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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.34 no.105 São Paulo  2017

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O estresse e a máquina de moer alunos do ensino superior: vamos repensar nossa política educacional?

 

Stress and the machine to grind higher education students: let's rethink our educational policy?

 

 

Felipe Azevedo MorettiI; Maria Martha Costa HübnerII

IDoutorando do Programa de Gestão e Informática em Saúde da UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil
IIProfessora Titular do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo da presente pesquisa foi investigar a forma em que a rotina acadêmica interfere nos níveis de estresse de alunos de graduação, explorando as situações geradoras e/ou mantenedoras das situações vivenciadas. O recorte da pesquisa focou em uma amostra heterogênea de 102 acadêmicos de graduação em uma primeira fase e depois 82 alunos de diversos cursos de uma universidade particular de São Paulo. Foram aplicados questionários abertos e o Inventário de Sintomas de Stress (ISS) para adultos. O estudo revela que a maioria dos alunos considera que a rotina universitária tem grande influência negativa nos níveis de estresse e as maiores críticas são com relação à sobrecarga de atividades. Os dados coletados apontam para a necessidade de uma significativa reformulação da educação superior, com destaque para alterações na política curricular. Sugere-se também que as universidades fomentem programas de apoio psicossocial e projetos capazes de minimizar o estresse vivenciado pelos alunos.

Unitermos: Angústia. Estudantes. Ensino Superior. Comportamento. Ansiedade. Saúde Pública.


ABSTRACT

The objective of the present research was to investigate the way in which the academic routine interferes in the stress levels of undergraduate students, exploring the situations generating and/or maintaining the situations experienced. The research has focused on a heterogeneous sample of 102 undergraduate students in a first phase and then 82 academics from several courses at a private university in São Paulo. An open questionnaires and the Stress Symptom Inventory (ISS) for adults were applied in the research. The study reveals that the majority of students consider that the university routine has a great negative influence on the levels of stress and the biggest criticisms are regarding the overload of activities. The data collected point to the need for a significant reformulation of higher education, with emphasis on changes in curricular policy. It is also suggested that universities should promote psychosocial support programs and projects that can minimize the stress experienced by students.

Keywords: Life Stress. Students. Education, Higher. Behavior. Anxiety. Public Health.


 

 

INTRODUÇÃO

O estresse é o conjunto de reações do organismo que se encontra em situação de esforço físico e emocional, capaz de perturbar o equilíbrio interno ou de gerar mecanismos disfuncionais na esfera cognitiva comportamental. Na literatura epidemiológica esses chamados eventos de vida estressantes têm sido estudados em associação a uma ampla gama de doenças, como depressão, infarto agudo do miocárdio, transtornos de ansiedade, gastrite, entre outros problemas de saúde1,2.

Alguns estudiosos apresentam também os conceitos de estresse atrelados a dificuldades adaptativas, sugerindo de 3 a 4 fases de agravamento, que variam de alerta à exaustão3. A fase de alerta pode ser considerada como positiva, afinal, os estressores podem ter como função motivar o indivíduo para busca de soluções. No entanto, estressores de longa duração ou muito intensos podem trazer prejuízos ao indivíduo.

No contexto acadêmico, ao ingressar em uma instituição universitária, pode-se dizer que o estudante enfrenta desafios como aquisições de novas responsabilidades, sobrecarga de trabalho e falta de tempo. Sob o prisma da análise do comportamento, essas contingências podem produzir respostas de medo e ansiedade, capazes de repercutir negativamente na capacidade adaptativa, provocando prejuízos funcionais ou consequências na qualidade de vida, nas relações sociais e mesmo no desempenho acadêmico4,5. Certos autores apontam que o estresse pode prejudicar o desempenho universitário por meio da diminuição da atenção, da concentração e da perda de habilidades para tomada de decisões4-7.

