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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.30 no.93 São Paulo  2013

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Estratégias metacognitivas como intervenção psicopedagógica para o desenvolvimento do automonitoramento

 

Metacognitive strategies and psychopedagogical intervention for the development of self-monitoring

 

 

Cláudia DantasI; Camila Cruz RodriguesII

IPedagoga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Pós-graduada, lato sensu, em Psicopedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP, atua como pedagoga (professora e coordenadora) em escolas particulares e como psicopedagoga clínica, São Paulo, SP, Brasil
IIProfessora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de metacognição está relacionado à consciência e ao automonitoramento do ato de aprender. É a aprendizagem sobre o processo da aprendizagem ou a apropriação e comando dos recursos internos se relacionando com os objetos externos. A metacognição é a capacidade do ser humano de monitorar e autorregular os processos cognitivos. O presente trabalho constitui-se de um levantamento bibliográfico do tema metacognição como intervenção psicopedagógica para o desenvolvimento do automonitoramento. O objetivo deste estudo foi investigar, nos trabalhos selecionados, conceito de metacognição, instrumentos utilizados nas pesquisas, público alvo, formas de intervenções psicopedagógicas e principais achados. Foi realizado levantamento de artigos nacionais publicados sobre o tema nas principais bases de dados SciELO, Capes, BVS-Psi e PePSIC. Dentre os artigos encontrados, foram selecionados cinco estudos, por apresentarem pesquisas de campo com estudantes, cujo enfoque foi a identificação dos recursos metacognitivos para a aprendizagem. A partir desse levantamento, foi realizada análise demonstrativa entre os estudos elencados. Dentre os cinco estudos analisados, foi observado que quatro deles estavam voltados a pesquisas sobre processos de leitura de textos genéricos e o último buscou investigar processos de interpretação de textos de problemas matemáticos. A faixa etária de universitários foi predominante, com enfoque na análise da formação de estudantes. Diante dos resultados, a discussão voltou-se à necessidade de se desenvolver a metacognição no processo educativo.

Unitermos: Aprendizagem. Metacognição. Automonitoramento. Intervenções pedagógicas.


ABSTRACT

The concept of metacognition is related to the perception and the self-monitoring of the learning process, it is learning about the process of learning or the appropriation and control of the internal resources that are connected to the external objects. Metacognition is the human ability of monitoring and self regulate the learning processes. This paper is aimed to a bibliographical research about metacognition as a psychopedagogical intervention for the development of self-monitoring. The objective is to analyze the concept of matacognition, the elements used in the researches, the target audience, the intervention methods and the main conclusions in the given essays. The method involved the search of Brazilian articles on the subject based on the following data bases: SciELO, Capes, BVS-Psi e PePSI. Among the articles found, five of them were considered for their field research with students, which focused on the identification of the resources of metacognition for learning. These articles were analysed based on five criteria: metacognition concept, population, tools used, intervention methods and main conclusions. Four of the essays are about the analysis of the reading process of general texts and one is about the interpretation of mathematics problems. Due to the focus on the education we selected university students, thus the discussion went towards the necessity of the development of the metacognition for the learning process.

Key words: Learning. Metacognition, Self-monitoring. Pedagogic intervention.


 

 

INTRODUÇÃO

Por um longo período, os estudos sobre os processos da aprendizagem humana estiveram voltados aos aspectos motivacionais e às capacidades cognitivas. A metacognição, segundo a literatura da pedagogia da aprendizagem, data de um período recente1. A partir da década de 1970, foram realizados os primeiros trabalhos sobre os processos metacognitivos, tendo destaque o psicólogo norte americano John Hurley Flavell, um dos fundadores da psicologia social cognitiva do desenvolvimento, ele foi um dos primeiros psicólogos a estudar as formas pelas quais as crianças pensam sobre seus processos de pensamento - a metacognição. Flavell foi pioneiro nos estudos sobre as teorias da psicologia do desenvolvimento e fez um grande estudo voltado à obra de Piaget1.

