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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.33 no.100 São Paulo  2016

 

ARTIGO ESPECIAL

 

A supervisão psicopedagógica e o pensamento crítico

 

The psychopedagogical supervision and the critical thought

 

 

Débora Silva de Castro Pereira

Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona; Pedagoga, Psicopedagoga, Coordenadora e professora do curso de Especialização em Psicopedagogia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública; Diretora do CRIA - Centro Psicopedagógico, Vocacional e de Recursos Humanos; Membro do Conselho da ABPp Nacional e da ABPp seção BA, Salvador, BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, ressaltamos a importância da supervisão psicopedagógica calcada em um suporte teórico/prático baseado no conceito de pensamento reflexivo, o qual nos possibilitará compreender melhor a objetividade e subjetividade dessa ação psicopedagógica, bem como a possibilidade de torná-la mais resiliente. Neste contexto, destacamos autores como Sara Paín, Piaget, Jorge Visca e outros, com o objetivo de apresentar a contribuição destes para um trabalho psicopedagógico voltado para a supervisão psicopedagógica, a construção do conhecimento, da autonomia e da independência do pensamento.

Unitermos: Pensamento. Tomada de decisões. Autonomia profissional.


ABSTRACT

In this article, we emphasize the importance of the psychopedagogical supervision under a theoretical/practical support based on the concept of reflexive thought, which will make it possible to obtain better understanding of the objectivity and subjectivity of this psychopedagogical action, as well as make this action more resilient. In this context, we put some authors into evidence, like Sara Paín, Piaget, Jorge Visca and others, with the objective of introducing their contribution for a psychopedagogical work related to the psychopedagogical supervision, the construction of the knowledge, the autonomy and independence of the thought.

Key words: Thinking. Decision making. Professional autonomy.


 

 

INTRODUÇÃO

"Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional1."

É com esse propósito, em busca de uma identidade pessoal e profissional, que o psicopedagogo procura a supervisão psicopedagógica com uma pessoa que atue nessa área, que seja mais experiente, mais competente, com a qual se identifique mais, para ajudá-lo a descobrir caminhos que possam levá-lo a uma atuação mais responsável, segura, desafiante.

Porém, a supervisão psicopedagógica é muito complexa, difícil de ser um ponto final para as dúvidas e enganos, em se considerando o seu teor subjetivo, subliminar. Difícil, também, por trazer no seu bojo a ansiedade daqueles que a procuram na expectativa de receber respostas prontas, modelos definidos, regras estabelecidas: e, em verdade, não é bem assim.

Ao se pensar assim, com certo tempo de supervisão, de discussão, os profissionais começam a descobrir a real importância desse trabalho e a importância de tornarem-se, através dele, mais criativos, flexíveis, únicos. É muito comum encontrarmos profissionais que buscam a supervisão querendo modelos de ação, receitas de como agir em diferentes situações e, por insegurança, vem a pergunta: o que fazer nesse caso? E nessa situação, o que deveria ter feito, ou o que fazer se acontecer novamente?

É interessante sempre lembrar que vai ser difícil uma mesma situação vir a acontecer novamente e difícil saber também, que o que deveria ter sido feito, e não se fez, já passou. Esse tipo de trabalho, a supervisão psicopedagógica, a ação psicopedagógica nunca se repete do mesmo modo como as que foram desenvolvidas antes. Elas sempre serão uma situação nova, visto que se a situação acontecer outra vez, com o mesmo sujeito, ele, nesse outro momento, será outro sujeito com outras características diferentes das que desenvolveu anteriormente. E, se estivermos tratando com outra pessoa com situação semelhante, teremos outro momento completamente diferente, visto que é outra pessoa.

Desse mesmo modo, nós, psicopedagogos, também, não seremos mais os mesmos em várias situações. Mudamos a cada dia, a cada hora, a cada minuto, a cada momento. Temos reações diferentes a depender da situação na qual estamos vivenciando com o outro. Essa relação jamais será igual, então as intervenções jamais serão iguais. Por isso não vejo respostas, nem modelos prontos para intervenções psicopedagógicas, para cada caso trazido para a supervisão.

