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Revista Psicopedagogia

versión impresa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.34 no.105 São Paulo  2017

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O impacto do acolhimento institucional na vida de adolescentes

 

The impact of institutional sheltering in the life of teenagers

 

 

Patrícia Nunes da Fonseca

Psicóloga. Especialização em Educação Básica e Psicopedagogia. Mestrado e Doutorado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Docente da Universidade Federal da Paraíba do Departamento de Psicopedagogia e da Pós-Graduação em Psicologia Social, Coordenadora Núcleo de Estudos do Desenvolvimento Humano, Educacional e Social, João Pessoa, PB, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Esta pesquisa objetivou analisar o impacto do acolhimento institucional na vida de adolescentes. Participaram 11 adolescentes do sexo masculino, com idade média de 15,36 anos (DP=1,36; variando de 13 a 17 anos).
MÉTODO: Utilizou-se um questionário sociodemográfico e um roteiro de entrevista semiestruturado. Para análise de dados, foram empregados o pacote estatístico SPSS (versão 21) e o software Iramuteq (versão 0.7 alpha 2).
RESULTADOS: Os resultados indicaram que mesmo na casa de acolhimento os adolescentes mantêm vínculos com familiares e amigos por meio de visitas, telefone e redes sociais. Quanto à vida acadêmica, os jovens apresentaram baixo desempenho escolar, embora tenham demonstrado uma percepção positiva da escola. Com relação às perspectivas de futuro, os participantes manifestaram a intenção de formar uma família e mantê-la.
CONCLUSÃO: Por fim, ressalta-se a importância das redes de apoio social para o bem-estar do jovem institucionalizado.

UNITERMOS: Desenvolvimento Humano. Adolescentes. Acolhimento.


ABSTRACT

OBJECTIVE: This study aimed to analyze the impact institutional sheltering in the life of teenagers. Eleven male teenagers took part of this study, aged about 15.36 years old (SD = 1.36, varying from 13 to 17).
METHODS: A sociodemographic questionnaire and a semi-structured interview script were used. For data analysis, the statistical package SPSS (version 21) and Iramuteq software (version 0.7 alpha 2) were used.
RESULTS: The results indicated that, even in shelter homes, the teenagers maintain a link with family and friends through visits, telephone and social networks. Regarding to the academic life, although they have showed a positive perception of the school, the young people presented low school performance. In terms of future perspectives, the participants expressed the intention of forming a family and maintaining it.
CONCLUSION: Finally, it highlights the importance of the support networks for the well-being of the integrated young person.

Keywords: Human Development. Teenagers. User Embracement.


 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, considera-se a infância como a fase mais importante da vida dos indivíduos, tendo em vista que é nesse período que a criança começa a desenvolver seus aspectos cognitivos, biológicos e psicossociais. Durante esse desenvolvimento, não são levadas em conta apenas questões biológicas, mas também as condições do ambiente em que a criança está inserida. Nesse sentido, a família é considerada essencial para tal desenvolvimento, pois tem, dentre as diversas funções, a de proteção e de afeto.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei Federal nº 8.069/90, as crianças e adolescentes passaram a ser vistos pela população como pessoas em desenvolvimento e, portanto, precisavam ter garantidos os seus direitos1,2.

A efetividade desses direitos deve ser proporcionada pela família em parceria com o Estado e a sociedade, os quais devem garantir o direto à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, convivência familiar e comunitária3.

Nesse sentido, cabe destacar o papel primário de proteção da família, espaço no qual se constroem as primeiras aprendizagens e se desenvolve a personalidade e os valores dos indivíduos. Assim, este grupo deve proporcionar um ambiente de segurança emocional e física para que as crianças e os adolescentes possam crescer de modo saudável4.

No entanto, nem sempre as famílias conseguem garantir aos filhos um ambiente seguro e satisfatório, necessário para o desenvolvimento infanto-juvenil, passando, muitas vezes, a serem geradoras de risco aos seus membros5. Deste modo, quando a situação de risco no âmbito familiar torna-se severa, ocasionando violações de direito, são previstas intervenções chamadas de medidas de proteção, às quais o acolhimento institucional está inserido1.

Diante disso, não existe um consenso quanto à consequência da institucionalização no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Mesmo com o aumento de pesquisas nesta área, ainda são insuficientes o conhecimento e reflexão sobre o impacto do acolhimento6, o que evidencia a importância de se pesquisar e entender tais contextos.