A produção, a disseminação e a assimilação do conhecimento mobilizam aspectos cognitivos, sociais, físicos e emocionais que percorrem todo o processo de formação acadêmica. Sendo assim, o ingresso na faculdade constitui-se uma fase de transição significativa em relação ao estilo de vida, que exige um período de adaptação a diversas mudanças, em que os alunos se deparam com uma fase usual de frustração, recheada por momentos de novas responsabilidades8,9.

Nesse sentido, como exemplo, a educação médica já foi demonstrada como uma experiência estressante, com certos autores apontando que a maior parte desses acadêmicos encontra-se na fase de resistência ao estresse (em que a pessoa automaticamente utiliza suas reservas de energia para se reequilibrar e atingir a homeostase)9,10, ou mesmo em situações de burnout10 (que é um padrão de comportamento e de sentimentos que ocorre quando a pessoa está sujeita a fontes crônicas e intensas de dificuldade emocional que ultrapassam sua habilidade de enfrentamento). Essa mesma realidade já foi descrita em outros cursos, como de enfermagem11, em que, dos 825 alunos pesquisados, 35% apresentavam níveis preocupantes de estresse e qualidade de vida.

Diante deste contexto, os autores da presente pesquisa decidiram analisar alguns padrões atrelados à forma em que a rotina acadêmica tende a interferir nos níveis de estresse de alunos de graduação. Para isso, o recorte da pesquisa focou em uma amostra heterogênea de acadêmicos de diversos cursos de uma universidade particular de São Paulo.

 

MÉTODOS

A pesquisa foi desenvolvida em duas fases distintas. Para a primeira fase do estudo, o objetivo central foi identificar o nível de estresse em acadêmicos de diversos cursos de graduação de uma universidade particular de São Paulo, assim como a interferências de práticas de relaxamento nos níveis de estresse observados. Como método para esta fase exploratória, aplicou-se o Inventário de Sintomas de Stress (ISS) para adultos em 102 alunos antes e após 17 horas de relaxamento (com práticas de meditação, relaxamento induzido e atividades corporais lúdicas). O ISS foi validado no Brasil em 1994 por Lipp e Guevara12 e possibilita o reconhecimento de sintomas de estresse, classifica-os em um modelo quadrifásico (alerta, resistência, quase exaustão e exaustão), conforme gradação dos sintomas.

Na fase 1 da pesquisa, a análise dos dados foi realizada com o software R 3.0.1 para Windows, utilizando-se o coeficiente de correlação de Spearman para verificar se o grau de associação entre as variáveis foi significativamente diferente de zero. Utilizou-se também o Teste de Wilcoxon para fazer comparações entre os níveis das variáveis antes e depois da prática de relaxamento. O nível estabelecido para verificar significância estatística foi de 5%.

Para a segunda fase da pesquisa, que teve por objetivo identificar de que maneira a rotina acadêmica interfere nos níveis de estresse desses alunos, foi distribuído um questionário autoaplicável para 82 alunos. A coleta dos dados foi realizada em dois encontros presenciais na mesma universidade particular de São Paulo, com alunos de diversas faculdades que frequentavam uma prática extracurricular de relaxamento na instituição. A universidade em questão será mantida em sigilo por questões éticas, tendo em vista que alguns relatos podem interferir na imagem institucional da entidade. Mas cumpre destacar que se trata de uma das maiores universidades do país.

É importante destacar que o objeto de estudo e discussão deste artigo diz respeito majoritariamente à segunda fase da pesquisa.

Os questionários supracitados foram aplicados em sala de aula por dois professores (um de saúde mental e outro mestre em Ciências da Saúde e especialista em Terapia Comportamental). O instrumento de pesquisa da fase 2 foi desenvolvido com a supervisão de duas professoras doutoras em Psicologia Clínica. O questionário era individual e consistia de 11 perguntas abertas com metodologia qualitativa. A expectativa era obter informações sobre a experiência do estresse acadêmico destes estudantes em meio à sua rotina. Avaliou-se também as possíveis causas de estresse vivenciadas pelos estudantes e as perspectivas futuras de mudança comportamental no dia-a-dia estressante desses acadêmicos. As perguntas discorrem enumeradas abaixo.

