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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.33 no.102 São Paulo  2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relações entre as funções executivas, fluência e compreensão leitora em escolares com dificuldades de aprendizagem

 

Relationship between the executive functions, fluency and reading comprehension in students with learning difficulties

 

 

Evelyn Budal Porto BovoI; Ricardo Franco de LimaII; Fernanda Caroline Pinto da SilvaIII; Sylvia Maria CiascaIV

IPsicóloga com aprimoramento em Psicopedagogia Aplicada à Neurologia Infantil - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (FCM/ UNICAMP), Campinas, SP, Brasil
IINeuropsicólogo, mestre e doutor em Ciências Médicas (FCM/ UNICAMP). Coordenador do Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE). Membro do Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE - UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
IIIFonoaudióloga com especialização em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infantil (FCM/UNICAMP). Membro das equipes do CIAPRE e DISAPRE/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
IVNeuropsicóloga, livre docente em Neurologia Infantil. Docente do Departamento de Neurologia (FCM/ UNICAMP). Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE - UNICAMP), Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo da presente pesquisa foi investigar as relações entre as funções executivas (FEs) e o desempenho em fluência e compreensão de leitura de escolares com dificuldades de aprendizagem. Participaram do estudo 29 estudantes, sendo 20 meninos e 9 meninas, cursando do 3º ao 9º ano do Ensino Fundamental, idade média de 11,79 (DP = 2,23), selecionados entre os pacientes que passaram por avaliação neuropsicológica no Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendizagem do Hospital de Clinicas (UNICAMP) e no Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE). Foram utilizados os instrumentos: indice de memória operacional, subteste de digitos (ordem indireta), subteste sequência números e letras, cubos de corsi, teste das trilhas, teste cor-palavra de Stroop, teste de fluência verbal, torre de Londres, texto "A coisa" e teste de Cloze. Os dados foram analisados por meio do SPSS 21.0. Os resultados demonstraram correlações significativas entre os escores dos instrumentos variando de moderada a alta. As maiores correlações do desempenho em compreensão de leitura ocorreram com o controle inibitório, a memória operacional e a fluência verbal. É possível inferir que as FEs contribuem com os aspectos estratégicos e metacognitivos da leitura, sendo que estudos posteriores podem investigar o valor preditivo das FEs para a compreensão.

Unitermos: Neuropsicologia. Compreensão. Leitura. Função executiva.


ABSTRACT

The aim of this research was to investigate the relationship between the executive functions (EFs) and performance in fluency and reading comprehension of students with learning difficulties. Participated twenty-nine students, 20 boys and 9 girls, attending the 3rd to 9th grade of elementary school, average age of 11,79 (SD=2,23), selected among patients who underwent neuropsychological assessment in Learning Disabilities Outpatient Clinic (Hospital de Clínicas - UNICAMP) and Center for Research on Attention and Learning (CIAPRE). The instruments used were: working memory index, digit span (indirect order), letter-number sequencing, Corsi block-tapping task, trail making test, Stroop color-word test, verbal fluency test, Tower of London, text "A coisa" and Cloze test. Data were analyzed by SPSS 21.0. The results showed significant correlations between the scores of instruments ranging from moderate to high. The highest performance in reading comprehension correlations occurred with inhibitory control, working memory and verbal fluency. It is possible to infer that the EFs contribute to the strategic and metacognitive reading, and further studies may investigate the predictive value of EFs for comprehension.

Key words: Neuropsychology. Comprehension. Reading. Executive Function.


 

 

INTRODUÇÃO

A leitura é uma competência influenciada por diversos processos cognitivos e resulta de dois componentes principais: a decodificação de palavras e a compreensão1-3. Nesse sentido, a leitura é resultado do processo de identificação de um registro gráfico escrito e seu significado, envolvendo desde o reconhecimento de palavras até a análise de seu conteúdo, tornando possível a compreensão4.

Há três estratégias para o reconhecimento de palavras: (a) Logográfica - trata a palavra como desenho, exige reconhecimento visual global e a leitura ocorre por meio de pistas contextuais; (b) Alfabética - conhecimento das correspondências entre grafemas e fonemas, fazendo uso da decodificação e da codificação; e (c) Ortográfica - exige integração das estratégias anteriores e o indivíduo já possui léxico mental ortográfico para que o reconhecimento das palavras ocorra de forma direta5.