A partir disso, questiona-se: Quais são as percepções dos adolescentes que estão em casas de acolhimento sobre sua vida social e acadêmica? Quais são as perspectivas de futuro desses adolescentes?

Diante desse panorama, o presente estudo teve como objetivo principal analisar a vida dos adolescentes que vivem nas casas de acolhimento. Especificamente, buscou-se conhecer as relações sociais vivenciadas por esses adolescentes; saber sobre a vida acadêmica e identificar perspectivas de futuro de adolescentes acolhidos institucionalmente.

Acolhimento institucional: a vivência de adolescentes

Com o objetivo de defender e assessorar crianças e adolescentes que se encontram em um contexto de risco e vulnerabilidade social, o ECA prevê o acolhimento institucional como medida de proteção integral a crianças e adolescentes3.

Esta medida tem caráter provisório e excepcional, visa garantir a menores abandonados, cujos pais e familiares estejam impossibilitados de cumprir suas funções, um lugar de desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, até que seja possível o retorno à família de origem ou encaminhamento para família substituta1,3,6.

Conforme o ECA, o acolhimento institucional deve ser aplicado apenas quando esgotadas todas as alternativas de permanência em seu núcleo de origem2,3. Entretanto, não raro, esta medida se apresenta como alternativa mais viável na busca da superação dos momentos de violação7. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 40 mil crianças e adolescentes, em todo Brasil, vivem essa realidade de acolhimento8.

De acordo com a Nova Lei Nacional de Adoção (NLNA), a Lei 12.010/093, o acolhimento institucional não deve ultrapassar o tempo máximo de dois anos, salvo casos específicos determinados por ordem judicial. A NLNA estabelece a necessidade de revisão da medida a cada seis meses, priorizando, desta forma, o fortalecimento dos laços afetivos e familiares9.

Os serviços de acolhimento devem ainda possibilitar de um plano individual de atendimento visando as especificidades de cada indivíduo, mediante o acompanhamento de profissionais especializados3.

Contudo, apesar de todos os avanços preconizados pelo ECA, ainda não se sabe ao certo que efeitos a institucionalização pode ter sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes6, especificamente durante a adolescência, uma etapa importante do desenvolvimento, em que as experiências vivenciadas durante esta fase podem ter efeito sobre a forma como se procede na vida adulta10.

A adolescência é um período de transição da fase infantil para a idade adulta, no qual ocorrem mudanças de ordem física, cognitiva, emocional e social. Nesta fase, os adolescentes passam pelo processo de construção de identidade, que acontece em interação com a comunidade, podendo influenciar de forma positiva ou negativa o seu desenvolvimento11.

Durante esse período, os adolescentes deveriam estar inseridos em contextos (exemplo: família, escola e instituições sociais) que garantam a proteção de seus direitos fundamentais, porque teriam suas necessidades físicas, sociais e emocionais supridas, além de vivenciar experiências positivas que oportunizassem maiores expectativas de sucesso12. Nesse sentido, a presente pesquisa abordará três aspectos relevantes da vida do adolescente: o social, o acadêmico e as perspectivas de futuro.

De acordo com Iannelli et al.13, os vínculos afetivos são essenciais para o desenvolvimento social e emocional do indivíduo e, portanto, irão influenciar na formação de identidade do sujeito. Segundo os autores, as ausências desses vínculos afetivos positivos podem configurar vários sentimentos (eg., insegurança, tristeza, rejeição) e acarretar o aumento de conflitos entre pais e filhos na adolescência.

Nesta fase, as relações de pares entre os grupos de amizade também assumem um papel de apoio social, sendo a escolha destes influenciada a partir de suas próprias características e experiências11. Desta forma, essas relações de cuidado e amizade são importantes, pois estão diretamente relacionadas à autoestima e ao bem-estar, proporcionando aos adolescentes o apoio emocional necessário para que eles possam lidar com eventos geradores de estresse, a exemplo de doença ou perda de familiares14.

Nesse sentido, Abaid & Dell'Aglio15 afirmam que a maioria dos adolescentes acolhidos, por terem vivido em um contexto de violação de seus direitos, não encontram nos pais ou em amigos estas relações de confiança e amizade, mas em um funcionário da própria instituição, tornando este a sua principal fonte de apoio social.

