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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.32 no.98 São Paulo  2015

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

A importância das neurociências na formação do professor de inglês

 

The importance of Neurosciences in English language teachers' training

 

 

Daniella Soares Portes

Professora de Inglês, Graduada em Letras/Inglês e Pós-graduada em Inglês pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário Newton Paiva (CUNP). Pós-graduada em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e pela Universidade Castelo Branco (UCB). Pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade FUMEC. Mestre em Linguística Aplicada e Ensino de Inglês pela Saint Mary's University (SMU - Londres, Inglaterra)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, discute-se sobre a importância das Neurociências na formação do professor de inglês, visto que este, assim como outros profissionais da Educação, lida diretamente com o órgão da aprendizagem, o cérebro. Contudo, grande parte desses professores não teve contato com as Neurociências, pois os cursos de licenciatura, no Brasil, não abordam esse conteúdo. Por conseguinte, inúmeros professores de inglês são incapazes, por exemplo, de detectar alunos com possíveis transtornos de aprendizagem e encaminhá-los para profissionais que poderão fazer uma avaliação, como neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, psiquiatras e psicopedagogos. Não se defende, no entanto, fazer dos professores de inglês especialistas em áreas da Saúde, mas especialistas em Educação, capazes de refletir, por um lado, sobre a sua prática de ensino que interfere, por sua vez, no desempenho e evolução de seus alunos e, por outro, sobre o processo de aprendizagem e suas dificuldades.

Unitermos: Neurociências. Educação. Formação do professor de inglês.


SUMMARY

In this article, we propose thinking about the importance of Neurosciences in English language teachers' training since they as well as other education professionals deal directly with the learning organ, the brain. Nevertheless, most English teachers did not study Neurosciences because the teaching degree programs do not offer this content in Brazil. Therefore, many English teachers are incapable, for instance, of detecting students with possible learning disorders and referring them to professionals who can make an assessment, such as neurologists, psychologists, speech therapists, psychiatrists and psychopedagogists. We do not defend, however, the idea of making English language teachers experts in healthcare areas of study, but experts in education, capable of reflecting, on the one hand, on their teaching practice which interferes, in turn, in the performance and evolution of their students, and on the other hand, on the learning process and its difficulties.

Key words: Neurosciences. Education. English language teachers' training.


 

 

INTRODUÇÃO

O tema deste artigo, as Neurociências e a Educação, nasceu da constatação de que, geralmente, os professores de inglês desconhecem o funcionamento cerebral e a sua relação com o ensino e a aprendizagem. Isso porque os cursos de licenciatura em Letras/Inglês se preocupam em abordar, por exemplo, as mais diversas teorias, métodos e metodologias de ensino e aprendizagem, não contemplando, assim, o ensino de conhecimentos básicos das Neurociências e suas implicações na Educação. Diante disso, trazer os conhecimentos das Neurociências para a formação do professor de inglês significa inovar no ensino e aprendizagem dessa Língua Estrangeira (LE), tornando esse profissional da Educação capaz de refletir tanto sobre a sua prática de ensino, como sobre o processo de aprendizagem e suas dificuldades.

A metodologia utilizada no presente artigo é a revisão bibliográfica, visto que ele pretende demonstrar que os conhecimentos das Neurociências podem contribuir para o melhor desempenho do professor de inglês em sala de aula. Portanto, a relevância deste trabalho está em fomentar a discussão sobre a importância das Neurociências na formação do professor de inglês, pois a maioria das publicações neste sentido diz respeito à formação do professor da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, no Brasil, e do ensino primário e secundário, no exterior.

 

O QUE SÃO AS NEUROCIÊNCIAS?

Veem-se, com frequência, reportagens sobre as descobertas e os avanços das Neurociências nos mais diferentes veículos de comunicação, como jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Mas qual o significado do termo Neurociências?

As Neurociências podem ser entendidas, em face de sua amplitude terminológica, como uma mescla de disciplinas que se ocupam do estudo do cérebro, tratando, mais especificamente, de seu desenvolvimento químico, estrutural, funcional e patológico1,2. Complementando essa definição, as Neurociências devem ser concebidas como um conjunto de ciências cujo objetivo é investigar não somente o sistema nervoso e seu respectivo funcionamento, como também as relações entre a atividade cerebral, comportamento e aprendizagem3. As Neurociências fazem, portanto, referência a campos científicos e áreas de conhecimento diversas sem, necessariamente, ter interesses, enfoques ou métodos homogêneos1,3.

 

AS ORIGENS DAS NEUROCIÊNCIAS

Apesar de ser um campo de estudos relativamente novo, uma vez que o termo Neurociências foi criado a partir da fundação da Society for Neurocience em 19704, um dos seus principais objetos de estudo, o cérebro, não o é. Inúmeros achados arqueológicos sugerem que as civilizações paleolíticas e neolíticas (10000 a 5000 a.C.), em diferentes partes do mundo, tanto ocidental quanto oriental, já sabiam de sua importância e nele realizavam intervenções cirúrgicas conhecidas como trepanações, abertura de um ou mais orifícios no crânio5,6. Além disso, os métodos utilizados e as razões para a prática dessas intervenções variavam entre os povos dos períodos pré-históricos supracitados, como o tratamento de dores de cabeça, convulsões, doenças mentais ou, simplesmente, a expulsão de demônios4-6.