Por sua vez, a compreensão leitora é um processo complexo que depende de diferentes funções cognitivas6 que participam da construção e integração de significados7. Ela envolve a seleção de determinado esquema mental, combinação desses esquemas e sua memorização por tempo suficiente para relacioná-los às informações lidas, a fim de atribuir significado ao conteúdo lido4. Compreender também implica em fazer conexões entre as ideias expressas em um texto e um conhecimento anteriormente adquirido8.

Existem diferentes modelos cognitivos que explicam os componentes da compreensão leitora, tais como o de dupla rota de Ellis e Young, modelo modular de Vega, modelo de Gagné, modelo de Bruer e o modelo de Kintsch e van Dijk9. Particularmente, o modelo de Kintsch e van Dijk7 enfatiza a importância do contexto e da habilidade de estabelecer inferências entre as proposições presentes no texto. Os autores afirmam que a compreensão depende da coerência explícita no texto e os recursos cognitivos do leitor para atribuir significados e interpretar o seu sentido global. Este modelo enfatiza que o texto deve ser analisado estruturalmente com base em suas proposições, nas quais a macroestrutura é a informação semântica, que fornece informação global9.

Alguns estudos têm sido conduzidos com o intuito de identificar as habilidades cognitivas preditoras do desempenho em compreensão leitora3,4,10-12. Um estudo nacional com análise de regressão comparou habilidades cognitivas mnemônicas, metalinguísticas, verbais e visuoespaciais com as habilidades de leitura e escrita. As habilidades preditoras encontradas foram o desempenho em aritmética, memória fonológica, vocabulário, consciência fonológica e sequenciamento, sendo que este último teve maior correlação com a leitura e a memória fonológica com a escrita13. Além da linguagem, a literatura sugere que outros processos cognitivos estão relacionados à compreensão leitora, como planejamento, organização, inibição de informações irrelevantes e memória operacional, especificamente componentes das funções executivas (FEs)3,4. As FEs representam um construto multifatorial formado por habilidades cognitivas responsáveis por iniciar e desenvolver atividades com objetivo final determinado, de forma independente, organizada, criativa, eficaz e socialmente adaptada14. Entre os modelos cognitivos que descrevem os componentes principais e secundários das FEs se destacam a divisão em quentes e frias de Kerr & Zelazo15, o modelo psicométrico de Miyake et al.16 e a revisão recente realizada por Diamond14. Há consenso de que os componentes principais das FEs são formados pela memória operacional, o controle inibitório e a flexibilidade mental14,15.

Em um estudo internacional foi identificado que a memória operacional e o planejamento foram importantes preditores para o desempenho em compreensão leitora, após o controle de variáveis como atenção, decodificação, fluência e vocabulário. Em contrapartida, esses componentes não contribuíram significativamente para as habilidades de decodificação de palavras17.

Um estudo verificou o desempenho em tarefas de FEs em três grupos: crianças com desenvolvimento típico, com dificuldades gerais de compreensão leitora e com dificuldades específicas de compreensão leitora. As análises demonstraram que o grupo de crianças com dificuldades específicas de compreensão leitora teve desempenho significativamente baixo nas tarefas de FEs. Os autores concluíram que, além das habilidades de linguagem e fluência verbal, os processos executivos podem desempenhar um papel significativo na capacidade de compreender textos18.

Em outro estudo foram comparados os componentes das FEs e a compreensão leitora, entre bons e maus leitores, de acordo com seus professores. Os resultados demonstraram contribuições do desempenho em FEs para a compreensão, sendo que as crianças cujo desempenho em leitura em sala de aula foi julgado como abaixo do padrão por seus professores demonstraram limitações em memória operacional e flexibilidade cognitiva19. De acordo com os autores, os participantes com dificuldades específicas em compreensão apresentam desempenho significativamente mais baixo em tarefas de FEs, tanto em relação aos leitores tipicamente desenvolvidos, como em relação a participantes com dificuldades mais gerais de leitura, que inclui a dificuldade no reconhecimento da palavra19.

