SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue95Possibilities psychoeducational intervention: the social skills as an alternative to stressExecutive functions in children with cerebral palsy: case report author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.31 no.95 São Paulo  2014

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Autismo e família: revisão bibliográfica em bases de dados nacionais

 

Family and autism: literature review in national databases

 

 

Bruna Laselva Hamer; Milena Valelongo Manente; Vera Lucia Messias Fialho Capellini

Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Bauru), Bauru, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os primeiros estudos envolvendo o autismo infantil atribuíam à família participação no comprometimento do desenvolvimento psicoafetivo da criança. A proposta deste estudo foi revisar a literatura relacionada ao autismo e família em duas bases de dados nacionais (Banco de Teses e Dissertações da Capes e Scientific Electronic Library Online), sem delimitação de período específico, bem como identificar as principais temáticas focadas. Foram localizados 29 estudos no Banco de Teses e Dissertações da Capes, sendo o primeiro registro em 1990 e 12 na Scientific Electronic Library Online, sendo a primeira publicação de 2001. Os resultados foram agrupados em sete categorias. As categorias "Qualidade de vida" e "Relações familiares" concentram a maioria das publicações no Banco de Teses e Dissertações da Capes. Já na Scientific Electronic Library, a maioria refere-se as "Relações familiares" e "Revisão bibliográfica". Identificou-se que nenhuma das teses ou dissertações foi publicada em formato de artigo científico, prejudicando a divulgação das pesquisas na área.

Unitermos: Autismo. Família. Desenvolvimento infantil. Revisão de literatura. Transtorno global do desenvolvimento.


SUMMARY

Early studies involving childhood autism attributed to family involvement in impairment of psycho-emotional development of the child. The purpose of this study was to review the literature related to autism and family in two national databases (Theses Database of Capes and Scientific Electronic Library Online) without defining a specific period as well as identify the main thematic focused. Were located 29 studies in Theses Database of Capes, the first record in 1990 and 12 in Scientific Electronic Library Online, the first publication in 2001. The results were grouped into seven categories. The categories "Quality of Life" and "Family Relations" concentrate most of publications on Theses Database. Already in Scientific Electronic Library Online, mostly refers to the "Family Relations" and "literature review". It was found that none of theses or dissertations was published in scientific paper format, hampering the dissemination of research in the area.

Key words: Autism. Family. Child development. Literature revision. Global development derangement.


 

 

INTRODUÇÃO

O autismo é classificado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-DSM-IV1 como um transtorno invasivo do desenvolvimento (TID), sendo que, para a Classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID-10 os indivíduos afetados pelo TID apresentam "anormalidades qualitativas nas interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação e apresentam um repertório de interesses e atividades restritos, estereotipado e repetitivo"2.

Segundo Gadia et al.3, a expressão autismo foi utilizada primeiramente por Bleuer, em 1911, "para designar a perda do contacto com a realidade, o que acarretava uma grande dificuldade ou impossibilidade de comunicação". Em 1943, Kanner designou comportamentos associados ao de Bleuer como Distúrbio Autístico do Contato Afetivo e, Asperger, em 1944, usou a expressão Psicopatia Autística. Asperger conceituava o Autismo Infantil como a existência de uma distorção do modelo familiar interferindo no desenvolvimento psicoafetivo da criança em decorrência do "caráter altamente intelectual dos pais destas crianças"4, embora o autor tenha também assinalado a existência de fatores biológicos. Marques & Dixe5 afirmam que a não compreensão do autismo, durante muito tempo, ocasionou "diagnósticos equivocados, intervenções duvidosas e pais frustrados", ressaltando a dedicação dos pais na luta pela melhoria das opções educativas e desenvolvimento de intervenções adequadas às necessidades de seus filhos, estando estes pais em constante desafio e preocupações.