Os egípcios também detinham algum conhecimento sobre o cérebro, em particular, sobre sintomas de lesões cerebrais sistematicamente descritos no famoso papiro comprado, em 1862, pelo egiptologista Edwin Smith (1822-1906)5. Pertence, portanto, à civilização egípcia, o registro mais antigo de uso do vocábulo cérebro7. Os egípcios também forneceram os primeiros desenhos anatômicos do cérebro, dentre os quais estão as meninges e o líquido cefalorraquiano7. Curiosamente, no entanto, para os egípcios, assim como para os mesopotâmios, os indianos e os chineses, a consciência e o pensamento estavam nas vísceras6. Para os egípcios e os indianos, por exemplo, o coração era tido como o centro das funções mentais, sensoriais e motoras6. De fato, verifica-se que tamanha era a importância do coração e de outros órgãos que estes, durante o processo de mumificação, eram cuidadosamente preservados pelos egípcios, ao passo que o cérebro era simplesmente descartado4-7.

Essa crença foi desfeita apenas por volta de 400 a.C., na Grécia Antiga, pelo considerado "pai da Medicina", Hipócrates5. Para ele, o cérebro era responsável pelas sensações e pelo intelecto5. Abraçando as ideias de Hipócrates, o médico grego Galeno (130-200), cujos experimentos e dissecações foram feitos, sobretudo, em gado, pois as leis romanas não permitiam a autópsia, termo, aliás, cunhado por ele, posteriormente, deu um importante passo para a compreensão do sistema nervoso durante a Roma Antiga ao separar o cerebelo do cérebro, antes considerados um só4-6. Ademais, Galeno acreditava que os fluidos do sistema nervoso e da medula espinhal eram levados a diferentes do corpo. Para ele, a partir do mecanismo de energias fluidas, o cérebro atuava como um receptor de informações e era responsável pelo controle motor7.

As ideias de Galeno prevaleceram por mais de 1500 anos. Foi durante a Renascença que o médico belga Andreas Vesalius (1514-1564), considerado o "pai da anatomia moderna", acrescentou descrições pormenorizadas da anatomia do corpo humano ao publicar, em 1543, o livro De Humani Corporis Fabrica5.

Ao final do século XVIII, os estudiosos: (1) reconheciam a divisão do sistema nervoso em central (cérebro e medula espinhal) e periférico (rede de feixes nervosos que liga o sistema nervoso central às demais partes do corpo); (2) observaram que o tecido cerebral era composto por uma substância cinzenta e uma substância branca; (3) identificaram os giros e sulcos que, no século seguinte, favoreceram a divisão do cérebro em lobos e, consequentemente, serviram de base para o modelo localizacionista; e (4) descobriram que o sistema nervoso era de natureza elétrica4.

No início do século XIX, o médico e neuroanatomista austríaco Franz Joseph Gall (1758-1828) e seu colaborador, o médico alemão Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832), desenvolveram uma teoria capaz de descrever a personalidade de um indivíduo a partir de uma análise detalhada da anatomia do crânio. Ainda segundo essa teoria, seria possível dividir o cérebro em 35 funções de acordo com o formato e tamanho do crânio. A essa relação entre as dimensões do crânio e os traços de personalidade de um indivíduo, eles deram o nome de Frenologia. Embora tal teoria tenha causado certo impacto na sociedade da época, ela carecia de um método científico, não apresentando, portanto, dados consistentes. Diante disso, a comunidade científica logo a considerou como pseudociência6,8. Um de seus opositores, Marie-Jean-Pierre Flourens (1794-1867), defendia a ideia de que as diferentes regiões do córtex cerebral, responsáveis pela inteligência, percepção e desejo, participavam igualmente nas funções cerebrais, visão esta conhecida como campo agregado e que, posteriormente, viu-se que também estava errada4-6,8.

A teoria localizacionista foi retomada a partir de um estudo do neurologista francês Paul Broca (1824-1880), em 1861. Nele, Broca descrevia um paciente que, embora entendesse a linguagem, não conseguia falar, ou seja, sua fala era agramatical. No exame post mortem desse paciente, ele descobriu que a região afetada estava localizada no lobo frontal esquerdo. Assim, baseado nesse e em outros casos por ele estudados, Broca concluiu que essa era a área responsável pela produção da linguagem4-6,8.

Outro trabalho que reforçou a teoria localizacionista foi o do neurologista alemão Carl Wernicke (1848-1904). Wernicke estudou um paciente que conseguia falar fluentemente, mas suas frases eram desconexas, porém gramaticais. No estudo post mortem desse paciente, ele descobriu que a área lesionada era ao redor dos lobos temporal e parietal e, diante disso, concluiu que essa era a área responsável pela compreensão da linguagem falada e escrita4-6,8.

Após as descobertas de Broca e Wernicke, e seguindo os passos dos fisiologistas alemães Gustav Fritsch (1838-1927) e Eduard Hitzig (1838-1907), que observaram movimentos característicos em um cão que teve partes de seu encéfalo estimuladas eletricamente, o neurologista alemão Korbinian Brodmann (1868-1918) mapeou 52 regiões cerebrais a partir da observação da organização e tipos de células diversas, assim como as fibras mielínicas presentes nelas6,8,9. Esse mapeamento ficou conhecido como arquitetura celular ou citoarquitetura e, curiosamente, desde o ano de sua publicação, em 1909, inúmeros mapas citoarquitetônicos foram publicados, porém, o mapa de Brodmann permanece sendo utilizado amplamente como uma referência para designar regiões corticais funcionais devido a sua simplicidade e pequeno número de áreas (44 áreas)10.

