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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.35 no.106 São Paulo abr. 2018

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Expectativa de profissionais da saúde e de psicopedagogos sobre aprendizagem e inclusão escolar de indivíduos com transtorno do espectro autista

 

Expectation of health and psychopedagogue professionals about learning and school inclusion of individuals with autistic spectrum disorders

 

 

Caroline de Carvalho Pereira de CamposI; Fernanda Caroline Pinto da SilvaII; Sylvia Maria CiascaIII

IGraduação em Pedagogia (Centro Universitário Amparense - UNIFIA), Pós-graduação em Psicopedagogia (Centro Universitário de Jaguariúna - UNIFAJ), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil
IIGraduação em Fonoaudiologia - Universidade Estadual e Campinas (UNICAMP), Especialização em Saúde Mental com Ênfase em Transtorno do Espectro Autista (INAPEA), Especialização em Neuropsicologia Aplicada à Neurologia Infantil (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil
IIIGraduação em Psicologia (PUC-Campinas), Mestrado em Psicologia (Neurociências e Comportamento (USP), Doutorado em Neurociências - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Livre docência em Neurologia Infantil (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse estudo teve o objetivo de analisar a expectativa dos profissionais da saúde e de psicopedagogos sobre aprendizagem e inclusão escolar de indivíduos com transtorno do espectro autista (TEA). Participaram 33 profissionais com atuação na interface entre saúde e educação, atuantes na região metropolitana de Campinas-SP. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semidirigidas, as quais foram audiogravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo. Os resultados evidenciaram que, sob a perspectiva dos profissionais, indivíduos com TEA são capazes de aprender, porém em modo e ritmo diferentes. Para o bom desenvolvimento desses indivíduos e para o sucesso da inclusão escolar dos mesmos, o trabalho interdisciplinar foi mencionado como um fator de significativa importância. Destaca-se que a maior parte dos profissionais acredita que a inclusão escolar é para todos e contribui para o desenvolvimento de múltiplas habilidades, entretanto, ainda não ocorre, de fato, em função da falta de profissionais preparados para o atendimento educacional especializado e da falta de um projeto pedagógico que facilite a inclusão escolar.

Unitermos: Transtorno do Espectro Autista. Autismo. Aprendizagem. Inclusão Escolar.


ABSTRACT

This study aimed to assess health care and psychopedagogy practitioners' expectations towards learning capabilities and inclusive education of children with autism spectrum disorder. A total of 33 practitioners in health care and education from the metropolitan area of Campinas-SP participated in the study. Data were collected through semi structured interviews, which were recorded, transcribed, and assessed through a content analysis method. Results show practitioners believe that children with ASD own sufficient learning capabilities, but learning will take different path and pace. Interdisciplinary approach was listed as a critical factor for successful development and effective inclusion of autistic children. The majority of professionals believe inclusive education is for all as well as it does foster the development of multiple skills, whereas inclusion is not a reality due to the lack of skilled professionals providing customized education services and the nonexistence of inclusive education programs.

Keywords: Autism Spectrum Disorder. Autism. Learning. Inclusive Education.


 

 

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits persistentes na linguagem receptiva e expressiva e na interação social, com presença de comportamentos restritivos e repetitivos de atividades e interesses1.

Os primeiros sinais do TEA aparecem antes dos 3 anos e são caracterizados por dificuldades de interação e de comunicação. O diagnóstico precoce permite melhor efetividade no processo de reabilitação desses indivíduos, visto que a intervenção se torna mais direcionada, com estimulação das habilidades sociais, comunicativas e intelectuais2.

Tendo em vista as diferenças de sintomas e de desenvolvimento de cada pessoa com TEA, é necessário compreendê-la como um espectro de condições, de modo que as características pessoais, contextuais e culturais de cada indivíduo devem ser consideradas para a análise do seu desenvolvimento e evolução3.