Porém, existem caminhos, que não são modelos prontos a serem percorridos, e cada profissional pode encontrar uma resposta, uma solução mais adequada, à alguma situação em destaque. Assim, podem surgir várias maneiras, várias formas de ação para desenvolver uma intervenção e uma supervisão psicopedagógicas.

Uma das formas de atuação que trago nesse artigo vem por meio da utilização do pensamento crítico, fundamentado em bases teóricas, explicitadas por meio de vários autores, aqui citados, os quais se debruçam sobre esse tipo de pensamento, que, nada mais é que o favorecimento da construção do conhecimento, da aprendizagem.

A tomada de consciência desse tipo de pensamento possibilita o exercício da atuação profissional psicopedagógica, no momento em que promove e proporciona momentos de reflexão e análise, dando possibilidades ao psicopedagogo de tornar-se uma pessoa mais capaz de encontrar diferentes formas de intervir adequadamente no seu fazer psicopedagógico.

Trazemos, para dar suporte teórico e prático à ação psicopedagógica canalizada para a supervisão psicopedagógica, autores que seguem, basicamente, uma linha de pensamento dentro de princípios voltados para a construção do pensamento crítico, tais como Jorge Visca, Piaget, Sara Paín, Boisvert, Robert H. Ennis, Richard W. Paul, Harvey Siegel.

 

A SUPERVISÃO PSICOPEDAGÓGICA

A supervisão psicopedagógica precisa existir como ponto de partida para que o trabalho do psicopedagogo torne-se mais eficaz, que haja, no profissional em supervisão, o desejo de adquirir novos conhecimentos, de aprender cada vez mais, de se instrumentalizar para o desenvolvimento de uma ação psicopedagógica. Nesse momento, é importante que tanto o supervisor como a pessoa em supervisão estejam em sintonia como pessoas e como profissionais.

Para compreender melhor a supervisão psicopedagógica existem vários aportes teóricos que podem subsidiar esse tipo de ação, dando àquele que dá e àquele que recebe a supervisão mais segurança e conhecimento sobre o que está fazendo, como está sendo desenvolvido o trabalho psicopedagógico e o que pretende fazer.

Assim, para que isso aconteça com mais propriedade e para que possamos ter maior esclarecimento dessa ação, trazemos, inicialmente, alguns dados teóricos que evidenciam o processo corretor, falando um pouco sobre o que Jorge Visca diz a respeito dos recursos utilizados nesse tipo de processo, ou seja, numa intervenção psicopedagógica e as possibilidades de melhor compreendê-la, visto que o trabalho da supervisão psicopedagógica nada mais é do que intervenções psicopedagógicas, e não modelos e fórmulas prontas, como já dissemos em vários momentos.

Visca2 traz uma série de situações que nomeia, no processo corretor, como recursos a serem utilizados na ação psicopedagógica. Porém é interessante considerar que, mesmo dispondo de todos esses recursos: mudança de situação, informação, informação com redundância, modalidade de alternativas múltiplas, o acréscimo de modelo, a mostra, a explicação psíquica, o assinalamento, a interpretação, a troca de papéis, como parâmetros, em cada situação, eles serão utilizados de forma diferente, nos vários momentos em que se apresentarem. Nesse momento, é o psicopedagogo quem vai definir como, com quem, em que situação utilizá-los.

Com a existência dessa diversidade de intervenções, segundo Visca2, os recursos precisam ser utilizados com determinados critérios, os quais reforçam a natureza flexível dessas ações. Visca afirma:

1. Todo recurso é utilizado para incidir sobre um existente (campo estruturado) com o objetivo de produzir modificações;

2. Todo recurso tem como base uma hipótese que envolve o existente, a variável e o emergente, e não significa um imperativo categórico;

3. Cada um dos recursos constitui distintas formas de expressão ou manifestação de uma mesma entidade;

4. A escolha de uma ou outra forma de variável vai corresponder à ideia de oportunidade ou eficácia, a qual tem como pressuposto geral o postulado que deve por em jogo a resposta mais ativa por parte do sujeito;

5. A oportunidade ou a eficácia só vai ser comprovada pelo emergente imediato ou mediato2".

Como vemos, são critérios de grande relevância a serem seguidos e que deixam claro, mais uma vez, que a ação psicopedagógica, mesmo fundamentada em bases teóricas, depende de como, de quem e para quem está sendo utilizada.

