SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 número102As relações fraternas no contexto do autismo: um estudo descritivoComo avaliar a escrita?: revisão de instrumentos a partir das pesquisas nacionais índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Revista Psicopedagogia

versión impresa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.33 no.102 São Paulo  2016

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Bullying escolar: revisão sistemática da literatura do período de 2009 a 2014

 

School bullying: a systematic review of the literature from 2009 to 2014

 

 

Maria Teresa Barros Falcão Coelho

Docente do Curso de Psicologia da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), Mestre em Psicologia Cognitiva - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Doutoranda em Psicologia Clínica - Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Bolsista da Capes, Recife, PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar as pesquisas recentes publicadas no Brasil sobre o bullying no contexto escolar. Foi realizada uma revisão sistemática de literatura mediante uma busca eletrônica de artigos indexados nas bases SciELO e PEPSIC, publicados no período de 2009 a 2014. Considerando critérios de inclusão/exclusão, foram selecionadas 26 publicações para análise. Tais publicações foram lidas na íntegra e analisadas com relação à autoria, ao ano de publicação, participantes da pesquisa, instrumento utilizado para a coleta dos dados, principais resultados, foco de análise e discussão. Os resultados indicam predominância de estudos descritivos e correlacionais sobre a temática do bullying escolar publicados recentemente no Brasil. Pode-se destacar que, no período considerado de 2009 a 2014, foram poucas publicações que focalizaram a dinâmica interacional do bullying, embora se perceba um crescimento de artigos com relatos de programas de intervenção antibullying.

Unitermos: Bullying. Instituições acadêmicas. Revisão.


ABSTRACT

This study aimed to analyze recent research published in Brazil about bullying in the school context. A systematic review of the literature was performed using an electronic search of articles indexed in the SciELO and PEPSIC bases for the period 2009 to 2014. Considering inclusion/exclusion were selected 26 publications for review. Such publications were read in full and analyzed with respect to authorship, the year of publication, research participants, instrument used for data collection, key findings, the focus of analysis and discussion. The results indicate a predominance of descriptive and correlational studies on the subject of school bullying recently published in Brazil. It may be noted that in the period under consideration from 2009 to 2014, were few publications that focused interactional dynamics of bullying, although it realizes an increase of articles with reports of anti-bullying intervention programs.

Keywords: Bullying. Schools. Review.


 

 

INTRODUÇÃO

Os altos índices de violência escolar têm sido apontados por vários autores como um dos principais problemas enfrentados pela comunidade escolar na atualidade1-6. Vários países utilizam o termo bullying4,7,8 para se referir a um tipo de violência entre pares que envolve repetição, intencionalidade e desigualdade de poder9.

Bullying vem do termo inglês bully, que significa valentão. Decorrendo daí a significação de intimidação que caracteriza o processo que se instala entre agressor e vítima. Na língua portuguesa, são utilizados pelos pesquisadores os termos maus tratos entre pares, vitimização e, recentemente, o termo intimidação sistemática8,10. Mundialmente, o termo bullying é utilizado devido à dificuldade em se encontrar uma tradução do mesmo para cada língua. Neste estudo, optou-se por utilizar o termo em inglês bullying, pois de acordo com alguns autores esse seria o termo mais frequentemente utilizado, o que facilitaria a comunicação entre diversos pesquisadores8.

O bullying é um fenômeno social8 que se manifesta nas relações interpessoais nos vários contextos onde estas se dão, sendo chamado bullying escolar quando ocorre na escola, envolvendo o contexto escolar numa atmosfera de desrespeito, tensão e medo. É preocupante o dado que, no contexto escolar, ocorre o maior número de episódios de bullying, o que pode ser explicado por ser a escola o principal microssistema onde se dão as interações entre pares de idade11.

Vários estudos apontam que, até recentemente, poucas instituições de ensino reconheciam a gravidade dessa forma de violência, sendo comum ignorar suas manifestações12-16.

O bullying não é considerado um fenômeno novo, mas os estudos científicos sobre esse fenômeno são recentes. Dan Olweus iniciou os estudos sobre o bullying na Noruega, no final da década de 1970, desenvolvendo alguns critérios para identificação do problema de forma específica4.