Tal aspecto se apresenta como um fator protetivo da institucionalização e exerce efeitos positivos, pois o fato do adolescente encontrar alguém que tenha afeto verdadeiro e uma relação de proximidade com ele torna-se um importante aspecto promotor do desenvolvimento emocional e social16.

Destaca-se, assim, o papel do educador no desenvolvimento desses jovens, pois o mesmo tem a possibilidade de trabalhar não apenas o aprendizado cognitivo, mas também o afetivo, indispensável para que esses jovens possam aprender a superar as dificuldades que poderão enfrentar durante o seu percurso social17.

Outro contexto de desenvolvimento para o adolescente é a escola. Além de constituir um ambiente que promove a aprendizagem, integra o indivíduo à sociedade, proporcionando um espaço de socialização entre os jovens, em que os mesmos podem estabelecer vínculos mais profundos18.

No entanto, Abaid & Dell'Aglio15 e Abaid19 apontam que a escola tem se mostrado falha em seu papel protetivo para com os adolescentes que vivenciam o acolhimento, pois tem revelado altos percentuais de reprovação e expulsão, além de possibilitar vivências de agressão como as de ameaça ou humilhação, sobretudo por parte dos colegas.

Além disso, a vivência precoce e prolongada nas instituições de acolhimento pode potencializar baixo rendimento escolar, dificuldades na aprendizagem e nas relações interpessoais18, o que, por sua vez, pode influenciar no declínio de motivação para aprender e afetar o modo como estes adolescentes enxergam o seu futuro.

Nesse sentido, as expectativas de futuro se destacam, na adolescência, como outro fator de proteção para o desenvolvimento humano. Erikson20 enfatizou o esforço de um adolescente para compreender o self, incluindo o papel que ele precisa desempenhar na sociedade, como um processo saudável e vital para ajudar os jovens a lidar com os desafios da vida adulta.

Todavia, as expectativas de futuro dos adolescentes em situação de acolhimento são baixas em relação aos adolescentes inseridos em outros contextos socioculturais19, o que se caracteriza como fator de risco ao desenvolvimento, pois indivíduos que apresentam frágeis expectativas para superar desafios e obstáculos podem ter a sua condição de vulnerabilidade agravada nessa fase da vida21.

Diante dos aspectos de desenvolvimento discutidos acima, Constantino22 afirma que os efeitos da institucionalização sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente vão depender do modo como a instituição é organizada, do seu projeto pedagógico e da qualidade das relações estabelecida dentro desses espaços.

Neste sentido, destaca-se a necessidade da permanente capacitação dos profissionais que atuam nesses espaços, bem como a implementação de novas políticas nas instituições de acolhimento como, por exemplo, a inclusão do psicopedagogo nestas instituições, uma vez que este profissional trabalha com todos os aspectos do desenvolvimento (e.g., cognitivos, afetivos e sociais), tendo por objetivo o desenvolvimento do indivíduo e a superação das dificuldades na aprendizagem, seja do cotidiano ou acadêmicas23.

Frente ao exposto, a presente pesquisa busca contribuir para a produção de conhecimento focalizado em adolescentes que vivenciam o acolhimento, aspirando que os resultados encontrados neste estudo possam auxiliar na formulação de intervenções que minimizem os problemas vivenciados por esses jovens, promovendo a melhoria na qualidade dos serviços prestados.

 

MÉTODO

Delineamento

A presente pesquisa é um estudo de natureza exploratória, transversal e de campo que buscou analisar o impacto do acolhimento institucional na vida de adolescentes.

Amostra

Contou-se com a participação de 11 adolescentes do sexo masculino, com idade média de 15,36 anos (DP=1,36; variando de 13 a 17 anos), acolhidos em uma instituição não governamental de vínculo religioso na cidade de João Pessoa (PB). Os participantes vivem na instituição em média 4,27 anos (DP=3,43; variando de 1 a 10 anos). Dentre os motivos de acolhimento, destacam-se a dependência química dos pais ou responsáveis (36,36%), vivência na rua (27,27%), carência de recursos materiais da família (18,18%) e violência doméstica (18,18%).