Com base no exposto, o objetivo do presente trabalho foi investigar as relações entre os diferentes componentes das FEs e o desempenho em fluência e compreensão leitora de escolares com dificuldades de aprendizagem.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 29 estudantes, sendo 20 (69%) meninos e 9 (31%) meninas, cursando do 3o ao 9o ano do Ensino Fundamental, com idades entre 8 e 15 anos (M=11,79; DP=2,23), quociente intelectual (QI) total (Escala Wechsler de Inteligência para Crianças, 4a edição - WISC-IV)20 dentro dos padrões normais para a idade, variando entre 80 e 119 (M=100,29; DP=10,73), selecionados entre os pacientes encaminhados para avaliação interdisciplinar no Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendizagem do Hospital de Clínicas (UNICAMP) e no Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE).

Os critérios de inclusão e exclusão dos participantes foram: autorização dos pais ou responsáveis por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE); assinatura do termo de assentimento pelo estudante; apresentar QI dentro da faixa média esperada para a faixa etária, conforme classificações da WISC-IV20; não apresentar dificuldades em decodificação da leitura.

Instrumentos

Escala de Inteligência Wechsler para Crianças, 4a edição (WISC-IV)20 - a WISC-IV foi adaptada e normatizada para a população brasileira como instrumento clínico, de aplicação individual, que avalia a capacidade cognitiva e intelectual de crianças e jovens de 6 a 16 anos. É composta por quinze subtestes (dez principais e cinco suplementares), com materiais específicos para cada um, que medem diferentes aspectos cognitivos. Para a presente pesquisa foi utilizado o QI total para selecionar os participantes que apresentavam QI>80 (dentro da média). Também foram utilizados outros três escores como representativos de componentes das FEs: índice de memória operacional (IMO), dígitos (ordem indireta) (Dig-OI) e sequência de números e letras (SNL). O IMO é obtido por meio dos escores ponderados dos subtestes dígitos e sequência números e letras. O Dig-OI avalia a alça fonológica da memória operacional. Para sua realização, a criança devia repetir em ordem inversa os números lidos pelo avaliador. Os oitos itens são compostos por duas tentativas cada. O SNL também avalia a alça fonológica da memória operacional. A criança devia repetir uma sequência crescente de número e letras, que era lida em voz alta pelo avaliador, colocando os números em ordem crescente e as letras em ordem alfabética. O SNL é composto por dez itens, com três tentativas cada uma.

Teste das Trilhas (Trail Making Test - TMT, Partes A e B)21,22 - a parte A do TMT avalia a atenção sustentada visual e é composta por uma folha com círculos distribuídos aleatoriamente e numerados de 1 a 25, na qual a criança devia traçar uma linha conectando a sequência numérica. A Parte B do TMT avalia a flexibilidade mental, um dos componentes das FEs. O TMT-B é composto por círculos com números e letras e a criança devia traçar uma linha ligando os círculos, de forma a alternar a ordem numérica com a ordem alfabética. Ambas as partes deviam ser realizadas pela criança no menor tempo possível. O desempenho foi avaliado a partir do tempo de execução e a quantidade de erros ( erros sequência - erros de alternância).

Teste Cor-Palavra de Stroop (Stroop Color Word Test - SCWT)22,23 - foi utilizada a adaptação da versão de Victoria, que avalia o controle inibitório24. O SCWT é composto por três cartões, cada um com 24 estímulos distribuídos em quatro cores (vermelho, amarelo, azul e verde): (a) "Cartão Cores" (C): nomear as cores em cartão impresso de forma randômica; (b) "Cartão Palavra" (P): nomear as cores em cartão com nomes de cores impressos nas cores correspondentes; (c) "Cartão Cor-Palavra" (CP): nomear as cores em cartão com seus nomes impressos em cores incongruentes. O desempenho foi medido pelo tempo (em segundos) e quantidade de erros (respostas incorretas) em cada um dos cartões.

Teste de Fluência Verbal (FAS)25 - avalia a fluência verbal, ou seja, a habilidade de produção de palavras verbalmente, iniciação verbal, organização e acesso ao léxico. Foram utilizadas duas partes: (a) Fonológica (FAS-F): a criança tinha um minuto para dizer o maior número de palavras que começassem com as letras "F", "A" e "S"; (b) Semântica (FAS-S): a criança tinha um minuto para dizer o maior número de palavras nas categorias "animais", "frutas" e "materiais escolares". O desempenho foi baseado na soma das palavras evocadas em cada uma das partes.

