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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.31 no.94 São Paulo  2014

 

ARTIGO ESPECIAL

 

O papel do psicopedagogo em relação ao bullying

 

The role of psychopedagogists relative to bullying

 

 

Adalgisa Conceição Ferreira da SilvaI; Alice Maria Figueira Reis da CostaII

IProfessora do Ensino Fundamental na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Especialista em Psicopedagoga pelo Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIProfessora especialista em Psicopedagogia e Educação Especial da Faetec/Escola Especial Favo de Mel e SME/Rio. Orientadora acadêmica dos cursos de especialização lato sensu na modalidade EAD do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). Coorientadora deste trabalho de conclusão de curso, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Nosso interesse pelo bullying partiu inicialmente do destaque desse assunto na mídia, e de como esse problema pode afetar nossa escola. O estudo dessa temática teve como ponto de partida conversas com professores, especialistas, funcionários e depois com pais e comunidade. Por essas discussões que ocorreram em várias redes sociais de diferentes níveis socioeconômicos, de um caso concreto diagnosticado dentro de sala de aula, se fez necessário este estudo direcionado ao processo educacional para que os membros da comunidade escolar estejam atentos a esse vilão que permeia a educação do século XXI e elaborem planos de ação em que valores éticos e políticos tão esquecidos em tempos atuais onde o individualismo impera, contribuem para que a prática do bullying venha a diminuir e até mesmo se extinguir de nossas escolas.

Unitermos: Bullying. Violência. Hostilidade. Instituições Acadêmicas.


SUMMARY

Our interest in the bullying started initially highlight this issue in the media, and how this problem can affect our school. The study of this subject as a starting point had conversations with teachers, experts, officials and then with parents and community. For these discussions that occurred in various social networks from different socioeconomic levels, a case diagnosed within a classroom, this study was necessary to the educational process directed to members of the school community are aware of this villain that permeates education XXI century and develop action plans in which ethical and political values as forgotten in modern times where individualism reigns, that contribute to bullying will decrease and even become extinct in our schools.

Keywords: Bullying. Violence. Hostility. Schools.


 

 

INTRODUÇÃO

Neste estudo, abordamos inicialmente o conceito de "bullying", sistematizando o consenso internacional já alcançado a respeito da especificidade dessa manifestação da violência, além de assinalar as imperfeições e ambiguidades ainda presentes na demarcação do fenômeno.

Apresentamos o estudo de caso em uma escola particular na zona norte do Rio de Janeiro, em 2011, juntamente com um projeto empregado e os resultados obtidos, interpretando-os com base na literatura especializada.

Por fim, concluímos o trabalho apresentando uma breve análise sobre a questão do "bullying" nas escolas e como o psicopedagogo pode atuar. Permitindo-nos apresentar sugestões em torno do desafio de se combater esse mal que não pode mais ser aceito e suportado pela sociedade.

 

BULLYING: VIOLÊNCIA E CONTEMPORANEIDADE

Brincadeiras de mau gosto, como chamar o colega de gordo, magricelo, feio, dentuço, ou seja, brincadeiras que de alguma forma tendem a ofender os colegas, estão presentes no cotidiano das salas de aula e a partir do momento em que essas vítimas passam a sofrer as consequências oriundas dessas brincadeiras, seja elas no âmbito afetivo ou na aprendizagem, essa criança se torna mais uma vítima do bullying.

O bullying é um problema mundial que vem se disseminando largamente nos últimos anos e que só recentemente vem sendo estudado no Brasil. Segundo Fante1, bullying pode ser definido como "um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem um motivo evidente, adotado por um ou mais alunos contra outros, causando sentimentos negativos como raiva, angustia, sofrimento e, em alguns casos, queda do rendimento escolar".

Fante1 acrescenta que o bullying escolar se resume em insultos, intimidações, apelidos constrangedores, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuações em grupo que hostilizam e ridicularizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos, psíquicos, danos na aprendizagem. Muitos psicólogos o chamam de violência moral, permitindo diferenciá-lo de brincadeiras entre iguais, propicio do desenvolvimento de cada um. A esse respeito, Fante1 identificou uma diferença:

"O bullying é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, seja a propriedade de causar traumas ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos".

