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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.32 no.99 São Paulo  2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Análise de itens da versão brasileira do ages and stages questionnaires para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro

 

Item analysis of the Ages and Stages Questionnaires Brazilian version for public day care centers in Rio de Janeiro

 

 

Luis Filipe F.A. TavaresI; Daniel C. MograbiII; Jesus Landeira-FernandezIII

IMestrando em Psicologia Clínica da PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIDoutor em Neurociências e Psicologia, Professor assistente, Departamento de Psicologia, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIDoutor em Neurociências e Comportamento, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1B - CAPS - Psicologia e Serviço Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Ages & Stages Questionnaires 3ª Edição, na tradução para o português-BR (ASQ3-BR), é um teste de rastreamento usado para avaliar o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses), tendo sido utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro como instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches municipais. No presente estudo, foram analisados os resultados obtidos nos testes aplicados entre 2010 e 2012, para 124.292 crianças de 468 creches públicas do município do Rio de Janeiro, avaliando a consistência interna dos resultados para os 6 itens de cada um dos 5 domínios do ASQ3-BR, para cada uma das 16 faixas etárias estabelecida pelo instrumento. Embora o ASQ3-BR tenha sido resultado de uma retrotradução, bem como tenha recebido adaptações culturais para assegurar a adaptação do teste para a cultura brasileira, os coeficientes de "Alfa de Cronbach" abaixo de 0,7, bem como a "Correlação Item-Total" abaixo de 0,3, identificam itens relevantes para serem analisados e discutidos. Os resultados constataram que, embora o ASQ3-BR seja um bom instrumento para avaliação do desenvolvimento de crianças na pré-escola, quando na sua aplicação em ambiente de creches, pode ter fidedignidade aumentada por algumas adaptações em função dos procedimentos operacionais específicos dessas creches.

Unitermos: Desenvolvimento infantil. Psicometria. Pré-escolar. Questionários.


ABSTRACT

The Ages & Stages Questionnaire Third Edition in the Portuguese-BR translation (ASQ3-BR) is a screening test used to evaluate the development of children in pre-school age (8-60 months), having been used by the Department of Education of Rio de Janeiro as a tool to assess the quality of care in public kindergartens. In this study, the results obtained in the tests between 2010 and 2012, for 124. 292 children in 468 public kindergartens in the city of Rio de Janeiro, were assessed for internal consistency of the results for the six items of each of the 5 domains ASQ3-BR for each of the 16 age groups established by the instrument. Although ASQ3-BR went through back translation and cultural adaptation to ensure the adaptation of the test to the Brazilian culture, coefficients of "Cronbach's alpha" below 0.7 and the "Item-Total correlations" below 0.3 identified relevant items to be analyzed and discussed. The results indicated that although the ASQ 3-BR is a good tool to evaluate the development of children in preschool, its reliability can be improved with some adaptations considering specific procedures at these nurseries

Key words: Child development. Psychometrics. Child, preschool. Questionnaires.


 

 

INTRODUÇÃO

As transformações da criança na fase da primeira infância, ou seja, os primeiros 6 anos de vida, excedem tanto em velocidade quanto em amplitude qualquer outra fase da vida. Durante a primeira infância ocorrem o crescimento físico, o amadurecimento do cérebro, a aquisição dos movimentos, o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, a iniciação social e afetiva, entre outros, e cada um desses aspectos é interligado com os demais e influenciado pela realidade na qual a criança vive1-3.

O desenvolvimento infantil sempre foi um foco de pesquisa das Ciências da Educação e da Saúde. Contribuições importantes foram dadas pela Pedagogia, Psicologia, Pediatria e Neurociências, campos do conhecimento que produzem as principais teorias do desenvolvimento.

Jean Piaget4 delimitou saltos no desenvolvimento infantil baseados em comportamentos motores e sociais emanados pela criança. Já Arnold Gesell5 procurou detalhar a fase pré-escolar considerando os domínios da linguagem, do desenvolvimento motor, desenvolvimento adaptativo e desenvolvimento pessoal-social de crianças desde o nascimento até os 5 anos. De acordo com Gesell6, embora esses domínios compreendam a maioria dos padrões visíveis de comportamento da criança, eles não se apresentam em compartimentos separados. A criança reage sempre como por inteiro. Essa classificação por domínios é, portanto, apenas uma conveniência para facilitar sua observação e análise, entretanto é importante que se avalie também a interação psicológica de um determinado comportamento.

