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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.32 no.97 São Paulo  2015

 

ARTIGO ESPECIAL

 

Psicomotricidade no contexto da neuroaprendizagem: contribuições à ação psicopedagógica

 

Psychomotor in the context of neurolearning: contributions to action psychopedagogical

 

 

Sonia MoraesI; Maria Fernanda de Matos MalufII

IBacharel e Mestre em História, pela PUCSP; Licenciada em História, atuando há 20 anos nas redes pública e privada de ensino; aluna do curso de Curso de Pós-Gradução Lato Sensu em Neurociência, Psicanálise, Psicopedagogia do Instituto Saber Brasília, Núcleo São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IIPsicóloga pela Universidade Presbiterina Mackenzie, Mestre em Ciências pela FMUSP, orientadora de monografias do Curso de Pós-Gradução Lato Sensu em Neurociência, Psicanálise, Psicopedagogia do Instituto Saber Brasília, Núcleo São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Compreender como se desenvolve o processo de aprendizagem na criança é uma das melhores formas de contribuir para que ela se desenvolva sem tropeços e aproveitando ao máximo seu potencial cognitivo. Para atender a esse objetivo geral, diversas abordagens são possíveis, mas este trabalho buscou as contribuições de três áreas: Psicomotricidade, Psicopedagogia e Neuroaprendizagem. Para isto, realizou-se revisão bibliográfica que cobriu os seguintes recortes: Psicomotricidade e contribuições à aprendizagem; Psicopedagogia, definição de objeto e formas de atuação; Neuroaprendizagem, princípios e contribuições às práticas educativas. A revisão partiu de consulta à obra de autores consagrados nas áreas citadas e estendeu-se à produção científica dos últimos dez anos, buscando conquistas e possibilidades efetivas de ação interdisciplinar e transdisciplinar que favoreçam o desenvolvimento cognitivo e a boa evolução na aprendizagem escolar. Os artigos selecionados e analisados confirmam os benefícios do diagnóstico e intervenção precoces aos pacientes em situação de risco, ou que apresentem dificuldades ou transtornos de aprendizagem já instalados. A pesquisa revelou, ainda, a existência de lacunas graves na formação dos profissionais da Educação, o que, em combinação com dificuldades e carências das próprias crianças, explica o crescente índice de fracasso escolar no País. Também se constatou haver demanda por revisão do currículo em Pedagogia que permita o retorno da Psicomotricidade à grade, além de inclusão da Neuroaprendizagem como disciplina, não só nesse curso, como também em licenciaturas e especializações voltadas à Educação.

Unitermos: Desenvolvimento motor; Aprendizagem. Psicomotricidade; Psicopedagogia. Neuroaprendizagem. Dificuldades de aprendizagem.


SUMMARY

To understand how children's learning process is developed is one of the best ways to provide them a smooth development, making the most of their cognitive potential. There are different possible approaches to meet this general goal, but this study sought contributions from three areas: Psychomotricity, Psychopedagogy, and Neurolearning. To this end, we performed a literature review that covered the following areas: Psychomotricity and contributions to learning; Psychopedagogy, object definition and forms of action; Neurolearning, principles and contributions to educational practices. The review started by consulting the works of renowned authors in these areas and extended to the scientific production of the last ten years seeking effective achievements and possibilities of interdisciplinary and transdisciplinary action that promote cognitive development and good progress in school learning. The selected and analyzed papers confirm the benefits of early diagnosis and intervention to patients at risk or with installed learning difficulties or disorders. The survey also revealed the existence of serious gaps in the training of education professionals, which, in combination with difficulties and needs of the children themselves, explains the increasing rate of school failure in Brazil. It was also found the need for revision of the curriculum in Education that allows the return of Psychomotricity to its framework and the inclusion Neurolearning as a discipline, not only in this course, but also in undergraduate specializations focused on education.

Key words: Motor development. Learning. Psychomotricity. Psychopedagogy. Neurolearning. Learning difficulties.


 

 

INTRODUÇÃO

O que caracteriza o ato de aprender, do ponto de vista da fisiologia, comportamento e emoções do indivíduo?