No Brasil, os estudos foram iniciados no final da década de 1990 e embora tenham sido ampliados na década de 2000, vários autores4,7,8,13,17 apontam ainda a necessidade da realização de mais estudos que abordem a realidade brasileira, apresentando avaliações de estratégias/programas de prevenção e, principalmente, estudos que explorem o papel dos educadores e da escola frente à problemática do bullying escolar. Considera-se também, que pesquisas que abordam iniciativas de intervenção e prevenção do bullying e violência na escola são recentes e necessitam ser ampliadas18.

Este estudo se propõe a realizar uma revisão sistemática de literatura com o objetivo de analisar artigos de pesquisas sobre o bullying no contexto escolar, publicadas no Brasil, no período de 2009 a 2014, através das bases de dados SciELO e PEPSIC. Tal análise poderá contribuir com pesquisadores e profissionais que lidam com esta temática, ao favorecer um ponto de partida para realização de novos estudos, assim como o delineamento de estratégias de intervenção e prevenção mais apropriadas à realidade brasileira.

 

MÉTODO

A presente pesquisa de revisão sistemática de literatura foi realizada mediante uma busca eletrônica de artigos indexados nas bases SciELO e PEPSIC, com uso dos descritores bullying/escola.

Com o objetivo de destacar as publicações mais recentes, foram incluídos para fins de análise neste estudo, apenas as publicações do período de 2009 a 2014. Além da consideração do período de publicação, foram estabelecidos como critérios de inclusão: descritores bullying e escola presentes no resumo dos artigos, Brasil como país da publicação, acesso ao artigo completo. Foram definidos como critérios de exclusão: artigos de revisão, apresentação de projetos, artigos teóricos e artigos que não apresentassem em seu desenvolvimento uma análise sobre o fenômeno bullying escolar.

 

RESULTADOS

Considerando os critérios de inclusão estabelecidos foram encontradas 50 publicações relativas ao período especificado, de 2009 a 2014, sendo 29 publicações na base SciELO e 21 publicações na base PEPSIC. Destas, foram excluídos artigos de revisão, projetos, artigos teóricos e artigos que não focalizaram o fenômeno bullying escolar, o que totalizou 16 publicações na base SciELO e 10 publicações na base PEPSIC. Assim, 26 publicações foram selecionadas para análise. E para tal, as publicações foram lidas na íntegra e analisadas com relação à autoria, ao ano de publicação, periódico, base de dados, participantes da pesquisa, instrumento utilizado para a coleta dos dados, principais resultados, foco de análise e discussão.

A Tabela 1 apresenta os resultados.

Considerando os dados apresentados na Tabela 1, os artigos foram agrupados quanto ao foco de análise adotado em:

a) estudos descritivos, dez artigos buscaram identificar a ocorrência, os tipos de bullying mais frequentes, as características dos envolvidos em episódios de bullying e se os professores reconheciam o bullying;

b) fatores relacionados ao bullying, oito artigos investigaram as relações entre bullying e fatores como violência intrafamiliar, autoestima, comportamentos de risco à saúde, atos infracionais, uso de álcool;

c) dinâmica relacional do bullying, dois artigos investigaram as relações interpessoais dos jovens no contexto escolar com o grupo de pares, professores e demais funcionários;

d) programa de intervenção antibullying, seis artigos tiveram como foco de análise o relato e a avaliação de programas de intervenção para redução e prevenção do bullying escolar.

Tais resultados indicam uma predominância de publicações de estudos descritivos e estudos correlacionais realizados sobre o bullying publicados recentemente no Brasil. Pode-se destacar que, no período considerado de 2009 a 2014, foram poucas publicações que focalizaram a dinâmica interacional, embora se perceba um aumento na quantidade de artigos com relatos de programas de intervenção.

 

DISCUSSÃO

Tendo em vista a contribuição dos estudos analisados nesta revisão, foram elencadas para discussão quatro linhas de abordagem ao fenômeno bullying, considerando-se o foco de análise adotado pelos estudos em questão:

Ocorrência, os tipos de bullying e a caracterização dos envolvidos no fenômeno19-27.

Fatores relacionados ao bullying18-35.

Dinâmica relacional do bullying36,37.

Intervenções e programas antibullying38-43.