1. A rotina universitária chega a interferir de forma negativa nos seus níveis de estresse?

2. Se sim, de que maneira a rotina acadêmica interfere (ou já interferiu) no seu estresse?

3. Há outras fontes geradoras de estresse significativo em sua vida?

4. Quais dos adjetivos abaixo melhor descrevem o modelo de ensino de sua graduação? (ruim, punitivo, frustrante, motivador, justo, empolgante, normal, bom, gratificante, severo).

Espaço para outros adjetivos:

5. Você poderia descrever algumas características pessoais que acabam por agravar ou manter o seu quadro de estresse quando ele se faz presente?

6. Você costuma fazer algo para enfrentar o estresse?

7. Se sim, o que você costuma fazer?

8. Classifique o seu nível de satisfação quanto ao que faz para enfrentar o estresse: (I. Muito satisfeito, II. Satisfeito, III. Moderado, IV. Insatisfeito).

9. Existem comportamentos seus que poderiam ser modificados para melhorar a forma de você lidar com o estresse?

10. Se sim, descreva-os.

11. Qual a sua Universidade/Faculdade?

O número no Comitê de Ética relacionado à pesquisa seguiu o CAAE 24711114.6.0000.5561.

Após o preenchimento do questionário autoaplicável acima (de 11 perguntas), os dados foram tabulados em Excel. Na plotagem dos dados a frequência de ocorrência dos padrões de respostas foi contabilizada de acordo com perfil de equivalência. E para a análise de conteúdos utilizou-se o referencial de Bardin13, que agrupa em números absolutos e em porcentagem tais equivalências.

 

RESULTADOS

Na primeira fase do estudo (n=102), houve predomínio do sexo feminino (84,2%) na amostra analisada, com média de idade encontrada de 22 anos e desvio-padrão de 4,2 anos. Desta amostra, apenas 1 sujeito não apresentou nenhum indicativo de estresse.

Seguem abaixo, na Tabela 1, os níveis de estresse identificados na população que era objeto de estudo.

 

 

Participaram do estudo alunos dos cursos de Administração, Arquitetura, Biologia, Ciências Contábeis, Direito, Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Engenharia Ambiental, Engenharia Civil, Farmácia, Fonoaudiologia, Jornalismo, Geografia, Medicina, Odontologia, Psicologia, Publicidade e Propaganda, Química, Serviço Social, Sistema de Informação e Turismo.

Na fase 1 da pesquisa-ação, após as 17 horas de relaxamento, obteve-se uma redução significativa dos níveis de estresse, com uma significância de p=0,0004351.

Na fase 2 da pesquisa - que teve o objetivo de verificar as possíveis relações do estresse com a vida universitária -, 82 acadêmicos responderam um questionário autoaplicável sobre tais relações. Deste total, 89% (n=73) informaram que a rotina universitária chega a interferir de forma negativa nos seus níveis de estresse. Desta amostragem, apenas um aluno disse que a rotina universitária não interferia de forma negativa nos seus níveis de estresse e 9,7% (n=8) responderam que não sabiam.

Dos 73 alunos que responderam sim para a pergunta de número 1 do questionário descrito na metodologia, grande parte: 42,4% (n=31) consideram que as provas e excesso de trabalhos aplicados pela universidade interferem de forma muito negativa nos seus níveis de estresse. Em seguida, contendo 28,7% das opiniões (n=21), está a reclamação sobre a falta de tempo. Já 27,3% (n=20) apontam descontentamento com o excesso de matérias ministradas pelo curso e 10,9% (n=8) consideram sua cobrança pessoal o grande motivo do estresse associado à vida acadêmica. Foram citados em menor número os estágios obrigatórios (n=4), a desorganização da faculdade (n=2), o tratamento dado pelos professores (n=2) e a metodologia ultrapassada (n=3). Esse parágrafo diz respeito à pergunta de número 2.