De acordo com Tamanaha et al.6, o desenvolvimento dos estudos nessa área é marcado por duas abordagens teóricas distintas, sendo uma vinculada a uma "concepção original da etiologia afetiva e de incapacidade relacional" em contraponto a "uma etiologia orgânica para o quadro e o caracterizam, prioritariamente, por falhas cognitivas e sociais"4. Orsati et al.7 consideram o envolvimento de quatro níveis de conhecimento para uma visão completa do quadro autístico: etiologia; estruturas e processos cerebrais; neuropsicologia e sintomas; e comportamento.

Na primeira abordagem teórica, os estudos sobre o autismo são comumente atrelados aos estudos da família, visto que a família representa um dos principais contextos de socialização dos indivíduos e primeira mediadora entre o sujeito e a cultura. Enquanto matriz da aprendizagem humana constitui uma unidade dinâmica de relações afetivas, sociais e cognitivas. A partir das experiências familiares acontece a formação de repertórios comportamentais, de ações e resoluções de problemas8,9; rede de relações e emoções onde perpassam experiências de realizações e de fracasso do sujeito10.

Dessa forma, as primeiras investigações sobre autismo e família visavam descrever características comuns entre famílias com filhos autistas, com objetivo de mapear as interações familiares que agiam negativamente na afetividade e que pudessem promover a incapacidade relacional.

A preocupação envolvia o estudo das principais características dos genitores, avaliados como afetivamente frios e dotados intelectualmente. Em estudos mais recentes, os pais deixaram de ser vistos dessa forma, tornando-se cuidadores que criam e se relacionam de maneira específica com seus filhos11.

Buscando compreender melhor as particularidades e diferenças existentes numa família que contempla um filho autista, o estudo de fundamentação teórica sistêmica de Sprovieri & Assumpção Júnior10 comparou 15 famílias com uma criança autista, 15 famílias com um filho portador de Síndrome de Down e 15 famílias com filhos assintomáticos, por meio da aplicação da Entrevista Familiar Estruturada. Os autores concluíram que o primeiro grupo de famílias se mostrou significativamente dificultadora da saúde mental dos seus membros quando comparadas às famílias com crianças assintomáticas. Discorrem que a característica do autismo expõe os pais a um luto permanente da criança saudável que acompanha todas as fases do desenvolvimento. Também acrescentam que a vida social e os recursos de comunicação restritos nas famílias com a criança autista podem favorecer o ressentimento e raiva, a punição, a rejeição e isolamento da mesma no interior da própria família.

Marteleto et al.12, comparando 118 mães de crianças com distúrbio de linguagem, crianças sem patologias encontradas e crianças autistas por meio do preenchimento das genitoras do Child Behavior Cheklist, encontraram que as dos primeiros grupos indicaram mais comportamentos externalizantes, como agressividade, e transtornos de humor (ansiedade e depressão). Já as crianças autistas demonstraram mais problemas de pensamento e atenção.

Na revisão de literatura de Camargo & Bosa13 sobre o tema crianças autistas, competência social e inclusão escolar, as autoras encontraram que as ideias equivocadas dos professores a respeito desses alunos, principalmente referente à (in)capacidade de comunicação, parecem influenciar as práticas pedagógicas e as expectativas acerca da educabilidade dessas crianças. De modo geral, as dificuldades apresentadas pelos professores foram ansiedade e conflito ao lidar com o "diferente". As autoras destacam o papel fundamental da escola nos esforços para ultrapassar os déficits sociais dos alunos autistas, através da ampliação progressiva das experiências socializadoras, permitindo a aquisição de conhecimentos e comportamento. O estudo conclui que a competência social dos alunos autistas dependente de um conjunto de medidas como a qualificação dos professores, apoio e valorização do trabalho do docente.

Para Fernandes14, o autismo caracteriza-se por um distúrbio global do desenvolvimento com alterações graves e precoces na comunicação, socialização e cognição. Em função disso, o impacto nas famílias é uma área importante de possíveis investigações. A autora avaliou em três periódicos (Journal of Autism and Developmental Disorders, Focus on Autism and Other Developmental Disorders e Autism) publicações entre 2005 e 2009 que envolviam o tema famílias de crianças autistas e identificou um reduzido número de publicações que foram consideradas recentes (concentradas nos últimos 18 meses).