Portanto, o conceito deve ser compreendido como um comportamento ligado à agressividade física, verbal ou psicológica, exercida de maneira contínua dentro do ambiente escolar.

 

ESTUDO DO FENÔMENO NAS ESCOLAS BRASILEIRAS

No Brasil, ainda são poucas as pesquisas, porém, as condições mais amplas de natureza social, econômica e cultural em nosso país denotam à lidar com a possibilidade de indicadores ainda mais expressivos da violência. Os primeiros estudos acerca desse tema iniciaram em escolas do interior de São Paulo, após ataques agressivos e violentos de alunos, vitimando colegas e funcionários.

Sendo adotado o mesmo termo da maioria dos países "bullying", traduzido como "valentão", "tirano" e com o verbo brutalizar, amedrontar. Assim sendo, essa definição traduz o conjunto de comportamentos agressivos caracterizados pela repetição e desequilíbrio de poder, pelo fato da vítima não conseguir se defender, por ser menor, com menos força ou não apresentar agilidade física e pouca flexibilidade psicológica, perante o autor dos dois ataques.

Embora poucos estudos sobre o tema tenham ocorrido, percebemos a gravidade e a dimensão da violência vivenciada nas escolas brasileiras, variando estas desde a agressividade a atos de roubo de objetos de alunos e professores, sendo esse último a ocorrência mais comum, muitas vezes vista até como algo banal.

Segundo Fante1, no Brasil, de acordo com pesquisas, o bullying ocorre, com mais frequência dentro da sala de aula, diferentemente, de pesquisas internacionais que apontam que o bullying ocorre com mais frequência nos intervalos e horários de entrada e saída da escola. Outro dado importante é que a maioria dos autores de bullying relata que nunca foram repreendidos ou advertidos por conta disso. Assim sendo, as formas de violência sofridas por crianças e adolescentes continuam desconhecidas ou subestimadas.

 

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOPEDAGOGIA

A Psicopedagogia visa, justamente, ao desenvolvimento de um trabalho com a criança, a família e a escola, sensibilizando-os sobre a importância de sua conduta. Institucionalmente, o trabalho psicopedagógico contribui para a prevenção ou diminuição de dificuldades de aprendizagem, objetivando favorecer um ambiente educacional saudável que não estimule bloqueio ou limitação da aprendizagem, por meio da aplicação de métodos preventivos com os alunos, a equipe de profissionais e a família. Ademais, visa à detecção de problemas já instalados e, caso necessário, propor mudanças na estrutura geral da escola, na conduta de profissionais específicos e/ou encaminhar o discente a um clínico.

A Psicopedagogia vem atuando com muito sucesso nas diversas instituições. Seu papel é analisar e assinalar os fatores que intervêm ou prejudicam uma boa aprendizagem em uma instituição. Propõe e ajuda o desenvolvimento dos projetos favoráveis a mudanças.

A aprendizagem deve ser olhada como a atividade de indivíduos ou grupos humanos, que mediante a incorporação de informações e o desenvolvimento de experiências, promove modificações estáveis na personalidade e na dinâmica grupal, as quais revertem no manejo instrumental da realidade.

 

O CONFRONTO DA TEORIA COM A PRÁTICA

Neste trabalho, os instrumentos metodológicos utilizados foram a observação participante, registro das práticas no caderno de ocorrências da turma e das falas da professora-pesquisadora que vivenciou esse problema em suas turmas de 5o ano do Ensino Fundamental. Esses documentos forneceram dados de como o bullying se manifestava em sala de aula e de como as intervenções dos professores frente a essa prática (esses comportamentos dos alunos) resultaram de uma maneira positiva ou negativa na prevenção e no combate ao bullying na sala de aula, viabilizando uma estratégia de intervenção do psicopedagogo institucional frente a essa problemática.