Instrumentos que se proponham a avaliar o desenvolvimento da primeira infância de modo rápido e econômico são raros. Outrossim, a detecção de problemas no desenvolvimento global de crianças em idade pré-escolar tornou-se uma questão cada vez mais difícil de avaliar, visto que os profissionais responsáveis por seu diagnóstico, os pediatras, não conseguem vislumbrar problemas de desenvolvimento infantil em 60% a 80% dos casos7,8. A justificativa pode se dar tanto por conta do pouco tempo que a criança passa em média com o profissional durante a consulta, quanto pela ausência de instrumentos específicos para a avaliação global do desenvolvimento infantil. Sendo que as pessoas mais indicadas a fazer o acompanhamento e a triagem de crianças com potenciais déficits são aquelas que convivem diariamente com as crianças, isto é, pais, cuidadores e educadores.

Em 1980, os pesquisadores Diane Bricker, Jane Squires e Linda Mounts, da Universidade do Oregon (Estados Unidos), criaram o Infant/Child Monitoring Questionnaires (IFMQ: Questionário de Monitoramento Infantil/da Criança), com o objetivo de rastrear e acompanhar o desenvolvimento em crianças de 4 meses a 5 anos de idade por meio daqueles que convivem com o bebê ou a criança, possibilitando monitorar o seu desenvolvimento e identificar potenciais problemas. Em 1995, o IFMQ foi revisado gerando o Ages e Stages Questionnaires (ASQ), tendo sua última versão em 2009 designada como ASQ37, sendo considerado um instrumento confiável e preciso para identificação de crianças com possível atraso e que necessitariam de receber outra avaliação complementar de maior profundidade9.

Hoje, o ASQ3 é utilizado por diversos países, como Estados Unidos, França, Espanha, Dinamarca, Noruega, Quênia, Zâmbia, China e Coréia. Há, ainda, uma recomendação da Academia Norte-Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics) para o uso do ASQ3 como parte da avaliação de bebês e crianças durante a anamnese, juntamente com os pais ou responsáveis, para vislumbrar a possibilidade de déficits em seu desenvolvimento10.

O ASQ3-BR foi selecionado pela Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro como uma ferramenta de rastreio para avaliar a qualidade do atendimento pelas creches para crianças de 8 a 60 meses, numa versão ajustada da versão original inglesa, mas ainda sem uma validação para as características socioculturais da população atendida.

O objetivo do presente trabalho foi o de verificar, por meio de uma análise estatística dos resultados obtidos entre os anos de 2010 e 2012, em ambiente de creche pública, como os itens do instrumento apresentaram suas propriedades psicométricas para avaliação dos 5 constructos que o compõem, e como poderiam ser aperfeiçoados para esse tipo de aplicação.

 

MÉTODO

Participantes

O presente estudo considerou os resultados do ASQ3-BR aplicado entre 2010 e 2012 para crianças na faixa etária de 10 a 60 meses, nas creches públicas do Rio de Janeiro. O objetivo inicial desta aplicação, definido pela Secretaria Municipal de Educação, foi de estabelecer um sistema de indicadores de resultados alcançados, permitindo monitorar e avaliar o desenvolvimento infantil relacionado com a qualidade e eficácia dos serviços oferecidos, além promover a melhoria na qualidade e a organização das atividades e rotinas diárias das creches.

Os resultados de 8 meses não foram considerados devido ao reduzido número de participantes.

A população avaliada foi distribuída conforme pode ser observado na Tabela 1.

Instrumento

As características psicométricas do ASQ3 podem ser avaliadas por meio de três parâmetros: a primeira se refere à validade do instrumento. De acordo com estudos de Squires, a validade para o ASQ3 foi estabelecida comparando os resultados dos testes com o teste Battelle Developmental Inventory (BDI)12. Estudos desenvolvidos por Squires et al.13 apresentaram correlação alta entre a ASQ3 e a BDI através das faixas etárias e áreas de desenvolvimento, variando de 82,6% a 88,9%.

