SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.34 issue105The formation of educators in neuroscience and their contribution in learning processMultisensory and phonic intervention in reading and writing difficulties: A Case Study author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.34 no.105 São Paulo  2017

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Processos educativos na adolescência: possibilidades interventivas na clínica psicopedagógica por meio das tecnologias digitais

 

Educational processes in the adolescence: Interventional possibilities at Psychopedagogical Clinic through digital technologies

 

 

Julia Scalco Pereira

Psicopedagoga, Neuropsicóloga e Doutoranda em Psicologia do Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (Neurocog), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo busca refletir sobre as contribuições dos meios digitais em educação, a partir de relato de caso clínico, delineando as concepções acerca da intervenção em Psicopedagogia Clínica com pacientes adolescentes através das novas tecnologias. São apresentadas, inicialmente, caraterísticas gerais da adolescência, deixando claros os processos de modificação enfrentados pelos sujeitos no decorrer desta fase da vida, do ponto de vista das mudanças psicossociais e educativas. Em seguida, são apontadas algumas ideias a respeito da informática educativa e sua importância no processo de aquisição dos conhecimentos no cotidiano escolar e psicopedagógico. Por fim, são tecidas algumas relações entre a intervenção psicopedagógica na adolescência e o uso das tecnologias digitais, de modo a ilustrar algumas possibilidades do uso dessas ferramentas atuais no processo de intervenção e motivação para a construção de aprendizagens com adolescentes.

Unitermos: Adolescência. Aprendizagem. Cognição. Tecnologia da Informação.


ABSTRACT

This article seeks to reflect about the contributions of digital means in education, from a clinical case report, tracing the conceptions about the intervention at the Psychopedagogical Clinic with teen patients through new technologies. Some general characteristics of adolescence are presented, trying to clear up the processes of changes faced by these subjects during this life period, through psychosocial and educational point of view. Then, some ideas about the educational computing and its relevance in the process of acquiring knowledge at school and the psychopedagogical context are pointed. Finally, some relations about the psychopedagogical intervention at the adolescence and the use of digital technologies are brought, to illustrate some possibilities of use of these current tools at interventional and motivational process of learning construction with adolescents.

Keywords: Adolescence. Learning. Cognition. Information Technology.


 

 

INTRODUÇÃO

As tecnologias digitais têm permeado o cotidiano de bilhões de pessoas ao redor do mundo, sendo considerado o uso do computador como um dos maiores avanços tecnológicos das últimas décadas. Diariamente, são realizadas diversas tarefas essenciais com o uso dos meios digitais, como pesquisar e acessar informações via Internet, comunicar-se com outras pessoas, entre outras atividades que as tecnologias atuais nos permitem1.

Cada vez mais cedo, os jovens estão hiperconectados, 24 horas por dia, fazendo parte de redes sociais, conversando através de chats, criando blogs, compartilhando fotos, experiências, sentimentos e vivências significativas deste período de vida. Tendo presente que essas tecnologias fazem parte do dia-a-dia de muitos adolescentes, torna-se essencial o uso desse rico meio como caminho para auxiliar no processo de aprendizagem1,2.

Entendendo a relevância das novas tecnologias educativas na atualidade, o presente artigo* pretende refletir acerca das contribuições que o uso das tecnologias digitais pode oferecer ao psicopedagogo. Este procura delinear o uso da informática educativa no contexto da intervenção na clínica psicopedagógica com adolescentes, a partir de relato de caso clínico, no tocante às particularidades educacionais desse público.

Neste sentido, são tecidas algumas considerações em relação ao adolescer e o papel do psicopedagogo na avaliação e intervenção nesta faixa etária. Além disso, é discutido a respeito dos potenciais da informática educativa neste contexto, a fim de que possam dar subsídios para compreender de que forma as tecnologias digitais possibilitam motivar o adolescente no processo de tratamento psicopedagógico.

 

O ADOLESCER: CONFLITOS E PRAZERES

A adolescência é um período da vida caracterizado, em geral, pela simultaneidade de descobertas, conflitos e prazeres, através do qual o sujeito constitui a sua identidade enquanto indivíduo em uma sociedade3. Esta construção inicia desde o nascimento, mas é na fase adolescente que a formação identitária se remodela em um ritmo mais acelerado, para então se consolidar a fase adulta4.