Fávero & Santos11 avaliaram sistematicamente a produção bibliográfica indexada nas bases de dados Medline, PsycInfo e Lilacs, no período de 1991 e 2001, envolvendo o impacto psicossocial em famílias de crianças portadoras do transtorno autista. Dentre as bases consultadas, 290 artigos foram encontrados, entretanto 38 eram repetidos. Dos estudos encontrados, 48 artigos lidos na íntegra, os temas frequentes foram o funcionamento e as variáveis familiares (estresse parental, a comunicação funcional, grupos comparativos, interações familiares, estratégias de enfrentamento - coping - diante do estresse parental, resiliência, atendimento psicoterápico e compreensão do transtorno).

Nos estudos investigados pelos autores, o estresse parental entre os familiares dos filhos autistas parece proporcional ao comprometimento da interação social da criança. Quanto menor a responsividade nas interações sociais dos filhos, maior é o comprometimento dos pais. Os pais dos autistas se mostraram mais estressados em relação aos genitores dos filhos com Síndrome de Down.

Também em estudo de revisão bibliográfica, Fernandes14 não encontrou na literatura internacional trabalhos envolvendo intervenção familiar, porém não incluiu na investigação, periódicos das áreas da Educação, Psicologia ou Fonoaudiologia, se concentrando apenas em periódicos específicos de autismo.

Uma intervenção foi proposta por Walter & Almeida15, com o objetivo de oferecer, treinar e avaliar um Programa de Comunicação Alternativa (CAA) com familiares de autistas não verbais e/ou fala não funcional. A intervenção ocorreu com três mães no decorrer de um ano. As mães apresentavam seu ambiente familiar como desestruturado, com necessidade de adaptação na estrutura doméstica e escassez social. Um questionário foi aplicado pré e pós-capacitação das genitoras e as orientações recebidas foram padronizadas. O estudo demonstrou que as mães aprenderam a utilizar a CAA com seus filhos no contexto familiar, conseguindo superar dificuldades comunicativas demonstradas previamente. Da mesma forma, em estudo internacional, Reagon & Higbee16 treinaram três mães de crianças com autismo para promoverem iniciações vocais em situações de brincadeiras, concluíram que a intervenção dos pais para a estimulação do desenvolvimento das crianças autistas é eficaz.

Considerando esses diferentes aspectos sobre a temática, este estudo objetivou revisar os temas autismo e família em duas bases de dados nacionais (Scientific Electronic Library Online - SciELO e Banco de Teses e Dissertações da Capes), incluindo periódicos de diferentes áreas de investigação, dando ênfase aos estudos das áreas da Educação e Psicologia. Buscou-se, também, comparar as teses e dissertações produzidas e as publicadas em formato de artigo e ainda analisar os resumos classificando-os em categorias.

 

MÉTODO

Para o desenvolvimento da revisão bibliográfica nas duas bases de pesquisa nacionais selecionadas, não foi estabelecido um período para a busca, pois a intenção foi mapear o processo de desenvolvimento de publicações da temática no país.

Coleta de dados

Os descritores utilizados foram "autismo", "autista", "transtorno global do desenvolvimento", "transtornos globais do desenvolvimento" e "família", sendo que os quatro primeiros termos foram cruzados com o último. Para atender aos objetivos propostos foi estabelecido como critério de inclusão o conteúdo dos títulos e resumos que tinham interface com Educação e Psicologia. Esse procedimento foi necessário por existirem trabalhos das áreas da Medicina, Fonoaudiologia, Genética, bem como referentes a outras deficiências, ou com o foco na educação escolar, os quais não eram objeto deste estudo.

Análise dos dados

Os resultados das duas bases de dados foram comparados buscando-se identificar a correspondência de publicações, ou seja, se as teses/dissertações foram publicadas em forma de artigo por seus autores, considerando-se que o último tem a função de comunicação e divulgação para a sociedade do conhecimento científico produzido.