Instrumentos

Na construção e realização desta pesquisa foram utilizados dois instrumentos:

1. Roteiro de entrevista semiestruturado - contendo questões sobre as relações sociais vivenciadas pelos adolescentes na casa de acolhimento, na escola e na família, questões sobre a vida acadêmica, percepção do desempenho escolar, dos vínculos afetivos, e das perspectivas de futuro;

2. Questionário sociodemográfico - solicita informações tais como: idade, escolaridade, motivo e tempo do acolhimento institucional.

Procedimento

Inicialmente, foi requisitada a autorização do gestor da instituição para a participação dos adolescentes acolhidos, o que se efetivou com a assinatura do Termo de Anuência. Em seguida, os adolescentes foram convidados a participar da pesquisa, o que se concretizou com a assinatura do Termo de Assentimento.

Na oportunidade, os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e solicitada a autorização para gravar a entrevista. Na ocasião foi informado sobre o sigilo das respostas e a confidencialidade das respostas. Ademais, foi esclarecido aos adolescentes que a participação seria voluntária, podendo os mesmos desistirem de participar da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas em um ambiente reservado, dentro da instituição. Na ocasião, os participantes discorreram livremente sobre o tema, sendo necessários cerca de 20 minutos para conclusão da participação. O presente estudo cumpriu todos os preceitos éticos vigentes para a realização de pesquisas com seres humanos, defendidos pela Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba - CCS/UFPB, mediante o parecer nº 0461/16. CAAE: 58597316.8.0000.5188.

Análise dos dados

Para realizar as estatísticas descritivas, empregou-se o pacote estatístico IBM SPSS (versão 21), para o cálculo de estatísticas descritivas (medidas de tendência central, dispersão e frequência). Para analisar as respostas da entrevista, foi utilizado o software de análises de dados textuais denominado Iramuteq (versão 0.7 alpha 2)24. Este foi desenvolvido por Pierre Ratinaud24, o qual utiliza a interface do software R (R Project for Statistical Computing) que se dedica à análise multidimensional de bases de dados textuais (denominados de corpus ou matriz).

Para proceder a análise dos dados textuais, as respostas dos participantes foram importadas para o programa Open Office Writer, no qual se geraram as linhas de comando que compuseram o corpus (conjunto de textos que se pretende analisar) do presente estudo. Após a criação do corpus, foram consideradas as seguintes possiblidades de tratamento dos dados textuais:

Classificação pelo método de Reinert. Nesta análise realiza-se uma classificação hierárquica descendente (CHD), cujos segmentos de texto (ST) são classificados de acordo com seus respectivos vocábulos e o seu conjunto é dividido com base na frequência das formas reduzidas, formadas a partir do radical das palavras (lemmatisation)25. Assim, objetiva-se obter classes, as quais são formadas a partir da associação significativa de palavras26.

Análise de similitude. Esta análise baseia-se na teoria dos grafos de Marchand e Ratinaud27 e identifica as co-ocorrências entre as palavras, resultando em indicações de conexões entre as mesmas e ajudando a identificar a estrutura do banco de dados (corpus)28.

Nuvem de palavras. Esta tem como objetivo representar graficamente as palavras, organizando de acordo com as suas frequências. Por ser uma análise que facilita a identificação de palavras-chave a partir do banco de dados, é muito utilizada em contextos em que se vise a exposição objetiva das informações24.

De modo geral, este programa realiza análises computadorizadas dos dados com a finalidade de extrair os principais elementos explanados pelos participantes em seus discursos, permitindo que o pesquisador realize as devidas interpretações a partir da organização dos resultados.

 

RESULTADOS

O corpus analisado é constituído por 11 textos, os quais representam os discursos dos 11 participantes. Foram encontradas 529 formas (ou seja, o número de palavras com radicais diferentes contidos no corpus), totalizando 2.300 ocorrências (número total de palavras contidas no corpus). Apresentou uma divisão total em 68 segmentos de textos (ST), sendo classificados na análise 75% do total do corpus.

Classificação Hierárquica Descendente (CHD)

Inicialmente, procedeu-se a classificação hierárquica descendente (CHD), cujos resultados identificaram a presença de seis classes ou contextos temáticos, conforme mostra a Figura 1.

A CHD apresenta as partições feitas no corpus até chegar às classes finais. Assim, o corpus "Aspectos Psicossociais dos Adolescentes Acolhidos Institucionalmente" foi dividido em dois subcorpus: "Perspectiva social e acadêmica" e "Perspectivas de futuro", conforme pode ser visto na Figura 1.