Outeiral5 ressalva que o adolescer é um fenômeno psicológico e social, constituído por diferentes fases, com características bastante distintas. O autor também traz que, na atualidade, o processo de adolescer começa a ocorrer com maior precocidade, sendo levadas em conta idades aproximadas para seu desenvolvimento.

Como não há um consenso entre os diferentes autores em relação aos períodos nos quais se organizam a adolescência, optou-se pelo delineamento realizado por Leonço6 para procurar explicar este fenômeno. A autora divide os períodos da adolescência em dois momentos, que podem oscilar na variação de idade em cada indivíduo.

O período inicial é chamado de puberdade/pré-adolescência, desdobrando-se por volta dos 11, 12 anos, no qual ocorrem diversas modificações corporais no indivíduo, como o crescimento de pelos nas regiões pubianas e o desenvolvimento mais acelerado dos órgãos sexuais. Ao mesmo tempo, aspectos psicológicos ligados à apropriação e autoconhecimento em relação ao próprio corpo fazem parte desta fase.

A segunda fase daria conta da adolescência propriamente dita, que inicia por volta de 14, 15 anos, na qual as transformações presentes estariam mais fortemente associadas às questões psíquicas6. Pode-se observar, frequentemente, que o humor do adolescente oscila muito, passando por momentos de exaltação e isolamento, que vão se modificando de forma abrupta7.

Apesar disso, é importante perceber que estas mudanças não são apenas no corpo e nos comportamentos, portanto, o sujeito adolescente passa por um turbilhão de modificações em sua constituição biopsicossocial7. Essas modificações levam a crises de rebeldia, de aceitação do outro e de si próprio, entre outros fatores que caracterizam esta faixa etária3,4.

No decorrer desta fase, a autoridade da família e, consequentemente, da escola são altamente questionadas. Ao mesmo tempo em que há uma busca pelo afastamento das figuras adultas, por não se considerar mais uma criança, a família continua sendo um refúgio para transpor suas inseguranças4.

Há a procura pelo pertencimento a grupos de afinidades, que possibilitam o envolvimento com outros círculos sociais, importantes para a caracterização e desenvolvimento do sujeito, favorecendo, assim, a situação de pertencimento a uma realidade coletiva4,7. Neste momento da vida também há uma ressignificação do que o indivíduo viveu anteriormente, fazendo uma nova elaboração das condutas e pensamentos que precisa abandonar, que fazem parte da infância, ocorrendo uma simultaneidade de perdas e aquisições que levam o sujeito à reorganização da sua identidade para adentrar a vida adulta3.

Os adolescentes ainda lidam com as pressões da sociedade de consumo e da mídia, que transmitem e reformulam diariamente os valores aceitáveis e as formas de viver a ser seguidas, o que gera conflitos entre o que o adolescente está sendo e o que ele pretende ser. Sabendo, então, que a adolescência é um período de relevância para o desenvolvimento do sujeito, é necessário que haja cuidados parenterais, escolares e sociais adequados a esta faixa etária, contribuindo para o amadurecimento pleno das potencialidades de cada sujeito em sua individualidade. É em meio a este cenário que o papel do psicopedagogo, frente às dificuldades de aprendizagem e de aproximação dos conhecimentos, precisa estar contextualizado para que as demandas que a adolescência enfrenta em sua aprendizagem possam ser ressignificadas7.

 

PSICOPEDAGOGIA DO ADOLESCENTE: AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO

O processo educativo de adolescentes traz implicações diferentes daquelas que são consideradas para as crianças nos primeiros anos de escolarização formal. É na adolescência que os sujeitos estão em pleno estágio das Operações Formais, lidando com a inteligência hipotético-dedutiva, apresentando maior capacidade de abstrações, predições, fazendo relações entre o possível e o real, realizando operações mentais cada vez mais complexas6,7. O amadurecimento de funções cognitivas como flexibilidade do pensamento, planejamento, atenção e memória, além de outras funções importantes para aquisição dos conhecimentos, também são características importantes dessa faixa etária8.