A metodologia da pesquisa-formação2 contemplou o objetivo desta pesquisa qualitativa, proporcionando uma reflexão da professora-pesquisadora sobre sua prática no cotidiano escolar do ensino fundamental. O apontamento inicial para a metodologia do estudo de caso, seu foco principal, teve como objetivo analisar as ações do psicopedagogo prevenção do bullying. Em Santos2, encontramos os fundamentos necessários para o desenvolvimento desta pesquisa-formação:

"pesquisador não é aquele quem constata o que ocorre, mas também aquele que intervém como sujeito de ocorrências. Ser sujeito de ocorrências no contexto de pesquisa e prática pedagógica implica em conceber a pesquisa-formação como processo de produção de conhecimentos sobre problemas vividos pelo sujeito em sua ação docente. (...) A pesquisa-formação não dicotomiza a ação de conhecer da ação de atuar. (...) O pesquisador é coletivo, não se limita a aplicar saberes existentes, as estratégias de aprendizagem e os saberes emergem da troca e da partilha de sentidos de todos envolvidos".

Tendo em mente a discussão teórica sobre o tema em questão, buscamos pesquisar uma determinada escola localizada na região norte do Rio de Janeiro, na área da Leopoldina, visando a responder a seguinte questão: "Qual é o papel do psicopedagogo em relação ao bullying?". A pesquisa foi realizada em sala de aula do 5o ano do ensino fundamental. Foi escolhida essa sala devido ao fato de que eu como professora da turma, aluna de pós-graduação do Centro Universitário Augusto Motta no curso de Psicopedagogia e pesquisadora do tema tratado, poderia observar, analisar e intervir com recursos psicopedagógicos, cuja tarefa seria oferecer possibilidades para os aprendizes continuarem construindo seus pensamentos, articulando ideias e promovendo ações para superar e prevenir as consequências do bullying.

Desde fevereiro de 2010, a primeira autora (ACFS) atuava como professora regente na Escola A, na turma do 5o ano do turno da tarde. Foi dentro desse ambiente escolar que percebeu algumas violências entre os alunos, seja em horário de recreio ou na própria sala de aula. Embora o tempo fosse curto em relação ao conteúdo que precisamos trabalhar com os educandos, no decorrer do ano letivo foram percebidas algumas manifestações violentas na sala de aula e fora dela, dentre estas algumas que enquadravam como bullying.

Em quase todas as aulas havia agressões físicas e piadinhas de mau gosto, além dos apelidos. Os alunos costumavam usar as diferenças para inventar apelidos. Essa turma era caracterizada como difícil, indisciplinada. Era uma luta diária para manter a ordem entre os alunos, que sempre tentavam tumultuar a classe, sendo necessário, muitas das vezes, o encaminhamento destes à supervisão, pois as crianças provocavam umas às outras e tentavam inclusive ignorar a presença do professor.

Dentre diversos casos, destaca-se o de um grupo de alunas que fizeram uma carta para uma colega constando 30 itens que a mesma teria que seguir num período de 21 dias para tornar-se amiga delas (Figura 1). Os itens 28 e 29 estavam rasgados e não apareceram na íntegra, o item 30 foi informado pela aluna (vítima). Os itens que apareciam com um OK já haviam sido cumpridos pela vítima.

 

 

Esse vínculo negativo parecia tomar corpo por meio da forma como é encaminhado o trabalho pedagógico com a classe: falta de enquadramento de determinados alunos a regras e valores essenciais à convivência mútua. Percebia-se uma dissociação nos campos psicológicos e geográficos, o que dificulta a aprendizagem. No entanto, a turma manifestava o desejo de dissipar esse desconforto ocasionado pelas "brincadeiras de mau gosto" que andavam ocorrendo em sala de aula. A dinâmica de todo o grupo revelava realmente essa relação conflitante e na maior parte do tempo dentre um determinado grupo de alunos.

Após observação mais detalhada e coleta de dados, com as entrevistas efetivadas ao longo das visitas à instituição, pudemos diagnosticar e orientar os profissionais, partindo do embasamento teórico sobre a questão em foco e a proposta curricular da instituição. Sugerimos a construção de um projeto para trabalharmos junto à turma textos de revistas em que o tema abordasse as causas e as consequências do bullying. Para tal, utilizamos da literatura infanto-juvenil, o livro "E se fosse com você?"3, orientando a leitura e promovendo debates sobre o mesmo. Exibimos vídeos e promovemos palestras sobre a violência nas escolas e a importância de resgatarmos valores importantíssimos para um bom convívio social.

