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Revista Psicopedagogia

versión impresa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.33 no.102 São Paulo  2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relação entre autoconceito e autocontrole comparados ao desempenho escolar de crianças do ensino fundamental

 

Relationship between self-concept and self-control compared to the academic performance of elementary school children

 

 

Gabriella ConteI; Sylvia Maria CiascaII; Iuri Victor CapelattoIII

IPsicóloga, Especialista em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infantil e Aprimoranda em Psicologia Clínica em Neurologia Infantil pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), Campinas, SP, Brasil
IINeuropsicóloga, Doutora em Neurociências e Livre-docente em Neurologia Infantil, Professora Associada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil
IIIPsicólogo, Mestre em Ciências Biomédicas, Departamento de Neurologia, FCM/Unicamp, Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Nos estudos das dificuldades escolares ou de aprendizagem, destaca-se a relevância de identificar quais as possíveis causas do não aprender, e, dentre essas, sabe-se que o aspecto afetivo-emocional influencia o desempenho escolar. Este estudo teve como objetivo identificar a relação entre autoconceito e autocontrole comparados ao desempenho escolar. Os participantes deste estudo foram 35 crianças (19 do sexo feminino e 16 do sexo masculino), de 8 a 11 anos, que estavam cursando o Ensino Fundamental I (3o a 5o ano) de uma escola particular em uma cidade no interior de São Paulo. Para a avaliação, foram utilizados os seguintes instrumentos: Teste de Desempenho Escolar (TDE); Escala Feminina de Autocontrole (EFAC) e Escala Masculina de Autocontrole (EMAC); Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil (EAC-IJ). Os resultados apresentados permitiram concluir que, para a amostra estudada, quanto mais conhecimento o indivíduo tinha de si (autoconceito), maior foi seu autocontrole, e quanto maior foi seu autocontrole, maior foi seu autoconceito familiar, demonstrando a importância da família no estado emocional da criança, no desenvolvimento das regras e condutas e no autocontrole em geral. Além disso, o autoconceito pessoal estava diretamente relacionado à aprendizagem (e no desempenho em aritmética) e aos sentimentos e emoções da criança, assim como o autoconceito social influenciou no desempenho escolar e em aritmética, ou seja, quanto mais a criança conhece sobre si mesma, melhor é seu desempenho escolar e sua capacidade em lidar com as situações do dia-a-dia.

Unitermos: Autoconceito. Autocontrole. Aprendizagem.


ABSTRACT

In studies of school and learning difficulties, it highlights the importance of identifying what are the possible causes of not learning, and, among these, it is known that the affective-emotional aspect affects school performance. This study aimed to identify the relation between self-concept and self-control compared to school performance. The participants of this study were 35 children (19 females and 16 males), from 8 to 11 years old, who were studying in elementary school (from the 3rd to 5th grade) of a private school in an country town of São Paulo state. For the evaluation, the following instruments were used: Academic Performance Test (TDE); Women's Self-control scale (EFAC) and Men's Self-control Scale (EMAC); Self Concept Scale for Children and Youth (EAC-IJ). The results presented showed that, for the sample, the more knowledge a person had of himself/herself (self-concept), the higher was his/her self-control, and the greater was his self-control, the greater was his familiar self-concept, demonstrating the importance of the family in the emotional state of the child, the development of rules and behavior, and in self-control in general. Furthermore, the personal self-concept was directly related to learning (and performance in arithmetic) and the feelings and emotions of the child, as well as the social self-concept influenced school performance and arithmetic, meaning that, more the child knows about himself/herself, the better their school performance and their ability to deal with the daily situations will be.

Keywords: Self-concept. Self-control. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

A aprendizagem pode ser definida como um processo que ocorre mediante a integração de várias funções do sistema nervoso, promovendo a melhor adaptação do indivíduo ao meio. Na aprendizagem há, portanto, a interação entre o indivíduo e o meio com base na experiência, promovendo mudanças1. Ou seja, a aprendizagem é uma mudança no comportamento resultante da experiência ou prática, dependendo da interação entre fatores individuais e ambientais2. Segundo Vygostky et al.3, o aprendizado é um aspecto necessário e universal para o desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e particularmente humanas.