A aprendizagem é processo que se experimenta sempre que chega ao Sistema Nervoso Central (SNC) uma informação nova, gerando alguma mudança e tem início a partir da terceira semana de gestação1.

Após o nascimento, o desenvolvimento cognitivo continua vinculado à genética, às influências do meio e às ações do indivíduo. A combinação de maturação do sistema nervoso e de respostas motoras às necessidades de adaptação promove evolução e define sua capacidade de aprender2.

Inicialmente, o bebê desenvolve ações reflexas, que se organizam conforme orientação céfalo-caudal (de cima para baixo) e próximo-distal (do centro para os extremos). Nos quatro primeiros meses de vida, ele aprende a controlar os músculos oculomotores. Entre o terceiro e quinto mês, controla músculos que lhe permitem equilibrar a cabeça e, a partir dos cinco até dez meses, o bebê terá maior controle dos músculos do tronco, o que permitirá enfrentar o desafio de se por em pé e caminhar. Aos poucos, se desenvolvem: força, destreza e autonomia nos movimentos2,3.

O aprendizado também pode ser entendido como mudança estrutural do SNC, em função de processos bioquímicos. Para Gazzaniga e Heatherton4, tem-se aprendizagem como "mudança duradoura de comportamento resultante da experiência"5.

Ajuriaguerra6, analisando esse processo inicial do neurodesenvolvimento, considerou haver três etapas distintas. Na primeira, organiza-se a tonicidade de fundo (basal), base da ação motora, da capacidade proprioceptiva. Segue-se um período de construção gradual de ações voluntárias que se traduzem em movimentos com tendências mais harmônicas, promovendo maior integração cinestésica, ou seja, em que o bebê aumenta a consciência em relação aos movimentos e não somente ao próprio corpo. Finalmente, tonicidade e movimento integram-se de forma automatizada e em conformidade com as necessidades do sujeito para melhor relação com o meio.

Esse primeiro ano do indivíduo é, em grande medida, definidor de seu potencial futuro para a aprendizagem. Nos anos seguintes, até que se completem seis, o desenvolvimento progressivo de habilidades psicomotoras lhe permitirá trabalhar com representações do mundo e assim estará pronto para dar início ao processo de alfabetização formal.

Dessa visão geral inicial, resulta clara a importância da educação psicomotora, desde a educação infantil e nas séries iniciais, até que o processo de alfabetização e introdução ao raciocínio lógico-matemático se complete.

Esta revisão bibliográfica visa investigar a construção dos conceitos de aprendizagem, neuroaprendizagem e desenvolvimento psicomotor; compreender a relação entre dificuldades de aprendizagem e comprometimento psicomotor; analisar achados de pesquisas de campo recentes, voltadas a esses temas, bem como propostas de ações psicopedagógicas possíveis, tanto na prevenção quanto na superação das dificuldades de aprendizagem e de transtornos de aprendizagem já instalados.

 

MÉTODO

Revisão de literatura, baseada na pesquisa de autores consagrados da área da Neurociência, como Ajuriaguerra, Gazzaniga e Luria, entre outros, artigos e teses publicados nas bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Lilacs, SciELO e Google Academics.

Foram utilizados os seguintes critérios de exclusão de artigos: artigos repetidos nas bases de dados, artigos sem resumo, cartas aos editores, e artigos que não retornassem o assunto da busca. Foram incluídos aqueles publicados em inglês, espanhol e português e divulgados nos últimos dez anos.

Para obtenção dos resultados, usaram-se os descritores: Psicopedagogia; Psicopedagogia e Neuroaprendizagem, bem como os seguintes cruzamentos: Psicomotricidade & Neuroaprendizagem; Psicopedagogia & Neuroaprendizagem.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1 sintetiza o número de referências recuperadas nas bases de dados pesquisadas.

O resgate das referências teóricas que iluminam a compreensão do conceito aprendizagem não deixa dúvidas sobre a importância do desenvolvimento adequado do SNC no sucesso do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem, em qualquer instância1,2.