Os achados foram agrupados em sete categorias, de acordo com o conteúdo: Qualidade de vida, Relações familiares, Intervenções com crianças autistas e suas famílias, Adolescência e autismo, Irmãos de autistas, Dimensões sociais e Revisão bibliográfica.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na pesquisa de teses/dissertações no Banco de Teses e Dissertações da Capes, inicialmente com o descritor "Autismo", foram encontrados 404 estudos. Quando este foi cruzado com o descritor "família", os achados caíram para 56, sendo 11 referentes a teses de doutorado e 45 a dissertações de mestrado. Porém, na análise do conteúdo desses achados, apenas 23 atenderam aos critérios de inclusão.

A pesquisa com o descritor "Autista" resultou em 308 teses/dissertações, enquanto que o cruzamento com "família" resultou em 39 estudos. Dentre eles, 19 atenderam aos critérios de inclusão, porém, 15 eram repetidos da busca com o descritor "Autismo", resultando em quatro novas teses/dissertações.

A busca com o descritor "Transtorno global do desenvolvimento" resultou em 71 estudos, que no cruzamento com "família" reduziu para oito. Dentre eles, três atendiam aos critérios, mas dois eram repetidos.

Para o descritor "Transtornos globais do desenvolvimento" foram localizados 36 estudos, e no cruzamento com "família" totalizaram quatro, porém apenas um estudo atendeu aos critérios.

Dessa forma, foram localizados 29 estudos que atenderam aos critérios de inclusão no Banco de Teses e Dissertações da Capes, sendo duas teses de doutorado e 27 dissertações de mestrado.

Na base de dados SciELO, foram localizados 149 artigos com o descritor "Autismo". No cruzamento com "família", os resultados caíram para 18, sendo considerados 11 resultados relevantes conforme critérios de inclusão.

A busca com o descritor "Autista" localizou 41 artigos. No cruzamento com "família" totalizaram seis estudos, após análise do conteúdo do artigo e comparação de resultados repetidos, apenas um artigo atendeu aos critérios de inclusão.

A pesquisa de "Transtorno global do desenvolvimento" identificou dois estudos, porém o cruzamento com o descritor "família" não resultou em nenhum artigo correspondente.

Para o descritor "Transtornos globais do desenvolvimento" foram localizados três achados, porém quando associado à "família", apenas um estudo foi localizado, mas este já havia sido incluído nos achados com outro descritor. Desse modo, a pesquisa na SciELO totalizou 12 artigos pertinentes à investigação.

A comparação entre as duas bases de dados demonstra que, dentre as 29 teses/dissertações relacionadas a autismo e família, apenas três foram publicadas em forma de artigo disponíveis na SciELO.

Os resultados também foram classificados de acordo com as datas de publicação e agrupados em períodos de cinco anos. As teses e dissertações registram o primeiro resultado em 1990 e os artigos da SciELO são publicados a partir de 2001, conforme apresentado nas Tabelas 1 e 2.

 

 

 

 

Os resultados, em relação ao conteúdo dos estudos, foram agrupados em sete categorias, relacionadas às temáticas apresentadas nos títulos e resumos (Figuras 1 e 2).

 

 

 

 

Qualidade de vida

Nessa categoria, estão os trabalhos relacionados à qualidade de vida de mães, irmãos, familiares e autistas, envolvendo fatores emocionais, estresse, suporte social, estratégias de enfrentamento e brincadeiras de crianças autistas.

Relações familiares

Os estudos sobre a dinâmica familiar abrangem a percepção do sistema familiar, depressão, expectativas dos pais em relação ao filho autista, perda ambígua, coparentalidade, dinâmica do casal e relação com o filho autista, a percepção materna sobre o transtorno e sua contribuição no diagnóstico, padrões de relacionamento intrafamiliar e social e negligência materna.