A motivação e os reforços positivos são fundamentais para a aprendizagem. Quanto mais interessante e importante a informação, torna-se mais fácil retê-la e resgatá-la, quando necessária4. No processo escolar, a aprendizagem infantil está diretamente relacionada ao desenvolvimento da criança, à escola, à sala de aula, aos professores, às condições orgânicas, emocionais e à estrutura familiar. Qualquer intercorrência em algum desses aspectos pode interferir no processo de aquisição da aprendizagem5.

Durante a aprendizagem, o processamento das informações depende da integração de diversas habilidades, como as cognitivas, as atencionais, as mnésicas e as linguísticas, além do desenvolvimento emocional e comportamental6,7. A escola é um ambiente necessário para o desenvolvimento cognitivo e afetivo, uma vez que a afetividade se configura como a mais profunda dinâmica que o indivíduo pode ter, iniciando-se no momento em que há o amor para o outro8.

As dificuldades escolares ou de aprendizagem são estudadas por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, a fim de compreender suas causas, métodos de avaliação e intervenção, e do impacto que produzem no desempenho acadêmico9-13, e podem ser entendidas como obstáculos, ou barreiras, encontrados por alunos durante o período de escolarização referentes à captação ou assimilação dos conteúdos propostos14. A principal característica de uma dificuldade de aprendizagem apresentada por escolares é o baixo rendimento, ou desempenho, em atividades de leitura, escrita ou cálculo matemático em relação ao que se poderia esperar de acordo com sua inteligência e oportunidades15.

Avaliar o rendimento ou desempenho escolar não é uma tarefa simples para professores e técnicos que esbarram na falta de instrumentos de medida desenvolvidos e adaptados à cultura brasileira16. No Brasil, a experiência com instrumentos de avaliação padronizada ao desempenho escolar é reduzida e a maioria das pesquisas que abordam essa temática utiliza o Teste de Desempenho Escolar (TDE), um instrumento proposto e padronizado por Stein17, destinado à avaliação dos níveis de escrita, leitura e aritmética nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental.

Enfatiza-se a importância da avaliação das dificuldades de aprendizagem constituir um processo amplo de coleta de dados, o qual contemple uma análise quantitativa e qualitativa, a fim de verificar o nível de execução das tarefas escolares, desenvolvimento anterior da criança, comportamentos em sala de aula, opinião do professor, ambiente familiar e social, aptidões, métodos de aprendizagem, métodos de avaliação da aprendizagem e outros aspectos relacionados ao ambiente e ao aluno18.

Autoconceito, autocontrole e desempenho escolar

O autoconceito pode ser entendido como um pressuposto multidimensional resultante da interação do indivíduo com o meio em que interage durante o processo de construção social, com a autoavaliação de suas habilidades, experiências e representações. O autoconceito começa na infância, é desenvolvimento ao longo da vida e está diretamente relacionado ao impacto da opinião do outro, incluindo, em sua construção, a cognição (baseada nas características em que a pessoa descreve sobre si mesma e que passam a constituir o seu modo de ser e agir), a afetividade (considerando as emoções que acompanham a descrição de si mesma) e aspectos comportamentais (influenciados pela concepção que a pessoa tem de si mesma)19.

O autocontrole pode ser definido como uma forma de controlar o próprio comportamento, geralmente em situações conflituosas, de acordo com padrões definidos culturalmente20. Segundo Shibutani21, o desenvolvimento do autocontrole se manifesta quando a criança começa a ter a perspectiva do outro, e pode ser dividido em dois momentos. O primeiro seria quando a criança se motiva a controlar seu comportamento como uma maneira de agradar às pessoas significativas em sua vida, seja para obter a sua aprovação, seja para evitar sua desaprovação. Já a segunda etapa ocorreria quando a criança tenta se auto-agradar e preservar a sua auto-imagem e, para que isso aconteça, seria necessário que, na ausência de uma resposta externa, a criança adquira a capacidade de ter prazer ou desprazer consigo mesma.