Ainda, entre o final do século XIX e o começo do século XX, com o aprimoramento técnico dos microscópios que passaram a ter uma melhor resolução, o histologista italiano Camillo Golgi (1843-1918) descobriu uma maneira de corar os neurônios para visualizar suas partes7. Golgi, no entanto, acreditava que os neurônios estavam completamente conectados uns aos outros, formando "uma massa contínua"8. Porém, para o histologista espanhol Santiago Rámon y Cajal (1852-1934), a ideia de Golgi não procedia, pois, para ele, a comunicação entre os neurônios era descontínua4,8, isto é, os neurônios eram "discretas entidades unitárias" cujos sinais elétricos se propagavam em uma mesma direção7.

Na primeira metade do século XX, muitos cientistas, confundidos pelas descobertas do século anterior, adotaram uma visão holística, ou seja, eles se recusavam a aceitar que, para explicar o funcionamento cerebral, seria necessário compreender a função de um único neurônio ou de áreas menores do encéfalo8. O neurologista inglês Sir Henry Head (1861-1940), por exemplo, defendia a ideia de que o encéfalo era "um sistema dinâmico, interconectado e mutável"8. Um cérebro lesionado, para ele, poderia ser comparado a um sistema novo e não a um sistema antigo no qual há a ausência de alguma parte8.

Por outro lado, para um dos expoentes desse período, o neurologista russo Alexander Romanovich Luria (1903-1978), o cérebro era um sistema biológico aberto em constante interação com o meio, isto é, as funções mentais superiores eram construídas durante a evolução da espécie e da história social e desenvolvimento de cada indivíduo11,12. Em outras palavras, tem-se aqui o conceito de plasticidade cerebral. Além disso, para o neurologista russo, as funções cerebrais eram organizadas a partir da ação de elementos diversos que trabalhavam de maneira coordenada e que estavam localizados em diferentes áreas do cérebro, ou seja, eles não estavam necessariamente juntos em determinados pontos do cérebro ou em grupos de células isoladas12. Na década de 1920, por exemplo, Luria investigou o caso de um paciente que possuía uma extraordinária memória: cada palavra ouvida por ele era associada a diferentes sentidos, ou seja, a um cheiro, uma imagem visual, um gosto e uma sensação corporal. Contudo, o que parecia ser um dom para muitos, trazia um prejuízo ao paciente, visto que as associações sensoriais estabelecidas por ele entre fatos e objetos facilitavam a memorização em detrimento da compreensão11.

A atuação de Luria durante a Segunda Guerra Mundial também merece destaque. Ele se tornou um pioneiro nos estudos de cérebros lesionados, pois era encarregado de cuidar e reabilitar os feridos de guerra. Luria estava interessado em examinar a patologia e, concomitantemente, elucidar como a condição de vida desses feridos influenciou suas formas de pensar e agir12.

Ao se falar do século XX, é necessário mencionar, também, que o nascimento da neuroimagem foi decisivo para os avanços das Neurociências. Após a Segunda Guerra Mundial, foi possível quantificar o fluxo e o metabolismo cerebral a partir do desenvolvimento da tomografia por emissão de pósitrons ou, simplesmente, TEP4,8. Posteriormente, na década de 1980, tem-se o desenvolvimento da imagem por ressonância magnética (IRM) baseada em princípios químicos e físicos8. Portanto, com o desenvolvimento dessas técnicas utilizadas para a geração de imagem, foi possível reproduzir, com grande exatidão, o encéfalo e a medula espinhal em vida, viabilizando o acesso a informações fisiológicas e patológicas que anteriormente nunca estiveram disponíveis2.

Atualmente, os cientistas e demais pesquisadores sustentam a visão do "conexionismo", segundo a qual as funções primárias são fortemente localizadas e as funções de nível superior resultam de interligações entre as áreas cerebrais7. Ademais, devido à complexidade do funcionamento do cérebro, os neurocientistas optaram por dividi-lo em unidades de estudo, cada qual com o seu respectivo nível de análise4. Tal abordagem é conhecida como reducionista e é composta por cinco níveis de complexidade, a saber: Neurociência Molecular (estuda, de maneira geral, os processos químicos e físicos envolvidos na função neural), Neurociência Celular (investiga, por exemplo, como todas as moléculas trabalham juntas, conferindo a cada neurônio propriedades especiais), Neurociência de Sistemas (estuda como os diferentes circuitos neurais analisam as informações sensoriais, produzem a percepção do mundo exterior, etc.), Neurociência Comportamental (investiga, entre outras coisas, a interação entre os sistemas que influenciam o comportamento) e Neurociência Cognitiva (estuda os processos de aprendizagem, memória, linguagem etc.)2,4.

 

AS NEUROCIÊNCIAS NO BRASIL

Sabe-se que os primeiros cursos médicos foram criados, no Brasil, em 1908 e, nesses primeiros anos de sua criação, a história das Neurociências se confunde com a história da Fisiologia, dado que seu ensino era notadamente "livresco" e "muito pouco experimental"13. As Neurociências passaram a ser amplamente estudadas apenas a partir das décadas de 1940 e 1950, ganhando grande impulso por meio de diferentes estudos como: a depressão cortical, dos pesquisadores Aristides Pacheco Leão e Hiss Martins Ferreira; o veneno do escorpião, isolado e caracterizado por Carlos Ribeiro Diniz; e a eletrofisiologia do sistema nervoso, de Miguel Covian14. Além disso, deve-se citar os estudos do médico, docente e pesquisador, Antônio Frederico Branco Lefèvre, um dos pioneiros no estudo das funções cognitivas em crianças15.

