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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.32 no.99 São Paulo  2015

 

ARTIGO ESPECIAL

 

Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas

 

Inclusion strategy: rescue of embodiment within schools

 

 

Sandra Maria Correa MillerI; Maira Miller FerrariII

IEducadora e Especialista Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambiente-SP e Psicopedagoga e Educadora do Centro Paula Souza - São José do Rio Preto, SP, Brasil
IIDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais - Linha: Ambiente e Sociedade - Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho faz uma reflexão sobre os caminhos da educação no futuro, centrada na condição humana, sob a égide do princípio da unidade-diversidade proposto por Edgar Morin. Realiza um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino, enfatizando a importância de resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica. Reapresenta o papel do corpo como um elemento essencial no processo de aprendizagem e apresenta a valorização da corporeidade e do movimento como estratégias para o sucesso da educação inclusiva e da escola como espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, considerando o Ensino Fundamental e Médio. A educação inclusiva é vinculada à busca incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção.

Unitermos: Inclusão educacional. Percepção. Imagem corporal.


ABSTRACT

This work is a reflection on the education of paths in the future, centered on the human condition, under the aegis of the principle of unity-diversity proposed by Edgar Morin. Performs a counterpoint between education and corporeality in the context of the official education system, emphasizing the importance of rescuing the motor act and the meaning of corporeality in different stages of basic education. Restates the body's role as an essential element in the learning process and presents the valuation of corporeality and movement as strategies for the success of inclusive education and the school as living space, including during adolescence, considering the elementary and high school. Inclusive education is linked to the incessant quest to provide autonomy to be and to know the student, valuing and respecting their prior knowledge, their uniqueness and body language, as it is the student a social subject in construction.

Key words: Mainstreaming (Education). Perception. Body image.


 

 

INTRODUÇÃO

Quais são os caminhos para que a educação possa ser centrada na condição humana e consiga ilustrar o princípio de unidade-diversidade? É a unidade humana que traz em si os princípios de suas diversidades, portanto, unidades complexas como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais. Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. O ser humano é, ao mesmo tempo, biológico, psíquico, social, afetivo e racional e existem condições que permitem interrogações fundamentais sobre o mundo, o ser humano e o próprio conhecimento. Entretanto, para isso, é necessária a reforma do pensamento, uma reforma paradigmática, e não programática. Essa é a questão emergencial da educação, já que se refere à nossa aptidão para organizar o conhecimento1.

A educação é um subsistema, e ao mesmo tempo um sistema, ele próprio, confrontado com o sistema global de que faz parte. Está moldado sobre o paradoxo da pessoa humana, a relação dialética entre o indivíduo e a sociedade, a parte e o todo, que preocupa todos os sistemas políticos e pedagógicos. A educação da pessoa, como a própria pessoa, é parcialidade e totalidade2. O ser humano é um ser de cultura e o que ele acrescenta à natureza é, basicamente, obra da educação. No futuro, modelos inteiramente diferentes do atual podem acarretar o gradativo desaparecimento do aparelho escolar tradicional. A escola, se sobreviver, será a instância destinada a produzir estímulos, referências e coordenações, atuando, portanto, muito menos por si que por intermédio de outras instâncias2.

Entre as contribuições positivas da educação para a sociedade destacam-se duas: a reorganização da cidadania e o desenvolvimento das habilidades, competências para a vida, que permitam menos exclusão e desigualdades sociais e econômicas, levando-se em conta a diversidade e a pluralidade cultural balizadas pelo conhecimento científico, técnico e humanista na formação dos aprendizes. A educação é uma atividade para vida, que ocorre na família, na rua, na igreja, no trabalho, na escola e em todos os espaços sociais3. Tem um sentido amplo, extrapola o compromisso com a transmissão de conhecimentos via razão e busca abranger outras dimensões, valorizando os processos criativos4.