Uma vez que aprendizagem é a mudança de comportamento que se prolonga ao longo do tempo, deve-se enfatizar a relevância de identificar quais as possíveis causas do não aprender e, dentre elas, há o aspecto afetivo-emocional que contribui para a saúde psicológica dos indivíduos22. De maneira geral, os sujeitos que tendem a apresentar dificuldades de aprendizagem, apresentam um autoconceito rebaixado. Quando as dificuldades de aprendizagem não são visíveis, o autoconceito eleva-se. Isso sugere que a variável emocional está relacionada com a variável intelectual20. Ainda na área da educação, vários estudos apontam o autocontrole como um bom previsor do desempenho acadêmico23, ou seja, o autocontrole é uma variável que se correlaciona positivamente com o desempenho acadêmico24. Além das causas pedagógicas, sociais e emocionais, constata-se, portanto, a influência do autoconceito e autocontrole no desempenho escolar.

Diante do exposto acima, foi objetivo desse trabalho identificar a correlação entre autoconceito e autocontrole comparados ao desempenho escolar em crianças de 8 a 11 anos do Ensino Fundamental I de uma escola particular do município de Americana, SP.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de campo não-experimental, transversal e quantitativa de comparação de autoconceito e autocontrole com desempenho escolar em crianças de 8 a 11 anos do Ensino Fundamental I de uma escola particular. A pesquisa foi realizada em uma escola particular localizada na cidade de Americana, SP.

Participantes

Os participantes deste estudo foram 35 crianças (19 do sexo feminino e 16 do sexo masculino), de 8 a 11 anos, que estavam cursando o Ensino Fundamental I (3o a 5o ano) de uma escola particular em uma cidade no interior de São Paulo. Os critérios de inclusão foram: estar na faixa etária de 8 a 11 anos de idade; crianças autorizadas pelos pais ou responsáveis a participarem da pesquisa por meio da assinatura do TCLE; crianças com acuidade auditiva e visual adequadas segundo relato da escola baseado no arquivo escolar da criança; crianças que não fazem uso de medicamentos neuropsiquiátricos ou diagnosticadas com quaisquer transtornos de aprendizagem e/ou desenvolvimento. Os Critérios de Exclusão foram: crianças que não compreenderem e/ou tiverem dificuldades para responder os testes de autoconceito e autocontrole.

Instrumentos

Teste de Desempenho Escolar (TDE): é um instrumento que visa a avaliar as capacidades fundamentais para o desempenho escolar, mais especificamente da escrita, leitura e aritmética. É composto de três subtestes: Escrita (escrita do nome próprio e de palavras isoladas apresentadas, sob forma de ditado); Leitura (reconhecimento de palavras isoladas do contexto); Aritmética (solução oral de problemas e cálculo de operações aritméticas por escrito). Cada subteste apresenta uma escala de itens em ordem crescente de dificuldade. É apresentado sob forma de um caderno, com duração de 20 a 30 minutos. Foi criado com a finalidade de avaliar quais áreas de aprendizagem escolar estão preservadas ou prejudicadas. Pode ser usado na avaliação do desempenho escolar de uma criança individualmente ou na avaliação em grupo. Por meio dos resultados, pode-se dimensionar quais áreas de aprendizagem apresentam algumas dificuldades pedagógicas ou didáticas.

Escala Feminina de Autocontrole (EFAC) e Escala Masculina de Autocontrole (EMAC)20: avalia a percepção que a criança e adolescente têm de si mesmos em relação a dois itens: 1) autocontrole em relação a regras e condutas sociais (situações presentes no dia-a-dia em casa, com amigos e na escola, como cumprimento de deveres, rotinas e obrigações); 2) autocontrole em relação a sentimentos e emoções (avaliação de sentimentos de vergonha, raiva ou descontentamento em relação ao próprio comportamento ou às situações de fracasso experimentadas no dia-a-dia com os pais, amigos e professores). O questionário é composto de 30 perguntas do tipo teste, na qual o examinando assinala uma entre 3 alternativas: sempre, às vezes ou nunca. Cada escala tem seu gabarito de correção e sua pontuação em cada fator e pontuação total são comparadas (de acordo com o gênero) em tabelas, tanto pela população total como pela faixa etária. Os resultados são apresentados em percentil e em categoria (autocontrole baixo, médio e alto).

Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil (EAC-IJ)19: trata-se de uma escala de autoavaliação com 20 perguntas divididas em quatro categorias, sendo elas: autoconceito pessoal (refere-se aos sentimentos que a pessoa tem em relação ao seu modo de ser e agir nas diferentes situações), com cinco perguntas; autoconceito social (a qual se refere às relações sociais com os colegas e auto-percepção da criança nestes momentos), com cinco perguntas; autoconceito escolar (avalia questões relativas às relações interpessoais dentro do contexto escolar), com quatro perguntas; e autoconceito familiar (que avalia o comportamento adotado nas situações do dia-a-dia em casa com os pais), com seis perguntas. Todas as perguntas devem ser respondidas com apenas uma resposta entre as três alternativas: sempre, às vezes, ou nunca. Os resultados obtidos, tanto no geral como em cada categoria, são avaliados por tabelas comparativas de acordo com a idade e gênero, resultando em quartil, podendo ser classificado em quartil menor que 25, o que corresponderia a uma classificação muito inferior; 25, inferior; menor que 50, média inferior; 50, média; menor que 75, média superior; 75, superior; ou maior que 75, muito superior.

Procedimentos

Primeiramente o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da FCM/Unicamp, aprovado sob o no do parecer: 1.244.868. Após a aprovação, os pais das crianças selecionadas de acordo com os critérios de inclusão e exclusão receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), juntamente com a explicação do projeto. A coleta de dados foi realizada com as crianças que possuíram o TCLE assinado por seus responsáveis.

A aplicação dos instrumentos de avaliação (TDE, EFAC/EMAC e EAC-IJ) foi individual, ocorrendo em oito encontros e teve 40 minutos como tempo médio de duração. A aplicação foi na própria escola, sem causar prejuízos para a criança e para a família.

Análise dos dados

Para a análise dos dados foi utilizada análise estatística descritiva e inferencial por meio de Planilha do Programa IBM SPSS Statistics 21.0 for Windows® (Statistical Package for Social Sciences) (SPSS Inc, Chicago, IL, USA, 2008). Por meio da estatística descritiva, obteve-se dados de frequência, média, desvio padrão, pontuação mínima e máxima. Os escores dos instrumentos foram correlacionados por meio do teste de Correlação por postos de Spearman. O nível de significância adotado foi de p0,05 e valores de correlação de 0,70 ou mais como "forte correlação", de 0,30 a 0,70 como "correlação moderada" e de 0 a 0,30 como "fraca correlação".

 

RESULTADOS

A amostra final foi composta por 35 sujeitos, sendo 19 (54,3%) do sexo feminino e 16 (45,7%) do sexo masculino. A média de idade dos participantes era de 9 anos e 5 meses, sendo que 8 (22,9%) sujeitos cursavam o 3o ano, enquanto 13 (37,1%) cursavam o 4o ano, e 14 (40%) cursavam o 5o ano (Tabela 1).

No TDE, a maioria da amostra (71,4%) obteve resultado superior na avaliação de escrita, assim como na leitura (85,7%) e aritmética (74,3%). Quanto ao resultado total do TDE, a maioria da amostra está na classificação superior (94,3%), sendo que apenas 2 sujeitos na classificação média, conforme pode ser observado na Tabela 2.

Quanto ao resultado geral da Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil, a maioria da amostra obteve resultado dentro da média esperada para a idade, com quartil 50 (40%). Abaixo da média foram apenas 5 sujeitos, sendo um (2,9%) com quartil 25 e 4 (11,4%) com quartil abaixo de 25, demonstrando baixo autoconceito.

Quanto às análises de cada categoria, apenas no autoconceito social não houve nenhum sujeito no quartil menor que 25 e apenas 1 sujeito no quartil 25, estando todos os outros dentro da média ou acima da média. O autoconceito escolar foi o item que teve maior número de sujeitos pontuando abaixo da média esperada para a idade (17 sujeitos com quartil menor que 25 e 8 sujeitos com quartil 25, totalizando 25 sujeitos (71,5% da amostra com baixo autoconceito escolar) (Tabela 3).