O conceito de metacognição está relacionado à consciência e ao automonitoramento do ato de aprender, é a aprendizagem sobre o processo da aprendizagem ou a apropriação e comando dos recursos internos se relacionando com os objetos externos. A metacognição é a capacidade do ser humano de monitorar e autorregular os processos cognitivos1, a consciência sob os múltiplos significados dessa palavra2. Apesar de esse conceito ter sido denominado há poucas décadas como metacognição, os princípios metacognitivos foram bastante explorados por teóricos da Psicogenética, com destaque para Piaget e Vygotsky. Piaget, que foi fonte dos estudos de Flavell, em sua teoria das fases do desenvolvimento do pensamento, deixa subjacente os princípios metacognitivos. Quando discute a teoria da gênese e do equilíbrio, deixa claro o processo contínuo e progressivo de adaptação ao meio, o que remete ao constante reajustamento das estruturas mentais às transformações exteriores, rumo a uma adaptação sempre mais precisa à realidade concreta ou virtual3.

"Não existem estruturas inatas: toda estrutura supõe uma construção. Todas essas construções estão ligadas em cadeia a estruturas anteriores... gênese e estrutura são indissociáveis...entre uma estrutura como ponto de partida e uma estrutura, mais complexa, como ponto de chegada, se situa a gênese... A gênese é a passagem de um estado anterior para um ulterior... Nesta relação mais íntima entre estrutura e gênese está o equilíbrio. Equilíbrio é um sistema de compensações progressivas; quando estas compensações são alcançadas, ou melhor, logo que o equilíbrio é obtido, a estrutura está constituída em sua reversibilidade"4.

Portanto, conforme o pensamento se desenvolve, esses movimentos vão se tornando mais explícitos e o aprendiz vai adquirindo maior consciência dos mesmos. A metacognição também é um processo cognitivo2. Na fase das operações formais (a partir dos 12 anos), quando se conquista um pensamento abstrato e complexo, quando se marca o término das operações construídas, o pensamento passa da constatação à busca por compreender os processos de transformação, adquire aí a capacidade de pensar sobre pensamentos alheios, mas também sobre seus pensamentos, o que evoca uma ação metacognitiva4.

"A inteligência formal marca a libertação do pensamento e não é de admirar que este use e abuse, no começo, do poder imprevisto que lhe é conferido. Esta é uma das novidades essenciais que opõe a adolescência à infância: a livre atividade da reflexão espontânea"4.

Se na perspectiva de Flavell, a metacognição está relacionada ao conhecimento do próprio conhecimento e ao conhecimento dos mecanismos do pensamento para aprender, Piaget evoca esses dois movimentos ao definir o pensamento formal como capaz de compreender, interpretar e construir sistemas e teorias abstratas. Nessa inter-relação com o conhecimento, que não é mais concreto ou real, em que se faz necessário um pensamento hipotético-dedutivo, o sujeito passa a ser capaz de deduzir as conclusões por puras hipóteses, o que envolve um trabalho mental muito maior. O avanço nesse pensamento hipotético-dedutivo vai gerar a construção de novos conhecimentos. E a intenção em aprimorar novas conquistas tende a proporcionar conhecimento sobre mecanismos próprios de aprendizagem. Ao perceber dificuldades na relação com o conhecimento, o sujeito vivencia o conflito, o desequilíbrio e, nesse sentido pode surgir o recuo ou o desejo de superação. Se este segundo estado predominar, despertará no sujeito sua percepção para outras estratégias de superação das dificuldades4.

A segunda teoria que vem contribuir fortemente com essa questão é ilustrada a partir dos estudos de Vygotsky e da Escola Soviética de Psicologia, da qual ele foi fundador e é a principal corrente que deu origem ao socioconstrutivismo. Ao se analisar essa teoria, que também data de muito antes das primeiras denominações sobre metacognição, identifica-se que seus elementos centrais também estão intrinsecamente ligados aos princípios metacognitivos.

Para Vygotsky5, a natureza humana só podia ser compreendida ao se levar em conta a realidade sociocultural dos indivíduos. Quanto ao desenvolvimento da criança, Vygotsky5 afirma que esse processo está relacionado a conceitos de transformação, conflito e processos de superação, que se estabelecem na relação entre fatores internos e externos. E acrescenta que os seres humanos dominam seu próprio comportamento pautados, primeiro, nos meios externos e, posteriormente, por meio de operações internas mais complexas. Assim, explicita que as intervenções externas promovem mecanismos internos de autorreflexão e autodomínio do comportamento. Segundo ele, o aprendizado da criança inicia muito antes de ela ir para a escola, aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde seu nascimento. O aprendizado possibilita e impulsiona o desenvolvimento das características psicológicas tipicamente humanas e culturalmente organizadas5.