Henri Wallon, psicólogo e educador, ressalta que é dever da escola oferecer, sem discriminação, o que há de melhor na cultura, pois a interação com o outro e a interação com a cultura ampliam o conceito de socialização5. Nessa visão, para respeitar o aluno é necessário conhecê-lo, identificar sua etapa de formação, não impor limites ao seu desenvolvimento e, principalmente, aceitar que a Educação é uma relação evolutiva em transformação, que deveria tender para a autonomia do aluno6. Em suma, uma forte ética de trabalho cultural é traduzida em maior motivação, zelo e persistência, uma vantagem emocional. O significado básico da palavra emoção é "mover"7. Goleman7 destaca que o psicólogo Robert Adler investigou e apresentou a descoberta de rotas biológicas que levam a considerar que mente, emoção e corpo não são entidades separadas, mas intimamente interligadas.

A vida humana é substantivada por meio do corpo. Ele materializa a nossa existência e é expressão dessa identidade. "Entretanto, as relações que estabelecemos com o nosso corpo estão inseridas e marcadas por uma visão de mundo em que a razão ocupa o centro da cena"4. Contudo, a corporeidade do ser humano é investigada por filósofos, psicólogos, educadores físicos, pedagogos e psicopedagogos, assim como por especialistas da área da saúde. Na Psicopedagogia, por exemplo, é o ato motor no campo da Educação, que leva indubitavelmente à questão da corporeidade.

As bases da psicomotricidade, em sua origem, são profundamente reeducativas e com a crescente complexidade das teorias cognitivas, das neurociências e das teorias da afetividade, passou-se a discutir mais objetivamente a integração dessas funções na formação do sujeito e da sua corporeidade, de forma interdisciplinar e transdisciplinar8. Ferreira & Ramos8 indicam que Henri Wallon, Paul Schilder e Ajuriaguerra já dialogavam interdisciplinar e transdisciplinarmente na primeira metade do século XX.

Desaprendemos a conviver com a realidade corpórea e a aprender partindo da reversibilidade dos sentidos. Privilegiamos a razão sem corpo. O corpo como elemento acessório no processo educativo ainda é predominante, entretanto, a percepção, compreendida como um acontecimento da motricidade, pode resgatar esse saber. Existem caminhos de compreensão do corpo na educação que buscam ampliar as referências educativas ao considerar a fenomenologia do corpo e sua relação com o conhecimento, incluindo reflexões contemporâneas sobre os processos cognitivos advindos de uma nova compreensão da percepção9.

Goldberg10 destaca que, tanto em Freud como em Lacan11, as discussões sobre o conceitos de corpo e percepção configuram um aspecto importante, pois o estudo da percepção é fundamental para se entender a noção de sujeito10.

Especialmente nos estudos da percepção apresentados por Merleau-Ponty12, há uma aproximação com a pesquisa científica atual da cognição e, nessa visão, existe a crítica ao conceito mentalista de representação, enfatizando-se a compreensão interpretativa do conhecimento baseada na percepção e no movimento. Esses estudos têm contribuído para ampliar a compreensão de cognição, no sentido de tornar mais claro como acontece a realização do fenômeno conhecer9.

Merleau-Ponty12 redimensiona a compreensão de sujeito no processo de conhecimento e essa nova compreensão de sensação modifica a noção de percepção proposta pelo pensamento objetivo, fundado no empirismo e no intelectualismo10. A cognição emerge da corporeidade, expressando-se na compreensão da percepção como movimento e não como processamento de informações. O movimento tem a capacidade não apenas de modificar as sensações, mas de reorganizar o organismo como um todo, considerando ainda a unidade mente-corpo. Assim, a percepção não apenas decodifica estímulos, linearmente, mas reflete a estrutura do nosso corpo perante o entorno, em contextos múltiplos9.

Se o corpo sempre suscitou questões, gerando formulações diversas no interior de tantos campos do conhecimento humano, ele certamente também não deixou de chamar a atenção dos psicoterapeutas, como atesta o sucesso das terapias ditas "corporais". O corpo toma a frente da cena social13.