Na avaliação do autocontrole, 20% da amostra apresentaram baixo autocontrole total, enquanto 34,3% exibiram alto autocontrole total, e 45,7% da amostra obtiveram uma classificação média em relação ao autocontrole total. O item que avalia o autocontrole em relação às regras e condutas sociais (relacionado a situações presentes no dia-a-dia em casa, com os amigos e na escola, como o cumprimento de deveres, rotinas e obrigações) apresentou um maior número de sujeitos (9 sujeitos - 25,7% da amostra) com baixo autocontrole comparado com o item de autocontrole em relação a sentimentos e emoções (relacionado a sentimentos de vergonha, raiva ou descontentamento em relação ao próprio comportamento ou às situações de fracasso experimentadas no dia-a-dia com os pais, amigos e professores), no qual apenas 6 (17,1%) sujeitos apresentaram baixo autocontrole nesse item. A maioria dos sujeitos (15 sujeitos - 42,9% da amostra) obteve classificação média em relação às regras e condutas sociais, assim como em relação a sentimentos e emoções, em que a maioria (17 sujeitos - 48,6% da amostra) também apresentou médio autocontrole (Tabela 4).

Em relação ao autoconceito pessoal, houve correlação positiva, moderada e muito significativa na comparação com aritmética (r=0,517; p=0,001) e correlação positiva, moderada e significativa com o resultado total do TDE (r=0,406; p=0,015). Houve, também, correlação positiva, moderada e significativa entre o autoconceito social e o desempenho em aritmética no TDE (r=0,347; p=0,041), e também com o resultado total do TDE (r=0,360; p=0,033). Isso significa que, quanto maior a pontuação no autoconceito pessoal, melhor foi o desempenho na avaliação de Aritmética do TDE e no TDE total; e quanto maior o autoconceito social, também melhor foi o desempenho em aritmética e no TDE total (Tabela 5). Nessa amostra, não houve diferença significativa na correlação do TDE (resultado total dos subtestes de escrita, aritmética e leitura) com o resultado total da Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil (r=0,250; p=0,148).

Ainda na análise da relação entre os testes, não houve diferença significativa na correlação do TDE total com o resultado total da escala de autocontrole (r=0,229; p=0,185). Entretanto, houve correlação positiva, moderada e significativa entre autoconceito e autocontrole (r=0,386; p=0,022), assim como se observou correlação positiva, moderada e muito significativa entre o autocontrole total e o autoconceito familiar (r=0,591; p=0,0001). Em relação aos sentimentos e emoções, constatou-se correlação positiva, moderada e significativa com o autoconceito total (r=0,379; p=0,025), assim como com o autoconceito pessoal (r=0,397; p=0,018). Quanto às regras e condutas, houve correlação positiva, moderada e muito significativa na comparação com autoconceito familiar (r=0,544; p=0,001). Isso significa que, quanto maior a pontuação no autoconceito, melhor o desempenho acerca do autocontrole; quanto maior a pontuação no autocontrole, maior a pontuação no autoconceito familiar; quanto maior a pontuação no autocontrole em relação aos sentimentos e emoções, maior foi o resultado no autoconceito total e ao autoconceito pessoal; e quanto maior a pontuação no autocontrole em relação às regras e condutas sociais, maior foi a pontuação no autoconceito familiar (Tabela 5).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo identificar a relação entre autoconceito e autocontrole comparados ao desempenho escolar em crianças de 8 a 11 anos de uma escola particular.

De acordo com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Programme for International Student Assessment (PISA), há diferenças significativas nos resultados das avaliações a favor dos estudantes brasileiros de escolas privadas em detrimento aos de escolas públicas. Isso pode estar refletindo a busca da classe média pelas escolas particulares, a fim de obter um sistema de ensino mais eficiente, bem como o maior acesso à educação pública por parte das famílias mais carentes25.

Os estudos relatados anteriormente demonstram, portanto, a melhor qualidade do ensino em escolas particulares, o que foi demonstrado pelo desempenho dos alunos no resultado do TDE, em que a maioria da amostra obteve resultado superior na avaliação de Escrita, Leitura, Aritmética e foi classificada como superior no resultado total do teste.