Dos 82 indivíduos dessa fase da pesquisa, 17% (n=14) responderam que não existem outras fontes geradoras de estresse, enquanto 82,9% (n=68) responderam ter outras fontes de estresse, sendo as queixas mais recorrentes: o emprego - resposta dada por 39,7% (n=27); a família - resposta dada por 22% (n=15); e o trânsito - resposta apontada por 13,2% (n=9). Outras opiniões foram expostas em menor número, como: autocobrança (n=7), convivência com pessoas desconhecidas (n=6), distância familiar (n=4), problemas financeiros/da sociedade/relacionamento amoroso (n=3), falta de tempo (n=2).

Com relação à frequência dos adjetivos colhidos na quarta questão, que tinham o objetivo de traçar um panorama de como os acadêmicos enxergam o modelo de ensino que estão vivenciando, 42,6% (n=35) consideram o modelo de ensino severo, enquanto 31,6% (n=26) acham-no gratificante. Já 30,5% (n=25) julgam-no bom. Com o mesmo percentual de 25,6% (n=21) estão os adjetivos normal e empolgante. Justo e motivador são adjetivos que também obtiveram o mesmo número de citações: 19,5% (n=16). O modelo de ensino foi descrito como frustrante por 14,6% (n=12) dos alunos, como punitivo por 10,9% (n=9) e considerado ruim por 4,8% (n=4). Outros adjetivos foram sugeridos abertamente pelos alunos para classificar o modelo de ensino da universidade: cansativo, desigual, desorganizado, exigente, imposto, monótono, preocupante, vinculativo, não reconhecido, ultrapassado, superficial, desinteressante, desmotivador, sobrecarregado.

Na Figura 1 estão descritas as características pessoais que os indivíduos admitem agravar ou manter o seu quadro de estresse quando ele se faz presente.

 

 

Quanto ao manejo do estresse, 69,5% (n=57) disseram buscar algum método para o enfrentamento das situações estressantes, ao passo que 30,4% (n=25) responderam não tomar nenhuma atitude para ministrar os momentos estressores.

Na Figura 2 são apresentados os diferentes níveis de satisfação com as atividades que são descritas como métodos adotados pelos alunos como forma de contornar o estresse vivenciado.

 

 

Na nona questão do questionário, 90,2% (n=74) reportaram que existem comportamentos próprios que poderiam ser modificados para melhorar a forma de lidar com o estresse, e apenas 9,7% (n=8) responderam que não. Ao citarem alguns comportamentos que poderiam ser mudados, a ansiedade e a paciência são os substantivos que têm maior frequência dentre as respostas, alcançando o mesmo percentual de 20,2% (n=15).

 

DISCUSSÃO

O estudo em questão revela que boa parte dos alunos participantes da pesquisa considera que a rotina universitária tem uma grande influência negativa nos níveis pessoais de estresse. Desses mesmos alunos, a expressiva maioria considera que a quantidade de provas e os trabalhos aplicados são o que mais interferem negativamente nos níveis de estresse. Os outros agravantes decorrem da mesma causa, como o acúmulo de matéria, a desorganização da grade curricular, a metodologia ultrapassada empregada pelos docentes e a escassez de seu tempo. Com isso, o indivíduo acaba por se sobrecarregar, o que pode estar atrelado a um descontentamento subsequente em relação ao curso, aos professores e à própria instituição.

De acordo com uma revisão da literatura14, foi revelado que vários aspectos da experiência do curso de Medicina têm sido determinantes como fontes de estresse para os estudantes, como, por exemplo, a sobrecarga curricular, muita informação e um ambiente hostil. Em suma, características provenientes da própria instituição/faculdade. A perda de controle sobre o tempo e dificuldades na gestão de tempo de lazer também são outras fontes significativas de estresse, segundo Muller.

A última autoavaliação institucional da Universidade Federal de Uberlândia15 demonstra como uma parte dos estudantes consideram os métodos de alguns docentes ultrapassados, obsoletos e ineficazes no processo ensino-aprendizagem. Com isso, as relações professor-aluno aparecem como conflituosas.