Entretanto, qual é o lugar, de fato, do corpo na educação básica e formal? A proposta é identificar e discutir o conceito da corporeidade no ensino fundamental e médio, em resposta às novas necessidades de transformações exigidas na realidade educacional, que se apresenta em condições inusitadas com o processo de inclusão vigente.

Ferreira & Ramos8 propõem a aplicação da psicomotricidade ao atendimento de pessoas com necessidades especiais, na perspectiva da inclusão dessa clientela. E quando Nóbrega9 questiona o lugar do corpo na educação, indaga sobre o modo pelo qual o corpo foi compreendido nos currículos escolares, na construção e apropriação dos saberes na cultura escolar. Por sua vez, o documento construído pelo Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA)4 traz recomendações que são aqui destacadas, entre outras: reinventar as relações com o corpo em movimentos de encontro de cada um consigo mesmo; atentar às concepções e práticas de trabalho que reproduzem a cisão entre corpo e mente; pensar um novo modo de funcionamento escolar que permita aprender a respeitar as vontades do corpo; ampliar os espaços e tempos de movimentar-se livremente, assim como relaxar, estar atento à respiração e cuidar da postura.

Graciani3 aponta que, no amplo cenário sócio-econômico-cultural, reaparece a educação, cuja má qualidade, a falta de formação de seus agentes, a pouca infraestrutura onde ocorre, dentre outros inúmeros fatores, é responsável também pela pobreza, desigualdade e exclusão social no Brasil, reafirmadas em estudos e pesquisas que comprovam essa relação por falta de condições para o pleno êxito do aprendiz no que se refere ao seu espírito crítico, criativo e participativo, a partir de uma aprendizagem competente e consequente, ampla e inquietante. Há um movimento em marcha, na sociedade global, onde as manifestações da sociedade civil se propõem a novas crenças e capacidades de organizar-se, mobilizar-se e conquistar por si própria aquilo que os setores públicos não conseguem proporcionar, frente à pobreza e a exclusão3.

O médico e educador Decroly foi um dos precursores dos métodos ativos, fundamentados na possibilidade do aluno conduzir o próprio aprendizado e aprender a aprender14. Dedicou-se a experimentar uma escola centrada no aluno, e não no professor, e que preparasse as crianças para viverem em sociedade14,15. Para esse educador, a pedagogia se modifica e se renova a cada idade, e é fundada sobre as relações que se estabelecem entre o indivíduo e a realidade de cada época15. Poderíamos dizer que a educação compreende quatro dimensões básicas: a cidadania, o lazer, o trabalho e a cultura. Cada uma delas, com a sua nota distintiva: a dimensão política, a dimensão criativa, a dimensão social e a dimensão que é chave e síntese das demais - a da consciência significante, através da qual se organiza o universo humano. É evidente que o que distinguimos são apenas predominâncias, já que os quatro aspectos basicamente se confundem6.

Ivic16, na obra sobre Vygotsky, traz que todos os instrumentos culturais são "extensões do homem", isto é, são considerados prolongamentos e amplificadores das capacidades humanas e que "a análise crítica das instituições e dos agentes socioculturais - incluindo uma crítica das instituições escolares - poderia contribuir para determinar as condições nas quais "os instrumentos" socioculturais se tornam fatores de formação do desenvolvimento"16.

Se o homem se forma e seu limite é determinado pelo social, a escola, como meio, deve ser um centro de divulgação da cultura, nas diferentes áreas, pois essa diferenciação possibilita um desenvolvimento mais completo e integrado das várias aptidões6. Educar significa promover condições que respeitem as leis que regulam o processo de desenvolvimento, levando em consideração as possibilidades orgânicas e neurológicas do momento e as condições de existência do aluno. A essência do educar é respeitar essa integração no seu movimento constante5.