Intervenções com crianças autistas e suas famílias

Nessa categoria, se encontram pesquisas voltadas a relatos e avaliações de intervenções. Os trabalhos se constituem em programas de treinamento para pais (orientações para mães a respeito de comunicação e linguagem, programa de atendimento domiciliar) e análises de processos terapêuticos com as famílias.

Adolescência e autismo

A temática dessa categoria compreende aspectos relacionados à população adolescente com autismo, contemplando comportamentos agressivos, reconhecimento da sexualidade e constituição da subjetividade.

Irmãos de autistas

Foram agrupados nessa categoria trabalhos referentes a habilidades sociais de irmãos de autistas e rastreamento de sinais de transtorno do espectro autístico em irmãos.

Dimensões sociais

Os trabalhos classificados nessa categoria abordam dimensões sociais nas quais as famílias estão envolvidas e que interferem no processo de desenvolvimento da pessoa com autismo, ou seja, as lutas sociais dos pais pelo direito à educação e o itinerário terapêutico das famílias.

Revisão bibliográfica

Essa categoria é destinada a trabalhos de revisão bibliográfica, destacando famílias com crianças autistas na literatura internacional, intervenções psicoeducacionais e autismo infantil relacionado ao estresse familiar.

A partir dos resultados apresentados é possível levantar aspectos referentes à situação das publicações sobre autismo e família. No período de 1990 a 2011 foram publicadas 29 teses/dissertações acerca dessa temática representando 3,5% das 819 publicações relacionadas ao autismo. Os artigos publicados na SciELO representam 6% do total de publicações. Essa quantidade é pequena considerando a relevância de pesquisas voltadas à família e a implicação das mesmas no processo de desenvolvimento da pessoa com autismo. Sifuentes & Bosa17, em estudo sobre coparentalidade em pais de crianças autistas, confirmam que as pesquisas nessa área referem-se, predominantemente, ao desenvolvimento típico, deixando uma lacuna no que diz respeito a pais de crianças com deficiência.

As temáticas abordadas pelas teses e dissertações estão predominantemente voltadas para Relações familiares e Qualidade de vida, totalizando 65%, sendo o estresse dos familiares e a influência da dinâmica familiar na pessoa com autismo, aspectos em destaque nesses trabalhos. Dentre os artigos publicados na SciELO, 42% são relacionados a Relações Familiares e 25% a Revisão bibliográfica.

A categoria Intervenções com crianças autistas e suas famílias representa 17% das publicações no Banco de Teses e Dissertações da Capes e 8% da SciELO. Para Dessen & Costa Jr.18, faltam no Brasil programas de rastreamento e atenção para pais em situação de transição no desenvolvimento como após o nascimento dos filhos. Sifuentes & Bosa17, investigando cinco pais com filhos supostamente autistas em idade pré-escolar, evidenciaram que as mães são as principais responsáveis pelas atividades diárias do filho, agregando ainda o transporte e os cuidados de saúde, esse cenário favorece na sobrecarga e comprometimento emocional das mães. Os autores concluem que conhecer a dinâmica e a percepção de uma família com um membro autista favorece na disponibilização de recursos de enfrentamento como solicitar o auxílio da rede de apoio disponível.

Uma experiência de grupo de pais de crianças e adolescentes autistas e psicóticas19 aborda dificuldades de separação e reconhecimento de qualquer alteridade dos filhos quando ingressam na escola. Além disso, se percebem como pessoas de referência para a criança, que apenas com a separação identificam o estabelecimento do vínculo afetivo não demonstrado anteriormente pelo filho.

Fernandes et al.20 também identificaram dificuldades emocionais da família num estudo com 26 díades mães-criança com diagnóstico de espectro autístico. A finalidade foi checar a eficácia de orientações de um serviço especializado na comunicação e linguagem da criança em cinco sessões de acompanhamento. O tema mais frequente nessas sessões filmadas envolviam as dificuldades com os comportamentos do filho em situações de aglomeração, ambientes ruidosos e desconhecidos. Enaltecendo a atenção a pais em grupos, as autoras concluíram como eficaz a intervenção, pois mostrou progresso em 96% dos sujeitos com aumento da interpessoalidade e comunicação. Os autores discutem a escassez de trabalhos, no Brasil, que retratem intervenções para pais de filhos com autismo, favorecendo o isolamento social, a vulnerabilização ao sofrimento, o aparecimento dos transtornos mentais e a manutenção do estresse crônico.