Desse modo, podemos observar que, mesmo lançando mão desses recursos, não há uma fórmula definida, pronta e, se quisermos avançar na busca de uma ação única, individual, flexível, devemos, então, ir em busca da utilização do pensamento crítico, de uma ação reflexiva.

Pensamos assim porque consideramos que a supervisão psicopedagógica não se restringe a apenas escutar, analisar, encontrar soluções para o caso trazido por aquele que está sendo supervisionado, mas à necessidade de que, naquele momento, o supervisor, esteja aberto à escuta, direcionando sempre as soluções para quem o procura, de forma sutil, deixando o outro livre para se posicionar, opinar, conversar, escolher a melhor decisão para o caso em estudo.

O trabalho de supervisão psicopedagógica exige muita responsabilidade, muita experiência e certa dose de desprendimento daquilo que você já sabe com relação à ação psicopedagógica, ao material de estudo e certa abertura quanto aos novos dados trazidos que chegam por aquele que pede a supervisão. É o momento de troca, de aprendizagem, de crescimento pessoal e profissional.

Dessa forma, é preciso que o supervisor psicopedagógico saiba que sua função precisa estar sedimentada em bases teóricas e práticas, que lhe permitam sentir-se seguro da sua ação profissional do como se aprende e de que a aprendizagem se estabelece no momento em que é o próprio sujeito que a constrói. Para tal, o uso do pensamento crítico, da reflexão crítica, devem permear suas ações, trazendo a possibilidade do sujeito, ora em supervisão, descobrir a necessidade dessa forma de pensar e agir numa intervenção psicopedagógica.

Assim sendo, para maior compreensão desse tipo de ação, trago alguns autores que, adeptos do pensamento crítico, nos mostram, através de suas bases teóricas, que a utilização desse tipo de pensamento nos permite estar mais seguros para agir numa supervisão psicopedagógica, numa ação psicopedagógica.

 

O PENSAMENTO CRÍTICO NA SUPERVISÃO PSICOPEDAGÓGICA

Ao trazer o pensamento crítico para a supervisão psicopedagógica, pretendemos, ao utilizá-lo, permitir que o psicopedagogo em supervisão descubra formas de tornar o seu trabalho mais flexível, aberto a mudanças, ao novo, à necessidade de incorporar em si mesmo o papel de profissional de ajuda que procura buscar na supervisão uma escuta e um olhar próprios para cada situação.

Assim sendo, entendemos que o pensamento crítico se torna essencial nesse tipo de supervisão, visto que é capaz de oferecer condições para uma reestruturação no fazer psicopedagógico, ajudando o psicopedagogo a encontrar formas de favorecer a autonomia e a independência do pensamento e atender às nuances trazidas pela própria ação psicopedagógica.

Nessa situação, a utilização da criatividade, da competência e da flexibilidade, no exercício psicopedagógico, requer habilidades mediadas por processos reflexivos, como a investigação, interpretação, apropriação de intenções e intervenções. Dessa forma, o pensamento crítico pode possibilitar a análise, a descoberta de situações peculiares, próprias de cada caso, de cada pessoa, trazidas pelo psicopedagogo em supervisão.

Para que tal aconteça, é interessante que a supervisão psicopedagógica venha revestida com teorias e práticas, as quais possam qualificar o psicopedagogo como um profissional reflexivo, sendo, ele mesmo, o ponto de partida para as transformações na sua prática cotidiana, dono da sua própria construção, da sua conduta profissional, sem que seja necessário seguir modelos.

O pensamento crítico, como pudemos observar, torna-se essencial na formação do psicopedagogo, na supervisão psicopedagógica, visto que, pode ser capaz não só de transformar essa prática, mas também promover a possibilidade do psicopedagogo atender às exigências impostas pela sua profissão e refletir de forma cada vez mais autônoma.

Para entender melhor, a supervisão psicopedagógica na perspectiva do pensamento crítico, trago algumas ideias, propostas, eixos condutores, concepções de autores que se debruçaram sobre esse tipo de pensamento.