Ao mesmo tempo, passam por modificações significativas no que diz respeito à rotina escolar. Diferentemente dos primeiros anos de escolarização, nos quais têm uma professora como referência ao longo do ano letivo, com quem podem criar vínculos que costumam facilitar a aprendizagem, passam a ter professores especializados para cada uma das áreas do conhecimento. Como consequência desse fenômeno, os adolescentes perdem esta referência de ensino e têm necessidade de desenvolver formas mais autônomas de gerenciar seu aprendizado, uma vez que o espaço para tirar suas dúvidas com os professores se apresenta bastante reduzido6.

É importante lembrar que é a partir dos Anos Finais do Ensino Fundamental (5o a 9o ano) que inicia um processo de diminuição gradativa do número de alunos matriculados, em comparação com os Anos Iniciais, que se estende para o total de alunos matriculados no Ensino Médio9. Isso se dá pela elevação nos índices de evasão escolar, o aumento da taxa de distorção idade-ano escolar, bem como pelas taxas de reprovação, que se elevam gradativamente6.

Neste sentido, avaliar o paciente nesta faixa etária deve levar em conta não apenas o rendimento escolar e as dificuldades de aprendizagem que se apresentam, mas também aspectos contextuais que possam estar impactando o processo de aprendizagem deste adolescente. Fatores internos e externos devem ser considerados, como déficits e preservações na cognição, relações familiares e sociais, vida laboral, o ambiente de aprendizagem do qual o adolescente faz parte e as oportunidades educativas ofertadas, bem como características específicas do período, como mencionado anteriormente7,8.

A intervenção psicopedagógica é um momento bastante importante do processo de tratamento das dificuldades de aprendizagem. É através desta fase que o psicopedagogo poderá atuar diretamente nos problemas encontrados ao longo do diagnóstico psicopedagógico, de modo a auxiliar o paciente a retomar o prazer pela aprendizagem, enfrentando suas dificuldades e dando continuidade no seu caminho de construção do conhecimento10.

Esta intervenção poderá ocorrer de diferentes maneiras, sempre levando em conta os dados obtidos a respeito do desenvolvimento biopsicossocial do paciente em questão. A partir da coleta de dados e da transmissão destes ao paciente, à família, à escola e aos demais profissionais envolvidos do tratamento da criança/adolescente, o psicopedagogo poderá dar início ao processo interventivo, buscando dar conta das dificuldades apresentadas pelo sujeito de estudo10.

A intervenção junto à família é um momento bastante importante, para que esta possa dar suporte ao paciente, já que são referências dos ensinantes desde o seu nascimento, assim como se torna imprescindível mostrar para o paciente e sua família a importância do engajamento no tratamento para que se obtenham novas aprendizagens. Deve haver, ao mesmo tempo, uma intervenção junto à escola, procurando sugerir a esta instituição formas diferenciadas para lidar com o paciente em questão10.

O psicopedagogo, então, fará o planejamento das atividades que serão realizadas, sempre tendo presentes seus objetivos ao colocá-las em prática. As tarefas devem procurar resgatar os déficits encontrados junto aos pacientes e possibilitar a retomada da aprendizagem10.

É igualmente importante avaliar, durante todo o desenrolar da intervenção terapêutica, se as atividades estão sendo significativas para o sujeito, se elas estão apresentando perspectivas satisfatórias de auxílio ou se será necessário modificar o caminho. Neste sentido, a avaliação e a intervenção junto ao paciente adolescente se diferenciam em relação à criança, pois, mesmo que não deixem de ter um caráter lúdico, devem ser adaptadas de forma a se tornarem interessantes e desafiadoras. Consideremos, então, a informática educativa como um caminho possível de aprendizagem nesta faixa etária7,10.

 

INFORMÁTICA EDUCATIVA: UM CAMINHO POSSÍVEL

Os tempos e os espaços no século XXI sofreram grandes mudanças com o advento das novas tecnologias, em um nível global de abrangência. O que pode ser constatado é que, na atualidade, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) vêm apresentando diversas inovações, se difundindo e permeando o dia-a-dia de crianças, jovens e adultos em todas as partes do mundo. O uso dos recursos de informática e redes sociais tem facilitado as atividades diárias, assim como diminuído a distância entre as pessoas, possibilitando o acesso a novas informações1,11.