O segundo parâmetro se refere à Fidedignidade. Estudos realizados por Squires et al.14 consideraram a fidedignidade de teste-reteste, comparando-se os resultados de pais que completaram dois questionários sobre seu filho dentro de um intervalo de duas semanas. Os resultados apresentaram 92% de concordância dos 2 testes, considerando crianças com desenvolvimento típico ou não. A fidedignidade inter-avaliadores foi analisada comparando-se os resultados das avaliações do pai com os de um examinador treinado para a mesma criança. Os resultados obtidos foram de 93% de concordância. Já as correlações intraclasse considerando os 5 domínios e as diferentes idades resultaram em valores de 0,43 a 0,69, sendo o mais forte o domínio da Comunicação e o mais fraco para o domínio Pessoal-Social13. Outrossim, a consistência interna corresponde a como o indicador é capaz de apresentar resultados semelhantes para o mesmo constructo. Nos estudos de Squires et al.14, foi realizada correlação de Pearson entre o domínio específico e o resultado geral, bem como calculado o alfa de Cronbach. Os resultados da correlação de Pearson variaram de 0,60 a 0,85, exceto para o domínio Motora Ampla, com 2 resultados abaixo de 0,60, e os resultados para o alfa de Cronbach se mantiveram na faixa de moderada a alta, variando de 0,51 a 0,8714.

Finalmente, quanto maior for a sensibilidade e especificidade de uma dada medida, maior será a precisão da medida. O ASQ3 apresentou nos estudos desenvolvidos por Squires et al.14, níveis moderados de sensibilidade (82,5-89,2%) e especificidade (77,9-92,1%)13.

Considerando que o ASQ3 foi originalmente desenvolvido para a língua inglesa e cultura americana, para aplicação do ASQ3 nas creches do Rio de Janeiro foi necessária não só a tradução para o português brasileiro, bem como a adequação à cultura brasileira, de forma a conseguir ser entendido pelas responsáveis pela aplicação do teste, mas que também mantivesse a capacidade de medir o constructo original. O primeiro passo foi utilizar o procedimento de retrotradução como parte da metodologia. Três tradutores bilíngues diferentes fizeram a versão do ASQ3 para o português/brasileiro. Em seguida, um estudo piloto foi feito para determinar problemas de compreensão e entendimento dos itens com 120 professores e agentes auxiliares de creche, resultando em adaptações culturais para melhor entendimento do ASQ3-BR7.

Procedimento

Para a aplicação do instrumento, na primeira rodada em 2010, os diretores das creches públicas foram convidados a participarem de uma reunião de treinamento do ASQ3-BR, com duração de 8 horas, previamente agendada pela Secretaria de Educação da cidade do Rio de Janeiro. Cada reunião teve aproximadamente 30 diretores de creches e os 20 questionários ASQ3-BR foram apresentados no que consistiam, critérios de avaliação e procedimentos de preenchimento e registro. Cada diretor ficou responsável por levar os instrumentos necessários para serem aplicados em suas respectivas creches. Cada diretor ficou também responsável pelo treinamento das cuidadoras, que, por sua vez, foi responsável pela administração do ASQ3-BR para as crianças em suas salas de aula. Em seguida, as cuidadoras ou diretores tabularam os dados de cada criança de sua respetiva creche em um banco de dados. Nas rodadas de 2011 e 2012, foram realizadas apenas reuniões de atualização entre os diretores e as cuidadoras7.

Análise estatística

Os dados coletados pela Secretaria Municipal de Ensino do Rio de Janeiro foram disponibilizados para o Departamento de Psicologia da PUC-Rio em base ACCESS (2010 e 2011) e Excel (2102).

Foi feita inicialmente uma análise de consistência, verificando a correção de gênero, idade, e digitação dos resultados do ASQ3-BR, que originalmente foram pontuados, para cada item, como 1 = sim, 2 = às vezes e 3 = ainda não, bem como dados faltantes que foram digitados como 9. Participantes que foram identificados com alguma discrepância foram removidos da população em estudo, tendo alcançado 4% em 2010, 10% em 2011 e 6% em 2012, estando distribuídos uniformemente entre todas as faixas etárias do estudo. Posteriormente, os valores 1, 2 e 3 do questionário foram substituídos pelos valores de classificação correspondentes de 10, 5 e 0, respectivamente.