Neste sentido, identificar o desempenho intelectual de indivíduos com TEA é importante para realização do diagnóstico diferencial e para a classificação do nível e do perfil cognitivo do sujeito. Sabe-se que o comprometimento intelectual é uma das características frequentes em indivíduos com TEA, sendo, portanto, relevante para a elaboração do plano pedagógico individualizado no processo de inclusão escolar, que é garantida por lei e indicada por profissionais de diferentes áreas4-7.

Nos últimos anos, a educação inclusiva tem sido amplamente discutida, com o objetivo de superar a exclusão, ressignificar a educação especial e construir sistemas educacionais inclusivos, de forma a garantir e fazer valer os direitos das pessoas com deficiências. Neste contexto, a Declaração Mundial de Educação Para Todos (1990)8 e a Declaração de Salamanca (1994)9 se constituem como dois grandes marcos da década de 1990 que influenciaram a formulação das políticas públicas de educação inclusiva no cenário brasileiro.

A lei nº 9.394/9610, o decreto nº 3.298 (1999)11 e a resolução CNE/CEB 04/200912 preconizam a universalização da educação, com modalidade transversal a todos os níveis de ensino, e enfatizam a atuação complementar da educação especial ao ensino regular. Asseguram, também, o Atendimento Educacional Especializado (AEE), complementar ou suplementar à escolarização. A resolução CNE/CP no 1/200213, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, define que é dever da instituição de ensino superior contemplar, na formação docente, os conhecimentos sobre as especificidades de estudantes com necessidades educacionais especiais.

Apesar das políticas de inclusão educacional, ainda se observa precariedade de conhecimento por parte dos profissionais da educação. Os conhecimentos científicos e instrumentais são fundamentais, mas a docência também pressupõe saberes de cunho afetivo, valorativo e ético no conjunto de seu saber-fazer. Neste contexto de construção da escola inclusiva, o enquadramento legislativo é necessário para lhe dar suporte, mas a sua consolidação só ocorre por meio da prática dos atores que a implementam14,15.

Não são previstas, de modo geral, diferenças significativas de saberes para o ensino de alunos com e sem deficiência, uma vez que se recomenda que os professores atendam às necessidades de todo e qualquer aluno14. Observa-se, no entanto, grande resistência por parte de alguns profissionais quanto ao processo de inclusão escolar de indivíduos com TEA, de modo que a inserção desses indivíduos no ensino regular é questionada tanto em função das particularidades do transtorno quanto por não considerarem que as práticas inclusivas possam contribuir para o desenvolvimento intelectual e social dos mesmos16.

A aceitação do aluno com TEA pelo professor, no processo de inclusão escolar, está relacionada a diversos fatores, dentre os quais se destacam o nível de formação acadêmica do educador, o seu conhecimento das políticas de inclusão educacional, a sua concepção de deficiência e de autismo, e o tipo de relação que se propõe a estabelecer com o aluno - se com os seus "sintomas" ou com a criança que constitui este aluno17.

Neste sentido, torna-se necessário apresentar e avaliar propostas de reorganização da escola e da prática docente, considerando seus desafios, limites e possibilidades18.

Com base no exposto, o objetivo desse estudo foi analisar a expectativa de profissionais da saúde e de psicopedagogos sobre a aprendizagem e a inclusão escolar de indivíduos com TEA.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com base na abordagem qualitativa de pesquisa. Os sujeitos participantes foram profissionais da saúde e psicopedagogos com atuação na interface entre saúde e educação, atuantes na região metropolitana de Campinas-SP. Estabeleceram-se, como critérios de inclusão, que os profissionais fossem liberais e que atendessem crianças com TEA. Como critérios de exclusão, que os profissionais não possuíssem vínculo empregatício com instituições educacionais e que se recusassem a participar da pesquisa ou a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semidirigidas, realizadas entre os meses de novembro de 2017 e janeiro de 2018, e a amostra final foi constituída de 33 participantes.