Segundo Silveira16, o Brasil ocupa um lugar de destaque no que diz respeito às Neurociências. É possível observar o trabalho, de mais de 50 anos, de um grande número de pesquisadores em diversas universidades e institutos de pesquisas. Em 2003, por exemplo, foram criados o Instituto Internacional de Neurociências, em Natal, e o Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com o intuito de atrair ainda mais pesquisadores e fomentar o intercâmbio entre os cientistas brasileiros e do exterior, além de buscar maior aproximação entre a academia e a sociedade. Cinco anos mais tarde, foi lançado o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), financiados pelo governo federal, criando, assim, vários centros de pesquisa em áreas da ciência e em áreas estratégicas com vistas ao desenvolvimento sustentável16. No que diz respeito, mais especificamente, às Neurociências, pode-se destacar, por exemplo, o INCT de interface cérebro-máquina coordenado pelo Professor Doutor Miguel Ângelo Laporta Nicolelis.

Dentre os temas pesquisados em diversas universidades federais, na atualidade, destacam-se: memória, comportamento, sono e Cronobiologia, doença mental, sistema visual, organização morfofuncional do sistema nervoso, nutrição, epilepsia, Neurociência Computacional e Psicofarmacologia14. Um dado interessante que demonstra a força das Neurociências no cenário nacional é que, de acordo com o Institute for Scientific Information, as Neurociências despontam como uma das áreas de investigação mais bem sucedidas no Brasil: 20% dos neurocientistas brasileiros estão situados dentre os pesquisadores mais produtivos de todas as áreas do conhecimento em solo brasileiro14.

 

A ARTICULAÇÃO ENTRE AS NEUROCIÊNCIAS E A EDUCAÇÃO

Não há dúvidas de que o ser humano possui uma capacidade única para aprender através do processo de escolarização e socialização. Fischer et al.17 observam que a Educação tem um papel fundamental nas transformações culturais de uma sociedade, pois permite que seus membros, particularmente os mais jovens, aprendam um corpo de conhecimentos e habilidades, em constante expansão e evolução, que levaram milhares de anos para serem desenvolvidos. Nesse sentido, a aprendizagem pode ser entendida, de acordo com Fonseca18, como:

"uma mudança de comportamento resultante da experiência. Trata-se de uma mudança de comportamento ou de conduta que assume várias características. É uma resposta modificada, estável e durável, interiorizada e consolidada no próprio cérebro do indivíduo. A aprendizagem compreende por consequência uma relação integrada entre o indivíduo e o seu envolvimento, do qual resulta uma plasticidade adaptativa de comportamento ou de condutas".

Entretanto, torna-se necessário dizer que a aprendizagem animal e a aprendizagem humana são diferentes, visto que, no animal, o comportamento adquirido pode ser entendido como uma resposta modificada não resultante de uma escolha dentre inúmeras hipóteses18. Ademais, nenhum animal pode transmitir novos comportamentos para outros da mesma espécie ou para futuras gerações18, isto é, não há, entre os animais, uma intencionalidade que vise aperfeiçoar os conhecimentos19. Por outro lado, no ser humano, "a aprendizagem é o reflexo da assimilação e conservação do conhecimento, controle e transformação do meio, que foi acumulado pela experiência da humanidade através dos séculos"18. Em outras palavras, o ser humano escolhe entre várias hipóteses, compara, planeja, traça objetivos, executa, avalia os resultados e busca soluções para seus problemas, apoiando-se na linguagem verbal e não-verbal18. Em suma, a aprendizagem humana não pode ser vista como "um simples armazenamento de dados perceptuais", pois esses dados são processados e elaborados a partir das percepções do cérebro20. Portanto, diferentemente do cérebro de um animal, o cérebro dos seres humanos tem registrado em si não somente "a história da evolução tanto anatômica quanto fisiológica"2, como também traz em si, segundo Fonseca18:

"a experiência [que] transformou a informação sensorial num processo cognitivo, inventando para esse efeito um código que a representa. (...) A relação entre um sistema linguístico e um sistema conceitual se estabeleceu, então, por meio do símbolo, produto mental pelo qual o pensamento se exprime e se organiza".

Fonseca18 pontua, ainda, que a aprendizagem está implicitamente relacionada com outros processos psicológicos importantes, como estímulo, reflexo, condicionamento, discriminação e memória. Sabe-se hoje, depois de algumas décadas de estudo, no qual se percebe um avanço no entendimento sobre a aprendizagem e desenvolvimento humano, que esses processos são produtos da atividade cerebral, ou seja, do sistema nervoso17,18,21. Diante disso, pode-se afirmar que os estudos sobre a aprendizagem unem sobremaneira a Educação e as Neurociências19. Contudo, Samuels22 observa que, historicamente, a Educação e as Neurociências têm seguido caminhos distintos, porém interligados; filosoficamente, os valores pelos quais os referidos campos de investigação científica atuam estão frequentemente em oposição; e, epistemologicamente, tanto a Educação quanto as Neurociências têm contado com diferentes conceituações de conhecimento.