Outro aspecto a ser destacado na teoria vygotskyniana que contribui ao presente estudo é a análise quanto aos níveis de desenvolvimento da aprendizagem. Vygotsky5 afirma que o ensino, no conceito empírico, deve ser combinado de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança. E ressalta que a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Os processos de ensino e aprendizagem proporcionam o acesso da criança à cultura do meio em que vive, lhe traz conhecimentos construídos e acumulados pela ciência e a relação com esses conhecimentos se dá por procedimentos metacognitivos, que são centrais ao próprio modo de articulação dos conceitos científicos6.

Vygotsky5 identifica dois níveis de desenvolvimento. O primeiro, que denominou de real ou efetivo, é referente às funções ou capacidades que a criança já aprendeu e as executa com autonomia, quando não necessita mais do auxílio de alguém mais experiente para realizá-las. Essa conquista revela processos mentais que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram. O segundo nível, que denomina de desenvolvimento potencial, se refere às capacidades em vias de desenvolvimento, ainda em processo5. A criança é capaz de realizar, porém mediante ajuda de um adulto ou companheiros mais experientes, que pode ser por meio de diálogo, colaboração, imitação ou compartilhamento de experiências. A distância entre esses dois níveis de desenvolvimento - nível de desenvolvimento real e nível de desenvolvimento potencial - é o que Vygotsky5 identifica como zona de desenvolvimento potencial ou proximal, que define funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação. Ele as compara a "brotos" ou "flores" do desenvolvimento, ao invés de "frutos" do desenvolvimento que estão por vir5.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal propõe ao adulto educador a possibilidade de identificar os processos maturacionais que já foram concluídos, ou seja, as funções e as capacidades que a criança já aprendeu, como também lhe traz a percepção para identificar os processos que estão em estado de formação4, podendo assim o educador intervir.

"A ZDP enfocaria precisamente o hiato entre as capacidades reais e potenciais, crucial na avaliação e no ensino, realçando o papel da aprendizagem na promoção do desenvolvimento - a mediação como mola propulsora dos avanços cognitivos"3.

Essa concepção teórica favorece uma valiosa integração entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. A prática educativa, pautada nesse princípio, atua na perspectiva do futuro imediato do aprendiz e o impulsiona para o desenvolvimento de capacidades que estão em formação.

Para Vygotsky5, o desenvolvimento das funções mentais superiores ou, como podemos denominar, da metacognição, é anterior à compreensão do conceito. Logo, "para submeter uma função ao controle da volição e do intelecto, temos primeiro que nos apropriar dela"5.

A atuação do educador, nesse contexto, se dará diante das relações entre o desenvolvimento interno da criança e as condições externas do meio que a cerca. Assim, a ação educativa não será diretiva e unilateral, e sim contextualizada no meio social, suas propostas deverão criar a possibilidade de trocas entre os aprendizes, as quais irão gerar a observação, a imitação, o questionamento, a oposição e outros movimentos entre as crianças, gerando construção de conhecimento e desenvolvimento compartilhado no meio social5. Tais movimentos podem ser intrinsecamente relacionados aos princípios metacognitivos.

O aprendiz que se desenvolve nesse modelo tem a possibilidade de identificar seus movimentos de aprendizagem. Diante de propostas que estão na zona proximal de desenvolvimento, facilidades, conflitos e dificuldades do aprendiz tendem a se revelar, porque o espaço para a aprendizagem é genuíno e dinâmico. Nesse contexto, a linguagem ganha um papel primordial. Para Vygotsky7, a linguagem, como movimento de expressão, é sempre uma fala social e exerce um papel de autorregulação do comportamento. A linguagem se reflete no desenvolvimento de forma ativa, ao permitir a compreensão da realidade a partir das categorias linguísticas que evoluem e tornam o aprendiz capaz de avaliar e planejar suas ações7.

Diante dessa teoria de Vygotsky, o desenvolvimento do pensamento, pautado no desenvolvimento da linguagem, pode ser interpretado como o primeiro requisito para o aprimoramento das capacidades metacognitivas.