Estas inovações criaram o que pode ser chamado de Cibercultura, ou seja, uma nova forma de viver e se relacionar com o mundo, através de ambientes virtuais. Seguindo as transformações trazidas pelos meios telemáticos no âmbito da vida social, o panorama educacional também apresentou diferenciações na maneira de visualizar o binômio ensino-aprendizagem11.

Entende-se, portanto, que a expansão das tecnologias digitais e a sua mutação constante possibilitam uma nova forma de pensar a relação com o saber. Os conhecimentos passam a ser mais fluídos, uma vez que estes podem ser compartilhados e remodelados, interferindo, consequentemente, nas estruturas do sistema educacional como um todo1,11.

Desta forma, fica evidente que as mudanças tecnológicas ocorridas nos últimos anos e a introdução delas no espaço escolar impactam não apenas na configuração das instituições de ensino, mas perpassam também a formação docente, o currículo escolar, e as relações entre os sujeitos que fazem parte desses espaços12. Assim, muitas instituições de ensino têm procurado utilizar a informática educativa para reconfigurar as metodologias até então tidas como consolidadas. As novas tecnologias educacionais puderam levar os educadores a repensar seus fazeres em sala de aula, entendendo que, em contextos sociais de mudança, a escola (e, então, os professores) não pode ficar alheia às informações e aos novos perfis de alunos que se constituem a partir dessas modificações1,2.

A informatização da educação tem diminuído a distância entre educadores e educandos, estes últimos trazendo de seus lares conhecimentos avançados sobre os usos dos recursos contidos nos computadores e compartilhando seus saberes com seus pares1. Desta forma, a informática educativa possibilita o enriquecimento da prática diária, desenvolvendo diferentes habilidades como a criatividade, a expressão e comunicação, além de ampliar as capacidades cognitivas de crianças e adolescentes, oportunizando trocas entre os educandos2.

Para que haja, verdadeiramente, a aquisição de novas capacidades por parte de crianças e adolescentes, torna-se de extrema relevância que escola e professores estejam preparados para lidar com os ambientes digitais de aprendizagem. Essa postura visaria ofertar propostas que motivem e não se tornem apenas mais uma tarefa a ser completada e entregue ao final da aula, que não agrega novos conhecimentos aos alunos1,2.

Principalmente no que se refere ao trabalho com adolescentes, a informática educativa é um meio relevante para o desenvolvimento das capacidades intelectuais, pois, muitas vezes, as atividades propostas em outros ambientes de aprendizagem não são tão desafiadoras quanto aquelas que envolvem o uso com computador. Isso se deve à forma como o adolescente encara o ambiente virtual, como uma novidade e como um lugar onde ele pode criar e manipular ativamente diferentes ferramentas que consigam representar seus pensamentos e pontos de vista13.

É importante salientar que os jovens costumam dedicar bastante tempo diante do computador e das redes sociais, em muitas situações, mais horas do que dedicam à frequência escolar. Neste sentido, o computador torna as atividades mais dinâmicas e significativas, motivando e favorecendo a atividade espontânea de crianças e adolescentes, legitimando, ao mesmo tempo, os processos de construção de saberes, quando trabalhados de modo que o sujeito possa interagir com diversos tipos de mídias2,13.

 

CONTRIBUIÇÕES DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA COM ADOLESCENTES: UM ESTUDO DE CASO

Para colaborar de forma mais prática no entendimento de alguns dos aspectos relevantes do uso da informática educativa no processo de intervenção psicopedagógica, são apresentados dados extraídos de um estudo de caso realizado para conclusão de curso de Especialização em Psicopedagogia. Um dos objetivos principais do estudo foi investigar a intervenção psicopedagógica com paciente adolescente utilizando tecnologias digitais, procurando perceber se esta modalidade de trabalho propiciaria formas diferenciadas e melhor adaptadas às demandas observadas nessa faixa etária.

À época do atendimento, o paciente estava com 16 anos e frequentava o 6a ano do Ensino Fundamental em uma escola pública na região metropolitana de Porto Alegre. Foi encaminhado para avaliação psicopedagógica pelo serviço de Psiquiatria de um hospital público da região. O motivo referido para o encaminhamento era de que o adolescente apresentava dificuldades de aprendizagem e comportamentos agressivos, que traziam implicações importantes para as suas relações com colegas e professores na rotina diária na escola.