O estudo e a teoria de desenvolvimento de Henri Wallon5,6 facilitou compreender o indivíduo em sua totalidade, mostrando uma visão integrada da pessoa no aluno. Para esse autor, é preciso escapar de um raciocínio dicotômico, motor ou afetivo ou cognitivo, na direção de um raciocínio que apreenda a pessoa como se constituindo dessas dimensões em conjunto. Qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e cognitivas. Toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas, toda operação mental tem ressonâncias afetivas e motoras. Wallon, afirma ainda que a questão fundamental é o estudo da consciência e que o melhor caminho para a entender é buscar sua origem. Para ele a pessoa está continuamente em processo, aberto, sempre a caminho de sua formação e nunca acabado. O resultado é a pessoa individual, única, que ao mesmo tempo em que garante essa integração, é resultado dela. O afetivo e o cognitivo têm sempre como suporte a atividade motora, ou em sua expressão exterior (deslocamento no espaço) ou em sua expressão plástica (a forma do corpo mediante seu tônus), reagem como um todo diferenciado aos estímulos internos e externos5.

Entre os pontos que se destacam na Teoria de Wallon está a sua proposta de não limitar a ação da escola na instrução e sim em converter-se em um instrumento para o desenvolvimento e este pressupõe a integração entre todas as dimensões da pessoa inteira5,6. No texto, O Estádio do Espelho11,17,18, Lacan reforça que a apreensão do corpo é prematura em relação ao próprio domínio motor e fisiológico insuficientes da criança.

Mesmo antes de nascer, já somos movimento. Esse princípio de vida, pelo movimento, parece não ter espaço na tradição escolar que se serve do corpo como mero instrumento de acesso às faculdades mentais. Cindidos, corpo e mente parecem travar batalhas diárias no ambiente escolar19. Podemos apreender o interesse pelo corpo descrito nos Parâmetros Curriculares Nacional para a Educação Infantil (2006)19,20 no eixo de trabalho Movimento. Nesse nível de ensino, vários espaços curriculares e físicos são legalmente previstos para o corpo. O corpo da criança é estimulado pelo toque e por atividades sensório-motoras. Porém, observa-se, na prática e nas disposições legais da Educação Básica, gradativa perda do espaço para o corpo em sala de aula e nos espaços físicos e curriculares da escola como um todo. É notório que há nas escolas pouco interesse em apresentar uma visão integral do corpo, assim como não há discussão em torno da interdependência entre corpo e mente. Portanto, a Educação ainda carece de práticas que ultrapassem o modelo limitado da resposta moral-disciplinadora dos corpos. Em diversas etapas da aprendizagem escolar, é possível apontar diferenças tanto nas proposições pedagógicas quanto na própria atuação dos corpos, de discentes e docentes19.

Freire21, inclusive, afirma que os profissionais da Educação necessitam conhecer suas próprias limitações e potencialidades, mantendo um eterno diálogo entre os seus sentimentos e o mundo de forma consciente, buscando compreender o significado de cada uma de suas sensações pelo reconhecimento da importância delas no cotidiano e na estruturação de ações flexíveis em relação aos seus educandos.

Para crianças com necessidades educativas especiais o contato com este tipo de profissionais pode representar a diferença entre buscar alternativas para superar suas dificuldades (físicas, sensoriais, mentais e outras) através da possibilidade de reconhecer não apenas os seus limites, mas as suas potencialidades, pois "a experiência do próprio corpo é uma unidade em construção"22.

A adolescência, por exemplo, é o tempo de descoberta da falta e do impossível, que atinge o saber. É o tempo da destituição dos pais e da instauração da falta como constitutiva do corpo. O corpo é, então, o primeiro elemento pelo qual se anuncia aquilo que faz a adolescência. É, portanto, aí dentro que há algo a pacificar, a velar. Pacificar esse efeito de real da novidade puberal23. Impulsionado pelas novas necessidades, o jovem alterna e combina o espírito de dúvida e de construção, de invenção, de descoberta, de aventura e de criação. Não se restringe simplesmente à parte do saber, pois, a afetividade predomina nesse período e as leis, mágicas ou científicas, dão ao mundo uma nova dimensão e põem à prova a personalidade do jovem24.