Ocorrência, os tipos de bullying e a caracterização dos envolvidos no fenômeno

Pode-se dizer que os estudos descritivos sobre o bullying foram iniciados por Olweus9, já que esse autor definiu bullying e estabeleceu critérios para sua identificação. Atualmente, considera-se que o bullying é um fenômeno que se dá numa escala mundial, pois os resultados de várias pesquisas têm apontado que o bullying é identificado em vários países do mundo7,44.

Os estudos classificados como tendo foco de análise descritivo, encontrados na presente revisão, buscaram identificar a ocorrência, os tipos de bullying e as características dos envolvidos no fenômeno em escolas brasileiras.

Assim, os estudos de Calbo et al.19, Malta et al.20 e Silva et al.22, de maneira geral, confirmam os resultados dos estudos descritivos anteriores sobre o tema, pois em relação à ocorrência do fenômeno no Brasil, tais estudos apresentam dados que confirmam a ocorrência de bullying em várias cidades do país e em vários tipos de escola.

O estudo de Malta et al.20 identifica a ocorrência de bullying em escolas públicas e privadas das vinte e seis capitais brasileiras e do Distrito Federal. E mostra que não há diferença entre escolas públicas ou privadas, confirmando resultados de outros estudos de que o fenômeno bullying está presente em escolas públicas e particulares, assim como em escolas pequenas e grandes, urbanas e rurais, tradicionais e modernas4,7,45.

Vários estudos realizados sobre os personagens envolvidos no bullying identificam os agressores, as vítimas, as testemunhas, os apoiadores e as vítimas-agressoras4,16,44,46-48.

Os estudos de Calbo et al.19, Malta et al.20 e Silva et al.22, também caracterizam os envolvidos em situações de bullying como agressores, vítimas, vítimas agressoras e espectadores. Os estudos de Calbo et al.19 e Malta et al.20 destacam que os meninos se envolvem em situações de bullying como agressor ou vítima com uma frequência maior que as meninas, esse resultado confirma resultados de estudos anteriores4,16.

O bullying se manifesta através de diversos comportamentos agressivos que podem ser classificados em: agressão física, verbal, moral ou psicológica e sexual. De acordo com a forma em que as agressões são dirigidas às vítimas, pode-se diferenciar o bullying como direto ou indireto. O bullying direto envolve comportamentos de agressão física e verbal, como empurrar, chutar, bater, roubar pertences, colocar apelidos pejorativos, etc. O indireto envolve formas mais sutis de vitimização, como difamação, isolamento, exclusão social, indiferença, etc4.

Alguns estudos4,16 associam o bullying direto aos meninos, enquanto as meninas tendem a praticar com mais frequência o bullying indireto. E quando envolvidas em bullying direto, fazem maior uso de agressões verbais do que físicas, que, por sua vez, são mais comuns entre os meninos8.

O estudo de Silva et al.22, analisado nesta revisão, não confirma resultados que associam o tipo de bullying ao gênero dos envolvidos. De acordo com esse estudo22, a agressão verbal foi identificada como a forma mais frequente de bullying indireto utilizado e não está relacionada ao gênero dos participantes da pesquisa. Tendo em vista que a idade dos participantes da referida pesquisa está compreendida entre 12 a 20 anos, esse resultado pode ser explicado considerando os achados de estudos anteriores que indicam que a prática do bullying direto diminui com a passagem da infância para a adolescência, enquanto aumenta a prática do bullying indireto49.

O sofrimento psíquico causado por situações de bullying escolar se manifesta na vivência de sentimentos negativos e mal estar apontados no estudo de Santos et al.23. ao entrevistar adolescentes vítimas de bullying. Esse sofrimento pode vir a se tornar duradouro, é o que revela o estudo de Williams et al.21 ao questionar estudantes universitários sobre experiências negativas na escola no período que antecede a universidade e detectar a ocorrência de sintomas de estresse pós-traumático associados a uma situação marcante de vitimização escolar. Mas essa dimensão de sofrimento psíquico provocado pelo bullying é ainda, desconhecida por estudantes e professores, embora o bullying seja um fenômeno que estudantes e professores presenciam cotidianamente26. Estudantes relatam que a violência e o bullying fazem parte das suas vivências escolares, familiares e comunitárias, mas desconhecem suas consequências27.

