto.

Após isso, com a gradual influência da Psiquiatria norte-americana, pragmática e biologizante, poucos foram os trabalhos médicos preocupados com o tema, embora a visão médica continue procurando modelos explicativos baseados nas alterações individuais, que mesmo distante das ideias de Lombroso, passaram a ser procuradas nas alterações cromossômicas, no balanço de neurotransmissores e nos traumas de sistema límbico19, esquecendo-se que os fenômenos da violência e dos quadros delinquenciais se inserem em uma rede de modelos diferentes, sem uma hierarquia definida, sem limites rígidos, de maneira a se sobreporem continuamente.

Assim, partimos da premissa que a família tem importante papel no desenvolvimento infantil, sendo a personalidade a soma total das propriedades de um indivíduo enquanto ser humano distinto e fruto da hereditariedade e das forças ambientais. Essa multiplicidade de aspectos torna difícil sua pesquisa, uma vez que o próprio conceito de herança passa a ser considerado como multifatorial, com o fenótipo expressando a confluência do genótipo com as influências ambientais. Em função disso é que, pela precariedade de recursos, preferimos optar pela mera descrição e estudo dos grupos familiares envolvidos.

Esses comportamentos delitivos a que nos dispomos estudar se enquadram com grande frequência nos descritos como Transtornos de Conduta, de acordo com a CID 10a20, muitas vezes associados a abuso ou negligência parental, bem como a ambientes desorganizados e instáveis ou a pais com psicopatologia associada, embora sejam considerados em realidade como decorrentes de múltiplos fatores.

Lynam21 considera que usualmente são decorrentes de acúmulos de experiências negativas (alienação familiar, drogadição, criminalidade, abandono escolar) que dificultam novas oportunidades existenciais.

Considerando algumas dessas características é que estruturamos o presente trabalho, com o objetivo de verificar se podemos observar maior índice de condutas delitivas em famílias nas quais outros comportamentos similares já foram observados anteriormente.

 

MÉTODO

Foram analisados 60 adolescentes do sexo masculino, com idades entre 14 e 17 anos, 30 dos quais cumprindo medida educativa de internação na Fundação Estadual do Bem Estar do Menor de São Paulo (FEBEM) e 30 alunos do Ensino Médio da Rede Pública Estadual de escola da periferia de São Paulo.

Os adolescentes de ambos os grupos provinham de classe social caracterizada por subproletariado, conforme descrição de Lombardi et al.22.

Todos os adolescentes responderam ao questionário elaborado, contendo 17 questões que visavam esclarecer algumas características familiares, de modo a caracterizar as famílias envolvidas enquanto estrutura formal. Algumas das questões efetuadas permitiam esclarecimentos por parte do adolescente entrevistado.

Deve-se esclarecer que a medida de internação só é aplicada mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento reiterado e injustificável a medida anteriormente imposta23.

O projeto foi autorizado pela comissão de ética da FACIS-IBEHE e pela FEBEM-SP, bem como pelos pais dos alunos de ensino médio envolvidos.

 

RESULTADOS

O grupo experimental, composto por 30 adolescentes em medida socioeducativa na FEBEM, apresentou idade média de 16,8 ± 0,5 anos, ao passo que o grupo controle, proveniente de 1ª série do 2º grau de escola Estadual de bairro periférico de São Paulo, apresentou idade média de 15,2 ± 0,5 anos.

Os pais do grupo experimental apresentaram idade média de 46,6 ± 8,3 anos e as mães 40,7 ± 8,5 anos, enquanto que no grupo controle os pais tinham 44,6 ± 6,3 anos e as mães, 41,7 ± 5,3 anos.

As famílias do grupo experimental eram compostas por 6,6 ± 2,3 pessoas e as do grupo controle por 4,6 ± 1,4.

Enquanto o grupo controle não tinha problemas com a Lei, os motivos de reclusão do grupo experimental era relacionados a furtos na maioria dos casos (Tabela 1).

 

 

As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, o tipo de droga utilizada pelas duas populações avaliadas e por seus familiares.

 

 

 

 

Dentre os parentes da população da FEBEM, 30% apresentavam histórico de passagem pela mesma instituição (Tabela 4) e 56,7% cumpriram pena em penitenciária (Tabela 5).

 

 

 

 

Na Tabela 6, são listados os problemas legais que levaram os familiares das populações estudadas a cumprirem pena em penitenciária.

 

 

O índice de pais separados foi de 56,7% e 33,3%, respectivamente, na população da FEBEM e na população escolar (Tabela 7).

 

 

Em ambas as populações estudadas, a mãe constitui a pessoa a quem o adolescente recorre com maior frequência quando em dificuldades (Tabela 8).