Embora cada área do cérebro se desenvolva em ritmo diferente durante a infância, o início da puberdade assinala um dos períodos mais abrangentes de poda neuronal em todo o cérebro. Várias áreas cerebrais críticas para a vida emocional são as de mais lento amadurecimento. Embora as áreas sensoriais amadureçam durante a primeira infância, e os sistemas límbicos, na puberdade, os lobos frontais, sede do autocontrole emocional, compreensão e hábil resposta, continuam a se desenvolver até o fim da adolescência, num momento qualquer entre os dezesseis e os dezoito anos7.

O jovem expressa seus sentimentos com o corpo todo. Mímicas, gestos exagerados frequentes, que orientam seu comportamento exterior, traduzindo a falta de habilidade para dominar todo o potencial de que o novo corpo é capaz, com o crescimento acelerado na estatura. De modo geral, é por meio de brincadeiras, risadas, conversas em tom de voz elevado e muita movimentação que o jovem expressa o prazer em estar realizando diferentes atividades24. Tantas e intensas transformações fazem surgir no jovem a necessidade de se apropriar, novamente, de um corpo que se transforma rapidamente e que já não reconhece. Apresenta maior sensibilidade à imagem corporal e surge, então, a necessidade de reorganização do esquema corporal que é condição para a construção da pessoa, de sua personalidade. Reajustar-se ao novo corpo vai exigir do jovem um mergulho para dentro de si e confere uma orientação centrípeta a esse estágio de desenvolvimento. Uma das características mais marcantes da adolescência é a ambivalência de atitudes e sentimentos, resultante da riqueza da vida afetiva e imaginativa que traduz o desequilíbrio interior24.

Nos cursos de formação em Pedagogia e de Psicopedagogia, há recomendações a respeito da utilização do corpo como instrumento essencial para o desenvolvimento cognitivo e proprioceptivo na Educação Infantil. Porém, esse mesmo corpo, é suscetível a preconceitos e discriminações desde a Educação Infantil, culminando com o "bulling" comum no Ensino Fundamental, marcante na adolescência. E ainda, estudos referentes às diversas síndromes e transtornos de aprendizagem são excluídos do "cardápio" de formação e especialização em Educação. Este fato impulsiona a atenção dos profissionais envolvidos, seja da saúde ou da educação, em direção ao polêmico processo de inclusão em andamento, que gerou até o momento críticas e experiências frustrantes nas instituições escolares.

Entendemos, dessa forma, a educação como condição de saúde, por se tratar de processo nos quais subjetividades são produzidas. Saúde é a possibilidade de nos manter criativos, capazes de (re) inventar-nos em todas as situações imagináveis. Dessa forma, a educação pode ser entendida como condição de saúde, por se tratar de processo nos quais subjetividades são produzidas. Como compreender que a questão da inclusão deve ultrapassar os corpos excluídos, se as práticas escolares, como têm se dado, produzem sujeitos desiguais, oprimidos, impotentes, deficientes?25

A fim de encontrar o lugar de cada um no processo de aprendizagem e para contribuir com a afirmação do processo inclusivo no âmbito escolar, propõe-se repensar o ato de aceitação do outro e entender, de forma multidisciplinar, a unicidade de cada corpo na prática pedagógica, independente de deficiências físicas ou necessidades especiais.

Desde a Declaração de Salamanca (1994)26, discute-se sobre espaços e formas de inclusão. Profissionais da área da Educação e da Saúde buscaram alternativas no campo psicomotor que pudessem contemplar o sujeito para além de suas necessidades especiais, buscando na interação psique-soma novas formas de comunicação, desenvolvimento emocional e interação social. No campo psicomotor, considera-se relevante o estudo da interação entre a imagem e o esquema corporal e estes são conceitos e objetos precisos da psicomotricidade, cada vez mais discutidos na contemporaneidade. Buscam fugir de velhos paradigmas e apostar no sujeito que está presente8. Ainda segundo a Declaração de Salamanca26, "o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação afetiva".