O Brasil precisa avançar nessa área, pois há mais de 30 anos já é sabida a importância de um processo educacional formal em parceria com família, que na literatura é denominado de intervenção precoce ou essencial21.

Fernandes & Amato22 referem-se a um estudo realizado na Espanha contendo várias estratégias para pais no processo de intervenção com seus filhos e sugerem a adaptação para a aplicação com famílias brasileiras.

Relevante assinalar que, dentre as cinco teses e dissertações sobre a temática, nenhuma foi publicada em forma de artigo, pois o único artigo identificado nessa categoria na SciELO não corresponde a nenhuma das teses e dissertações deste levantamento, o que se aproxima dos achados de Fernandes14.

Ainda em relação à publicação de artigos a partir das teses e dissertações, é interessante notar que isso ocorreu em apenas três casos, relacionados às categorias Qualidade de vida e Relações Familiares. Ademais, um autor aparece nos resultados das duas bases de dados, porém o artigo publicado, embora esteja relacionada a autismo e família, não é resultado da tese ou dissertação.

Os trabalhos que não foram transformados em artigo têm reduzidas as possibilidades de divulgação de seu conteúdo, limitando à população o conhecimento científico produzido nos programas de pós-graduação, comprometendo, ainda, o fortalecimento da ciência nacional. Da mesma forma, Teixeira et al.23 concluíram, em estudo de revisão da produção científica de autores brasileiros sobre Transtorno do espectro autista (TEA), a concentração em dissertações/teses e a minoria de artigos científicos publicados em revistas com elevado fator de impacto.

Além disso, os estudos que se referem a dissertações de mestrado, não divulgados em formato de artigo, não são prosseguidos no doutorado, o que implica na redução de experiências de intervenção com a população investigada, já que, geralmente, é nessa etapa acadêmica que se concentram estudos com esse enfoque. Apenas um pesquisador concentrou-se nessa área no mestrado e doutorado.

Nota-se um crescimento das publicações a partir de 2005, que se intensificou a partir de 2010, representando avanços na área. A diversificação das temáticas envolvendo autismo e família descrita nas sete categorias demonstra que o crescimento de pesquisas ocorre tanto quantitativamente quanto em amplitude, e apesar da predominância de estudos publicados em revistas científicas voltados à Qualidade de Vida e Relações familiares, é necessário que outras especificidades relacionadas à temática sejam aprofundadas e publicadas em formato de artigo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa revisão bibliográfica buscou identificar publicações de teses e dissertações e artigos em duas bases de dados nacionais voltados ao autismo e família e identificou uma porcentagem muito baixa de publicações relacionadas à família no universo de pesquisas de autismo, embora reconheça um crescimento de estudos nos últimos anos.

A escassez de publicações de artigos a partir dos resultados das teses e dissertações limita a veiculação do conhecimento científico produzido na área. Outro fator preocupante é o reduzido número de teses de doutorado, demonstrando que os pesquisadores após o término do mestrado não têm dado continuidade em suas pesquisas.

Embora a coleta de dados deste estudo limitasse-se a apenas duas bases de dados, esse levantamento poderá contribuir para alertar sobre a necessidade de pesquisas na área visando ao desenvolvimento psicoafetivo da criança com o autismo, a partir da contribuição da família nesse processo.