Em conversa com a coordenação pedagógica da escola de origem do paciente, pôde-se constatar que este costumava ter oscilações no humor e temperamento difícil, além de apresentar advertências escolares por brigar com colegas e por não finalizar atividades de sala de aula. Suas notas eram, em geral, próximas à média (50% de suficiência em cada uma das áreas de conhecimento), com exceção de Língua Portuguesa e Ciências, que se apresentavam bastante abaixo da média por dois trimestres consecutivos. Ainda houve relato da coordenadora de que o aluno havia repetido todas as séries anteriores do Ensino Fundamental e que havia grande risco de não atingir nota suficiente na série que estava frequentando naquele período.

Em entrevista com a família, a mãe relatou que era muito imaturo e dependente em relação a ela e ao irmão gêmeo, assim como observava que tinha mudanças repentinas de conduta. Pontuou que seu filho brincava com maior frequência com crianças mais novas que ele, dentro e fora da escola. Também contou que o adolescente já havia sido avaliado por serviço de Psicologia e que o mesmo pediu para não ir mais aos atendimentos antes mesmo de serem realizadas sessões de intervenção psicológica.

Após a avaliação psicopedagógica, foram estabelecidos encontros semanais, de 50 minutos cada, durante 10 semanas. Ao longo das sessões, foram utilizados diferentes recursos no computador (notebook), procurando desenvolver principalmente as habilidades de leitura e escrita, que eram as que se encontravam deficitárias no paciente, de acordo com as queixas da escola e família, que também foram percebidas na avaliação psicopedagógica.

Para tanto, foi lançada mão de propostas como uso do software HagáQuê, para montagem de histórias em quadrinhos e ferramentas de edição do pacote Office, como Microsoft Word e PowerPoint, para ordenamento de fragmentos de contos clássicos, produção de história através das ilustrações de livros sem escrita e criação de história autobiográfica com o uso de fotografias pessoais. Além disso, foram utilizados jogos educativos diversos retirados da Internet, para auxiliar quanto aos déficits ortográficos.

Uma relação inicial interessante que pôde ser tecida observando as sessões de intervenção com o paciente adolescente foi a conduta estabelecida no uso do software HagáQuê para produzir histórias em quadrinhos. Em uma das produções, o paciente questionou para que serviam as ferramentas do aplicativo, principalmente os balões de fala. Utilizou diversas vezes o balão pontilhado, que expressaria tom de voz baixo.

Através desta atitude posta na construção da história, foi possível observar uma projeção da personalidade do paciente, o que é bastante comum na intervenção psicopedagógica14. Essa personificação da voz do paciente, que desde o início do tratamento apresentava muita timidez e acabava por falar baixo também, transpareceu na forma como retratou os personagens em seus quadrinhos.

Também com o uso desse recurso de informática, torna-se possível explorar cenários, personagens, diálogos e a sequência dos fatos, mesmo com o uso de um único personagem ao longo da produção, fazendo com que adolescentes (assim como crianças) percebam que existe início, meio e final nas histórias. Isso foi observado na diferença da primeira produção de história em quadrinhos do paciente para a segunda, realizada nos últimos encontros da intervenção, na qual se percebeu um salto gradativo na narrativa e na coerência textual, procurando manter uma linha de raciocínio do início ao fim (o que ainda não era percebido na primeira produção, na qual usou figuras e relatos de situações desconectados entre si).

A intervenção quanto aos aspectos de linguagem por meio do uso de recursos lúdicos computacionais, tanto no que diz respeito aos processos de construção das estruturas componentes de uma produção escrita quanto aos seus aspectos sintáticos e gramaticais, colabora para que haja uma preparação mais consistente e organizada de portadores de texto diversos. Os erros nas elaborações narrativas tomam uma forma construtiva, que auxilia no desenvolvimento das habilidades linguísticas13.

Quando fornecidos "indicadores de erros" pelo computador, a criança e o adolescente se sentem surpresos e confrontados a encontrar uma solução. Essa experiência oportuniza que o aprendente vá tomando consciência de mecanismos para autocorreção13. Desta forma, os "erros" apontados, por exemplo, pelas linhas onduladas dos programas Microsoft Word e PowerPoint, não necessariamente tolheram a iniciativa do paciente em escrever e criar, mas o desafiaram a procurar formas mais adaptadas de escrever.