Na perspectiva metacognitiva, Flavell propõe um ensino no qual devem ser incluídos, explicitamente, os métodos de autorregulação, permitindo ao sujeito o monitoramento e a supervisão do uso de seus recursos cognitivos8. Aqui está ampliando o conceito de metacognição para além da consciência do aprender, está tratando de um nível mais complexo do pensamento, relativo ao controle dos mecanismos da aprendizagem.

Ao se cruzar a teoria desses três autores de referência - Flavell, Piaget e Vygotsky - o ponto de destaque é o conceito de metacognição como um modelo de ação, que vai se constituindo conforme o sujeito se desenvolve para essa capacidade de pensar sobre seu pensamento.

As tamanhas habilidades que regem as ações metacognitivas do aprendiz exigem a utilização de mecanismos cerebrais bem complexos, que resultam em planificação, verificação, monitoração, revisão e avaliação das realizações cognitivas1.

Desde o momento da concepção, os seres humanos passam pelos processos de desenvolvimento cerebral que se ampliam a cada fase da vida, conforme as condições biopsicossociais da pessoa. A Neurociência e a Neuropsicologia são áreas relativamente novas, que se propõem a esse campo de investigação científica. Entretanto, os primeiros trabalhos que inspiram o surgimento dessas ciências são muito antigos. Data de 1877, por exemplo, a primeira publicação de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução, sobre o desenvolvimento sensorial, cognitivo e emocional de seu filho durante seu primeiro ano de vida9.

Para a Neuropsicologia, uma das manifestações mais desenvolvidas das ações do pensamento se refere ao controle voluntário e consciente sobre o ambiente e à ação necessária para administrar contingências em função de um objetivo10. Nesse sentido, há outro ponto importante, relativo ao encadeamento entre sensação, cognição e ação, o que está diretamente relacionado com os âmbitos cognitivo, emocional e social.

"O córtex pré-frontal desempenha um papel fundamental na formação de metas e objetivos; a seguir, no planejamento de estratégias de ações necessárias para a consecução destes objetivos. Ele seleciona as habilidades cognitivas requeridas para a implementação dos planos, coordena estas habilidades e as aplica em uma ordem correta. Finalmente, o córtex pré-frontal é responsável pela avaliação do sucesso ou do fracasso de nossas ações em relação aos nossos objetivos"11.

De acordo com Goldberg11, as capacidades cognitivas dependem dos lobos frontais e evoluem com eles. Ao longo do desenvolvimento da humanidade, essas capacidades foram evoluindo conforme as gerações avançavam. Assim, todo o desenvolvimento da linguagem e das capacidades de observar, investigar e interpretar o mundo e a capacidade de fazer ciência só foram possíveis graças ao desenvolvimento concatenado dessa função de coordenar a cognição. Ele afirma que, nas conquistas do desenvolvimento cognitivo está a capacidade de formular os objetivos, o que nada mais é que a representação do "eu"11.

Dessa forma, o aparecimento da autoconsciência na evolução humana está diretamente ligado à evolução dos lobos frontais. Esse conceito de autoconsciência pode ser decomposto em ações que requerem consciência de si e dos objetivos, ações que demandam localização de informações, planejamento, monitoramento, iniciativa, inibição, avaliação e retomada de decisão, todos voltados à administração entre os estímulos externos e as capacidades internas ou cognitivas11.

Ao desenvolver essa análise sobre metacognição, o presente trabalho visa à investigação de determinados aspectos, como conceito de metacognição, instrumentos de pesquisa utilizados, público alvo, formas de intervenções psicopedagógicas e principais achados de estudos de campo que abordaram o tema metacognição.

 

MÉTODO

Este levantamento foi realizado nas principais bases de dados de artigos científicos sobre o assunto, SciELO, PePSIC, BVS-Psi e Capes, utilizando os seguintes descritores combinados: metacognição e intervenção psicopedagógica, escritos na língua portuguesa, durante o período de 1997 a 2011. Entre os artigos encontrados, foram selecionados aqueles voltados à pesquisa de campo e excluídos os destinados a levantamento bibliográfico.