Então, analisando os dados trazidos por esses autores, verificamos que o pensamento crítico tem muita correspondência com a ação psicopedagógica, quando trabalhamos com o sujeito permitindo-lhe que seja o mentor das suas ideias, que pense de forma reflexiva, analise e decida rever os seus próprios conceitos, reestruturando-os.

Nessa linha de pensamento, considerando na supervisão psicopedagógica o aspecto dinâmico da capacitação para psicopedagogos, estaremos considerando, também, o aspecto catalisador, o qual nos permite não perder de vista todos os segmentos, social, cultural, político, pessoal, profissional, pois eles fazem parte do contexto dessa pessoa que vem em busca da supervisão.

Para uma melhor compreensão sobre o exercício da reflexão crítica, Juan Ruz3 traz para nossa análise e discussão três eixos condutores, relacionados com o pensamento crítico reflexivo. São eles: a atitude teórico-crítica, a integração dos saberes e o técnico e o prático na formação.

Segundo Ruz3, a atitude teórico-crítica precisa vir alicerçada pela técnica e pela prática, pelo erudito e pelo cotidiano, pela noção e inserção da cultura, pela noção de transdisciplinaridade, mas sem perder de vista a reflexão, a análise e a crítica engajadas com a teoria, com a prática, caminhando, assim, para um patamar que possa conduzir a uma maior integração do sujeito com a sua formação; a integração dos saberes precisa se estabelecer através do saber elaborado - ou cultura erudita, e o saber do cotidiano, da socialização, da cultura de um povo, imprescindíveis para a compreensão de uma ação na supervisão psicopedagógica, dentro de uma realidade muito singular, muito própria de cada contexto, de cada sujeito em supervisão, de cada caso, considerando, dessa forma, o elaborado e o cotidiano como partes inerentes a essa ação.

Essa posição de Ruz3 nos faz entender que a relação imediata entre o psicopedagogo e a sua realidade pode acontecer, como afirma Morin4 "... a partir do momento em que se toma consciência de que todo conhecimento é uma tradução a partir dos estímulos que recebemos do mundo exterior e, ao mesmo tempo, reconstrução mental, primeiramente sob forma perceptiva e depois por palavras, ideias, teorias"; no técnico e no prático, numa capacitação destinada à supervisão psicopedagógica, devemos estabelecer, por meio da análise e da crítica, o ordenamento de uma ação específica para cada caso em discussão.

Ruz3 afirma, ainda, que, o prático precisa ser reflexivo na busca do sentido ou fundamento de tudo o que existe e o técnico calculador no sentido do controle, da pesquisa, do cumprimento de metas. Dessa forma, técnico e prático se completam, precisam um do outro.

Observamos então que, esses aportes nos dão a clareza de que a supervisão psicopedagógica deve estar sempre vinculada à realidade e ao exercício do pensamento crítico, do prático, do técnico, do teórico, como uma grande atividade intelectual, mesclada de atitudes para a autonomia do pensamento e da flexibilidade. Dito de outra forma e para reforçar o já explicitado, Boisvert5 afirma que o essencial de ensinar a pensar de forma crítica está dirigido para o exercício de uma forma de pensar que permita ao sujeito estar atento, capaz de estabelecer uma análise crítica que possa favorecer o desenvolvimento da autonomia do pensamento.

 

OUTROS TEÓRICOS E O EXERCÍCIO DO PENSAMENTO

Para uma maior compreensão sobre a necessidade de utilização, do exercício do pensamento crítico e, a fim de que possamos adaptá-lo à realidade de um atendimento psicopedagógico, de uma supervisão psicopedagógica, faz-se necessário que possamos dar respaldo às nossas investidas psicopedagógicas, tendo como ponto de partida teorias que nos deem sustentação.

Começaremos, em primeiro lugar, falando sobre as colocações de Sara Paín, depois apresentaremos algumas considerações definidas por Piaget, elaboradas por Jean Marie Dolle e, em sequência, alguns outros autores até certo ponto desconhecidos no meio de atuação profissional psicopedagógica, tais como Robert H. Ennis, Richard W. Paul e Harvey Siegel.