Por outro lado, mesmo com diversos estudos sobre a ocorrência, os tipos e possíveis características dos envolvidos em situações de bullying, o artigo de Silva et al.24, analisado nesta revisão, indica que os professores pesquisados possuíam uma compreensão fragmentada do fenômeno bullying, o que dificultava a identificação da sua ocorrência e suas intervenções em um contexto carente de um projeto escolar que articulasse os profissionais no combate à violência. Silva & Rosa25 entrevistaram professores e estudantes de licenciatura que apresentaram dificuldade em definir o que seria bullying e alertaram para a falta do estudo sistemático do fenômeno durante a formação docente. Esse fato, certamente, compromete a eficácia das intervenções realizadas pelos professores50.

Pode-se perceber que existem vários estudos sobre o perfil dos envolvidos em episódios de bullying, que são úteis ao caracterizar o comportamento de cada um e, assim, facilitar ao observador externo na identificação dos envolvidos. Mas, é necessário ter cuidado para não assumir um enfoque centrado apenas em caracterizar os sujeitos, atribuindo-lhes rótulos. Todos os estudos descritivos analisados indicam a necessidade e a importância da preparação da escola e dos professores para realizarem ações educativas que visem redução e prevenção do bullying escolar, assim como apontam para importância de ações articuladas com outros setores da sociedade e para a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas que visem à redução e prevenção do bullying escolar.

Fatores relacionados ao bullying

Este tópico agrupa os estudos28-35 em função do foco nos fatores relacionados ao bullying. Os resultados desses estudos apontam para associação entre bullying e fatores como violência intrafamiliar, autoestima, comportamentos de risco à saúde, uso de álcool e atos infracionais.

A associação entre violência familiar e prática de bullying28,29 apontada nos trabalhos analisados confirma resultados de estudos descritivos sobre o perfil dos autores de bullying que, em muitos casos, sofrem violência doméstica e a reproduzem na escola4. Nesse sentido, crianças e jovens tomam os adultos violentos como modelos de referência. Por outro lado, o estudo31 apresenta associação entre escores altos para autoestima de autores de bullying e baixo para as vítimas também confirma estudos descritivos sobre o perfil dos autores e das vítimas de bullying. Escores elevados de autoestima para autores de bullying confirmam estudos sobre a necessidade do agressor de manter seu status ou sua posição de destaque no grupo de pares8,37.

O estudo de Zaine et al.35 indica que adolescentes em conflito com a lei, que cometeram crimes mais graves e estavam em regime de semi-liberdade também apresentavam um relato de maior frequência de autoria de bullying do que os que estavam em regime de liberdade assistida. Esse resultado confirma estudos anteriores que alertam para a maior probabilidade de autores de bullying se envolverem em comportamentos infratores mais graves e serem criminalmente condenados na vida adulta51,52.

Os estudos analisados nessa revisão sugerem como medidas preventivas a parceria escola-família no combate à violência intrafamiliar e ao bullying escolar, assim como a realização de programas de educação sobre o uso do álcool e de políticas públicas que norteiem as intervenções contra violência escolar.

Dinâmica relacional do bullying

Os estudos de Toro et al.36 e Nascimento & Menezes37, analisados nesta revisão, apontam para a necessidade de ampliar o contexto de análise do fenômeno bullying, evitando a polarização vítima/agressor, para aprofundar as discussões sobre as relações que se estabelecem na escola entre o grupo de pares e entre professores e alunos.

Através de grupos focais com adolescentes, Nascimento & Menezes37 discutem que, em prol da manutenção de relações de amizade, da homogeneidade do grupo e da posição conquistada no grupo, havia o comprometimento do senso crítico dos adolescentes diante de situações de humilhação e desrespeito. As autoras apontam a dificuldade dos adolescentes em reconhecer e enfrentar situações de intimidação sem o apoio dos professores e demais funcionários da escola.

Tais resultados confirmam resultados de outros estudos que indicam, por exemplo, que a necessidade de pertencimento ao grupo de pares e a obtenção de status/popularidade dentro do grupo são fatores que devem ser considerados para compreender a dinâmica interacional que se estabelece entre agressores, vítimas e espectadores8,11,13.

A possibilidade de rejeição faz com que os seus membros se submetam às normas do grupo, embora essas não sejam formais e explícitas. Reforçar e não denunciar comportamentos agressivos de algumas crianças para com outras pode aumentar a popularidade individual - tão almejada em grupos de pares na infância e adolescência. Observa-se uma valorização de amigos agressivos ou agressores, atribuindo-se a esses o papel, inclusive, de protetores contra uma possível experiência de vitimização8.