O desenvolvimento neurológico evolutivo adequado do SNC pressupõe um conjunto de etapas relacionadas não só à herança genética, mas também à maturação das estruturas anatômicas que o compõem, interações com o meio - físico e social -, além das peculiaridades do sujeito, manifestas por suas respostas aos estímulos que recebe3,7.

Assim, quando se fala do desenvolvimento do SNC, refere-se em processo que se inicia na terceira semana de gestação1 e se estende até cerca de seis anos6, que é justamente a época em que a criança está sendo inserida na educação formal, época em que se define também seu potencial para o processo de aprendizagem.

Thompson3 resume as habilidades que derivam do desenvolvimento psicomotor: localização; comparação entre objetos e pessoas; distância, memória espacial; previsão; antecipação, transposição, simetria; oposição; inversão e progressões de tamanho e quantidade. No conjunto, elas permitem a construção de representações sobre o mundo e a consolidação de conceitos lógico-matemáticos.

Luria7, contudo, é responsável pela fundamentação teórica que explica e apresenta as unidades corticais e subcorticais que constituem as três unidades funcionais do SNC responsáveis pelo diferencial do cérebro humano, que é capaz de pensar sobre o mundo que o cerca e ter consciência de si.

Mas é na obra de Fonseca8 que se pode encontrar de forma bastante detalhada a relação existente entre fatores psicomotores e unidades funcionais, bem como a relação direta que guardam com o desenvolvimento cognitivo e eficiência na aprendizagem. Convencido da importância dessas descobertas, ele criou a Bateria de Avaliação Psicomotora (BPM), utilizada na aferição dessas habilidades para fins de diagnóstico e elaboração de plano terapêutico de intervenção que possibilite a recuperação, em caso de disfunção.

Em suma, a BPM procura analisar qualitativamente a disfunção psicomotora ou a integridade psicomotora que caracteriza a aprendizagem da criança, tentando atingir uma compreensão aproximada do modo como trabalha o cérebro e, simultaneamente, dos mecanismos que constituem a base dos processos mentais da psicomotricidade8.

Ora a intervenção em caso de dificuldades de aprendizagem tem sido objeto da Psicopedagogia, como destaca Pain9, para quem, a ação psicopedagógica é vista como combinação de procedimentos que partem de aspectos psíquicos, com o objetivo de evitar e/ou auxiliar o paciente a superar o fracasso escolar. Identificando perturbações existentes em seu processo de aprendizagem, o psicopedagogo pode promover a continuidade do desenvolvimento cognitivo, partindo de suas condições e habilidades e superando ou contornando do modo mais eficiente suas fragilidades.

Essa afirmação é corroborada pelo pensamento de pesquisadores que enfatizam a complexidade e a característica dinâmica dos processos cognitivos1,5.

Chedid10 aposta na Neurociência como parceira que ao esclarecer, por exemplo, o funcionamento das funções executivas, pode auxiliar na construção de fundamentos teóricos que iluminem práticas mais efetivas no terreno da educação.

Nesse sentido, o trabalho de Carida & Mendes11 destaca a importância de, por meio das Neurociências, conhecer a cicuitaria que subjaz à aprendizagem da linguagem falada e escrita, o que beneficia o diagnóstico e a intervenção precoces em casos de risco de dislexia.

Rocha12, em estudo também recente, vale-se dos avanços da Neurociência, através de achados em exames de neuroimagem, para afirmar as múltiplas possibilidades de recuperação de habilidades cognitivas, através da ação psicopedagógica, mesmo quando o SNC já esteja plenamente desenvolvido, caso da educação de jovens e adultos.

Já o trabalho de Vieira13 revela uma das mazelas de todo esse cenário, que é do avanço tímido em ações pedagógicas e interferência no cenário atual, principalmente no caso do cenário da educação no Brasil. Ou seja, o aparato teórico desenvolvido até aqui tem chamado os profissionais das diversas áreas à reflexão, mas gerado poucas ações concretas, que permitam mudanças significativas em um cenário bastante desolador da formação escolar no País. Para ele, a inserção da Neurociência no currículo das faculdades voltadas às práticas relacionadas à Educação é uma exigência que tarda em ser atendida.