O autoconceito é formado e desenvolvido ao longo da vida do indivíduo e a maneira como esse conceito se desenvolve pode influenciar o bem-estar e o sentido de valor próprio, bem como a construção da autoimagem e a capacidade de identificar e desenvolver as habilidades da criança26. Já o autocontrole refere-se a comportamentos adquiridos pelo indivíduo em seu percurso individual e pode ser entendido como a possibilidade da pessoa adequar ou ter reações adequadas em diferentes situações a que se vê exposta em seu cotidiano20. Como este estudo foi realizado com crianças com idade entre 8 e 11 anos, pode-se considerar que seu autoconceito e autocontrole estão em desenvolvimento e podem ainda ser influenciados por variáveis não identificadas. Os estudos são a principal atividade da infância e adolescência, portanto, o sucesso ou fracasso no desempenho escolar podem gerar sentimentos de segurança e confiança ou a falta dos mesmos19.

O autoconceito e o autocontrole representaram duas variáveis que se movem no mesmo sentido, ou seja, quanto maior o conhecimento que a criança tem de si, melhor é seu desempenho em se adequar às diversas situações que ocorrem em seu dia-a-dia. Além disso, constatou-se que o autoconceito também está relacionado aos sentimentos e emoções, um dos fatores que constitui a variável autocontrole. Portanto, quanto maior o autoconceito, maior a percepção do domínio que a criança tem de suas emoções e sentimentos diante de situações que lhe são adversas20.

Constatou-se, também, que quanto maior o autoconceito pessoal, o qual se refere aos sentimentos que o indivíduo possui comparados ao seu modo de ser e agir em diferentes situações; e maior o autoconceito social, cujo enfoque é tratar das relações sociais com os colegas e como a pessoa se percebe nessas relações19, melhor é a pontuação em aritmética, o desempenho escolar total e o autocontrole no que se refere aos sentimentos e emoções. Ou seja, as crianças que obtiveram melhores resultados em aritmética e no TDE se vêem bem consigo mesmas, sem maiores preocupações, medos e ansiedades; consideram-se bem intelectualmente, comparam-se ou se sentem superiores aos seus colegas, têm vontade de ajudar aos outros e buscam ajuda quando precisam19 e percebem o controle que exercem sobre suas emoções e sentimentos diante de diversas situações20.

Deve-se destacar que, quanto maior o autoconceito familiar, o qual se refere ao comportamento adotado pelo indivíduo nas situações do dia-a-dia em casa com os pais e irmãos20, maior é o autocontrole total e o autocontrole relacionado às regras e condutas (outro fator que constitui a variável autocontrole). Sendo assim, a criança que melhor se adequa às diferentes situações é a que se avalia como alegre e contente com seus irmãos, bem adequado e adaptado às exigências do lar e com um relacionamento de confiança e lealdade com seus pais19, bem como se vê como disciplinada, organizada, obediente e responsável com suas obrigações20. Portanto, quanto maior o autoconceito familiar, maior o autocontrole.

 

CONCLUSÕES

Os resultados apresentados nesta pesquisa permitiram concluir que, para a amostra avaliada no presente estudo, quanto mais conhecimento o indivíduo tinha de si (autoconceito), maior foi seu autocontrole, e quanto maior foi seu autocontrole, maior foi seu autoconceito familiar, demonstrando a importância da família no estado emocional da criança, no desenvolvimento das regras e condutas e no autocontrole em geral. Além disso, o autoconceito pessoal estava diretamente relacionado à aprendizagem (e no desempenho em aritmética) e aos sentimentos e emoções da criança, assim como o autoconceito social influenciou no desempenho escolar e em aritmética, ou seja, quando mais a criança conhece sobre si mesma, melhor é seu desempenho escolar e sua capacidade em lidar com as situações do dia-a-dia.

Enfatiza-se a importância da continuidade deste estudo, sugerindo-se uma pesquisa da relação entre o autoconceito e o autocontrole comparados ao desempenho escolar comparando sujeitos de escolas particulares e públicas. Além disso, sugere-se pesquisar a diferença entre os gêneros nos diferentes testes, comparando-os ao resultado final também seria interessante para constatar se haveria ou não diferenças em seu desempenho.

 

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Endereço para correspondência:
Gabriella Conte
Rua Pernambuco, 960 - Werner Plaas
Americana, SP, Brasil - CEP 13478-570
E-mail: gabi_conte@hotmail.com

Artigo recebido: 3/7/2016
Aprovado: 1/9/2016

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), Campinas, SP, Brasil.

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