A escolha, quanto ao período de publicações, justifica-se porque o termo metacognição passou a ser utilizado na literatura científica bem recentemente, apesar de seu conceito estar presente em teorias bem remotas na literatura científica da educação.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram selecionados 5 artigos que realizaram estudos com pesquisas de campo feitas no Brasil, entre os anos de 2001 a 2011. Foi predominante a investigação de como a metacognição pode ser localizada nas manifestações do aprendiz diante do seu processo de aprendizagem e de como o automonitoramento pode ser internalizado nas diferentes faixas etárias como garantia de eficácia na aprendizagem.

Dentre os autores de referência, há uma diversidade de nomes, entretanto há uma identidade nas definições. O ponto em comum está em identificar a metacognição como um comportamento do aprendiz na sua inter-relação com o conhecimento, o que envolve a percepção do objeto e de si e o controle dos seus recursos, o automonitoramento.

Vale destacar, em princípio, o trabalho de Joly12, em que a autora relaciona metacognição com função executiva. Ela traz o modelo proposto por Fernandez-Duque, Baird e Posner em que metacognição é vista como um sistema com função executiva. Nesse contexto, a autora explora a ideia de que a função executiva possibilita o redirecionamento de rotas de ação para resolver problemas de compreensão de texto durante a leitura. Também faz referência aos autores Zelazo, Reznick, Carter e Frye, os quais associam função executiva com metacognição como uma ação integrada nos processos cognitivos, com destaque à representação (imagem mental do problema e suas possíveis soluções), ao planejamento (definição de etapas e tarefas para a solução), à execução (realização de cada etapa planejada) e avaliação (análise do processo e do resultado)12.

As definições de Flavell, que são destacadas no início do presente estudo, também são referência nos trabalhos de Joly12 e Vieira13. Voltada à representação mental na resolução de problemas, Vieira13 destaca a seguinte definição:

"Metacognição é o conhecimento que cada um tem dos seus próprios processos e produtos cognitivos ou de qualquer aspecto com eles relacionados; envolve monitoramento ativo e consequente regulação desses processos em relação à cognição, usualmente no serviço de algum objetivo concreto13.

Entre os cinco trabalhos analisados, quatro estiveram voltados a investigar os processos de leitura, com predomínio da faixa etária de universitários, um apenas voltou-se à pesquisa com professores de alunos do Ensino Fundamental13. Este último trabalho esteve voltado à investigação cognitiva dos professores do Ensino Fundamental a respeito da Representação Mental (RM) durante a leitura de problemas matemáticos para a resolução. Esse enfoque também pode ser conceituado como uma investigação em torno da leitura, apesar de envolver habilidades e conhecimentos da Matemática. Assim como destaca a autora, a raiz das dificuldades na resolução de problemas com enunciado verbal corresponde também às dificuldades13.

Chama bastante atenção o fato de esses estudos sobre metacognição darem tanta relevância à leitura e à escrita, mesmo aquele que se propõe a tratar da matemática está focado na leitura de um texto matemático. Isto é representativo no que diz respeito à amplitude cognitiva que a leitura requer no contexto da aprendizagem. Na escola, a leitura é ao mesmo tempo objeto de ensino e meio de aprendizagem, além de prática social e cultural relevante13. Portanto, as estratégias metacognitivas de leitura são contribuições para as diferentes áreas do conhecimento. Joly destaca a aprendizagem da leitura como um dos processos mais difíceis de monitoramento e traz a afirmação de que para ser um leitor proficiente implica em usar estratégias para facilitar a compreensão12.

O predomínio da faixa etária de universitários presente nas pesquisas é outro aspecto que chama atenção. Esse fato vem retratar uma problemática na educação brasileira, o baixo nível de leitura que os jovens chegam às universidades, o que pode ser relacionado à carência de estratégias metacognitivas frente à leitura. E essa problemática é ampliada para a condição que o professor de escola fundamental pode apresentar frente à leitura de problemas matemáticos13.

Quanto aos instrumentos utilizados, encontra-se uma grande diversidade, passando pelo protocolo verbal, questionário informativo e os diferentes testes convencionais, com destaque à aplicação de um teste sob o uso de um texto de Fernando Veríssimo, apresentado no trabalho de Cantalice & Oliveira14. Na pesquisa de Boruchovitch & Gomes15, curiosamente, os diversos materiais utilizados com o GE (Grupo Experimental) foram textos narrativos, tirinhas em quadrinhos, cartazes com figuras ilustrativas de ensino e aprendizagem, questionário e um jogo Bingo Melhor Estudante (BME). É notável que a utilização de testes objetivos dá subsídios significativos ao pesquisador, no entanto, a testagem sob o uso de textos literários é apontada com igual eficiência.