O primeiro subcorpus, "Perspectiva social e acadêmica", foi composto pelas classes 1, 2 e 6, as quais apresentam um enfoque voltados à realidade social e acadêmica vivenciada pelos participantes.

A classe 1 "Relações Sociais" apresentou 7 ST de 68, que explica 13,73% do corpus. Os vocábulos mais frequentes e significativos destes segmentos de textos são: visita, receber, vez, casa, telefone e praça (p<0,05). Tal classe engloba meios de interações sociais vivenciados pelos adolescentes nas instituições de acolhimento, conforme indicam os seguintes trechos: "Sim, recebo visitas de pessoas que eu conheço da igreja, elas vêm para cá, fazem visitas, não só para mim, mas para os meninos aqui também. Eu saio para ir na casa da minha mãe, para escola, saio para ir no shopping, na praça, eles deixam" (Participante 6, 16 anos).

A classe 2 intitulada "Percepção acadêmica" é composta por 10 ST de 68, que explica 19,61% do corpus. Os vocábulos mais frequentes e significativos destes segmentos de textos são: professor, bom, ensinar, conversar, escola, estar, aprender e amigo (p<0,05). Esta classe compreende a percepção que os participantes possuem acerca da escola, como pode ser visualizado no seguinte trecho: "É bom, eu gosto da escola, acho os professores calmos, eles são muito 'bom', ensinam a gente e também passam umas tarefas tão assim, que a pessoa pode aprender mais" (Participante 9, 16 anos).

A classe 6, "Relações sociais acadêmicas", apresentou 9 ST de 68, que explica 17,65% do corpus. Os vocábulos mais frequentes e significativos desta classe são: menino, só, abrigo, falar e gosto (p<0,05). Nesta classe são evidenciadas as relações sociais vivenciadas pelos adolescentes no âmbito acadêmico. O segmento a seguir ilustra essa situação: "Eu não converso muito na escola, eu sou muito calado, só falo mais com os meninos daqui do abrigo mesmo que eu converso" (Participante 11, 16 anos).

O segundo subcorpus, "Perspectivas de futuro", formado pelas classes 3, 4, e 5, veicula informações relacionadas as preocupações com o futuro. A classe 3 denominada "Realizações pessoais", contém 9 ST de 68, explicando 17,65% do corpus. Os vocábulos mais representativos destes segmentos de textos são: policial, pensar, estudar, coisa, irmão, querer, futuro e sair (p<0,05). Esta classe está relacionada à realização pessoal e como progredir na vida. "No futuro quero estudar, fazer a faculdade e arrumar um emprego depois de fazer a faculdade" (Participante 5, 16 anos).

A classe 4, "Assistência familiar", apresenta 8 ST de 68, explicando 15,69% do corpus. As palavras mais representativas desta classe são: emprego, conseguir, viver, faculdade, curso, mulher e filho (p<0,05). Esta representa a intenção dos participantes de constituir e manter uma família, tal como aponta o seguinte fragmento: "Conseguir um emprego e construir uma família ter uma mulher, filhos; é isso que eu penso do meu futuro" (Participante 2, 17 anos).

Por fim, a classe 5, "Relacionamento familiar", possui 8 ST de 68, e explica 15,69% do corpus. As palavras mais associadas a estes segmentos de textos são: hora, estar, ajudar, ligar, coitado, família, mesmo e precisar (p<0,05). Nesta classe, evidencia-se a intenção dos participantes em manter vínculos com a família, conforme ilustram os seguintes trechos: "Penso que eu devo ajudar a minha família, todo mundo tem dificuldades, eu vou estudar para ajudar eles, minha mãe e meu irmão" (Participante 8, 15 anos); "Que eu posso ajudar minha família, o que eles precisarem pode contar comigo" (Participante 9, 16 anos).

Análise de similitude

No que se refere à análise de similitude, a mesma foi gerada com base nas co-ocorrências entre as palavras que constituem o presente corpus. Assim, observa-se que algumas palavras-chave apresentam uma composição central na distribuição, estabelecendo a conexão com os demais vocábulos que formam a estrutura. Tal disposição pode ser visualizada na Figura 2.