A relação professor-aluno é considerada como ponto chave na troca de conhecimentos percebidas por pessoas distintas, com experiências únicas, sendo aproximadas em ambientes e momentos específicos16. Para isso, uma autorreflexão dos docentes é necessária com respeito a suas atitudes para com os alunos, com o intuito de obter eficácia na condução da aprendizagem, aperfeiçoando sua didática com adequações às novas técnicas e mudanças em substituição à tradicional forma "engessada" e retrógrada.

A existência de outras fontes geradoras de estresse, também levadas em consideração, obteve principalmente queixas relacionadas à atividade profissional remunerada. Em um estudo anterior feito na mesma universidade e que embasa a primeira fase desta pesquisa, foram analisados os alunos que mesclavam a vida acadêmica com a vida profissional, com o intuito de verificar se os mesmos encontravam-se com um nível de estresse maior do que os alunos que não possuíam atividade profissional.

Surpreendentemente, testes estatísticos mostraram que não houve correlação significante, desfazendo a hipótese prévia dos autores de que o trabalho concomitante aos estudos seria um fator de estresse que interferiria na produção acadêmica. Porém, na parte qualitativa do mesmo estudo, uma expressiva porcentagem dos acadêmicos indicou ser o trabalho unido à faculdade o grande causador dos elevados níveis de estresse. Diante dessa resolução, procurou-se, no presente estudo, investigar mais a fundo e qualitativamente os estressores da vida acadêmica, as particularidades frente às expectativas em relação à graduação, as características pessoais de enfrentamento das situações de estresse e as medidas tomadas para manejo do mesmo.

Em um estudo prévio17 buscou-se compreender como os graduandos de enfermagem percebem a universidade, e os resultados revelaram que ora ela é espaço promotor de qualidade de vida, ora não é. O aprendizado adquirido, a cidadania respeitada e o bom relacionamento interpessoal promovem alegrias aos estudantes. Já no campo das angústias, inseguranças e medos, são citados com frequência os estágios e as relações conflituosas com professores.

Outros aspectos considerados como geradores de perda de qualidade de vida sob o prisma desses alunos de enfermagem estavam relacionados com a excessiva carga horária do curso e com a situação desgastante gerada pelo cotidiano estudo-trabalho. Fontana e Brigo18 pesquisaram a vivência de estudantes-trabalhadores de enfermagem e estes reconhecem o trabalho noturno como desgastante e apontam como principais dificuldades encontradas para conciliar trabalho e estudo, a fadiga e o sono.

No presente estudo os problemas familiares aparecem como o segundo fator mais estressante apontado pelos alunos. Ao longo do processo de crescimento e amadurecimento, é importante que o indivíduo possa compartilhar seus medos, angústias e dúvidas com os pais, uma vez que a família exerce um papel primordial no desenvolvimento humano. Ter o apoio e a compreensão dos familiares é um requisito fundamental para o bem-estar psicológico do indivíduo que atravessa esse período conturbado e marcado por transformações rápidas e intensas19.

Como já mencionado, diante de situações de descontentamento com o modelo de ensino, o universitário acaba por criar impressões adversas em relação à universidade e a tudo que lhe é relacionado. Nesse sentido, não é tão inusitado que o mesmo indivíduo associe adjetivos ruins e bons para uma mesma fonte de estímulos. Afinal, o conceito de prazer e sofrimento pode ser formulado mediante as percepções do indivíduo diante das situações em que ocorrem essas vivências. Sendo assim, o prazer e o sofrimento são representados por meio de fatores causais e estão atrelados a consequências tanto sociais quanto individuais.

Segundo Santos et al.20, o sofrimento no trabalho pode ter sua gênese no reconhecimento. Quando a pessoa realiza um trabalho reconhecido, suas angústias, seus esforços, suas dúvidas, suas decepções e seus desânimos adquirem sentido. Este sofrimento não foi em vão, não colaborou somente com o processo de organização do trabalho, mas transforma o indivíduo em uma pessoa diferente daquela que era antes do reconhecimento. Assim, o trabalho inscreve-se na dinâmica da realização pessoal. A identidade constitui a ferramenta para a saúde mental do indivíduo. Se ele não puder usufruir os benefícios do reconhecimento do seu trabalho, não pode atingir o seu sentido, que pode ser desestruturante, capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade, ocasionando a doença mental21.