Neto16 chama atenção para a importância das crianças/jovens que são espectadores serem incentivados a intervir no grupo, pois só assim o agressor perde o apoio do grupo para manter seu comportamento agressivo.

Questiona-se, dessa forma, a compreensão das tipologias de agressores e vítimas como algo fechado e estático. Crianças e adolescentes podem estar agressivos ou vitimizados por um conjunto de fatores que se influenciam e se regulam mutuamente. Sendo o conjunto desses fatores que deve ser pensado para favorecer experiências ou espaços de construção de interações sociais saudáveis.

Toro et al.36 reconheceram um jogo assimétrico de poder entre docentes e discentes, o que favorecia a manifestação de bullying no cenário da escola e o estabelecimento de modelos referenciais violentos. Mais do que caracterizar os envolvidos, é preciso perceber a dinâmica relacional que se estabelece entre eles, dentro do grupo de pares. Estudos como o de Lisboa et al.8, Lisboa & Koller11, Tognetta & Vinha13, Toro et al.36 e Nascimento & Menezes37 nos ajudam a refletir sobre essa dinâmica e podem ampliar a compreensão dos educadores, da escola e da família para que possam lidar com o fenômeno bullying com mais chance de êxito.

O estudo de Nascimento & Menezes37 sugere não apenas a realização de projetos de intervenção, mas, principalmente, que tais projetos/programas focalizem e trabalhem as relações interpessoais no contexto escolar.

Intervenções e programas antibullying

Na escola, os educadores estão em contato direto e diário com as crianças e adolescentes, o que pode ser um facilitador para a identificação de bullying e para o estabelecimento de estratégias/intervenções de enfrentamento e prevenção. Estudos realizados no Brasil4,14 indicam uma das estatísticas mais preocupantes em relação ao bullying, o local de sua maior ocorrência é a sala de aula. Esse dado levanta questões importantes quanto ao que pode estar ocorrendo com os educadores. Segundo Fante4, os educadores não saberiam distinguir entre bullying e brincadeiras próprias da idade, além de lhes faltar preparo para o desenvolvimento de estratégias para lidar com o bullying.

Em seu estudo sobre a percepção de professores do ensino fundamental e médio sobre bullying, Silva49 revelou que a maioria dos professores reconhece o bullying direto e sugere que têm dificuldades em reconhecer o bullying indireto, que de certa forma é praticado de forma velada, o que requer mais perspicácia dos professores na observação da interação dos alunos. Ainda nesse estudo, os professores indicam que o maior obstáculo para identificação do bullying é a falta de conhecimento. Os professores reconhecem como importante que a escola e os profissionais de educação adotem medidas para intervenção e combate ao bullying.

A participação do professor na identificação e intervenção é fundamental para lidar com a problemática do bullying nas escolas. O estudo de Almeida et al.53 destaca a possibilidade de diagnóstico precoce e uma intervenção melhor planejada, quando os professores são considerados.

Gonçalves et al.54, a partir de um trabalho de formação continuada com professores do Ensino Fundamental de uma escola municipal, relatam grande perplexidade dos professores frente às várias situações de conflito que surgem na escola e suas dificuldades para resolver e prevenir tais situações.

Dentre os artigos analisados nesta revisão, alguns apresentam o relato da experiência de implantação de projetos/programas de intervenção antibullying39,41-43 e outros apresentam também uma avaliação dos resultados obtidos com programas antibullying38,40.

Alguns estudos42,43 apresentam atividades variadas e apropriadas ao nível de desenvolvimento dos participantes, crianças ou adolescentes. Álvarez39 considera importante a criação de novas estratégias de intervenção diferenciadas de acordo com o perfil de vítima, agressor ou testemunha. Importante também a consideração de uma intervenção sistêmica que envolva a escola, família e comunidade40 e que considere o bullying um problema social complexo e da responsabilidade de todos43.

Sánches41 reconhece o desenvolvimento de técnicas e atividades em relação desenvolvimento de uma educação para a paz, mas alerta para a falta de avaliação dos resultados obtidos com os programas implementados. Nessa mesma direção, o estudo de Pérez et al.40 considera importante a avaliação dos programas antibullying, pois considera que, na América do Sul, faltam propostas empiricamente justificadas para a aplicação de programas antibullying.