Os resultados dos testes aplicados entre os anos de 2010 e 2012 foram analisados estatisticamente no sentido de se observar sua consistência e representatividade das questões ou itens utilizados nos domínios mencionados. Para tanto, foram analisados os resultados do Alfa de Cronbach para cada faixa etária e cada domínio, ressaltando os resultados com valores abaixo de 0,70. Complementarmente, para os resultados significativos do Alfa como mencionado, foi feita uma análise de correlação item-total para cada uma das questões ou itens em cada domínio. Foi feita uma análise semântica para as questões que apresentaram correlações abaixo de 0,3.

A ferramenta utilizada para realização dos cálculos estatísticos foi o SPSS 22.0.

Aspectos éticos

Os dados utilizados foram fornecidos pela Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, e foram trabalhados estatisticamente, selecionando apenas as faixas etárias estabelecidos pelo instrumento ASQ3-BR. Nenhuma relação com as creches ou indivíduos foi objeto de estudo pelo presente trabalho. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica - Rio.

 

RESULTADOS

Análise dos itens para o domínio comunicação

Os resultados da análise de consistência interna para o domínio comunicação podem ser observados na Tabela 2, sendo que, considerando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verificou-se que as faixas de 36, 42 e 60 meses se apresentam como relevantes. Complementarmente, analisando a correlação item-total dessas faixas, observa-se uma reincidência de valores mínimos para o item 6 em 36 meses (0,28) que correspondem à mesma frase 'Quando você pergunta: Qual é o seu nome completo? A criança diz seu nome e sobrenome?' Essa mesma questão corresponde ao item 4 da faixa etária de 42 meses (0,33).

Outrossim, embora o alfa tenha permanecido acima de 0,7, observa-se a correlação item-total baixo para as questões 4 da faixa de 14 meses (0,28) e a questão 1 da faixa de 16 meses (0,23) com a frase "O bebê/criança aponta, toca ou tenta pegar as figuras de um livro?" A disponibilidade de livros adequados para essa idade, bem como a observação sistemática dessa interação, pode afetar a avaliação desse constructo.

Observa-se, também, correlação item-total abaixo da linha de corte, para as questões 5 da faixa etária de 20 meses (0,26) e a questão 1 da faixa de 27 meses (0,29) com a frase: "Sem que você dê dicas à criança, apontando ou usando gestos, ela atende pelo menos três dos comandos abaixo: a) Ponha o brinquedo na mesa; b) Feche a porta; c) Pegue a bola para mim; d) Ache sua mochila; e) Pegue minha mão; f) Pegue um livro".

Análise dos itens para o domínio coordenação motora ampla

Os resultados da análise de consistência interna para o domínio coordenação motora ampla podem ser observados na Tabela 3. Considerando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verifica-se que, na faixa de 24 meses, a questão 1 com correlação item-total de 0,26, que tem como pergunta: "A criança desce escadas se você segurar uma das mãos dela?", apresenta uma condição em comum com as questões 3 da faixa de 36 meses (0,27) e a questão 1 da faixa etária de 42 meses (0,25), que questionam: "A criança sobe as escadas colocando apenas um pé em cada degrau?", que também se repete na questão 6 da faixa de 42 meses (0,24) "A criança sobe os degraus de um escorregados e escorrega sem ajuda".

Análise dos itens para o domínio coordenação motora fina

Os resultados da análise de consistência interna para o domínio coordenação motora fina podem ser observados na Tabela 4. Embora tenham sido identificados alguns resultados do alfa de Cronbach abaixo de 0,7 com correlações item-total abaixo de 0,3, apenas a questão 4 da faixa etária de 22 meses e a questão 6 da faixa etária de 30 meses, ambas com correlação item-total de 0,29, apresentaram conteúdo similar "A criança vira as páginas de um livro...".

Análise dos itens para o domínio resolução de problemas

Os resultados da análise de consistência interna para o domínio resolução de problemas podem ser observados na Tabela 5, apresentando resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de forma generalizada, ressaltando com os menores valores as faixas de 20 e 27 meses (0,58).