Ao final, montamos um livro com histórias em quadrinhos feitas pelos próprios alunos. Nessas histórias os educandos deixaram em seus desenhos sua relação direta e indireta, sua posição na turma em relação ao bullying, digo, autor, vítima, testemunha, demonstrando preocupação na forma como tal fenômeno vinha ocorrendo em sua sala de aula e, o mais importante, como na visão deles esse comportamento inadequado poderia ser solucionado (Figuras 2 e 3).

 

 

 

 

CONCLUSÃO

Este trabalho de pesquisa vem legitimar a fala dos autores e demonstrar as experiências vivenciadas em sala de aula, enfatizando que quando o bullying é identificado logo de início, seus efeitos e consequências podem ser amenizados e reduzidos no espaço escolar com a atuação do psicopedagogo institucional, a partir de suas técnicas de intervenção nos problemas de aprendizagem. A conduta do psicopedagogo deve promover as mudanças necessárias para ajustar às necessidades múltiplas e diversas de seus usuários. Essa atuação deve ocorrer junto a uma equipe multidisciplinar, envolvendo profissionais de saúde, de educação e de assistência social.

Com esta pesquisa pôde-se observar que o bullying é, antes de tudo, uma forma específica de violência. Sendo assim, deve ser identificado, reconhecido e tratado como um problema social complexo e de responsabilidade de todos nós.

Apesar de estarmos vivendo a era dos direitos humanos (direitos de crianças, dos jovens, de idosos), observamos ainda o desrespeito ao direito do outro, a solidariedade humana foi transformada em objeto de discurso não correspondente às ações. Contudo, os sentimentos das pessoas que mais se afloram tendem a ser descrédito e desconfiança, fazendo emergir uma impressão de que alguns dos indivíduos estão insensíveis à violência, à dor, aos sofrimentos, aos valores éticos de conduta, de conviver e, em muitos casos, insensíveis até mesmo às orientações educativas. As instituições escolares permanecem com o desafio de colaborar na construção e no desenvolvimento de políticas de prevenção ao bullying e de disseminação de uma cultura de paz e de tolerância midiatizada pela prática do diálogo.

No caso de bullying, o diagnóstico deve ser feito o mais precocemente possível, cabendo a ele orientar professores, pais e alunos naquilo que devemos fazer em cada momento para que as mudanças possam ocorrer de fato e que sejam positivas. Diante do exposto, é necessário que haja uma parceria da instituição escolar, das famílias e demais setores da sociedade que lutam pela redução da violência em nosso dia-a-dia.

O serviço de Psicopedagogia na escola, com o apoio e o envolvimento dos pais e demais membros do contexto educacional, deve promover campanhas de conscientização antibullying, para que as pessoas próximas possam identificar os sintomas por meio da observação das crianças, ver se ela tem eventuais mudanças de humor, irritação, acessos de choro, insônia, falta de atenção ou dores que o obriguem a faltar aula. Esses podem ser sinais de que algo de errado está acontecendo nas relações interpessoais dessa criança.

O psicopedagogo, uma vez que tem o domínio das técnicas especializadas para agir como um solucionador de problemas de aprendizagem e conduta, deve promover as mudanças necessárias para ajustar as necessidades múltiplas e diversas de seus usuários, atuando numa equipe interdisciplinar envolvendo profissionais de saúde, de educação e de assistência social.

 

REFERÊNCIAS

1. Fante C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus; 2005. 224p.         [ Links ]

2. Santos EO. Educação online - cibercultura e pesquisa-formação na prática docente [Tese de doutorado]. Salvador: FACED-UFBA; 2005.         [ Links ]

3. Saruê S, Boffa M. E se fosse com você? São Paulo: Melhoramentos; 2007. 40p.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Adalgisa Conceição Ferreira da Silva
E-mail: gisaferrieira@yahoo.com.br

Artigo recebido: 12/1/2014
Aprovado: 20/2/2014

 

 

Trabalho realizado no Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.