As primeiras tentativas para unir a Educação e as Neurociências datam do final da década de 1960, com a publicação do artigo de William Gaddes, A Neuropsychological Approach to Learning Disorders, em 1968, no qual ele defende a integração dos conhecimentos neurológicos, psicológicos e educacionais para diagnóstico e planejamento educacional de crianças com distúrbios de aprendizagem. Desde então, inúmeros artigos sobre essa possível união têm sido publicados, porém a distância entre a Educação e as Neurociências é grande e está muito aquém de seu potencial absoluto23-27.

Há, entretanto, um consenso entre alguns pesquisadores de que as Neurociências podem auxiliar nas teorias e nas práticas educacionais19,21,25,27. Por exemplo, no caso da dislexia, "dificuldade na aprendizagem da leitura, independentemente de instrução convencional, adequada inteligência e oportunidade sociocultural"18, na qual se estima que entre 10% a 20% das crianças são portadoras desse transtorno de aprendizagem28, os estudos das Neurociências têm demonstrado que ela é causada por falhas no processamento fonológico ou visual25,27. Ademais, outros estudos, de acordo com Fonseca18 e Katzir28, têm revelado subtipos de dislexia. Diante disso, tais descobertas podem contribuir para a Educação na medida em que orientem os professores e educadores a adequar os métodos de aprendizagem por eles utilizados às necessidades da criança disléxica18,28.

A conexão, talvez, potencialmente mais óbvia, a aplicabilidade das descobertas das Neurociências no dia a dia da sala de aula, tem se mostrado insatisfatória, visto que pouco a respeito tem sido discutido1,23-25,29. Isto porque os professores e educadores, em geral, não consultam a literatura referente às Neurociências antes de decidir como ensinar uma criança. Da mesma forma, os neurocientistas geralmente não consultam a literatura pertencente à área da Educação ao levantar hipóteses e conduzir suas investigações30. Em decorrência da falta de uma comunicação eficiente entre as partes, nota-se ora uma simplificação, ora uma generalização das descobertas no campo das Neurociências, acarretando a presença e a propagação, no ambiente escolar e na prática docente, de neuromitos1,19,21,23,25,26,31-33.

Os neuromitos são concepções errôneas construídas a partir de um mal-entendido de fatos cientificamente estabelecidos das Neurociências para justificar o uso de pesquisas dessa área na Educação34 ou, ainda, violações ao discutir as descobertas das Neurociências, tais como somente usamos 10% do nosso cérebro, o lado esquerdo do nosso cérebro é responsável pela linguagem e o direito pelo pensamento abstrato, dentre outros31. Isto pode ser verificado, por exemplo, em um estudo realizado com 242 professores do ensino primário e secundário, no Reino Unido e na Holanda, interessados em Neurociências e suas implicações no processo de aprendizagem no qual esses professores acreditavam em 49% dos neuromitos listados na pesquisa34. Em outro estudo, os pesquisadores concluíram que, mesmo após ter contato com alguns princípios das Neurociências, a maioria dos 158 participantes, todos professores pré-serviço, graduandos de diversas licenciaturas no Reino Unido, acreditava numa gama de neuromitos35. Em terras brasileiras, um estudo revelou que, ao avaliar o nível de conhecimento dos professores do ensino infantil, fundamental e médio acerca das Neurociências e suas potenciais implicações educacionais, neuromitos como o uso de apenas 10% do cérebro ainda persistiam, mesmo depois desses professores terem feito um segundo curso de extensão sobre Neurociências e Educação36.

Para combater os neuromitos, alguns pesquisadores têm sugerido diferentes alternativas, como, por exemplo, a integração entre os conhecimentos produzidos em laboratório e em sala de aula, criando um ambiente propício para que os neurocientistas aprendam com os professores e vice-versa17,23,26,30,31,33,37. Entretanto, para outros, essa integração somente ocorrerá se feita por meio da Psicologia Cognitiva, ciência que analisa e estuda cientificamente as faculdades mentais19,24. Há ainda aqueles que acreditam que tal integração ocorrerá por intermédio da Psicologia Educacional, ciência interessada em desenvolver modelos de aprendizagem prescritivos, descritivos e interpretativos de um aluno e outros fenômenos educacionais26,37. Por outro lado, a mediação entre neurocientistas e educadores, por meio de um facilitador ou tradutor, pode ser vista como uma boa alternativa, uma vez que esse indivíduo forneceria uma linguagem comum e um quadro de referência para contextualizar e compreender os resultados das Neurociências a partir de um treinamento na interface Mind, Brain and Education, área de estudos, inaugurada pela International Mind, Brian and Education Society, que busca congregar as mais diversas disciplinas que investigam a aprendizagem e o desenvolvimento humano17,31. Em outras palavras, estabelecer uma linguagem mediadora entre as Neurociências e a Educação, segundo alguns pesquisadores, poderá contribuir para o esclarecimento das descobertas científicas e seu possível emprego na educação37.