Torre de Londres (Tower of London - ToL)22,26 - avalia a habilidade de planejamento e raciocínio lógico. Ela é composta por uma base com três pinos verticais equidistantes e quatro discos de mesmo tamanho coloridos, com um furo no centro para possibilitar o encaixe no pino. O objetivo é rearranjar a posição dos discos, se atendo à quantidade máxima de movimentos permitidos, a partir de uma ordem inicial fixa até obter diferentes ordens definidas pelo avaliador. No total, são 10 itens com posições alvo em grau crescente de dificuldade. Considera-se um movimento cada vez que o disco é retirado do pino e colocado em outro. São permitidas três tentativas para a resolução de cada item. A resposta é considerada correta quando a solução é alcançada com o número exigido de movimentos. As respostas podem variar de 3, 2 ou 1 pontos, conforme tenham sido atingidas na primeira, segunda ou terceira tentativas, respectivamente. O desempenho foi obtido pela soma dos escores de todos os itens completados.

Cubos de Corsi27 - avalia a alça visuoespacial da memória operacional e consiste em pequenos cubos numerados (visíveis somente ao avaliador) e distribuídos aleatoriamente sobre uma prancha de madeira. Inicialmente o avaliador tocava a face superior do cubo seguindo uma sequência crescente e a criança devia repetí-la. Em seguida, foi realizado o mesmo procedimento, no entanto, a criança deveria repetir a sequência em ordem inversa. Cada etapa possui oito itens com duas tentativas cada, totalizando 16 tentativas. Cada acerto recebeu um ponto. Para a pesquisa foram considerados, para cada etapa, os escores totais de acertos (ordem direta e inversa) e o span (extensão), isto é, a quantidade de cubos que a criança conseguiu reproduzir.

Texto "A Coisa"10 - para avaliar a compreensão leitora foi utilizado um texto do gênero narrativo composto por 210 palavras. A estrutura do texto é composta por 61 proposições, sendo 23 consideradas parte da macroestrutura e 38 da microestrutura. Inicialmente, foi solicitado que a criança lesse o texto em voz alta. Em seguida, ela deveria recontar o texto com o máximo de detalhes possíveis. Por fim, deveria responder a um questionário com dez perguntas de múltipla escolha, sendo que metade estava relacionada com a memória a eventos e informações descritas na própria história e a outra metade avaliava a compreensão inferencial. Tanto a leitura como a recontagem oral foram gravadas para análise posterior. Foram considerados os seguintes parâmetros: (a) tempo total de leitura do texto em segundos; (b) velocidade de leitura (VL): número total de palavras do texto x 60 segundos/ tempo total da leitura; (c) recontagem oral (RO): com base na gravação foi atribuído um ponto para cada proposição relatada pelo estudante. A soma dos pontos foi transformada em porcentagem; (d) Questões: foi atribuído um ponto para cada resposta correta e o total foi convertido em porcentagem.

Teste de Cloze28 - para avaliar a compreensão leitora também foram utilizados três textos narrativos organizados conforme a técnica de Cloze: "A princesa e o fantasma" e "Uma vingança infeliz" elaborados para 1a-4a séries e "Coisas da natureza", para 5a-8a séries. A técnica de Cloze consistiu na manutenção da primeira frase, omissão do quinto vocábulo, substituído por traço proporcional ao tamanho da palavra retirada. Inicialmente, a criança foi instruída a ler o texto e, posteriormente, deveria preencher os espaços em branco, de acordo com sua compreensão. A correção foi realizada de forma ponderada, isto é, foi aceito como acerto o preenchimento de sinônimo correlato e se a palavra utilizada se aproximava do ideal. Foi atribuído um ponto para cada acerto e a soma foi convertida em porcentagem, levando em consideração o número de omissões de cada texto ("A princesa e o fantasma" e "Uma vingança infeliz": 15 omissões; "Coisas da natureza": 40 omissões). Com base na porcentagem de acertos, o desempenho da criança foi classificado conforme as categorias de Bormuth: nível de frustração (<44%), instrucional (44-57%) e independente (>57%)29.