Na faixa de 20 meses, pode-se notar o item 2, relativo à questão "Depois de ver você desenhar uma linha em uma folha de papel com um giz de cera (ou lápis ou caneta), a criança imita você desenhando uma única linha em qualquer direção? (Marque "ainda não" se a criança rabisca em várias direções)", que apresentou correlação item-total de 0,27. Essa mesma questão é apresentada como item 4 para a faixa de 22 meses (0,29) e o item 5 para a faixa de 18 meses (0,29).

Outrossim, ainda para a faixa de 20 meses, observa-se o item 3 relativo à questão "Se você fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita pelo menos um deles? A) Abrir e fechar a boca; B) Piscar os olhos; C) Colocar a mão na cabeça; D) Mandar Beijo", que apresentou uma correlação item-total de 0,16. Essa mesma questão é repetida no domínio Pessoal/Social para o item 2 da faixa de 22 meses (0,27) meses, item 1 da faixa de 27 meses (0,23) e item 1 da faixa 30 meses (0,23).

Na faixa de 27 meses, pode-se notar o item 2 (0,26) que é o mesmo item 4 na faixa de 24 meses (0,27), a questão "A criança coloca as coisas de volta no lugar? Por exemplo, ela sabe onde os brinquedos ficam guardados ou os sapatos ou os pratos?"

Um outro grupo relevante cujos índices de correlação item-total apresentaram valores baixos, observa-se para os itens 2 para faixa de 30 meses (0,25), item 3 para a faixa de 33 meses (0,24) e item 2 para a faixa de 36 meses (0,20) com a questão "Se a criança quer algo que não consegue alcançar, ela procura alguma coisa para subir e pegar o objeto (por exemplo, para pegar um brinquedo numa prateleira ela sobe no bloco de espuma)?"

O terceiro grupo relevante é das faixas de 36 e 42 meses que apresentaram alfa de 0,64 e 0,60, respectivamente. O item 3 da faixa de 36 meses (0,28) e o item 1 da faixa etária de 42 meses (0,26) têm a mesma questão, que é: "Quando você aponta para a figura ao lado e pergunta à criança "O que é isso?", ela diz uma palavra que se refere a uma pessoa ou algo similar? (Marque "sim" para respostas como "boneco", "menino", "menina", "papai", "mamãe", "Homem-Aranha", "Ben 10" ou "Macaco".) Escreva a resposta da criança:".

Finalmente, podemos destacar o grupo com alfa de Cronbach baixo referente aos 42 meses (0,60), 48 meses (0,65) e 54 meses (0,68) e que apresentam a mesma questão com índices de correlação item-total reduzidos, ou seja "A criança se fantasia e faz de conta que é outra pessoa ou outra coisa? Por exemplo, a criança pode se vestir com roupas diferentes e fingir que é a mamãe, o papai, um irmão, uma irmã ou um personagem ou animal imaginário". Apresentaram correlação item-total nos itens 6 da faixa de 42 meses (0,28); item 5 da faixa de 48 meses (0,25) e no item 2 da faixa de 54 meses (0,19).

Análise dos itens para o domínio pessoal e social

Os resultados da análise de consistência interna para o domínio pessoal e social podem ser observados na Tabela 6, que apresenta resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de forma ainda mais intensa. Podemos ressaltar, inicialmente, o grupo das faixas etárias de 27 meses (0,59), 30 meses (0,58), 36 meses (0,51), 42 meses (0,48), 48 meses (0,53), 54 meses (0,51) e 60 meses (0,52).

Podemos ressaltar a correlação item-total baixo para a questão 1 para as faixas de 27 (0,23) e 30 meses (0,23), correspondente à pergunta "Se você fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita pelo menos uma delas: a. Abrir e fechar a boca; b. Piscar os olhos; c. Colocar a mão na cabeça; d. Mandar beijo".

Semelhantemente, as questões 6 da faixa etária de 36 meses com correlação item-total de 0,24 e a questão 4 da faixa de 42 meses com correlação 0,24 consistem na mesma problemática com "A criança aguarda a sua vez enquanto é a vez de outra criança ou adulto?"

Ainda na faixa dos 30 meses encontra-se uma correlação item-total baixa para o item 3 (0,29) para a questão "A criança empurra um pequeno carrinho de compras ou de bebê ou outro brinquedo com rodas conduzindo-o em torno de objetos, recuando de cantos que não consegue contornar?". Essa mesma questão se apresenta no item 2 para a faixa de 33 meses (0,28) e o item 2 da faixa de 36 meses (0,26).