Ao final, a seleção bibliográfica analisada demonstrou a demanda existente e as possibilidades amplas de ação multidisciplinar entre a Psicomotricidade, Psicopedagogia e Neurociências, não apenas para auxiliar o diagnóstico de problemas de aprendizagem, como também em sua prevenção e ainda na intervenção com vistas à sua superação.

Borghi & Pantano14 vão além e ressaltam o papel profilático que a aplicação de atividades psicomotoras e a estimulação eficiente e dirigida pode representar nas fases iniciais de desenvolvimento cognitivo, ou seja, na educação infantil e séries iniciais do fundamental.

A sugestão de modificação no conteúdo curricular das séries iniciais, inserindo nas atividades regulares, aplicadas por professores da turma, exercícios psicomotores é feita por Ribeiro15, que defende também a presença regular do psicopedagogo nas unidades escolares, para atuar como orientador das práticas dos educadores.

Essas preocupações se justificam. É o que se deduz pelas pesquisas de Fávero & Calsa16, que constataram a relação direta entre problemas psicomotores e disgrafia em crianças da 3a série do Ensino Fundamental, remediados e mesmo superados com atividades que promoveram essas habilidades. As crianças julgadas aptas em habilidades psicomotoras, ao contrário, alcançavam bom desempenho escolar. Na mesma linha de reflexão, estudo do mesmo ano, promovido por Ferreira et al.17 comprovou a ausência de condições psicomotoras para iniciar o ensino da linguagem (leitura e escrita) em crianças da 3a série do Ensino Fundamental de escola da rede municipal de Mairinque (SP, Brasil). Em Santa Catarina, à mesma conclusão chegaram Silva et al.18.

O trabalho de Capellini et al.19 ocupou-se de pesquisa sobre os efeitos das disfunções de coordenação motora fina em alunos do Ensino Fundamental, constatando influência direta no surgimento de casos de dificuldades de aprendizagem relacionadas à linguagem, incluindo-se a dislexia. Demonstrou-se, também, quão benéfica pode ser a intervenção precoce quando se constatam casos de risco.

O trabalho de Kolyniak Filho20 demonstra a influência da atividade física dirigida, dentro do currículo regular das séries de Ensino Fundamental, desde que orientada pelas descobertas da Neurociência, mas também registra a inércia que impede transformações substanciais nas práticas educativas vigentes no âmbito educacional do País.

Caso excepcionalmente significativo foi registrado no trabalho de Oliveira et al.21, que demonstraram a eficiência e o benefício incomparável que a ação multidisciplinar, incluindo o trabalho psicomotor, pode promover para evitar danos a prematuros extremos, a partir do diagnóstico precoce e da intervenção por profissionais qualificados.

As pesquisas demonstram que a existência de disciplinas próximas à Neurociência e desenvolvimento psicomotor em especializações oferecidas atualmente não tem representado melhora na reflexão e muito menos nas práticas educativas. Constata-se que os profissionais que frequentam esses cursos não dominam conceitos básicos e princípios do neurodesenvolvimento que permitiriam iluminar suas práticas. Isso se deve, em parte, na opinião dos pesquisadores, ao planejamento equivocado dos conteúdos apresentados.

Ao final, vale mencionar que o descritor Neuroaprendizagem, isoladamente, não trouxe resultados, ou seja, a área parece não ser "reconhecida" na classificação dos artigos. Do mesmo modo, ao tentar cruzar Neuroaprendizagem e Psicopedagogia, como também associar Neuroaprendizagem e Psicomotricidade, somente o site do Google Acadêmico trouxe lista de artigos.

No entanto, os artigos encontrados também estavam disponíveis nos outras bases de dados consultadas, ou seja, Lilacs, BVS e SciELO, apesar de não serem encontrados com os descritores utilizados. Essa falha pode ser sinal da dificuldade em uniformizar o uso de alguns novos conceitos, principalmente o de Neuroaprendizagem, que para alguns acadêmicos ainda não se constituiu como área de conhecimento reconhecida, com objeto próprio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de refletir sobre como se dá o processo de aprendizagem, a partir de revisão bibliográfica, com enfoque nos recortes da Psicomotricidade, Psicopedagogia e Neuroaprendizagem e suas interrelações foi levada a termo.