É notório o enquadramento da palavra não no centro da distribuição compondo o núcleo central. A representação desse corpus releva que a falta de vínculo familiar está diretamente conectada com as demais palavras. Estes resultados mostram que quanto mais nítida (espessa) forem as ligações, maior é a conexão entre os vocábulos.

Na Figura 2 é possível perceber uma ligação bastante espessa entre as palavras não, só, casa, gosto, bom e família, sendo esta última a que mais apresenta ramificações (maior número de palavras associadas). Tal fato indica que "não ter família" é um dos principais fatores apontados por crianças e adolescentes como motivo para residirem em casas de acolhimento. Porém, vale destacar que os mesmos possuem uma visão positiva das instituições, refletindo as fortes ligações entre os vocábulos casa, gosto e bom.

Nuvem de palavras

Por fim, realizou-se a análise de Nuvem de palavras, cuja finalidade é representar e organizar graficamente os vocábulos mais frequentes no corpus analisado. O resultado pode ser visualizado na Figura 3.

 

 

Essa análise se pauta na frequência das palavras. Nesta identifica-se a palavra não como destaque, seguida por outros vocábulos como família, só, gosto, professor, bom, aqui, muito e legal. Este resultado é consonante com os apresentados nas análises anteriores, visto que a falta do vínculo familiar ou "não ter família" os fazem estar acolhidos institucionalmente. Porém, mais uma vez, é possível constatar uma percepção positiva por parte dos acolhidos, refletindo, assim, o destaque das seguintes palavras: muito, bom e legal.

 

DISCUSSÃO

Como mencionado anteriormente, a presente pesquisa teve como objetivo principal analisar a vida dos adolescentes que vivem nas casas de acolhimento; de modo específico, procurou conhecer as relações sociais vivenciadas pelos adolescentes; saber sobre a vida acadêmica e social e identificar perspectivas de futuro. Como pode ser visto no percurso do trabalho, acredita-se que tais objetivos foram alcançados.

No que diz respeito às relações sociais dos adolescentes, apresentado na Classe 1, observou-se que, apesar de os jovens estarem morando em uma instituição de acolhimento, eles recebem visitas de familiares e saem frequentemente para escola, praças, shopping e igrejas. Além de manter relações com pessoas através de telefone e redes sociais. Isto revela que a instituição cumpre o que preconiza o ECA3 acerca do direito da criança de convivência familiar e comunitária, ou seja, de manter os vínculos familiares e comunitários dos adolescentes a fim de ajudá-los na formação de sua identidade social.

É salutar que esses vínculos de amizade e afeto sejam mantidos por familiares, amigos e funcionários da instituição, uma vez que o apoio emocional na vida do adolescente, sobretudo na expressão de bem-estar e sentimentos positivos, constitui em um importante fator para a formação de identidade e constituição de uma boa autoestima13,14,16.

Outrossim, emergiram no discurso dos adolescentes as relações sociais vivenciadas na escola (classe 6). Segundo os participantes, as amizades da escola são provenientes, quase que exclusivamente, de suas relações intrainstitucionais. Sinalizando, portanto, uma segregação destes jovens na vida escolar. Diante disso, pode-se constatar que os adolescentes possuem uma inclinação a selecionar amigos que tenham as mesmas características, manifestando assim um esforço para uniformizar as suas relações11. Assim, pode ser visto no relato dos participantes que a formação das amizades tinha como eixo de intersecção a vida de abandono, a história de fracasso, baixo rendimento acadêmico e a repetência escolar18, refletindo na inserção de alguns desses jovens no Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

Apesar das vivências de fracasso escolar, os jovens apresentam uma visão positiva da escola, conforme pode ser visto na classe 2 "Percepção acadêmica". Esses compreendem a escola como um contexto de aprendizagem e citam o professor como principal responsável pelo sucesso acadêmico. Tal achado vai ao encontro do pensamento de Fernandéz17, que cita o educador como "peça chave" para o êxito na aprendizagem, pois, além de conhecimentos teóricos, ele pode trabalhar a afetividade, ajudando o sujeito a superar as dificuldades decorrentes da vida escolar e social.

A formação pessoal e profissional do adolescente acolhido institucionalmente é extremante relevante, uma vez que permite ao jovem ter uma perspectiva de futuro, especialmente, no momento da saída da casa de acolhimento, ocasião em que ele buscará sua inclusão na sociedade.