Um dos pontos importantes do uso do computador ao longo das sessões foi a automaticidade adquirida pelo paciente para lidar com as questões ortográficas, gramaticais e de pontuação. Foi possível perceber que o adolescente foi se apropriando de tal forma da ferramenta de autocorreção, que não necessitava mais que se chamasse sua atenção para o fato de ter aparecido a linha avermelhada abaixo das palavras escritas, o que também ocasionou o questionamento prévio da forma de se escreverem as palavras em outros contextos de escrita, mostrando um grande salto nos aspectos linguísticos construídos durante o processo de intervenção.

Para tanto, é inegável a capacidade que estas ferramentas têm de tornar mais espontânea no paciente a busca prévia pela utilização de palavras adequadas graficamente13. Isso mostra que, através desta funcionalidade que possuem editores de texto e imagem, assim como aplicativos de criação de textos que tenham este recurso, esses são ferramentas importantes para a intervenção psicopedagógica.

Ainda pensando nas vantagens do uso dos recursos de informática com adolescentes estão "a possibilidade de representar o real através do virtual, possibilitando sua leitura a partir de vários ângulos, e, assim, tornando muito mais ricos e conhecidos" (p. 154) os objetos de aprendizagem, assim como dão conta do desenvolvimento da abstração, tão essenciais nesta faixa etária13. A construção da história de vida pelo paciente, por exemplo, fez com ele percebesse não somente questões formais do discurso narrativo, mas também que refletisse mais a respeito da sua forma de lidar com as situações do seu dia-a-dia e, principalmente, suas inseguranças.

Ao longo das primeiras produções, observou-se que o paciente possuía pouco contato com o computador, necessitando, desta forma, de orientação para lidar com o instrumento de aprendizagem, construindo, a partir das intervenções e de seus próprios questionamentos, esquemas de ação para realizar a atividade solicitada. O paciente havia comentado com a mãe o quanto aguardava com ansiedade para que a escola oferecesse este tipo de atividade, uma vez que esta possuía diversos aparelhos que não eram disponibilizados para uso dos alunos.

Além disso, em conversa com a mãe do paciente posteriormente, apareceu o relato de que o adolescente teria ficado muito satisfeito em realizar as atividades com uso do notebook. No decorrer das sessões, também foi possível observar que estas atividades apresentadas através do computador eram mais bem recebidas e feitas com maior empenho do que as demais atividades propostas, mesmo quando eram jogos.

Como já abordado anteriormente, no período da adolescência, a informática educativa tem a possibilidade de constituir um elo entre a aprendizagem formal e os conhecimentos do cotidiano, uma vez que adolescentes fazem uso de diferentes ferramentas do espectro das tecnologias digitais e se permitem o desafio de trabalhar através do computador, sem se sentirem intimidados pelos novos recursos e experiências que são proporcionados através dele. Da mesma maneira, as atividades incorporadas aos recursos de informática educativa são vistas de forma prazerosa por adolescentes, inclusive aqueles que nunca tiveram contato mais consistente com o computador13,14.

Esta relação ficou clara ao longo da pesquisa, através das atividades propostas junto ao paciente, demonstrando maior criatividade nos processos de produção ao longo das sessões interventivas. Ficou evidente que o paciente teve a oportunidade de desenvolver estratégias para lidar melhor com os conhecimentos e, assim, construir novas formas para realizar as atividades solicitadas.

Ao mesmo tempo, ao se perceber obtendo êxitos em suas aprendizagens através do uso do computador, o adolescente passou a demonstrar maior segurança no trabalho de intervenção, bem como firmar um vínculo mais sólido com sua terapeuta. Deste modo, pode ser constatado que, na clínica psicopedagógica, a informática pode ser um facilitador dos processos criativos, de construção dos conhecimentos e de integração social, por possuir uma série de ferramentas que dinamizam a atividade do paciente13.