 

 

A Tabela 9 enumera as expectativas relacionadas com o término do curso ou a saída da FEBEM.

 

 

DISCUSSÃO

As dificuldades familiares da população estudada já podem ser observadas a partir das Tabelas 1 a 5, quando observamos que 30% dos adolescentes em regime de reclusão apresentam familiares com passagens anteriores na mesma instituição socioeducativa ou em regime de detenção, bem como maior utilização de drogas ilegais (no caso maconha) pelo próprio adolescente e por seus familiares, dado esse diferente estatisticamente do observado na população considerada normal. Esses dados não diferem dos citados por Kramer et al.24, quando mostram a frequência da utilização de drogas em familiares de adolescentes em tratamento psiquiátrico por outras causas.

Da mesma forma são dados similares aos apresentados por Vreugdenhil et al.25, demonstrando alto índice de familiares de adolescentes com problemas judiciais que também apresentavam problemas similares. Smith & Farrington26 referem que, embora não se possa pensar de maneira linear, comportamentos antissociais em pais podem servir de preditores para condutas antissociais, nos filhos. No presente estudo, a maior frequência de delitos, tanto nos adolescentes como nos familiares, referiu-se a atentados contra o patrimônio, sem violência concomitante.

Neste trabalho verificou-se que as famílias que apresentam um membro com problemas de conduta punidos legalmente provavelmente têm outros elementos com problemática similar, possivelmente o problema da conduta delitiva afeta a família enquanto unidade, com o intercâmbio entre seus membros distribuindo as responsabilidades de disfunção ao longo do sistema27. As famílias vivem em acentuado estado de desequilíbrio em decorrência das dificuldades frente à conduta, sofrendo, como consequência, situações de tensão que alteram suas relações, dificultando a saúde emocional de seus membros.

A adoção de determinados padrões de comportamento e as atitudes com relação aos aspectos da vida passam a ser subordinadas quase que exclusivamente ao problema, conferindo-lhe característica de super-organização, o que leva ao estabelecimento de padrões familiares rígidos, que impossibilitam o processo de desenvolvimento individual e familiar, ocasionando padrões de repetição do problema.

Podemos aventar inclusive que, ao observarmos que 56,7% dos familiares dos menores infratores cumpriram pena (número esse estatisticamente significativo), é procedente a afirmação de Bordin & Offord28 de que crianças com comportamento antissocial tendem a permanecer antissociais na idade adulta. Isso ocorre, provavelmente, porque o sistema familiar não se desenvolve, e a desorganização e a angústia tornam-se inevitáveis.

As disfunções familiares podem ser aventadas também ao se observar a Tabela 7, que demonstra número elevado de famílias desorganizadas na população delinquencial, o que pode ser considerado um fator permanente de estresse para a população infantil, uma vez que não pode recorrer a um familiar quando se sente ameaçado ou em dificuldades (Tabela 8). Isso porque a família é uma instituição da sociedade, que deve proporcionar a seus elementos suportes emocional, econômico e social, que possibilitem seu desenvolvimento e sua inserção social, fato esse realizado aparentemente com dificuldades na população por nós estudada. Quando um de seus elementos é problemático, a tensão no sentido de compreender os processos normativos e atendê-los é grande, ou seja, o funcionamento das famílias sob condições incomuns de tensão leva-as à desorganização, não facilitando a saúde emocional e não favorecendo a inserção social29. Esse aspecto parece presente nessa população e também é observado no trabalho de Vitacco et al.30, que referem que pobres relacionamentos parentais também podem estar subjacentes a traços psicopáticos.

Os comportamentos disfuncionais interrompem a capacidade da família de manter adequadamente sequências de realização e preenchimento de necessidades de seus membros, que passam a ter seu senso de competência afetado, colaborando para tornar as funções do sistema disfuncionais. Isso também parece se apresentar na população avaliada neste estudo, quando observamos que, mesmo provindo do mesmo ambiente socioeconômico, suas perspectivas são bastante diferentes da população controle (Tabela 9), que demonstra maiores perspectivas e vislumbra maiores possibilidades de evolução. Assim, a continuidade intergeracional dessas condutas antissociais parece ocorrer com os filhos, dando continuidade às condutas anteriormente estabelecidas pelos próprios pais.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Francisco B. Assumpção Jr.
Rua Otonis, 697 - Vila Clementino
São Paulo, SP, Brasil - CEP: 04025-002
E-mail: clinica_drfrancisco@hotmail.com

Artigo recebido: 30/1/2013
Aprovado: 18/4/2013

 

 

Trabalho realizado como conclusão de curso de especialização em Saúde Mental Infantil na FACIS-IBEHE, São Paulo, SP, Brasil.