Ainda dentro dessa perspectiva de integração, é necessário que as Neurociências e a Educação compartilhem os mesmos objetivos17,27. É necessária, também, a inserção de conhecimentos básicos das Neurociências nas diretrizes curriculares da formação de professores, a fim de torná-los consumidores informados e críticos sobre certos programas e estratégias educacionais supostamente baseados em descobertas das Neurociências1,23,25,30. Uma tentativa bem sucedida de tal formação é atualmente oferecida pela Universidade Flinders, na Austrália, sob a forma de um certificado de pós-graduação em Neurociências para os professores com vistas a fornecer um conhecimento básico de Neurociência moderna em um contexto relevante para a sua prática profissional. Mais especificamente, esse programa de pós-graduação pretende: (1) proporcionar aos professores uma compreensão dos princípios da Neurociência moderna; (2) desenvolver a capacidade de avaliar criticamente a literatura das Neurociências quando aplicadas à aprendizagem; e (3) desenvolver a capacidade de aplicar os princípios das Neurociências no entendimento da prática docente e do comportamento em sala de aula25.

Outra iniciativa, de cunho nacional, que visa a inserção de docentes no campo das Neurociências é o projeto registrado na Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) chamado NeuroEduca (http://www.icb.ufmg.br/neuroeduca/). Dentre os objetivos desse projeto, tem-se a capacitação dos profissionais da Educação nos fundamentos neurobiológicos do processo ensino-aprendizagem.

Vê-se, diante do exposto, que a articulação entre as Neurociências e a Educação é possível e, até mesmo, "desejável"21, mas ela ainda está repleta de percalços e sua aplicabilidade não é direta e imediata17,21,30,26,37. Além disso, há que se observar que as Neurociências e a Educação possuem naturezas distintas: as Neurociências são ciências naturais que têm como objetivo descobrir os princípios da estrutura e do funcionamento neurais; a Educação, por sua vez, é uma ciência social que visa criar condições favoráveis para a aprendizagem de um indivíduo e, ao contrário das Neurociências, é regulada por leis físicas, biológicas e aspectos humanos27,37. As Neurociências, portanto, não prescrevem receitas para o ensino e para a solução dos problemas de Educação, nem visam provocar mudanças radicais nos conteúdos pedagógicos a serem aprendidos pelo professor pré-serviço ou em atividade21,23,29,37. Elas apenas informam como o trabalho do professor pode se tornar "mais significativo e eficiente quando ele conhece o funcionamento cerebral"21.

 

AS NEUROCIÊNCIAS NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE INGLÊS

Na seção anterior, foi dito que a aprendizagem é "uma mudança de comportamento resultante da experiência"18 e que essa experiência "transformou a informação sensorial num processo cognitivo, inventando para esse efeito um código que a representa"18, ou seja, a linguagem. Diante disso, pode-se dizer que a linguagem humana não é apenas uma habilidade complexa e especializada que diferencia o homem dos outros animais, mas ela é também uma adaptação biológica cujo objetivo é passar informação38. Assim como a aprendizagem, a linguagem está tão entrelaçada com a experiência humana que é quase impossível imaginar a vida sem ela38.

O aparecimento da linguagem humana remonta à presença dos hominídeos há centenas de milhares de anos. Ela se difere da linguagem dos outros animais por: (1) ser governada por símbolos linguísticos, isto é, "convenções sociais de significados, nos quais cada indivíduo compartilha sua atenção com o outro, direcionando a sua atenção ou estado mental (pensamento) para alguma coisa no mundo que os cerca"; (2) ser gramatical, ou seja, os símbolos linguísticos associam-se dentro de estruturas padronizadas; e (3) não se encerrar em "um único sistema de comunicação utilizado por todos os membros da espécie", isto é, "diferentes grupos de humanos convencionaram, no decorrer da história, sistemas mútuos de comunicação"39.

Sabe-se, também, que aprender uma língua "depende de um aparato neurobiológico e social" e seu desenvolvimento "implica na aquisição plena do sistema linguístico que (...) possibilita a inserção no meio social"39. Assim, desde muito cedo, observa-se que uma criança aprende a falar a sua Língua Materna (L1) espontaneamente, a partir de seu contato com os familiares, amigos, vizinhos, entre outros, cabendo à escola desenvolver, posteriormente, a linguagem oral/formal que deve garantir a aprendizagem das habilidades da leitura e escrita2,21,37. Há evidências de que os bebês consigam discriminar fonemas pertences não somente a sua L1, mas também a qualquer LE. Contudo, tal capacidade é perdida durante o primeiro ano de vida21. No entanto, isto não significa que um indivíduo não será capaz de aprender uma LE mais tarde. É exatamente neste ponto que se começa a perceber a importância dos conhecimentos das Neurociências na formação do professor de inglês.

Teoricamente, o professor de inglês aprende, durante a licenciatura, que o processo de aquisição da L1 se dá de uma maneira diversa à aprendizagem de uma LE. Por exemplo, quando um indivíduo aprende uma L1, ele o faz de forma inconsciente e seu início se dá no seio familiar, gradualmente, sem qualquer tipo de instrução formal. Ademais, sua exposição à L1 é integral e os fatores emocionais, como a motivação, não interferem em sua aquisição, porque ele precisa dela para a sua sobrevivência. O indivíduo que aprende uma LE, por outro lado, geralmente o faz um pouco mais tarde, depois de ter aprendido sua L1, o que torna a comparação entre as línguas, muitas vezes, inevitável. Além disso, observa-se que, em geral, ele necessita de instrução formal para aprendê-la, o que torna a sua aprendizagem consciente e reflexiva; sua exposição a ela depende, em geral, da frequência das aulas (leva-se em consideração aqui um contexto no qual a LE não é utilizada no cotidiano de uma sociedade, como é o caso do ensino e aprendizagem de inglês no Brasil); em sala de aula, é esperado que o indivíduo use a LE desde o início; e, sua aprendizagem depende de fatores emocionais40-42.