Nesse sentido, é necessário que se desenvolvam habilidades para lidar com os ambientes digitais, que iniciam pela oportunização do uso do computador, para que haja um aperfeiçoamento das condutas do sujeito frente às novas tecnologias. Ainda que nos últimos anos tenha ocorrido uma maior difusão do acesso às tecnologias digitais e aumento da conectividade à Internet, percebe-se uma lacuna importante entre as diferentes camadas sociais15.

As desigualdades na distribuição de renda e nas oportunidades educativas refletem na apropriação adequada das possibilidades que as tecnologias digitais podem oferecer. O acesso a novas fontes de conhecimento e interação reflexiva nas redes sociais, por exemplo, tem íntima relação com a ampliação do uso de diferentes redes de difusão eletrônica, bem como a capacidade de questionar os saberes15. Como pôde ser percebido durante a intervenção, a promoção do uso das tecnologias digitais de modo planejado pode trazer benefícios educativos, necessitando ser ampliada, sobretudo em contexto de nível socioeconômico menos favorecido.

O psicopedagogo deve ter clara a validade das tecnologias em auxiliar no desenvolvimento e no enriquecimento do pensamento de seus pacientes, não utilizando apenas como um recurso substituto do lápis e papel14. Portanto, estes recursos devem estar em consonância com os objetivos propostos e a metodologia utilizada pelo psicopedagogo em sua prática na clínica, tendo em vista o desenvolvimento de uma intervenção que utilize ferramentas coerentes, para que não se tornem apenas a realização da atividade pela atividade.

Outra questão importante em relação às tecnologias atuais que vem sendo explorada em pesquisas recentes é o valor das redes sociais como fonte efetiva de desenvolvimento de aprendizagens16. Entendendo que redes como Facebook, Twitter e outros meios comunicativos têm grande adesão por parte de adolescentes, é imprescindível refletir o quanto essas permitem que haja socialização de saberes, incorporando também conhecimentos das diversas áreas (leitura, escrita, história, ciência naturais, etc.) de modo formal por meio dessas redes, levando-se em conta a privacidade de seus alunos/pacientes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletindo acerca das contribuições da utilização da informática educativa na intervenção psicopedagógica, é possível evidenciar que os recursos disponíveis por meio do computador podem atuar como agentes facilitadores na construção de vínculos efetivos entre sujeito e objeto de aprendizagem14.

No caso de adolescentes, estas contribuições são ainda mais importantes, por se tratar de uma faixa etária que vive um momento bastante distinto. Como foi salientado ao longo do trabalho, esses passam por processos radicais de mudança da realidade vivida, seja no campo das emoções, das transformações corporais, na forma como o ensino lhe é ofertado e, portanto, nas formas de se aproximar do saber7.

O computador proporciona um ambiente riquíssimo para a atividade espontânea, tanto da criança quanto do adolescente, conduzindo a um processo de crescimento que, muitas vezes, é mais ágil e consistente do que utilizando outros métodos2. A informática educativa é relevante no que diz respeito à inteligência, já que crianças e adolescentes poderão também desenvolver organizações de estruturas cognitivas mais elaboradas, através de um processo criativo e estimulante, resolvendo problemas, produzindo portadores de texto, elevando, assim, o nível de raciocínio13,14.

Através da experiência relatada ao longo deste artigo, pode-se perceber que o uso das tecnologias digitais com adolescentes não somente atua no caráter motivacional, mas também nos aspectos cognitivos, além de auxiliar nos vínculos afetivos construídos entre paciente e terapeuta ao longo do tratamento. Estes vínculos, quanto melhor organizados, maiores serão as chances de o paciente permanecer envolvido com o tratamento, pois estará realizando atividades prazerosas e lidando com as suas dificuldades de uma maneira muito específica e gratificante13.

Ao mesmo tempo, as tecnologias digitais se tornam cada vez mais desafiadoras, em vista do processo de mutação acelerado pelo qual passam os recursos tecnológicos, demandando que pacientes e terapeutas busquem desenvolver novas habilidades frente às inovações que surgem a cada dia. O psicopedagogo tem um leque imenso de opções de softwares, jogos, programas e aplicativos que possibilitam uma intervenção psicopedagógica mais bem elaborada e adaptada à juventude atual, à sua metodologia de trabalho e com resultados eficazes na prática interventiva psicopedagógica1.