O segundo subcorpus, "Perspectiva de futuro", é composto pelas classes 3, 4 e 5. Neste é possível constatar um discurso marcado pelo desejo em construir sua identidade social, compatível com o grupo a qual se encontra inserido20. Na classe 3, "Realizações pessoais", pode-se evidenciar relatos que indicam o estudo e a escolha de uma profissão como forma de obter sucesso na vida. Já na classe 4, "Assistência familiar", os mesmos destacam a intenção de formar família e maneiras de obter o sustento através do emprego. Na classe 5, "Relacionamento familiar", os adolescentes expressam o desejo de manterem o vínculo com seus familiares visando estar presente e fornecer ajuda sempre que for preciso.

Desta forma, os participantes apresentaram preocupações com o futuro, intenção de formar uma família, desejos de realizações profissionais, apreensão quanto a formas de sustento e obtenção de sucesso no futuro. Sobre isto, Erikson20 destaca a busca do adolescente em compreender o self e o papel que precisa cumprir na sociedade enquanto cidadão. Nesse caso, percorreria um processo saudável do desenvolvimento, ao mesmo tempo em que o capacitaria a lidar com os desafios da vida adulta.

Todavia, para que o adolescente se sobressaia neste período turbulento, é fundamental o apoio de profissionais adequados, que compreendam as sucessivas violações de direitos acometidos antes do acolhimento, as marcas que ficaram em suas vidas e o desejo de ter um futuro melhor. Ademais, é fundamental que os adolescentes saibam desenvolver atividades compatíveis com seus interesses e habilidades, ajudando-os a serem cidadãos. Neste sentido, destaca-se a importância de profissionais especializados para atuar junto a esses sujeitos nas instituições de acolhimento, a exemplo do psicopedagogo.

O psicopedagogo poderá contribuir para o desenvolvimento desses jovens, uma vez que trabalha com a aprendizagem e envolve todas as áreas do desenvolvimento, objetivando a superação das dificuldades não apenas escolares como também, aquelas decorrentes do dia a dia do sujeito23. Portanto, suas práticas permitem trabalhar questões que favorecem desenvolver a resiliência procurando ensinar a estes adolescentes a reconstruírem suas próprias histórias.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa dedicou-se à investigação de aspectos do desenvolvimento de adolescentes que vivenciam o acolhimento institucional, permitindo compreender o contexto da institucionalização a partir da percepção e subjetividade dos mesmos.

Ademais, o estudo pode identificar os fatores de risco (eg., repetência) e fatores de proteção (eg., otimismo quanto ao futuro) presentes no desenvolvimento de adolescentes acolhidos. Tais informes contribuem para gerar discussões sobre novas possibilidades de intervenções direcionadas a essas instituições, jovens, profissionais, famílias e Judiciário.

Evidencia-se a necessidade de capacitação permanente para os profissionais que atuam nestas instituições, a fim de melhor atender os acolhidos, de maneira que sejam espaços que favoreçam verdadeiramente o desenvolvimento integral desta população. Nesse sentido, sugere-a inclusão do psicopedagogo nesses espaços, sobretudo, em decorrência da capacidade deste profissional atuar junto aos processos de aprendizagem e desenvolvimento humano.

Por fim, a pesquisa cumpre seus objetivos por meio de seus resultados. Contudo, cabe aqui apontar a limitação de natureza amostral, todavia, não invalida o estudo, mas demanda que os resultados sejam pensados criticamente.

Para pesquisas futuras, sugere-se a realização de estudos com amostras maiores, possibilitando expandir o conhecimento sobre o assunto e melhorar a compreensão dos aspectos psicossociais envolvidos, bem como a realização de estudos longitudinais, que examinem mais sistematicamente a influência da institucionalização sobre o desenvolvimento desses jovens.

 

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Endereço para correspondência:
Patrícia Nunes da Fonseca
Universidade Federal do Paraíba
Núcleo de Estudos do Desenvolvimento Humano, Educacional e Social
Centro de Educação- Departamento de Psicopedagogia
João Pessoa, PB, Brasil - CEP 58059-900
E-mail: pnfonseca.ufpb@gmail.com

Artigo recebido: 29/8/2017
Aprovado: 10/9/2017

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal do Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.

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