Diante das intervenções apresentadas nos estudos, as estratégias metacognitivas são desenvolvidas sob diferentes possibilidades, entretanto sempre pautadas em ações, que segundo seus princípios, voltadas ao automonitoramento durante o processo de aprendizagem. Frente aos problemas matemáticos, Vieira13 defende que o leitor deve ser ensinado a fazer uma planificação e organização de esquemas mentais sobre os problemas, o que envolve codificação, combinação e comparação seletiva. Em sua conclusão, garante ter colocado à disposição dos professores ferramentas indispensáveis para a melhoria do ensino, as quais denomina como representações, estratégias cognitivas e metacognitivas. Seu trabalho exemplifica que as ações metacognitivas podem ser mais efetivas para o ensino quando vivenciada pelos professores frente aos objetos do conhecimento13.

No trabalho de Cantalice & Oliveira14, as autoras defendem o desenvolvimento da capacidade do leitor de planejar, monitorar e regular seu pensamento, antes, durante e após a leitura14. Estratégia esta que se completa pelas determinações de Boruchovitch & Gomes15 quanto a reflexões metacognitivas sobre porque e em quais situações utilizá-las e complementa com estratégias de apoio motivacional15.

Neves et al.16 especificam estratégias, dentre as quais descrevem didaticamente: incompreensão monitorada, construção de hipótese, relação de informação entre sentenças e parágrafos, pergunta-resposta e resumo mentalmente elaborado. E ainda acrescentam mais três estratégias encontradas na literatura: juízo de valor, evocação e repetição. Cada uma dessas estratégias instrumentaliza o leitor a estabelecer, com o texto, uma relação intrínseca, de domínio e controle. Os autores, segundo suas referências teóricas, relatam o sucesso obtido com o uso de estratégias para o desenvolvimento das capacidades de automonitoramento com crianças do ensino fundamental16.

Nesse ponto, vale retomar a teoria de Vygotsky quando este afirma que a linguagem, como movimento de expressão, é sempre uma fala social e exerce um papel de autorregulação do comportamento. Para ele, a linguagem se reflete no desenvolvimento de forma ativa ao permitir a compreensão da realidade a partir das categorias linguísticas que evoluem e tornam o aprendiz capaz de avaliar e planejar suas ações7. Essas ações podem ser relacionadas às estratégias metacognitivas de leitura que são propostas nos artigos em destaque. E a prova disto é o fato de se constatar, a todo momento, os princípios metacognitivos nas teoria psicogenética de Vygotsky dentre outros.

Diante dos principais achados nos cinco artigos selecionados, cabe destacar as conclusões de Joly12. Seu trabalho traz a confirmação sobre a importância da metacognição como função executiva na solução de problemas, responsável por planejar, monitorar e avaliar informações para a escolha da melhor resposta12. A Neuropsicologia, ao definir o desenvolvimento dos lobos frontais, está se referindo, dentre outros processos, ao desenvolvimento das funções executivas. Como é citado no início deste estudo, de acordo com Goldberg11, as capacidades cognitivas dependem dos lobos frontais e evoluem com eles. Isso demonstra o quanto às intervenções metacognitivas visam ao desenvolvimento de ações que requerem a autoconsciência, habilidade esta que, segundo os estudos, é conquista recente no processo de evolução humana. E ainda, segundo o autor, a autoconsciência requer consciência de si e dos objetivos, ações que demandam localização de informações, planejamento, monitoramento, iniciativa, inibição, avaliação e retomada de decisão, todos voltados à administração entre os estímulos externos e as capacidades internas ou cognitivas11.

Nesse movimento entre estímulos externos e capacidades internas ou cognitivas, o contexto escolar ganha um lugar de destaque. O educador informado e atento estará sempre planejando sua prática de ensino pautada nas observações dos processos de aprendizagem expressos pelo aluno. Sua observação implica em identificar intervenções que resultem na construção do automonitoramento e isso pode ocorrer em situações individuais entre educador e aluno ou em situações coletivas entre educador e grupo ou aluno e aluno. Aqui também vale destacar que o olhar investigativo do educador deve pressupor uma avaliação cotidiana do seu planejamento de acordo com seus objetivos e diante das respostas advindas dos alunos.