Também foram abordadas no presente estudo características pessoais que os indivíduos admitiram agravar ou manter o seu quadro de estresse quando este se faz presente. O resultado foi significativo ao que tange à ansiedade. Em Portugal, também têm sido efetuados alguns estudos que visam verificar o efeito do estresse em estudantes em geral22. Estes estudos apontam para a presença elevada dos níveis de estresse, ansiedade, sintomas depressivos e alterações significativas nos estilos de vida. A hipótese de que a severidade e a presença contínua de eventos de vida estressantes são preditivos do aparecimento de sintomas de ansiedade ou de transtornos depressivos tem sido alvo de estudos recentes.

De acordo com Margis et al.23, o desenvolvimento de um transtorno está diretamente relacionado à frequência e a duração de respostas de ativação provocadas por situações que o sujeito avalia como estressoras para si. A frustração decorre da necessidade insatisfeita ou da percepção de falta de equidade, gerando outras manifestações no comportamento humano. Uma necessidade insatisfeita, cada vez mais intensa, produz crescente sentimento de frustração e ansiedade.

Quanto ao manejo do estresse, um expressivo número de alunos disse buscar algum método para o enfrentamento das situações estressoras. Ouvir músicas e praticar algum tipo de atividade física são os artifícios adotados com maior nível de satisfação entre os discentes. Os exercícios físicos podem ser um dos meios de lidar com estresse, ajudando a pessoa estressada a restabelecer as condições normais do organismo, desequilibradas seja por fatores psicológicos ou fisiológicos. Numa tentativa de combinar música com atividade física, Valim et al.24 apresentam que tanto as músicas New Age quanto as músicas da preferência do grupo estudado são adequadas para acompanhar exercícios de alongamento para a faixa etária pesquisada, sendo este tipo de atividade uma intervenção eficaz na redução dos sintomas de estresse.

A repercussão positiva das 14 horas de relaxamento ministradas aos alunos da pesquisa também são um exemplo de possibilidades a serem trabalhadas nas instituições de ensino superior.

Uma parte significativa dos estudantes reportou que existem comportamentos próprios que poderiam ser modificados para melhorar a forma de lidar com o estresse. Ao citarem alguns comportamentos que poderiam ser mudados, a ansiedade e a paciência são os substantivos que têm maior frequência dentre as respostas. A adaptação à vida universitária, como momento de transição, subentende mudanças associadas à família, ao confronto com um meio desconhecido e às exigências de maior autonomia - essas mudanças muitas vezes podem gerar exagerados níveis de ansiedade. Dessa forma, a ansiedade pode ser situada como uma resposta ao estresse. E enquanto processo adaptativo, a ansiedade pode reduzir o nível de tensão procurando soluções, porém torna-se improdutiva quando crônica, impedindo que o indivíduo lide diretamente com o objeto que a originou25.

Diante do pressuposto, conclui-se que é necessário que haja uma significativa reformulação acerca da configuração da educação superior, destacando os elementos centrais que estruturam a política de currículo para os cursos de graduação. Propõe-se uma maior flexibilidade na organização dos cursos, ampla liberdade na composição da carga horária e unidades de estudos a serem ministradas, independência e praticidade na forma de estudo, maior articulação entre a teoria e a prática e avaliações mais coerentes com a tecnologia atual ou diferentes mecanismos de acompanhamento de desempenho dos acadêmicos.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o curso de graduação é considerado a etapa inicial da formação dos profissionais, portanto, as instituições devem adequar-se às mudanças contemporâneas que exigem cada vez mais uma educação continuada moderna e menos engessada. Portanto, as Diretrizes Curriculares deverão garantir ampla liberdade para a definição dos currículos plenos, tornando possível a formação de profissionais dinâmicos e adaptáveis às demandas do mercado.