O protocolo de entrevista, constituído por 12 questões, foi elaborado com o intuito de caracterizar os profissionais (nome, idade, sexo, profissão, tempo de trabalho e formação) e investigar os seguintes temas: a) definição e caracterização do TEA; b) desenvolvimento de indivíduos com TEA; c) aprendizagem de indivíduos com TEA; d) inclusão educacional desses indivíduos; e e) o papel do profissional no processo de inclusão educacional desses indivíduos.

As entrevistas foram audiogravadas, e posteriormente transcritas, possibilitando melhor análise do conteúdo. Para garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados, os mesmos foram denominados por S1, S2... S33.

Os dados foram analisados e interpretados, buscando a compreensão segundo a análise de conteúdos de Bardin19. De acordo com a autora, a análise de conteúdo se constitui de um conjunto de técnicas de análise das comunicações, com o objetivo de obter indicadores (quantitativos ou não) que possibilitem a inferência de conhecimentos relacionados às mensagens produzidas. Para tanto, é composta de três etapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Na primeira fase, buscou-se a organização das ideias iniciais (pré-categorias) por meio da leitura ampla do material. Na segunda fase, realizou-se uma leitura mais aprofundada, no intuito de agrupar as ideias centrais e de realizar recortes que pudessem ser classificados em subcategorias. Por fim, na terceira fase, as subcategorias foram organizadas em temas, por semelhanças ou discordâncias, que direcionaram a interpretação e a discussão dos dados, com base nos objetivos do estudo.

O estudo foi encaminhado como determina a Resolução nº466/12, do Conselho Nacional de Saúde, para o Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e teve aprovação sob o protocolo nº 74981517.0.0000.5404.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos Participantes

Participaram do estudo 33 profissionais, sendo 6 psicólogas, 9 psicopedagogas com atuação na interface entre saúde e educação, 7 terapeutas ocupacionais, 8 fonoaudiólogas, 1 neuroeducador, 1 educador musical e 1 educador físico, com a média de idade de 35 anos e predominância do sexo feminino.

Com relação à formação, 27 profissionais possuíam especialização relacionada aos transtornos do desenvolvimento e às deficiências, e 17 sujeitos já trabalharam em instituição de educação especial. O tempo médio de atuação desses profissionais com indivíduos com TEA foi de 5 anos. Para a constituição da amostra, também foram recrutados profissionais médicos, tanto da psiquiatria da infância e adolescência quanto da neuropediatria, porém os mesmos não aceitaram participar da pesquisa.

Definição e caracterização do Transtorno do Espectro Autista

Para o tema definição e caracterização do TEA, foram encontradas sete subcategorias, conforme os dados da Tabela 1.

 

 

Duas das subcategorias foram mais frequentemente relatadas pelos sujeitos: alteração da díade comunicação social e comportamento e interesses restritos e repetitivos, e citação de algumas características pontuais, conforme os exemplos a seguir:

[...] Normalmente, a gente procura algumas características, como atraso na fala, dificuldades na comunicação social e na interação, falta de contato visual prévio, brincar desorganizado, restritivo, cheios de rituais e sem significação. Observo também sensibilidade tátil em algumas crianças. (S1)

Transtorno do neurodesenvolvimento que afeta o comportamento e a comunicação. (S2)

Embora a subcategoria díade comunicação social e comportamento tenha sido uma das mais relatadas entre os profissionais, a sua frequência ainda representa menos da metade da amostra total, o que sugere pouco domínio dos profissionais quanto aos critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico de Saúde Mental (DSM-5)1.

A alta frequência da apresentação de características pontuais do TEA, com caráter mais descritivo do que definidor, corrobora a hipótese de pouco domínio de conhecimento sobre este transtorno por parte dos profissionais, sugerindo que os conhecimentos foram obtidos mais por meio da observação dos seus pacientes, na prática profissional, do que com o aperfeiçoamento teórico.