No entanto, pouco é ensinado ao professor de inglês sobre o conceito de neuroplasticidade cerebral, permanente capacidade do cérebro de "fazer e desfazer ligações entre os neurônios como consequência das interações com o ambiente externo e interno do corpo"21. Como a neuroplasticidade cerebral se faz presente ao longo de toda uma vida, apesar de diminuída na fase adulta, pode-se concluir que a capacidade de aprendizagem é preservada21, ou seja, se um indivíduo se dispuser a aprender, em qualquer momento de sua vida, uma dança, um instrumento ou uma língua, "a plasticidade neural fará com que novos caminhos sejam trilhados por meio de novas conexões entre neurônios que permitirão a [sua] aprendizagem"43. Em outras palavras, graças à neuroplasticidade cerebral, aprendemos o que é ou o que se torna significativo e necessário para viver, e esquecemos o que não tem mais relevância37.

Nesse sentido, as Neurociências informam, por meio de experiências realizadas em animais, que apesar de existirem períodos críticos ou receptivos, também conhecidos como janelas de oportunidade, em que determinadas aprendizagens ocorrem de maneira ideal, há indícios que a eventual perda dessa oportunidade "pode ser corrigida no futuro, embora somente ao custo de esforços muito maiores"21. Isto ilustra bem o aprendizado da LE: se aprendida nos primeiros anos de vida, esse aprendizado se realizará com perfeição. Porém, no caso do adolescente ou adulto, a presença do sotaque, por exemplo, será inevitável. É, portanto, de suma importância que o professor de inglês esteja a par desse conhecimento, principalmente quando ele recebe alunos adultos, que precisam aprender uma LE pelos mais variados motivos, e que, infelizmente, já adentram a sala de aula, muitas vezes, descrentes de seu sucesso simplesmente por terem em mente o famoso ditado popular que sentencia impiedosamente que "papagaio velho não aprende a falar".

Neste ponto, o professor de inglês deve estar igualmente a par do papel decisivo que as emoções desempenham na aprendizagem, pois "as emoções atuam como um sinalizador interno de que algo importante está ocorrendo"21. O desencadeamento das emoções colabora, ainda, para a formação de memórias, uma vez que "aprendemos aquilo que nos emociona"37, isto é, "o sistema límbico (...) avalia as informações, decidindo que estímulos devem ser mantidos ou descartados, dependendo a retenção da informação no cérebro da intensidade da impressão provocada nele"20.

Diante do exposto, conclui-se que as Neurociências também informam que as emoções são elementos fundamentais ao funcionamento cognitivo e à aquisição de conhecimento visto que uma situação de aprendizagem que estimule e motive tende a ser mais eficaz43. Por isso, o professor de inglês não pode, de maneira alguma, ignorar que "o intercâmbio de estímulos é essencial para a aprendizagem"43, independentemente da idade de seus alunos. Contudo, isto não é, infelizmente, explicado exatamente nestes termos durante os quatro anos de sua licenciatura em Letras.

Curiosamente, estudiosos como Piaget (1896-1980), Vygotsky (1896-1934) e Wallon (1879-1962), muito antes das constatações empíricas das Neurociências, já atribuíam à emoção um papel relevante no processo de retenção da informação. Para Piaget, "certamente a afetividade ou sua privação podem ser a causa da aceleração ou atraso no desenvolvimento cognitivo"44. De acordo com Vygotsky, as emoções são importantes, pois elas orientam e informam a cognição45. Wallon, por sua vez, postula que o professor deve estar atento a suas reações emocionais e a de seus alunos porque elas podem servir com um incentivo ou não à aprendizagem46.

A atenção é outro fenômeno cuja compreensão à luz das Neurociências é indispensável para a formação do professor de inglês, pois ela permite ao indivíduo "focalizar em cada momento determinados aspectos do ambiente, deixando de lado o que for dispensável"21. Suas bases neurobiológicas, segundo Luria (1903-1978), que foram mais tarde confirmadas em estudos recentes, são: a parte superior do tronco encefálico, a formação reticular, o córtex límbico e a região frontal47. Além disso, a atenção depende:

"não apenas da história prévia do sistema selecionador, envolvendo suas memórias e, portanto, o significado pessoal e emocional dos estímulos, mas também de expectativas geradas sobre a pendência de eventos futuros com base (1) nas memórias sobre regularidades passadas e (2) nos seus planos de ação, que dependem também de memórias sobre os resultados de ações anteriores e seu significado afetivo"48.

Uma vez que a atenção é mobilizada por uma informação nova e por aquela já existente no cérebro, torna-se fundamental que a aprendizagem seja contextualizada37. Um aluno dificilmente prestará atenção em algo que não seja significativo ou que não esteja relacionado ao seu dia a dia e às suas experiências37. Por isso, o professor de inglês deve envolver o aluno em suas aulas e, concomitantemente, estar atento ao manejo da sala de aula, minimizando os elementos que possam distrair o aluno, flexibilizando os recursos didáticos e usando postura e tom de voz adequadamente21. Intervalos, mudanças de atividades, diferentes padrões de interatividade e aulas centradas no aluno são estratégias importantes a serem utilizadas pelo professor de inglês com vistas a recuperar a capacidade de focar a atenção21,37. Entretanto, durante a sua licenciatura, o professor de inglês é constantemente instruído a utilizar tais estratégias sem saber a razão maior de sua aplicabilidade.