Cada um deles apresenta a sua marca específica, mas todos caem no lugar comum, quando se rendem e se reportam à importância e ao exercício do pensamento crítico.

Assim sendo, vale a pena passearmos sobre os seus "pensares" e dizeres, aproveitando todo o conhecimento trazido por eles, na perspectiva de entender melhor os ditames do fazer psicopedagógico.

Vejamos, então, como cada um desses autores se reporta à autonomia do pensamento, à sua construção através da reflexão crítica e da construção do conhecimento, do pensamento crítico.

Segundo Sara Paín6, o "fortalecimento da autonomia do pensamento não pode perder o rumo do direito que a criança (acrescento as pessoas) deve ter à inteligência". E complementa a ideia analisando que...

..."O direito a uma vida digna, à saúde, à educação, à liberdade de expressão perdem uma boa parte de seu valor, se não forem assegurados aos sujeitos os instrumentos do pensamento, da capacidade crítica e de funcionamento subjetivo mental que lhes permitam não apenas conquistar, mas sobretudo manter desperto seu direito à apropriação do conhecimento"6.

Essa colocação de Sara Paín6, canalizada para o fazer psicopedagógico, para a supervisão psicopedagógica, nos faz entender o quanto devemos levar em conta a necessidade da aquisição de conhecimento, na busca de um asseguramento ao direito de pensar de forma crítica, reflexiva.

Essa forma de pensar, se bem observarmos, se torna mais evidente nos aportes de Piaget quando este nos faz tomar conhecimento e compreender melhor o sujeito através das várias nuances da sua estrutura cognitiva.

Piaget, por meio da Epistemologia Genética, nos faz compreender que a aquisição do conhecimento, assim como a inteligência, vai se integrando ao sujeito desde o seu nascimento até a fase adulta, através da troca deste com o meio, provocando, então, a possibilidade de desenvolver a autonomia do pensamento, na medida em que os estágios cognitivos sensório-motor, simbólico, operatório concreto e operatório formal se organizam basicamente em ordem sucessiva e constante.

Essa ordem, segundo Dolle7, ao ser constante não significa que seja uma ordem cronológica. Ela depende da experiência anterior do sujeito e não somente de sua maturação, do meio social que pode acelerar ou retardar a aparição de um estágio, ou mesmo impedir a sua manifestação. Os estágios cognitivos, com o seu caráter integrativo, estabelecem que as estruturas cognitivas construídas são integradas às estruturas cognitivas do nível seguinte. Ou seja, cada estágio cognitivo existe em decorrência do estágio anterior, ao tempo em que dará suporte para a existência do estágio posterior.

Ao tomarmos conhecimento dos aportes de Sara Paín e de Piaget, devemos considerá-los como mais um ponto de referência para melhor ação psicopedagógica, acreditando que assim estaremos trazendo para supervisão psicopedagógica maior conhecimento e maior subsídio sobre o sujeito com quem estamos trabalhando, sobre a forma como esse sujeito pensa e como aprende, tendo em vista a ativação do pensamento crítico.

Na sequência, abordaremos o pensamento crítico de forma mais detalhada, considerando que, por serem trazidos por concepções teóricas menos conhecidas no âmbito da Psicopedagogia, precisam ser melhor explicitadas quanto ao seu suporte teórico e quanto à próxima relação que apresentam com o fazer psicopedagógico, com a supervisão psicopedagógica, ora em discussão.

As concepções às quais nos referimos no parágrafo anterior dizem respeito a três autores: Robert H. Ennis8, Richard W. Paul9, Harvey Siegel10. São teóricos apresentados por Boisvert5, em seu livro "La formation de la pensée critique- Théorie et pratique".

São concepções que se complementam, que se encaixam perfeitamente ao pensamento trazido pelos teóricos já mencionados e que nos mostram como podem estar engajadas ao trabalho psicopedagógico, no que se refere à tomada de consciência sobre o desenvolvimento da estrutura cognitiva, o desenvolvimento do sujeito como um todo e, em consequência, a melhores condições para compreender a importância do desenvolvimento de habilidades cognitivas e atitudes existentes na pessoa que aprende.