Observa-se, ainda, que poucos profissionais relataram a heterogeneidade na apresentação e no nível de gravidade dos sintomas, característica de significativa importância para compreender a necessidade de elaboração do plano terapêutico individualizado e do plano pedagógico individualizado. De acordo com as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo20, o projeto terapêutico a ser desenvolvido deve resultar do diagnóstico elaborado, das sugestões decorrentes da avaliação interdisciplinar da equipe e das decisões da família. Desta forma, deve ser individualizado e atender às necessidades do aluno.

Uma das categorias apresentadas caracteriza o TEA como psicose.

[..] É uma psicose, o rompimento do ego e a relação com o materno. A criança entra no mundo dela e fica imersa [...]

O termo psicose faz referência à abordagem teórica que compreende o TEA como um transtorno mental, sugerindo, portanto, que pessoas com TEA devem receber um tratamento psicossocial.

O documento Linha de Cuidado Para Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e Suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde21 apresenta o TEA como transtorno mental, identificado como um conjunto de diferenças significativas na sua experiência subjetiva ou no seu comportamento em relação ao padrão "típico" esperado pela sociedade e pela cultura às quais pertence e com comprometimento funcional da vida cotidiana. O tratamento psicossocial oferece cuidados com respeito à singularidade do indivíduo com TEA, ao envolvimento da família, ao processo diagnóstico, à inserção escolar e comunitária, e ao desenvolvimento do trabalho em rede intersetorial.

As diferentes concepções do autismo podem levar a condutas terapêuticas e pedagógicas diferentes, mas ambas as condutas preveem a inclusão educacional desses indivíduos.

Outra subcategoria que evidencia o pouco conhecimento dos profissionais sobre o TEA é a subcategoria "dificuldade em caracterizar o TEA", podendo ser justificada pela heterogeneidade dos sintomas e por falta de formação suficiente sobre a temática.

Desenvolvimento de indivíduos com TEA

De acordo com os dados da Tabela 2, para 11 entrevistados, com o objetivo do desenvolvimento pleno, o indivíduo com TEA necessita estar inserido no ambiente escolar, ter acompanhamento com equipe multidisciplinar (terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo e médico) e ter uma família com conhecimento sobre o assunto e que esteja amparada pela equipe de profissionais. Para 15 pessoas, o diagnóstico precoce e a intervenção logo no início da descoberta influenciam no desenvolvimento, como mencionado abaixo.

[...] Fazer as terapias adequadas com bons profissionais. Pais, escola e terapeutas precisam dar suporte para que ela possa envolver em atividades que facilite o desenvolvimento [...]. (S26)

Intervenção precoce, diagnóstico precoce e diferencial. (S20)

 

 

Ter conhecimento da importância do trabalho interdisciplinar para o desenvolvimento de indivíduos com TEA está diretamente ligado ao sucesso da inclusão educacional, uma vez que o desenvolvimento da criança e o suporte da equipe são fatores de grande influência para o sucesso da inclusão. Estudo22 relata que o tratamento multidisciplinar colabora para o desenvolvimento de crianças com TEA e que essas crianças têm adesão favorável aos tratamentos, principalmente com evolução referente à interação, comunicação, coordenação motora e interesse em querer aprender, o que auxilia no processo de inclusão educacional.

Choto23 ressalta a importância da união entre o processo terapêutico e educacional, embasado por um trabalho interdisciplinar, com o intuito de atingir melhores resultados no desenvolvimento social e cognitivo da criança com TEA.

Aprendizagem de indivíduos com TEA

Conforme a Tabela 3, muitos relatam que acontece o aprendizado em indivíduos com TEA, porém este é um processo mais longo e lento, em que os profissionais necessitam dosar suas ansiedades e expectativas em ver os resultados de suas intervenções.