Na medida em que há uma superação da hierarquização entre pensamento e vida, é possível chegar à seguinte lógica: existem as vivências, e isso é o que há de essencial; existem pessoas pensando as vivências, o que já é algo tardio e existem pessoas a pensar o pensamento. Se a escola não consegue abarcar o mais simples, que é o que há de mais fundamental, como poderá abarcar o mais complexo?27

Educação e Saúde são áreas indissociáveis no atendimento a pessoas com necessidades especiais, porém a ausência de diálogo entre essas áreas é sentida na formulação das políticas e ações governamentais de atenção à pessoa e na organização da prestação de serviços terapêuticos e educacionais. Embora o trabalho com essa clientela seja por princípio de natureza multidisciplinar, verifica-se com frequência uma fragmentação de serviços, em que cada profissional considera sua área prioritária. Se não houver troca de saberes e experiências, inclusive, os futuros profissionais continuarão com uma postura fragmentada e especializada8.

O processo de formação se tornou mais um procedimento do que um processo, mais algo externo do que uma vivência. É por meio dessa mentalidade de longa duração, fruto de uma hierarquização, que separa o pensamento da vida, que diversas leis foram criadas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevista na constituição, revogado pela Lei nº 9.394 de 199628. Não é possível utilizar o modelo pedagógico da Escola Tradicional para embasar as políticas inclusivas dos séculos XX e XXI, na medida em que é problemática a visão da escola enquanto ambiente, apenas, de "instrução formal". Uma nova forma de conceber a educação gera uma nova forma de conceber o humano. Inclusão não é submissão, "integração" às normas a que os "normais" estão submetidos27.

Segundo Rumpf29, as práticas escolares supervalorizam as operações cognitivas e distancia progressivamente o sujeito da experiência sensorial direta. Para esse autor, a escola, nos últimos 150 anos de processo civilizatório, pretende não somente disciplinar o corpo e, com ele, os sentimentos, as ideias e as lembranças a ele associadas, mas também anulá-lo. Este autor analisou as formas atuais de controle do corpo: nos regulamentos da escola, no conteúdo das disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos do professor30.

Alunos em fileiras, professor à frente, livros didáticos, programas de estudo sobrecarregados e falta de motivação, sugerem que, infelizmente, décadas de pesquisa em educação pouco fizeram para mudar nossas escolas. Há avanços, mas, de um modo geral, nossas escolas comportam-se como se Piaget, Vygostky, Freire ou Papert jamais tivessem existido. A maioria concordaria que conhecimento se constrói (Piaget), que a escola precisa fornecer ferramentas de leitura do mundo (Freire), que o "fazer" é um grande instrumento de aprendizado (Papert) e poucos afirmariam que o melhor jeito de aprender é com um aluno sentado durante horas, ouvindo o professor4.

Existe inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre, de um lado, os saberes desunidos, divididos, compartimentados e, de outro lado, as realidades ou os problemas cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional e a sociedade é o todo organizador de que fazemos parte1.

A aprendizagem de conteúdos é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela exigência do aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo. Na escola, constata-se o privilégio dado às operações cognitivas abstratas, dissociando-as da participação corporal e desvinculando-as de experiências sensoriais concretas, além de esquecer o sentido existencial do presente em função de um futuro abstrato30.

O ensino, ligado até agora à educação especulativa e verbal, tem de refazer-se no todo para fazer-se prático. É ilusão supor-se que existe oposição entre educação geral e educação prática. O que existe são diversos tipos de educação geral, cada um deles estruturado de modo diferente segundo as condições próprias de cada tipo de sociedade2.