O estudo de Mendes38 avalia um programa de intervenção antibullying. O programa implementado buscou envolver toda a comunidade escolar (direção da escola, professores, estudantes e seus familiares). A intervenção consistiu inicialmente na formação teórico-prática de professores sobre estratégias e técnicas de promoção de competências sociais para reduzir a violência na sala de aula. Os professores realizaram atividades de grupo com os estudantes em sala de aula com o objetivo de desenvolver competências sociais para ajudar no autocontrole, relacionamento interpessoal e ampliar o repertório de respostas frente a situações de tensão. Os resultados indicaram redução significativa do bullying. Esse estudo reconhece ser um desafio para a escola construir estratégias de envolvimento de toda a comunidade escolar no combate ao bullying.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos artigos analisados nessa revisão, pode-se constatar que vários estudos focalizam o perfil dos envolvidos em episódios de bullying. Mas é necessário ter cuidado para não assumir um enfoque centrado apenas em traçar o perfil de crianças e adolescentes como agressores e/ou vítimas. Torna-se relevante identificar fatores que influenciam e regulam a ocorrência do bullying escolar, sendo o conjunto desses fatores e o contexto relacional que devem ser analisados para favorecer experiências ou espaços de construção de interações sociais saudáveis.

Embora estudos com relatos da implantação de programas antibullying tenham se ampliado recentemente, a análise realizada a partir dessa revisão identificou a necessidade de realização de pesquisas que apresentem e, principalmente, avaliem programas de prevenção e redução do bullying escolar, o que certamente beneficiaria a elaboração de programas antibullying apropriados à realidade brasileira.

O bullying escolar é uma temática muito importante, pois suas consequências não se restringem apenas aos agressores e suas vítimas. Aqueles que testemunham práticas de bullying também sofrem. Os educadores, as famílias também estão envolvidas. Sendo assim, torna-se urgente para toda comunidade escolar compreender os mecanismos que dão sustentação aos comportamentos violentos, reconhecer suas manifestações que se diferenciam de "brincadeiras típicas da idade" e elaborar estratégias de enfrentamento e, principalmente, de prevenção ao bullying escolar.

 

REFERÊNCIAS

1. Sposito MP. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educ Pesqui. 2001;27(1):87-103.         [ Links ]

2. Gonçalves LAO, Sposito MP. Iniciativas públicas de redução da violência escolar no Brasil. Cad Pesqui. 2002;115:101-38.         [ Links ]

3. Charlot B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias. 2002;4(8):432-43.         [ Links ]

4. Fante C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus; 2005.         [ Links ]

5. Lopez R, Amaral AF, Ferreira J, Barroso T. Fatores implicados no fenômeno de bullying em contexto escolar: revisão integrada da literatura. Rev Enferm Referência. 2011;(5): 153-62.         [ Links ]

6. Stephan F, Almeida AA, Salgado FS, Senra LX, Lourenço LM. Bullying e aspectos psicossociais: estudo bibliométrico. Temas Psicol. 2013;21(1):245-58.         [ Links ]

7. Cunha JM. Violência interpessoal em escolas no Brasil: características e correlatos [Dissertação de Mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2009.         [ Links ]

8. Lisboa C, Braga LL, Ebert G. O fenômeno bullying ou vitimização entre pares na atualidade: definições, formas de manifestação e possibilidades de intervenção. Context Clínicos. 2009;2(1):59-71.         [ Links ]

9. Olweus D. Bullying at school: what we know and what we can do. London: Lackwell; 1993. 140p.         [ Links ]

10. Haje L. Especialistas defendem programa nacional de combate ao bullying. Câmara Notícias. 2013.         [ Links ]

11. Lisboa C, Koller SH. Interações na escola e processos de aprendizagem: fatores de risco e proteção. Aprendizagem e escola. Petrópolis: Vozes; 2004. p. 201-24.         [ Links ]

12. Campos HR, Jorge SDC. Violência na escola: uma reflexão sobre o bullying e a prática educativa. Aberto Brasília. 2010;23(83): 107-28.         [ Links ]

13. Tognetta LRP, Vinha TP. Até quando? Bullying na escola que prega a inclusão social. Educ UFSM. 2010;35(3):449-64.         [ Links ]