Procedimentos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com o parecer no 066574/2015. As crianças foram selecionadas entre aquelas encaminhadas ao Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendizagem, localizado no Hospital de Clínicas da UNICAMP, e ao Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE), para avaliação interdisciplinar em função de queixas de dificuldades de aprendizagem. Todas as crianças foram avaliadas individualmente em duas sessões de 50 minutos cada, após obtenção das devidas autorizações. Após a coleta dos dados, foram realizadas análises descritivas e inferenciais utilizando o Programa SPSS, versão 21.0. Foram conduzidas análises de correlação de Spearman, com nível de significância de p<0,05. A avaliação da magnitude de efeito foi realizada conforme os critérios: <0,30 baixa; 0,31 - 0,50 moderada; >0,51 alta.

 

RESULTADOS

Estatística descritiva

A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva dos escores dos instrumentos de FEs na amostra total. São apresentados os escores mínimo e máximo, a média e o desvio padrão.

Na Tabela 2 é possível verificar a estatística descritiva (mínimo, máximo, média e desvio padrão) dos escores dos instrumentos de fluência e compreensão leitora na amostra total.

No Teste de Cloze, quatro (14%) estudantes foram classificados no nível de frustração, cinco (17%) no instrucional e vinte (69%) no independente.

Correlações entre FE, fluência e compreensão leitora

A matriz de correlação entre os escores dos instrumentos de FEs e compreensão leitora pode ser observada na Tabela 3. As magnitudes variaram entre moderadas e altas.

 

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi investigar as relações entre as FEs e o desempenho em fluência e compreensão leitora de escolares com dificuldades de aprendizagem. Foram selecionados instrumentos que avaliavam diferentes componentes das FEs, conforme apontam os modelos cognitivos14,16, estudos nacionais12,19,30 e internacionais17.

Com relação às FEs, a amostra do estudo apresentou desempenho compatível com o perfil de crianças com dificuldades de aprendizagem e/ou atenção. Estudos prévios têm demonstrado que prejuízos nas FEs podem fazer parte do fenótipo cognitivo de crianças com transtornos de aprendizagem22,31,32 e déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)33,34. Pesquisas nacionais apontam que crianças e adolescentes com dislexia do desenvolvimento, um dos transtornos de aprendizagem mais estudados, exibem desempenho inferior em flexibilidade cognitiva, controle inibitório, uso de estratégias, memória operacional e fluência30,35,36. No caso do TDAH, estudo mostrou dificuldades em controle inibitório, memória operacional e automonitoramento ao comparar o desempenho de crianças com esse transtorno e crianças sem dificuldades33.

Os autores têm indicado que os déficits em FEs constituem condição central no TDAH34 e secundária para os transtornos de aprendizagem35,36. É possível que a manifestação dos déficits seja diferente para esses transtornos. Enquanto no TDAH ocorre maior interferência na capacidade de controle de impulsos, de respostas prepotentes e da atenção, na dislexia há interferência sobre as competências de estudo e na compreensão leitora.

Em relação à leitura, o estudo selecionou alguns parâmetros para sua avaliação, conforme descrito na literatura10,28,29,37. Foram utilizadas tarefas e obtidos escores como indicadores de fluência e compreensão leitora.

O tempo e a velocidade de leitura representam indicadores adequados de fluência, pois envolvem o reconhecimento rápido e preciso de palavras, característica de bons leitores e indispensável para a compreensão37. Alguns autores sugerem a inclusão do número de erros cometidos pela criança para complementar o escore de velocidade de leitura. Dessa forma, é possível identificar também a precisão37.

Para a compreensão leitora, três indicadores foram selecionados no presente estudo: recontagem oral, resposta às questões e o teste de Cloze. Conforme estudos anteriores, há dois procedimentos para avaliar a compreensão. O primeiro é a metodologia online, na qual a compreensão é examinada durante a leitura38. O teste de Cloze é um exemplo desse tipo de método e apresenta correlação positiva com o desempenho acadêmico. Esse teste é baseado nos modelos de integração que atribuem importância tanto ao conhecimento linguístico quanto ao conceitual28 e possui evidências de validade obtidas em estudos brasileiros28. O segundo é a metodologia offline, na qual a compreensão é examinada após a leitura do texto. Dessa forma, as tarefas avaliam o produto da compreensão, isto é, a representação mental construída pelo leitor38. Nesse sentido, o estudo contemplou a recontagem oral e respostas às questões sobre o texto.