"A aprendizagem formal, está presente de corpo inteiro. Pois o ser que pensa é também o ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e se constrói movido pela intenção, pelo desejo, pelos sentidos, pela emoção, pelo movimento, pela expressão corporal e criativa31". "A percepção do corpo é confusa na imobilidade, pois lhe falta a intencionalidade do movimento. A intencionalidade não é algo intelectual, mas uma experiência da motricidade"9.

Apesar de filósofos contemporâneos explicarem o corpo na sua totalidade, este não é um problema resolvido. Ao contrário, o resgate da totalidade e, com isso, da corporeidade deve ser uma preocupação perene para aqueles que, de alguma forma, lidam com a questão do corpo e com a educação. "A aprendizagem ocorre via corporeidade em meio à cultura que nos cerca"32.

Para responder à pergunta inicial colocada no início desse artigo, quais são os caminhos para que a educação do futuro possa ser centrada na condição humana e que consiga ilustrar o princípio de unidade/diversidade em todas as esferas? Buscou-se realizar um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema oficial de ensino; resgatar o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica; reapresentar o papel do corpo como um elemento essencial no processo de aprendizagem e apresentá-lo como estratégia para o sucesso da escola inclusiva e como espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, no Ensino Fundamental e Médio.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, podemos considerar que na Educação estamos diante de dois desafios: o primeiro deles é responder à pergunta que se estende há anos: "qual escola que queremos?" E, finalmente, começar a "co-responder" por meio de uma prática efetiva. Considera-se o fato de que há subsídios teóricos em quantidade e diversidade para sustentar a prática. O outro e, talvez, o maior desafio para um sistema educacional padronizado, sempre será a "unicidade do ser".

No cotidiano escolar é possível conferir a singularidade de cada um. O que possibilita argumentar: se cada ser é único e diferente do outro, não se deveria trabalhar a questão da diversidade apenas quando se depara com um processo de inclusão no âmbito escolar. Este deveria ser um processo planejado e permanente para não proporcionar o constante paradoxo inclusão/exclusão.

Durante reflexões sobre possíveis contribuições à inclusão, a questão que se apresenta à frente é: como pensar em inclusão de crianças e jovens sem pensar nas deficiências e necessidades especiais do sistema educacional vigente? A escola, como parte do sistema, apresenta deficiências que deveriam ser sanadas para acolher toda diversidade de ser que nela adentra. E constata-se como um agravante que os espaços educadores, na contemporaneidade, ainda estão impregnados do conceito do dualismo cartesiano, cisão entre corpo e mente. Contudo alguns autores citados, entre outros, apontam há muito tempo caminhos e descaminhos presentes na Educação, na tentativa de superar este modelo ainda arraigado na sociedade ocidental.

O ato motor reconsiderado e a corporeidade valorizada no fazer pedagógico, como estratégia no processo de inclusão, de socialização e difusão de cultura, especialmente no Ensino Fundamental, contribuiria para amenizar dificuldades relacionadas ao processo de aprendizagem, minimizando deficiências e carências presentes no próprio sistema educacional e no subsistema Escola e poderia ganhar significado na prática incipiente da inter e a transdisciplinaridade.

Como aponta Nóbrega9: "ler, escrever, contar, narrar, dançar, jogar são produções do sujeito humano que é corpo". A gestualidade e os cuidados com o corpo podem e devem ser tematizados nas diferentes práticas educativas propostas nos currículos e viabilizados por diferentes disciplinas. Afinal, a educação inclusiva é vinculada à busca incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção.

 

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Endereço para correspondência:
Sandra Maria Correa Miller
Secretaria de Estado do Meio Ambiente
Rua Ulysses Jamil Cury, 715 - Distrito Industrial Ulisses Guimarães
São José do Rio Preto, SP, Brasil - CEP: 15092-601
E-mail: correa.miller@gmail.com

Artigo recebido: 12/8/2015
Aprovado: 30/10/2015

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil.

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