Em seus estudos, Piaget, Vygotsky e Wallon também consideram a atenção relevante para o processo de aprendizagem. Segundo a visão piagetiana, a percepção fornece "um conhecimento imediato da realidade exterior"44. Ademais, para Piaget44 a atenção é despertada quando um dado perceptual, novo e ao mesmo tempo significativo, é integrado as suas estruturas cognitivas prévias. Vygotsky observa que "ao longo do desenvolvimento, o indivíduo passa a ser capaz de dirigir, voluntariamente, sua atenção para elementos do ambiente que ele tenha definido como relevantes"49. Wallon, por exemplo, questiona a visão academicista que prega que a criança, na escola, somente aprende quando ela está parada e sentada. Para ele, "não há uma postura-padrão para garantir a atenção em toda e qualquer atividade: a atitude corporal mais adequada varia conforme o tipo de atividade e do estímulo"46. Wallon ainda afirma que a mudança na posição do corpo possibilita a manutenção da atenção46.

Assim como a emoção e a atenção, as descobertas das Neurociências apontam para o papel fundamental da memória no processo de aprendizagem e, uma vez mais, esse tópico não é abordado no curso de Letras. De fato, a palavra memória é, muitas vezes, associada à memorização, à famosa "decoreba", tendo, portanto, uma conotação negativa no ensino e aprendizagem de LE. Entretanto, a memória é um processo relativo à persistência da aprendizagem que pode ser posteriormente evocada e esta compreende algumas subdivisões: a memória operacional ou de trabalho, onde se tem os registros transitórios que, mais tarde serão transformados em registros definitivos, sendo, por fim, armazenados na memória de longa duração37. Para ilustrar, quando um aluno estuda na véspera da prova, as informações são armazenadas na memória operacional: depois de ter feito a prova, ele logo as esquecerá. Por outro lado, para que um dado conteúdo seja armazenado na memória de longa duração, é fundamental que o professor de inglês, por exemplo, repita esse conteúdo porque a frequente atividade dos neurônios relacionados a ele consequentemente "resultará em neuroplasticidade e produzirá sinapses mais consolidadas"37.

É importante destacar que as bases neurobiológicas da memória se encontram em diferentes partes, não havendo uma única região para ela21,48. Dentre elas, pode-se elencar a região do córtex pré-frontal, hipocampo, partes adjacentes do córtex temporal e corpo estriado. Outro dado neurocientífico interessante é que as memórias se consolidam aos poucos, durante o período de sono, "quando as condições químicas cerebrais são propícias à neuroplasticidade"37. Em outras palavras, é durante o sono que "o cérebro reorganiza suas sinapses, elimina aquelas em desuso e fortalece as importantes para os comportamentos do cotidiano do indivíduo"37.

Para Piaget, Vygotsky e Wallon, a memória também tem um papel de destaque no processo de aprendizagem. De acordo com Piaget44, "a memória trabalha como o historiador que, apoiando-se em alguns documentos sempre incompletos, reconstitui o passado, em parte dedutivamente". Ele ressalta ainda que o indivíduo lembra apenas daquilo que é por ele assimilado, isto é, daquilo que lhe é compreensível e significativo44. Vygotsky, por sua vez, observa que a criação e a utilização de signos auxiliam na capacidade de memorização e, consequentemente, a sua relação com a aprendizagem fica claramente estabelecida49. Na visão psicogenética walloniana, o indivíduo é um ser integrado que se desdobra em três planos: afetividade, cognição e movimento. Assim, para que a aprendizagem ocorra e fique retida na memória, é necessário que as atividades escolares não fiquem restritas somente ao conteúdo de ensino, mas também atinjam "as várias dimensões que compõem o meio"46.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto neste artigo, ter conhecimento do funcionamento cerebral ajuda o professor de inglês a planejar aulas mais eficientes e significativas para os seus alunos. Ademais, as Neurociências o auxiliam a entender como se dá o processo de aprendizagem, além de torná-lo apto para detectar e entender a dificuldade e/ou transtorno de aprendizagem de um aluno, podendo encaminhá-lo para profissionais que possam avaliá-lo e auxiliá-lo. Contudo, conhecer o funcionamento do cérebro por si só não determinará se a aprendizagem será bem ou mal sucedida, pois ela depende de diversos fatores, como a metodologia utilizada, a adequação do currículo à idade do aluno, a qualificação e o preparo do professor, o contexto familiar, entre tantos outros. Como bem pontuado por Cosenza & Guerra21, "saber como o cérebro aprende não é suficiente para a realização da mágica do ensinar e aprender". Por isso, os cursos de licenciatura em inglês, no Brasil, precisam inserir em sua grade curricular conhecimentos básicos das Neurociências, para fundamentar a prática docente e combater os neuromitos que circulam no ambiente escolar.

 

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Endereço para correspondência:
Daniella Soares Portes
Rua Marildo Geraldo da Silva, 190
Belo Horizonte, MG, Brasil - CEP 31330-626.
E-mail: d_sportes@yahoo.co.uk

Artigo recebido: 20/7/2015
Aprovado: 13/8/2015

 

 

Trabalho realizado na Universidade Fumec, Faculdade de Ciências Humanas, Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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