Não considero a criança vazia. Todos têm alguma coisa na cabeça. Cada um tem algo para oferecer e tem condições de aprender, não importa o que e quando, mas aprende. Alguns têm limitação como qualquer outra criança. (S13)

Depende do grau de autismo, mas aprende. Caso necessário, fazer alterações nos conteúdos escolares do indivíduo, para evitar alguns comportamentos. (S5)

[...] Tem capacidade de aprender, dentro das suas possibilidades e do seu modo. (S6)

 

 

Para o desenvolvimento das crianças autistas, é fundamental promover estímulos que favoreçam a capacidade simbólica, de modo que elas possam alcançar o processo de simbolização e tenham condições de interpretar as diversas realidades culturais e se efetivem como sujeito social24.

Tendo em vista que os indivíduos com TEA apresentam comprometimentos nas áreas de interação social, comunicação e comportamento, é importante que os profissionais desenvolvam estratégias para contemplar a aquisição dessas habilidades. Para tanto, é necessário desenvolver um plano terapêutico individualizado e eficiente, com objetivos e metas específicas que atendam às demandas de cada indivíduo. Destaca-se, ainda, a importância da escola nesse processo, sendo necessário que o professor conheça a criança e seu desenvolvimento cognitivo, a fim de direcionar o trabalho pedagógico de acordo com as demandas de aprendizagem do aluno7.

Inclusão escolar de indivíduos com TEA

Quando indagados sobre a inclusão escolar, os sujeitos apresentaram as seguintes subcategorias que constam da Tabela 4.

[...] Na medida do possível todos devem ser inclusos no ambiente escolar, mesmo os mais graves, podendo ficar um tempo mínimo na escola para a sociabilidade [...]. (S8)

Não é para todos, vai ser um dia. A escola está saindo da integração para inclusão a passos lentos, através de leis. A criança que é mais agitada não é bem aceita na escola, as pessoas têm medo [...]. (S12)

Não é para todos, pois não há inclusão. Quando eu vou à escola, vejo que há certa "negligência", no sentido de não ligar para aquele aluno. Tem muitos alunos na sala e um com TEA, eles (professores) não irão adaptar o currículo para ele. [...] (S25)

É para todos! A criança que vai à escola tem maior desenvolvimento daquelas que não vão. (S15)

 

 

Nota-se, tanto nas falas quanto nos dados da Tabela 4, que a maioria dos profissionais consideram que a inclusão escolar é para todos, porém muitos questionam a preparação do sistema educacional para que ela realmente aconteça.

A inclusão escolar é amparada em diversas leis nacionais, dentre as quais se destacam as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional8 e o decreto nº 6.949 de Política Nacional de Educação Especial25. Entretanto, mesmo que haja garantia legal de matrícula para os alunos com necessidades educacionais especiais, o processo de aprendizagem não é garantido, visto que há falta de profissional capacitado e de atendimento educacional especializado adequado para atender todos os níveis de ensino (infantil, fundamental, médio e superior)26,27.

Estudo26 relata a dificuldade de pais para inserir seus filhos no ensino regular, já que a escola garante a matrícula e prioriza o discurso da aceitação à diversidade, porém, na prática, não se modifica para atender às singularidades da aprendizagem e do desenvolvimento desses alunos, faltando, inclusive, preparo e auxílio para os professores.

Em estudo27 que discutiu a efetivação dos indivíduos com TEA no ambiente escolar, evidenciou-se que a participação desses alunos no ambiente escolar ainda é problemática e se encontra distante das metas inclusivas, uma vez que estão inseridos na escola, porém muitos não frequentam as salas regulares onde estão matriculados.

Em ambiente escolar, a brincadeira e a mediação pedagógica facilitam as trocas sociais, promovendo o desenvolvimento da comunicação e a plena participação do indivíduo com TEA. Observa-se, contudo, que, além da competência social, é necessário que as atitudes pedagógicas favoreçam o desenvolvimento cognitivo e o enfrentamento das dificuldades do aluno. Para tanto, é imprescindível que as práticas educacionais ocorram em conjunto com as práticas terapêuticas, a partir de uma abordagem interdisciplinar28-30.