A Primeira concepção, de Robert H. Ennis8, define o pensamento crítico como um pensamento racional e reflexivo, orientado para uma decisão quanto ao que é preciso acreditar ou fazer. Define, também, que o desenvolvimento de habilidades se constitui um dado importante para a elaboração do pensamento crítico. Aborda, ainda, a importância de se desenvolver habilidades e atitudes como ponto de partida para esse tipo de pensamento, na perspectiva de que o sujeito possa tornar-se capaz de participar, com muito mais propriedade, de todo o seu processo de construção do conhecimento, tornando-se mais autônomo frente às suas decisões.

No Quadro 1, podemos observar, segundo Ennis8, as habilidades e atitudes próprias do pensamento crítico, completamente passíveis de utilização em uma ação psicopedagógica.

Fazendo uma análise do quadro supracitado, temos a clareza de como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e atitudes podem interferir na capacidade do sujeito pensar de forma crítico-reflexiva. E, verificar, também, quanto isso pode ajudar a pensar e manter a supervisão psicopedagógica mais dinâmica, mais interativa entre supervisor/supervisionado.

A segunda concepção, trazida por Richard W. Paul9, define o pensamento crítico como disciplinado, que se guia por si próprio e que representa a perfeição do pensamento apropriado a certo modo ou domínio do pensamento.

O autor põe em destaque três dimensões do pensamento crítico: a perfeição do pensamento, os elementos do pensamento e os domínios do pensamento.

Com relação à perfeição do pensamento, Paul9 aborda os critérios de um pensamento perfeito, os quais compreendem a clareza, a precisão, a pertinência, a lógica, a profundidade e a adequação aos fins, aos objetivos.

Com relação aos elementos do pensamento, estes trazem a compreensão, a capacidade de formular, de analisar e de avaliar: o problema ou a questão em foco; a função ou o fim, objetivo do pensamento; o quadro de referência ou os pontos de vista implicados; os pressupostos avançados; as ideias e os conceitos centrais implicados; as teorias e os princípios utilizados; a prova, os dados ou o raciocínio avançados; as interpretações e as afirmações avançadas, as inferências, o raciocínio e as linhas de pensamento formuladas e as implicações e as consequências que resultam do pensamento.

Os domínios do pensamento podem ser aplicados para designar os conceitos fundamentais, as teorias de base, assim como definir as escolas do pensamento.

Paul9 considera, também, que para se adquirir um pensamento crítico no sentido forte do termo é preciso que cultivem sete traços de caráter interdependentes:

"humildade intelectual, a qual implica em estar consciente dos limites dos seus próprios conhecimentos e de estar sensível a opiniões preconcebidas ou prejulgamentos veiculados segundo o seu próprio ponto de vista;

coragem intelectual que predispõe a visualização e avaliação equitativa referente às ideias, às convicções ou aos pontos de vista;

empatia intelectual que consiste em reconhecer a necessidade que se tem de estar no lugar dos outros, em imaginação, a fim de compreendê-los realmente;

integridade intelectual, aquela que admite a necessidade de ser fiel ao seu próprio pensamento, ser constante nas aplicações dos seus próprios critérios intelectuais e de se conformar também com normas rigorosas à luz dos fatos e das provas que se exige do seu opositor;

perseverança intelectual é a vontade de pesquisar e aprofundar verdades e condições intelectuais, apesar das dificuldades, dos obstáculos e das frustrações que isso resulte;

a vez da razão - confiança em seus próprios interesses fundamentais e aqueles da humanidade em geral, mais bem servidos para o livre exercício da razão; esta segurança consiste em incitar os indivíduos a retomarem suas próprias conclusões graças ao desenvolvimento de suas próprias faculdades mentais;

o senso intelectual da justiça que é a vontade de considerar todos os pontos de vista com compreensão e de avaliá-los a partir dos mesmos critérios intelectuais, sem referência a seus próprios sentimentos ou interesses particulares ou ainda aos sentimentos ou interesses particulares de seus amigos, da sua comunidade ou da sua nação9".