Semelhantemente, a questão "A criança fala para você o nome de dois ou mais colegas, sem contar irmãos e irmãs?" está presente nos itens 4 da faixa de 48 meses e item 2 da faixa de 54 meses.

A mesma situação se encontra nos itens 1 das faixas de 33 meses (0,29) e 36 meses (0,29) com a questão "A criança usa colher para se alimentar sem derramar quase nada?", o item 4 para a faixa etária de 36 meses (0,28) e item 2 da faixa de 42 meses (0,29) com a questão "A criança veste casaco ou camisa sozinha?", bem como o item 3 da faixa para 48 meses (0,27) e o item 1 para 54 meses (0,23) com a questão "A criança lava as mãos com água e sabão e depois se seca com uma toalha, sem ajuda?"

 

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos pelo presente estudo indicam que diversas questões poderiam ser modificadas no sentido de tornar o instrumento mais fidedigno na avaliação dos constructos propostos quando aplicado em ambiente de creche.

Verificou-se que, no domínio Comunicação, um dos itens com a correlação baixa está relacionado com as particularidades culturais brasileiras e que podem ser adequadas na sua característica semântica e um segundo item é relativo à inexistência de comando.

Para o primeiro caso, observou-se, na relação de nomes das crianças em questão, que apenas 1% das crianças têm apenas 1 sobrenome, sendo comum 2 ou 3 sobrenomes, dificultando a criança definir qual seria o sobrenome principal, o que poderia acarretar correlações item-total baixas. Questionar pelo nome da criança e de sua mãe poderia ser mais producente.

Para o segundo caso, não está claro a quem o comando foi dirigido quando se fala em uma creche com diversas crianças juntas. A nomeação antecipada de qual criança está sendo solicitada pode deixar mais clara a questão. Chamar a criança pelo nome antes do gesto poderá explicitar a ordem de comando. Outrossim, itens relativos à disponibilidade de livros, podem ser ampliados na sua abrangência mencionando "figuras impressas", podendo ser em livro, revista ou outro meio.

No domínio da Coordenação Motora Ampla, verificou-se três questões com correlação baixa em função das condições de segurança relativas à existência e acesso ou não de escada na instituição em que as crianças pudessem acessar sozinhas. Avaliação considerando um substituto, como por exemplo, o jogo de "Amarelinha" (Céu), pode ser mais factível em ambiente de creche.

No domínio Motora Fina, a questão comum se refere a "A criança vira as páginas de um livro...". Tais questões relativas à disponibilidade de livros podem ser ampliados na sua abrangência para livro, revista ou outro meio.

No domínio Resolução de Problemas, da mesma maneira que a versão original do ASQ 3 em inglês, que apresentou suas características psicométricas com alfa de Cronbach até de 0,51, os resultados da versão adaptada também demonstraram consistência interna baixa, entretanto 4 características se sobressaem.

A primeira é a ausência de comando nas questões. Se espera uma ação da criança na qual ela talvez ainda não possua autonomia suficiente para executar o que se espera no teste. Não está clara na questão a orientação de "comando". Não está claro porque a criança iria imitar. A questão poderia ser completada pela afirmação: "Faça igual à tia/professora!", ou definir um comando: "Agora vamos arrumar as coisas!"

A segunda é em relação às condições de risco restritas ao ambiente de creche quanto à questão de segurança em que as crianças estariam sujeitas caso fossem disponibilizadas condições para subir em algum objeto. Essa condição bastante factível num ambiente doméstico se torna arriscada num ambiente de creche. Subir em alguma coisa para pegar objeto poderia ser substituído por abrir gaveta ou caixa para pegar objeto.

Na terceira, a interpretação de um desenho incompleto pode significar outras coisas, mais comuns da realidade da criança. Como a referida figura pode ter outro significado além de um personagem, como por exemplo um inseto, dependerá do ambiente em que a criança se desenvolve para ser capaz de estabelecer associação como se espera. Dessa forma, em vez de marcar positivamente para respostas que remetem a figuras humanas, poderia se perguntar "o que é isso?", e pedir para explicar, já que o domínio visa "Resolução de Problemas" e não Comportamento Social/Pessoal".