14. Fante C, Pedra JA. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed; 2008.         [ Links ]

15. Oliveira ECS, Martins STF. Violência, sociedade e escola: da recusa do diálogo à falência da palavra. Psicol Soc. 2007;19(1):90-8.         [ Links ]

16. Neto AAL. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. J Pediatr. 2005;81(5): 164-72.         [ Links ]

17. Catini N. Problematizando o "bullying" para a realidade brasileira [Tese de Doutorado]. São Paulo: Pontificia Universidade Católica de Campinas; 2004.         [ Links ]

18. Nogueira RMCPA. A prática de violência entre pares: o bullying nas escolas. Rev Iberoam Educ. 2005;37:99-102.         [ Links ]

19. Calbo A, Busnello F, Rigoli M, Schaefer L, Kristensen C. Bullying na escola: comportamento agressivo, vitimização e conduta pró-social entre pares. Context Clínicos. 2009; 2(2):73-80.         [ Links ]

20. Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, et al. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2010; 15(2):3065-76.         [ Links ]

21. Williams LCA, D'Affonseca SM, Correia TA, Albuquerque PP. Efeitos a longo prazo de vitimização na escola. Gerais Rev Interinstitucional Psicol. 2011;4(2):187-99.         [ Links ]

22. Silva CE, Oliveira RV, Bandeira DR, Souza DO. Violência entre pares: um estudo de caso numa escola pública de Esteio/RS. Psicol Esc Educ. 2012;16(1):83-93.         [ Links ]

23. Santos LCS, Martins M, Filho MDS, Carvalho MC, Souza EMS. A cultura bullying na escola a partir do olhar das vítimas. Estud Pesqui Psicol. 2013;13(1):27-40.         [ Links ]

24. Silva JL da, Oliveira WA de, Bazon MR, Cecílio S. Bullying na sala de aula: percepção e intervenção de professores. Arq Bras Psicol. 2013;65(1):121-37.         [ Links ]

25. Silva EN, Rosa ECS. Professores sabem o que é bullying? Um tema para a formação docente. Psicol Esc Educ. 2013;17(2):329-38.         [ Links ]

26. Santos MM, Kienen N. Características do bullying na percepção de alunos e professores de uma escola de ensino fundamental. Temas Psicol. 2014;22(1):161-78.         [ Links ]

27. Weimer WR, Moreira EC. Violência e bullying: manifestações e consequências nas aulas de Educação Física escolar. Rev Bras Ciênc Esporte. 2014 [cited 2015 Jul 10]; 36(1). Available from: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/1462        [ Links ]

28. Pinheiro FMF, Williams LCA. Violência intrafamiliar e intimidação entre colegas no ensino fundamental. Cad Pesqui São Paulo. 2009;39(138):995-1018.         [ Links ]

29. Tortorelli MFP, Carreiro LRR, Araújo MV. Correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola entre alunos da cidade de São Paulo. Psicol Teor Prática. 2010;12(1):32-42.         [ Links ]

30. Silva RA, Cardoso TA, Jansen K, Souza LDM, Godoy RV, Cruzeiro ALS, et al. Bullying e fatores associados em adolescentes com idade entre 11 e 15 anos. Trends Psychiatry Psychother. 2012;34(1):19-24.         [ Links ]

31. Brito CC, Oliveira MT. Bullying e autoestima em adolescentes de escolas públicas. J Pediatr (Rio J). 2013;89(6):601-7.         [ Links ]

32. Pierobon M, Barak M, Hazrati S, Jacobsen KH. Consumo de álcool e violência entre adolescentes argentinos. J Pediatr (Rio J). 2013;89:100-7.         [ Links ]

33. Alckmin-Carvalho F, Izbicki S, Melo MHS. Problemas de comportamento segundo vítimas de bullying e seus professores. Estud Pesqui Psicol. 2014;14(3):834-53.         [ Links ]

34. Malta DC, Porto DL, Crespo CD, Silva MMA, Andrade SSC, Mello FCM, et al. Bullying em escolares brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17:92-105.         [ Links ]

35. Zaine I, Reis MJD, Padovani RC. Comportamentos de bullying e conflito com a lei. Estud Psicol. 2010;27(3):375-82.         [ Links ]