Esses traços de caráter interdependentes são muito importantes de serem observados e estudados, visto que nos mostram a real complexidade do pensamento crítico e a real necessidade de nos aprofundarmos mais nessas questões, para que, ao nos tornarmos detentores desses conhecimentos, possamos desenvolver uma ação psicopedagógica mais coerente com a nossa realidade, com a realidade do sujeito com quem trabalhamos.

Esse mesmo teórico apresenta, ainda, uma lista de estratégias que considera fundamental para o exercício do pensamento crítico. Divide-as em tipos de estratégias, as quais acho extremamente pertinentes ao trabalho psicopedagógico, a supervisão psicopedagógica: as estratégias afetivas, as estratégias cognitivas; as macrocapacidades e as micro-habilidades9.

Nas estratégias afetivas, encontramos o pensar de forma autônoma; o reconhecimento do seu egocentrismo ou seu espírito de líder; a necessidade de aprovação da imparcialidade; a necessidade de explorar os pensamentos subjacentes às emoções e as emoções subjacentes aos pensamentos; a importância de mostrar humildade intelectual e suspender seu julgamento; a exposição de prova de coragem intelectual; a manifestação de segurança intelectual ou integridade, da perseverança intelectual, de ter segurança na sua forma de raciocinar.

As estratégias cognitivas: as macrocapacidades são indicativas para:

"reforçar as generalizações e evitar as simplificações em excesso; comparar situações análogas: transferir o que já foi cumprido a novos contextos; desenvolver um ponto de vista pessoal: elaborar ou examinar convicções, argumentos, teorias; elucidar os problemas, as conclusões ou as convicções; evidenciar e analisar os significados das palavras ou das frases, elaborar critérios com vistas à avaliação: deixar claro os valores e as normas; avaliar a credibilidade das fontes de informação; questionar com profundidade: levantar e aprofundar os problemas fundamentais ou significativos, analisar ou avaliar argumentos, ações políticas, interpretações, opiniões ou teorias, descobrir soluções ou avaliá-las; ler criticamente: elucidando ou analisando textos; escutar de maneira crítica dominando a escuta ativa; estabelecer ligações interdisciplinares; praticar a discussão socrática: elucidar e rever as questões advindas das opiniões, das teorias ou dos pontos de vista; raciocinar de maneira dialógica: comparar teses, interpretações ou teorias; pensar dialeticamente: avaliar posições, interpretações ou teorias9".

Estratégias cognitivas: as micro-habilidades são indicativas para:

"Comparar e opor os ideais e a realidade; refletir com precisão sobre o pensamento: recorrer a um vocabulário apropriado; relevar as semelhanças e as diferenças significativas; examinar ou avaliar os pressupostos; distinguir os fatos pertinentes daqueles que não o são; formular inferências; predições ou interpretações verdadeiras; avaliar os fatos prováveis e os fatos supostos; discernir as contradições; examinar as implicações e as consequências9".

Essas colocações de R. Paul9 vem reforçar muitas ações já desenvolvidas na Psicopedagogia e ressaltar, também, a necessidade do psicopedagogo manter-se numa posição que lhe permita agir de forma mais fluida, integradora, avaliativa, interrogativa, reflexiva e autônoma.

A terceira concepção a ser apresentada é a de Harvey Siegel10. Para ele, o pensador crítico é visto como um indivíduo que pensa e age de maneira apropriada quando se apoia sobre razões. Nessa concepção, o autor se detém mais sobre o sujeito que pensa de forma crítica, do que, necessariamente, sobre o pensamento crítico, sem perder de vista que as duas coisas estão implícitas; não existe uma sem a outra10.

A proposta de Siegel10 nos chama a atenção, visto que, até o presente momento, trouxemos reflexões sobre o que é o pensamento crítico, sugerindo estratégias, fazendo análise sobre ele, estabelecendo relações entre o cognitivo e o afetivo, falando de habilidades e atitudes. Porém, nessa concepção, Siegel10 traz um aporte bastante interessante, porque analisa a importância da existência da razão e do espírito crítico naquele que pensa criticamente.

Segundo Siegel10, o pensador crítico não pode se furtar ao desenvolvimento de um espírito crítico. Isso significa que o pensador crítico não deve somente ser capaz de avaliar razões adequadamente, mas sim, ter uma tendência para isto e estar disposto para tal. É aquele que aceita a importância do avançar das razões e que as avalia quanto à sua força de convicção, buscando dar suporte às suas avaliações, seus julgamentos e suas ações.