Como resultado de pesquisas em Neuropediatria e Neurociências, tem-se que o SNC é a central que viabiliza a aprendizagem e seu desenvolvimento. A partir do período gestacional1,2,3,6, essa central alcança seu maior potencial neurobiológico por volta de doze anos, quando as unidades funcionais descritas por Luria7 finalizam sua estruturação. Com as Neurociências, aprofundou-se o conhecimento sobre a circuitaria responsável pelas distintas formas de apreensão do mundo e aprendizagem efetiva, que permite ao indivíduo interagir nele.

Farta bibliografia encontrada sobre desenvolvimento neuromotor serviu como base para construir o caminho e chegar à melhor compreensão sobre as especificidades da Psicomotricidade e suas contribuições ao processo de aprendizagem5.

A complexidade e a dinâmica intensa que orienta a formação e o funcionamento neuropsicomotor, que distingue o ser humano de outras espécies, resultou clara, da mesma forma que seu papel fundamental no desenvolvimento cognitivo3.

É a evolução psicomotora que permite ao indivíduo construir conhecimento sobre o mundo, sobre si mesmo e o que lhe permite agir de forma programada sobre ele. Num estágio posterior, o indivíduo se torna capaz de criar representações sobre esse mundo e sobre o conhecimento que acumulou, qualificado-se para o desenvolvimento da linguagem7.

Confirma-se, assim, que a eficiência neuropsicomotora define em grande medida o potencial de aprendizagem do sujeito, contribuindo para seu sucesso ou fracasso escolar. Essa era uma das percepções iniciais que orientaram e motivaram essa pesquisa8.

Fica claro, também, que há expectativa de que uma relação transdisciplinar efetiva com as Neurociências e a Psicomotricidade permita enriquecimento das práticas educativas no prazo mais curto possível10,13,22,23, pois o cenário de fracasso escolar tem se expandido e gerado desânimo e frustração entre seus profissionais. É o caso da relação com a Psicomotricidade.

Outra conclusão incontestável e também reveladora refere-se à fragilidade da formação de professores e de profissionais da Educação que estão no mercado e/ou ingressando nele. A eles falta, muitas vezes, conhecimento de base que lhes permitiria identificar - de forma precoce, quando fosse o caso -, carências ou dificuldades em seus alunos, as quais poderiam ser sanadas, muitas vezes, em parcerias profissionais13,18,24,25.

O conhecimento sobre aprendizagem tem avançado e permitido que a identificação das diferentes causas de dificuldades de aprendizagem, bem como compreensão de suas bases biológicas, auxiliem no tratamento das manifestações de dificuldades e mesmo no tratamento de transtornos nesse processo.

Reconhecer que o SNC é responsável pelo processo de aprendizagem e que se desenvolve com maior eficiência quanto melhor sejam as bases biológicas tem auxiliado a implementação de práticas na área de Saúde que zelam pela gestação responsável, incluindo exames - ultrassonografia morfológica, aminiocentese e biópsia do vilo corial, entre outros - que contribuem para o diagnóstico precoce de síndromes e malformações do tubo neural ou neurológicas. De modo semelhante, a consciência de que é na interação com o meio social e afetivo que o indivíduo avança no processo de aprender sobre o mundo e qualifica-se para atuar nele de forma planejada e eficiente, aumenta a responsabilidade dos que atuam como educadores - pais e profissionais.

Ações eficientes que promovam melhor desempenho da criança em sua trajetória de aprendiz estão ao alcance da família e das instituições de ensino e o Estado tem como influenciar positivamente, revendo não só a política para a Saúde, como também a de Educação.

A atualização nessas áreas pode ser promovida com a exigiência de qualificação por parte dos profissionais nela atuantes, mas também pela oferta de cursos que levem em conta os avanços da Neurociência e da Psicomotricidade, conforme apresentado nesta pesquisa. Medidas como essa podem, no médio prazo, transformar vidas, evitando o fracasso escolar, contornando as dificuldades e promovendo a felicidade e a integração social plena da clientela ampla da rede de ensino.