O papel do profissional no processo de inclusão educacional

De acordo com a Tabela 5, pode-se observar que poucos profissionais têm contato direto e parceiro com a escola. Dos 33 profissionais, somente oito fazem a orientação e a capacitação dos profissionais da educação, criam estratégias conjuntas para o trabalho com essas crianças e realizam adaptações curriculares e de materiais, necessárias para a efetivação do plano pedagógico individualizado.

 

 

Autores18,28 ressaltam que a escola precisa se reorganizar para que a inclusão seja efetivada, e, para tanto, pode necessitar de assessoria e parceria de outros profissionais especializados, a fim de instrumentalizar os professores para prática docente. O trabalho interdisciplinar é indispensável e a parceria entre processo terapêutico e educacional traz contribuições significativas no processo de inclusão educacional.

É importante destacar que dos oito profissionais que trabalham diretamente com a escola, cinco são terapeutas ocupacionais. Segundo Barba & Minatel31, as atividades realizadas pelo terapeuta ocupacional nos espaços escolares visam discussão e implementação de ações junto à equipe escolar, como adaptações de materiais e mobiliário, recursos de tecnologia assistiva, aplicação de estratégias para a flexibilização e acesso ao currículo, e discussão de objetivos comuns para a efetiva inclusão escolar da criança com necessidades educacionais especiais.

Dos profissionais entrevistados, dois consideram que seu papel é estimular o desenvolvimento através das relações sociais, um musicoterapeuta e um educador físico. Estudos32-34 evidenciam, no entanto, que tanto a musicoterapia quanto a educação física podem contribuir de forma mais significativa para o desenvolvimento de crianças com TEA. Através da musicoterapia, indivíduos com TEA têm a possibilidade de se comunicar de forma não verbal, contribuindo para o desenvolvimento da interação social e das habilidades motoras, cognitivas e emocionais. Do mesmo modo, a atividade física visa à melhora de padrões de comportamentos, alterações motoras, atenção e interação social, bem como previne e combate a obesidade, muito frequente nesses indivíduos em função do isolamento e da ociosidade características do quadro.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo identificou que poucos profissionais apresentam domínio de conhecimento referente aos critérios diagnósticos e à heterogeneidade na apresentação e no nível dos sintomas do TEA. Ainda assim, evidenciam a importância do diagnóstico e da intervenção precoce para o bom desenvolvimento de indivíduos com TEA. De modo geral, há concordância sobre a importância do trabalho interdisciplinar, realizado por uma equipe capacitada e com envolvimento da família, com plano terapêutico alinhado ao plano pedagógico.

Apesar de os profissionais acreditarem que os indivíduos com TEA são capazes de aprender, muitos ressaltam que o processo de aprendizagem é bastante individualizado e que algumas vezes não é compatível com as propostas atuais de inclusão educacional. Ressalta-se a importância da inclusão educacional para a promoção do desenvolvimento das habilidades cognitivas, de interação social, motoras e emocionais dos indivíduos com TEA, mas evidencia-se a sua inviabilidade na maior parte dos casos, em função da falta de profissionais capacitados, do atendimento educacional especializado e da elaboração de um plano pedagógico individual que dê suporte ao processo de inclusão.

Embora os profissionais ressaltem a importância do trabalho conjunto com a escola, ainda são poucos os que compreendem a necessidade de uma atuação mais ativa, que não se limite às orientações aos professores, mas que contemple a prática de elaboração conjunta do plano pedagógico individualizado e das adaptações curriculares e de materiais, de acordo com a demanda de aprendizagem do aluno.

Ressalta-se, por fim, a importância da realização de outros estudos que se proponham a discutir e compreender a atuação dos profissionais, na interface entre saúde e educação, no atendimento a indivíduos com TEA.

 

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Endereço para correspondência:
Sylvia Maria Ciasca
Rua Tessália Vieira de Camargo, 126
Cidade Universitária Zeferino Vaz
Campinas, SP, Brasil. CEP 13083-887
E-mail: sciasca2015@gmail.com

Artigo recebido: 17/2/2018
Aprovado: 23/2/2018

 

 

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil.

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