Assim, aprofundando a noção de racionalidade, Siegel10 religa conceitos de princípio, de coerência e de razão. Os princípios, segundo ele, aparecem como necessários para estabelecer a pertinência e a força das razões. Em consequência, o pensador crítico precisa compreender dois tipos de princípios que dirigem a avaliação da razão. São princípios específicos a um domínio, servindo para avaliação das razões particulares nos contextos particulares. Por exemplo, os princípios de validade de um instrumento de pesquisa em ciências humanas; e os princípios gerais, no qual se aplicam uma variedade de contextos e de tipos de razões; por exemplo, os princípios da lógica, como a indução e a dedução.

Como tivemos oportunidade de ver, nessas três concepções trazidas, as quais falam sobre o pensamento crítico, encontramos três pontos em comum:

o pensamento crítico que estimula várias habilidades do pensamento;

o pensamento crítico que requer informações e conhecimentos para se manifestar;

o pensamento crítico que implica uma dimensão afetiva.

A cada concepção vista, apresentada, fomos levados à confirmação da complexidade do pensamento crítico, considerando a forma como cada um dos autores o trata, o entende, o disseca, o vê. Foram posicionamentos, tipos de pensamento que se completam e se encaixam perfeitamente naquilo que vimos falando até o momento, que é a utilização do pensamento crítico nas questões de ordem psicopedagógica.

Nesse sentido, segundo Boisvert5, a noção e a necessidade de formar o pensamento crítico está na busca de resposta às exigências sociais, ou seja, na possibilidade de desenvolver no sujeito a capacidade de analisar e dominar uma massa crescente de informações, sem perder de vista e de forma crítica o que está acontecendo a sua volta, na capacidade de tomar posições diante do inédito ou de questões controversas, ou seja, ser resiliente e no julgamento adequado sobre o que pensam as pessoas com quem atuam.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante todo o caminhar deste artigo, do tema escolhido, tentamos mostrar que, independentemente do tipo de postura que os profissionais da psicopedagogia assumam, tanto como supervisor, como profissional que busca a supervisão, eles não podem deixar de tomar consciência de que a ação e a supervisão psicopedagógica devem vir pautadas, na sua essência, em um pensamento crítico.

E, para que essa noção de pensamento crítico possa se instalar no desejo e na possibilidade de uma melhor ação desses profissionais da Psicopedagogia, faz-se necessário trazer subsídios e meios que lhes permitam sentir-se mais seguros, mais competentes, apresentar caminhos que possam oferecer a esse profissional a possibilidade da construção da autonomia do pensamento dentro de uma perspectiva crítico-reflexiva.

Para tal, foram apresentadas várias linhas de pensamento, concepções teóricas, eixos condutores que pudessem dar suporte à ação psicopedagógica, ao psicopedagogo, na perspectiva de manter nesse profissional a busca por uma atuação sempre nova, inusitada, diferente, diversificada, calcada em dados teóricos e práticos que lhes permitissem tornar-se cada vez mais experientes.

Assim, considerando todos os autores citados e os seus aportes teórico-práticos trazidos, apresentados, tivemos a possibilidade de entender que o pensamento crítico é o ponto de partida para que possam ser instaladas a liberdade de ação, a independência e a autonomia, as quais devem sempre estar presentes em qualquer de nossas ações e, nesse caso, em especial, no fazer psicopedagógico e na supervisão psicopedagógica.

 

REFERÊNCIAS

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10. Siegel H. Conceptions de la pensée critique en éducation. In: Boisvert J, ed. La formation de la pensée critique: théorie et pratique. Bruxelles: De Boeck Université; 1999.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Débora Silva de Castro Pereira
Rua do Ébano, 148/1202 - Edif. Mansão Place des Vosges - Caminho das Árvores
Salvador, BA, Brasil - CEP 41820-370
E-mail: descp@uol.com.br

Artigo recebido: 8/2/2016
Aprovado: 2/4/2016

 

 

Trabalho realizado na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA, Brasil.

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