Finalmente, no domínio Resolução de Problemas, se remete à questão da existência ou não na creche de utensílios que a criança possa utilizar para "fazer de conta". Num ambiente familiar é muito fácil usar os sapatos da mãe ou do pai, mas na creche não existe essa possibilidade. A questão sobre se vestir pode ser impraticável, podendo ser alterada de "vestir e fingir" para "vestir ou fingir".

No último domínio Pessoal e Social, um grande número de faixas etárias apresentou consistência interna reduzida semelhante ao estudo do ASQ3 original13. Entretanto, na versão do ASQ3-BR podemos ressaltar dois pontos que podem agravar essa característica psicométrica, quais sejam: comando e práticas operacionais de uma creche.

As questões com a indefinição de comando, como mencionado nos domínios anteriores, não esclarecem para a criança o que se espera dela. No ambiente doméstico, é mais fácil para a mãe/pai solicitar ações de imitação devido à linguagem corporal dos mesmos. Já, em um ambiente de creche, a abordagem necessitaria de uma dinâmica diferenciada, o que às vezes não é possível. Da mesma forma, "A criança aguarda da vez do outro" deve ser consequência de um comando, já que na fase de 36 e 42 meses a criança ainda está num período egocêntrico4,6, onde a criança é muito autocentrada e tem muitas exigências, mas que é capaz de obedecer às regras domésticas quando lhe explicadas ou ordenadas5. Esperar que uma criança imite um adulto sem um comando, em um ambiente com outras crianças, seria muito improvável. Questões como "a criança coloca de volta o copo", "escova os dentes ou se veste sozinha", ou "fala o nome de colegas ou irmãos" sem um comando ou solicitação explicita entram em conflito com as características para essa faixa de idade. Para as questões identificadas, uma frase inicial tal como "depois que a professora ter orientado, " poderia ter melhor repercussão para avaliar o constructo em questão.

O segundo ponto são as práticas operacionais. Num ambiente de creche, não é possível a criança se servir, já que ela recebe a alimentação pronta. Substituição desta frase por, "a criança entrega o prato e os talheres para serem lavados após a refeição?", está mais alinhada com a realidade da creche onde o ASQ3-BR for aplicado.

 

CONCLUSÃO

Conforme verificado, o instrumento ASQ3 na sua versão original apresenta propriedades psicométricas suficientes para identificar possíveis desvios de desenvolvimento para a população de língua inglesa em ambiente familiar13 (13). A versão ASQ3-BR, embora tenha sido produto de uma retrotradução para a língua portuguesa utilizada no Brasil, também apresenta características psicométricas para o mesmo objetivo, com restrições para o domínio Pessoal e Social. Entretanto, quando aplicado em ambiente de creches, foram identificados diversos itens que apresentavam índices de correlação item-total com o domínio em questão abaixo dos limites razoáveis, sendo que alguns deles afetam a consistência interna do domínio verificado pelo alfa de Cronbach. O domínio Comunicação apresentou 6% dos itens com correlação abaixo de 0,3 ligados a três condições comuns aos itens relevantes. O domínio Coordenação Motora Ampla apresentou 7% dos itens com correlação baixa, referentes a uma condição comum. O domínio Coordenação Motora Fina, embora também apresentasse 7% dos itens com correlação baixa, nenhum item comum foi observado. No domínio Resolução de problemas, observou-se 16% dos itens com correlação baixa, ligados a 4 condições comuns. Finalmente, o domínio Pessoal e Social apresentou 32% dos itens com correlação baixa, ligados a 3 condições comuns.

Dessa forma, podemos concluir que a ferramenta ASQ3-BR aplicada para avaliação do desenvolvimento infantil em creches pode ter sua fidedignidade aumentada pela adequação das questões para as condições semânticas, de risco, comando e operacionais da realidade e ambiente onde serão utilizadas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Luis Filipe F. A. Tavares
Rua Humaitá, 12 - apt. 303
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP 22261-001
E-mail: luis.filipe.tavares@hotmail.com

Artigo recebido: 21/9/2015
Aprovado: 18/11/2015

 

 

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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