Por fim, fica claro o quanto é importante investir na formação contínua nas tecnologias digitais, de modo que "o psicopedagogo possa e saiba se utilizar cada vez mais do instrumento de informática para construir com a criança [e o adolescente] sua consciência como alguém real, capaz de lidar com o virtual, sem nele se perder"13. Desta forma, os recursos das tecnologias digitais podem ter papel significativo enquanto instrumentos de prevenção e tratamento dos problemas de aprendizagem.

 

REFERÊNCIAS

1. Pereira JS. Formação de Educador@s nas Tecnologias Digitais: Tecendo possibilidades. Rev Novas Tecnol Educ. 2010;8(2):10 p.         [ Links ]

2. Santos BS, Antunes DD, Maissait J, Bernardi J. Informática educativa y el proceso motivacional de los adolescentes. In: Congreso Internacional EDUTIC; 2007 Ago 29-31; Buenos Aires, Argentina.         [ Links ]

3. Macedo MMK, org. Adolescência e Psicanálise: Intersecções Possíveis. 2a ed. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2010.         [ Links ]

4. Heidemann M. Adolescência e saúde: uma visão preventiva para profissionais de saúde e educação. Petrópolis: Vozes; 2006.         [ Links ]

5. Outeiral JO. Adolescer: Estudos revisados sobre adolescência. 2a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2003.         [ Links ]

6. Leonço VC. O aluno adolescente nas séries intermediárias: abordando o não-aprender no contexto psicopedagógico [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2000.         [ Links ]

7. Oliveira VB, Bossa NA, orgs. Avaliação Psicopedagógica do Adolescente. 12a ed. Petrópolis: Vozes; 2010.         [ Links ]

8. Cosenza RM, Guerra LB. Neurociência e Educação: Como o Cérebro Aprende. Porto Alegre: Artmed; 2011.         [ Links ]

9. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP. Sinopse Estatística da Educação Básica 2015. Brasília: INEP, 2016 [acesso 2017 Jun 19]. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica        [ Links ]

10. Chamat LSJ. Técnicas de Intervenção Psicopedagógica: Para Dificuldades e Problemas de Aprendizagem. 1a ed. São Paulo: Vetor; 2008.         [ Links ]

11. Lévy P. Cibercultura. 2a ed. São Paulo: Editora 34; 1999.         [ Links ]

12. Perez JRR, Silva FP. Computadores e educação: uma revisão da pesquisa internacional. In: Valle LELR, Mattos MJVM, Costa JN, orgs. Educação Digital: A Tecnologia a Favor da Inclusão. Porto Alegre: Artmed; 2013.         [ Links ]

13. Oliveira VB, org. Informática em Psicopedagogia. São Paulo: Editora SENAC; 1996.         [ Links ]

14. Weiss MLL. O uso da informática no diagnóstico psicopedagógico. In: Weiss MLL. Psicopedagogia Clínica: Uma Visão Diagnóstica dos Problemas de Aprendizagem Escolar. 13a ed. Rio de Janeiro: Lamparina; 2008.         [ Links ]

15. Ribeiro LCQ, Salata A, Costa L, Ribeiro MG. Desigualdades digitais: Acesso e uso da internet, posição socioeconómica e segmentação espacial nas metrópoles brasileiras. Anal Soc (Lisboa). 2013;47(2):289-320.         [ Links ]

16. Schneider HN, Souza AAN. Potencialidades do uso de sites de redes sociais no processo de ensino e aprendizagem. Int J Knowl Eng Manag. 2014;3(6):181-96.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Julia Scalco Pereira
Rua Ramiro Barcelos, 2600 - Sala 114
Porto Alegre - RS, Brasil - CEP: 90035-003
E-mail: julia_scalco@hotmail.com

Artigo recebido: 27/8/2017
Aprovado: 8/9/2017

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil.
* Texto adaptado de Trabalho de Conclusão de Especialização em Psicopedagogia da autora, orientado pela Profª Dra. Marlene Rosek e originalmente intitulado "Psicopedagogia do Adolescente e as Tecnologias Digitais: Possibilidades interventivas na clínica psicopedagógica" - Faculdade de Educação/PUCRS (2011).

Creative Commons License