Contudo, muitas universidades já iniciaram, por exemplo, processos de elaboração de diretrizes curriculares gerais para a reformulação dos seus cursos de graduação. Dentre elas, podemos citar a Universidade de São Paulo (USP), que realiza experiência de adoção de currículos mais flexíveis e menos especializados, iniciada nos cursos de Letras e de Engenharia, além da discussão acerca da criação de ciclo básico para todos os cursos da instituição. Do mesmo modo, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal do ABC (UFABC), assim como várias outras instituições federais, vêm propondo uma maior flexibilização curricular nos cursos de graduação26.

Quanto ao que tange à instituição, é necessário que haja iniciativas para administrar o estresse, direcionando os alunos para um apoio psicossocial - no qual serão avaliados os pontos críticos e possíveis estressores enfrentados pelo estudante, desde o que diz respeito ao curso até a sua vida socioeconômica, disponibilizando uma equipe multiprofissional que tende a garantir tanto o seu acesso a uma formação acadêmica de qualidade quanto à permanência e o apoio necessário no decorrer da graduação.

Sugere-se que os alunos sejam acompanhados ao longo do curso, tendo em vista que a Universidade não se resume apenas ao curso almejado - contendo conhecimentos fragmentados por disciplinas -, a Universidade deve perceber os alunos como um todo e desenvolver capacidades de busca do conhecimento com foco em qualidades e preferências, promovendo a composição de habilidades que atendam às demandas do mercado, constituindo o desenvolvimento de valores éticos e de compromisso social, incitando opiniões críticas e formando cidadãos engajados em suas sociedades.

Nessa frente de atuação, os núcleos de apoio ao aluno também têm por objetivo auxiliar os estudantes em dificuldades acadêmicas e pessoais. Algumas universidades aderiram a esse processo com modelos de sucesso. Podemos citar alguns programas de apoio estudantil, como o que foi implantado, por exemplo, na Universidade de Santa Maria, com seu Núcleo de Apoio ao Estudante (Ânima), que tem por finalidade disponibilizar atendimento psicológico, psicopedagógico e orientação profissional/vocacional27. Outro exemplo é o da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), com o seu Núcleo de Apoio ao Estudante de Medicina (NAEM) e com o seu Programa "Saudavelmente", que realizam atendimento permanente aos alunos de todas as unidades que apresentem comportamentos de risco e/ou sofrimento psíquico28. O Centro de Apoio Educacional e Psicológico (CAEP) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP também segue os modelo de assistência psicológica e psicopedagógica aos seus alunos de graduação.

Outro exemplo é o Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que é um órgão de apoio acadêmico aos estudantes que busca efetivar a política de assistência estudantil. Dentre suas atribuições estão: elaborar e executar ações que visam contribuir para a permanência do estudante, a conclusão do seu curso e o seu desenvolvimento acadêmico - visando uma formação integral de qualidade - nos aspectos culturais, educativos e biopsicossociais do corpo discente.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que a rotina acadêmica interfere de forma impactante no estresse dos acadêmicos e que uma nova política educacional deve ser trabalhada visando progressos nas estruturas curriculares, que acabam por massacrar o alunado. Mais estudos são sugeridos de forma a investigar mais a fundo os estressores da vida acadêmica e suas particularidades em cada curso, aprofundando-se em questões relacionadas à vida social, familiar e profissional dos alunos. Ao identificar melhor os motivos e fenômenos por trás do estresse em acadêmicos, estratégias específicas de mitigação dos eventos rastreados devem ser adotadas pelas coordenações de curso. Além disso, intervenções terapêuticas devem ser amplamente praticadas e novas propostas curriculares devem ser debatidas visando preencher as lacunas apontadas neste manuscrito.

 

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Endereço para correspondência:
Felipe Azevedo Moretti
Av. Prof. Lineu Prestes, 2565
Butantã - São Paulo, SP, Brasil - CEP: 05508-000.
E-mail: felipe.moretti@unifesp.br

Artigo recebido: 22/8/2017
Aprovado: 4/9/2017

 

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), São Paulo, SP, Brasil.

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