Para investigar relações entre os escores de FEs e de fluência e compreensão leitora foram conduzidas análises de correlação. Os resultados demonstraram correlações significativas entre: (a) Tempo de leitura e Dig, SCWT, FAS e Corsi; (b) Velocidade de leitura e Dig, SCWT, FAS e Corsi; (c) Reconto oral e Corsi; (d) Cloze e SNL, TMT-A, SCWT, FAS e Corsi. Os principais componentes das FEs relacionados à fluência de leitura foram memória operacional (alça fonológica e visuoespacial), controle inibitório e fluência verbal. Adicionalmente, os componentes das FEs que se correlacionaram à compreensão foram memória operacional (alça fonológica e visuoespacial), atenção, controle inibitório e fluência verbal. Os escores de resposta às questões sobre o texto não se correlacionaram com os escores de FEs. É possível que o método de avaliação e atribuição de escores sejam pouco sensíveis, uma vez que não foram considerados os acertos das questões simples e inferenciais separadamente.

No que tange às correlações encontradas, os resultados se assemelham aos estudos internacionais, identificando que as FEs são importantes para o desempenho em compreensão leitora17. Outro estudo destacou a importância de funções como atenção sustentada, controle inibitório e memória operacional para a compreensão leitora39. Embora a memória operacional represente uma das principais correlações com a leitura, não é necessariamente o mais forte preditor dessa habilidade, pois também necessita da fluência e raciocínio40. Outros autores enfatizam ainda que a memória operacional é significativamente relacionada à decodificação e à compreensão leitora, além de outras funções cognitivas, como a velocidade de processamento e de nomeação, fluência, vocabulário e planejamento39.

De modo integrado, a atenção sustentada permite o foco contínuo do leitor nas informações relevantes do texto, garantindo sua manutenção na memória operacional. O controle inibitório diminui as interferências na atenção e no pensamento. A fluência verbal auxilia o acesso rápido ao léxico. Durante a leitura, o leitor deve ainda utilizar estratégias para monitorar sua compreensão, identificar incongruências e realizar ajustes.

O presente estudo apresentou algumas limitações. Em primeiro lugar, o tamanho da amostra não permitiu realizar outros tipos de análise, como a regressão. Essa análise pode auxiliar na identificação de quais os componentes das FEs predizem a fluência e compreensão leitora. No entanto, foi possível identificar a variância compartilhada entre esses construtos. Em segundo lugar, a amostra foi homogênea em relação a algumas variáveis, como presença de queixas de dificuldades de aprendizagem, QI dentro do esperado, ausência de dificuldades de decodificação. No entanto, estudos posteriores podem considerar a presença das relações obtidas utilizando amostra de crianças com diferentes diagnósticos (por exemplo, dislexia do desenvolvimento, TDAH). Por fim, estudos futuros podem incluir outras medidas de fluência e compreensão leitora, complementando as que foram selecionadas.

 

CONCLUSÃO

O estudo demonstrou que há relações significativas entre os componentes das FEs, fluência e compreensão leitora. As maiores correlações ocorreram com controle inibitório, memória operacional e fluência verbal. É possível inferir que as FEs possam contribuir com os aspectos estratégicos e metacognitivos da leitura, sendo que estudos posteriores podem investigar as relações causais entre esses construtos.

 

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Endereço para correspondência:
Ricardo Franco de Lima
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Departamento de Neurologia, Laboratório DISAPRE
Caixa Postal 6111
Campinas, SP, Brasil- CEP 13083-970
E-mail: ricardolima01@yahoo.com.br

Artigo recebido: 30/7/2016
Aprovado: 26/9/2016

 

 

Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa em Dificuldades, Distúrbios de Aprendizagem e Transtornos da Atenção (DISAPRE, UNICAMP) e no Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (CIAPRE) como resultado do curso de aprimoramento em Psicopedagogia em neurologia infantil, Campinas, SP, Brasil.

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