Os resultados deste trabalho permitem também demonstrar que essa preocupação deve ter como alvo prioritário a atualização de educadores de creche e professores que atuam no nível fundamental básico - 1o ao 5o ano - época definidora dos rumos da produção escolar. Ao Estado caberia zelar prioritariamente pela atualização dos professores da rede pública, mas também incorporar na política educacional nacional as conquistas das Neurociências.

Se esse for o encaminhamento, a revisão da grade curricular dos cursos de Pedagogia, especialização em Psicologia Escolar, em Psicopedagogia, permitirá, no futuro, a consolidação de formas mais eficientes de educar e promover a alfabetização e desenvolvimento das áreas de raciocínio lógico-matemático dos menores.

Um novo olhar dos profissionais da área podem permitir ainda a revisão e alteração do planejamento curricular e dos conteúdos a serem ministrados pelos professores, que respeitem, por exemplo, o processo de maturação neuromotora, para que o risco de dificuldades e prejuízos na aprendizagem se reduzam e que se possa prevenir a instalação dos transtornos, mesmo quando haja base biológica para isso.

Entende-se que essa preocupação deveria estar presente nos profissionais da Educação, confrontados todos os dias pelo aumento continuado dos casos de dificuldades de aprendizagem, diagnósticos de transtornos e mesmo evasão escolar.

Na área de Psicopedagogia, bons resultados de integração com a Psicomotricidade foram encontrados e apresentados aqui, mas predomina o distanciamento e talvez uma idealização improdutiva quanto à evolução e aplicabilidade da parceria entre Psicopedagogia e Neuroaprendizagem. Já no âmbito institucional observa-se que tem aumentado a percepção do espaço positivo que o psicopedagogo pode desempenhar ao atuar junto ao corpo docente, com o objetivo de contribuir com ações profiláticas que possam prevenir e não apenas remediar prejuízos na aprendizagem que muitas vezes conduzem ao fracasso escolar.

É possível afirmar, ao final, que as Neurociências têm contribuído com a Educação, que se enriqueceu com novas abordagens, sem abandonar os referenciais teóricos que até aqui orientaram a compreensão do desenvolvimento cognitivo e as práticas educativas ainda vigentes.

Mais que isso, o avanço nas parcerias disciplinares trouxe um novo olhar também às práticas profissionais do psicopedagogo, que pode desempenhar papel pró-ativo tanto nos níveis institucional - trabalhando com profissionais da Educação e formadores para que despertem para observação, por exemplo, de falhas psicomotoras - como no clínico, atendendo aos alunos que se encontrem em situação de risco de fracasso escolar. Parcerias efetivas com fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos e professores têm-se construído, mediadas pelas Neurociências e parecem tornar-se mais promissoras.

A ação combinada entre profissionais de Saúde e Educação, que permite o diagnóstico e a intervenção precoces, foi exemplarmente demonstrada na pesquisa de Oliveira et al.20 em que a identificação de risco ao desenvolvimento da linguagem foi identificada aos dezessete meses de vida do bebê, e a intervenção trouxe resultados positivos que permitiram a recuperação do potencial de aprendizagem após seis meses de trabalho.

Contribuir para o desenvolvimento cognitivo harmônico é investir no sucesso do processo de aprendizagem e da trajetória escolar. Mais que isso é contribuir para a felicidade do sujeito. Esse objetivo pode ser alcançado, mesmo quando se trata de indivíduos com necessidades especiais, já que o trabalho psicopedagógico deve promover o desenvolvimento e a reabilitação, reconhecendo antes de tudo as possibilidades reais do sujeito, ao contrário do que, em geral, faz a escola.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Sonia Moraes
Rua Parque do Iguaçu, 229 - Vinhedo
SP, Brasil - CEP 13280-000
E-mail: moraes.sm@uol.com.br

Artigo recebido: 22/2/2015
Aprovado: 8/4/2015

 

 

Trabalho realizado no Curso de Pós-Gradução Lato Sensu em Neurociência, Psicanálise, Psicopedagogia do Instituto Saber Brasília, Núcleo São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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