Nos estudos de La Taille6 sobre a teoria de Vygotsky, a autora retrata que diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico. Então, grupos culturais que não dispõem da ciência como forma de construção de conhecimento, funcionam intelectualmente em conceitos espontâneos, aprendem pela experiência concreta e pessoal. Isso significa que a aprendizagem de seus membros não é mediada por atividades metacognitivas, as quais são típicas do conhecimento estruturado da ciência6.

Dentre os aspectos apontados, esse parece ser um ponto relevante de toda discussão. Isto porque, ao identificar a ciência como estrutura fundante para a construção de conhecimento nessa sociedade contemporânea, associa diretamente a metacognição à estrutura do pensamento científico.

Entretanto, não se deve correr o risco de se reduzir essa reflexão a uma classificação hierárquica ou discriminatória entre pensamento científico e pensamento de povos de outros contextos culturais. Nesse sentido, há uma rica contribuição de uma segunda área analítica sobre os comportamentos humanos - a Antropologia. E cabe destacar o primeiro capítulo da obra "O Pensamento Selvagem", "A Ciência do Concreto", de Lévi-Strauss17, em que o autor compara o pensamento dos "selvagens" com o pensamento científico moderno. Para ele, o pensamento dos povos tribais é de caráter concreto, relacionado à observação sobre o meio, enquanto que o pensamento científico é baseado em conceitos abstratos. Ambos não são contraditórios, mas alternativos e seguem paralelos. O primeiro opera a partir de signos e o segundo a partir de conceitos17.

Essa reflexão vem ilustrar este trabalho numa perspectiva mais ampla, com intuito de abrir a discussão. A questão final a ser colocada diz respeito ao fato de que outras formas de aprendizagem, como a aprendizagem sob um pensamento concreto, requerem também mecanismos cerebrais que resultam em funções cognitivas de automonitoramento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o objetivo do presente trabalho de selecionar e investigar pesquisas sobre metacognição, a partir de uma análise detalhada sobre aspectos estruturantes do termo, espera-se ter trazido uma significativa contribuição com essa revisão de literatura, com os apontamentos teóricos que foram aqui descritos.

Essa contribuição visa a retratar também o fato de que a formação tanto de alunos como de educadores, quando pautada somente em teorias psicogenéticas, pode não estar nomeando aspectos do desenvolvimento humano como ações metacognitivas ou mecanismos de automonitoramento das funções executivas. No entanto, é possível perceber a intrínseca relação existente entre as teorias remotas e as teorias mais recentes que já se utilizam dessas nomenclaturas.

Outra constatação importante é quanto ao predomínio da faixa etária de universitários nas pesquisas aqui elencadas. Isso demonstra a grande preocupação que há no país com as baixas condições de aprendizagem do jovem universitário, o que leva a crer o quão importante são as ações metacognitivas nos processos educativos que antecedem a universidade e na sua continuidade.

Todavia, as habilidades de leitura e escrita ganham um lugar de destaque em todos os trabalhos aqui analisados. Isso é revelador e, do mesmo modo, devem ser bem desenvolvidas ao longo de toda escolaridade. Um domínio amplo sobre as estruturas linguísticas e textuais proporciona ao aprendiz uma apropriação de nível elevado sobre o objeto de estudo, seja pela autonomia, pela consciência dos seus processos ou pela busca de novas estratégias de aprendizagem.

O ponto que finaliza este estudo é uma proposta tímida e apenas ilustrativa, mas que pode despertar no leitor outros interesses de pesquisa. Trata-se da relação existente entre os preceitos metacognitivos e os pontos de análise que podem ser estabelecidos sobre as diferentes formas culturais de aprendizagem. A discussão entre diferentes frentes do conhecimento pode gerar aquisições importantes para que se saiba lidar com as limitações a partir das observações que se pode ter sobre distintas realidades culturais.

 

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Endereço para correspondência:
Cláudia Dantas
Av. Prefeito Fábio Prado, 670 - apto. 74 - Vila Mariana
CEP 04116-000, São Paulo, SP, Brasil
E-mail: mc.dantas@ig.com.br

Artigo recebido: 22/8/2013
Aprovado: 8/11/2013

 

 

Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.