36. Toro GVR, Neves AS, Rezende PCM. Bullying, o exercício da violência no contexto escolar: reflexões sobre um sintoma social. Psicol Teor Prática. 2010;12(1):123-37.         [ Links ]

37. Nascimento AMA, Menezes JA. Intimidações na adolescência: expressões da violência escolar entre pares na cultura. Psicol Soc. 2013;25(1):142-51.         [ Links ]

38. Mendes CS. Prevenção da violência escolar: avaliação de um programa de intervenção. Rev Esc Enferm USP. 2010;45(3):581-8.         [ Links ]

39. Álvarez JIG. Acoso escolar, transición de víctima a agresor. Rev Mex Orientación Educ. 2013;10(24):58-63.         [ Links ]

40. Pérez JC, Astudillo J, Varela J, Lecannelier F. Evaluación de la efectividad del Programa Vínculos para la prevención e intervención del Bullying en Santiago de Chile. Psicol Esc Educ. 2013;17:163-72.         [ Links ]

41. Sánchez RY. Intervención educativa para resolver un caso de acoso escolar. Psicol Esc Educ. 2013;17(2):339-54.         [ Links ]

42. Brandão Neto W, Silva ARS, Almeida Filho AJ, Lima LS, Aquino JM, Monteiro EMLM. Educational intervention on violence with adolescents: possibility for nursing in school context. Esc Anna Nery - Rev Enferm [Internet]. 2014 [cited 2015 Jul 10];18(2). Available from: http://www.gnresearch.org/doi/10.5935/1414-8145.20140028        [ Links ]

43. Silva ACF, Costa AMFR. O papel do psicopedagogo em relação ao bullying. Rev Psicopedag. 2014;31(94):56-62.         [ Links ]

44. Carvalhosa SF, Lima L, Matos MG. Bullying: a provocação/vitimação entre pares no contexto escolar português. Análise Psicológica. 2001;4(XIX):523-37.         [ Links ]

45. Nogueira RMCPA. Escola e violência: análise de dissertações e teses sobre o tema produzidas na área de Educação, no período de 1990 a 2000 [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2003.         [ Links ]

46. Martins MJD. Agressão e vitimação entre adolescentes, em contexto escolar: um estudo empírico. Análise Psicológica. 2005;23(4): 401-25.         [ Links ]

47. Antunes DC, Zuin AAS. Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação. Psicol Soc. 2008;20(1):33-42.         [ Links ]

48. Francisco MV, Libório RMC. Um estudo sobre bullying entre escolares do ensino fundamental. Psicol Reflex Crítica. 2009;22(2):200-7.         [ Links ]

49. Silva AP. Percepção de docentes a respeito da prática de bullying na escola. E-Rev Facitec [Internet]. 2010 [cited 2015 Jul 13];4(1). Available from: http://www.facitec.br/ojs2/index.php/erevista/article/view/62        [ Links ]

50. Silva MAI, Silva JL, Pereira BO, Oliveira WA, Medeiros M. O olhar de professores sobre o bullying e implicações para atuação da enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4): 723-30.         [ Links ]

51. Heinrichs RR. A whole-school approach to bullying: special considerations for children with exceptionalities. Interv Sch Clin. 2003; 38(4):195-204.         [ Links ]

52. Kumpulainen K, Räsänen E. Children involved in bullying at elementary school age: their psychiatric symptoms and deviance in adolescence - an epidemiologiocal sample. Child Abuse Negl. 2000;24(11):1567-77.         [ Links ]

53. Almeida SB, Cardoso LRD, Costac VV. Bullying: conhecimento e prática pedagógica no ambiente escolar. Psicol Argum. 2009; 27(58):201-6.         [ Links ]

54. Gonçalves MAS, Piovesan OM, Link A, Prestes LF, Lisboa JG. Violência na escola, práticas educativas e formação do professor. Cad Pesqui. 2005;35(126):635-58.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Maria Teresa Barros Falcão Coelho
Faculdade Pernambucana de Saúde
Av. Jean Emile Favre, 422 - Imbiribeira
Recife, PE, Brasil - CEP: 51200-060
E-mail: prof.teresafalcao@gmail.com

Artigo recebido: 17/7/2016
Aprovado: 27/9/2016

 

 

Trabalho realizado na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil.

Creative Commons License