 

REFERÊNCIAS

1. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-IV. Porto Alegre: Artmed; 1995.         [ Links ]

2. Organização Mundial de Saúde - OMS. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.         [ Links ]

3. Gadia CA, Tuchman R, Rotta NT. Autismo e doenças invasivas de desenvolvimento. J Pediatr. 2004;80(2):83-94.         [ Links ]

4. Tamanaha AC, Perissinoto J, Chiari BM. Uma breve revisão histórica sobre a construção dos conceitos do autismo infantil e da síndrome de Asperger. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):296-9.         [ Links ]

5. Marques MH, Dixe MAR. Crianças e jovens autistas: impacto na dinâmica familiar e pessoal de seus pais. Rev Psiquiatr Clín. 2011; 38(2):66-70.         [ Links ]

6. Tamanaha AC, Perissinoto J, Chiari BM. Evolução da criança autista em diferentes contextos de intervenção a partir das respostas das mães ao Autism Behavior Checklist. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008;20(3):165-70.         [ Links ]

7. Orsati FT, Mecca T, Schwartzman JS, Macedo EC. Percepção de faces em crianças e adolescentes com transtorno invasivo do desenvolvimento. Paidéia. 2009;19(44):349-56.         [ Links ]

8. Dessen MA, Braz MP. A família e suas inter-relações com o desenvolvimento humano. In: Dessen MA, Costa Júnior AL, eds. A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed; 2005. p.113-31.         [ Links ]

9. Dessen MA, Polonia AC. A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia. 2007;17(36):21-32.         [ Links ]

10. Sprovieri MH, Assumpção Júnior FB. Dinâmica familiar de crianças autistas. Arq Neuropsiquiatr. 2001;59(2-A):230-7.         [ Links ]

11. Fávero MAB, Santos MA. Autismo infantil e estresse familiar: uma revisão sistemática de literatura. Psicol Reflex Crit. 2005;18(3): 358-69.         [ Links ]

12. Marteleto MRF, Schoen-Ferreira TH, Chiari BM, Perissinoto J. Problemas de comportamento em crianças com transtorno autista. Psic: Teor e Pesq. 2011;27(1):5-12.         [ Links ]

13. Camargo SPH, Bosa CA. Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão crítica da literatura. Psicol e Soc. 2009;21(1):65-74.         [ Links ]

14. Fernandes FDM. Famílias com crianças autistas na literatura internacional. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):427-32.         [ Links ]

15. Walter C, Almeida MA. Avaliação de um programa de comunicação alternativa e ampliada para mães de adolescentes com autismo. Rev Bras Educ Espec. 2010;16(3):429-46.         [ Links ]

16. Reagon KA, Higbee TS. Parent-implemented script fading to promote play-based verbal initiations in children with autism. J Appl Behav Anal. 2009;42:649-64.         [ Links ]

17. Sifuentes M, Bosa CA. Criando pré-escolares com autismo: características e desafios da coparentalidade. Psicol Estudo. 2010;15(3): 477-85.         [ Links ]

18. Dessen MA, Costa Jr. AL. A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed; 2005.         [ Links ]

19. Verdi MT. Grupo de pais de crianças autistas: tessitura dos vínculos. RevSPAGESP. 2003; 4(4):110-4.         [ Links ]

20. Fernandes FDM, Amato CAH, Balestro JI, Avejonas DRM. Orientação a mães do espectro autístico a respeito da comunicação e linguagem. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011; 23(1):1-7.         [ Links ]

21. Guralnick MJ. Early childhood inclusion: focus on change. Maryland: Paul H. Brookes Publishing Company; 2001.         [ Links ]

22. Fernandes FDM, Amato CAH. Um livro abrangente a respeito dos distúrbios do espectro do autismo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(1):112.         [ Links ]

23. Teixeira MCTV, Mecca RP, Velloso RL, Bravo RB, Ribeiro SHB, Mercadante MT, et al. Literatura científica brasileira sobre transtornos do espectro autista. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(5):607-14.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Bruna Laselva Hamer
Rua Júlio Maringoni, 8-47, apto. 44
Vila Nova Santa Clara - Bauru, SP, Brasil
CEP 17014-050
E-mail: brunah_bru@yahoo.com.br

Artigo recebido: 27/3/2014
Aprovado: 11/4/2014

 

 

Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Bauru), Bauru, SP, Brasil.