SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.36 número109Conhecimentos e práticas inclusivas acerca dos transtornos de aprendizagens mais frequentes no município de Venâncio AIRES-RSPsicopedagogia: um olhar para a maternagem no desenvolvimento da aprendizagem do sujeito índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.36 no.109 São Paulo jan./abr. 2019

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relação entre índice de motivação escolar e desempenho acadêmico de crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e grupo controle

 

Relation between the academic motivation index and the academic performance of children with attention deficit hyperactivity disorder and control group

 

 

Patricia Vieira de OliveiraI; Mauro MuszkatII; Maria Fernanda Batista Coelho da FonsecaIII

IPsicopedagoga. Mestre em Psicologia Educacional pelo Centro Universitário FIEO. Doutoranda em Educação e Saúde na Infância e Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo. Pesquisadora do Laboratório de Neuromodulação e Desenvolvimento (LAND), São Paulo, SP, Brasil
IIDoutor em Neurologia/Neurociência pela Universidade Federal de São Paulo. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência - Universidade Federal de São Paulo. Coordenador e Pesquisador do Laboratório de Neuromodulação e Desenvolvimento (LAND), São Paulo, SP, Brasil
IIIPsicopedagoga. Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo. Pedagoga na Universidade Federal de São Paulo. Pesquisadora do Laboratório de Neuromodulação e Desenvolvimento (LAND), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por padrões persistentes de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade, que causam prejuízos no funcionamento e no desenvolvimento do indivíduo. Um dos prejuízos marcantes nessa população está relacionado à habilidade de motivação.
OBJETIVO: Neste sentido, o presente estudo teve como objetivo analisar a relação entre índices de motivação escolar e desempenho acadêmico em crianças com TDAH comparadas com grupo de desenvolvimento típico.
MÉTODO: Participaram 60 crianças com idade entre 6 e 12 anos, de ambos os sexos, pertencentes a escolas da rede pública e privada, sendo 30 com TDAH e 30 com desenvolvimento típico. Para avaliação da motivação escolar, foi utilizada a Escala para Avaliação da Motivação Escolar Infantojuvenil (EAME-IJ) e para avaliação do desempenho acadêmico utilizou-se o Teste de Desempenho Escolar (TDE).
RESULTADOS: Nos resultados referentes ao desempenho acadêmico, as crianças com TDAH apresentaram desempenho significativamente inferior em todas as tarefas em relação às crianças do grupo com desenvolvimento típico. Na motivação escolar o grupo com TDAH apresentou menor índice de motivação intrínseca. Os resultados revelaram também correlação negativa de magnitude moderada entre motivação extrínseca e desempenho escolar.
CONCLUSÃO: Os achados sugerem que as crianças com TDAH têm dificuldades para modular e autorregular seus níveis de motivação, especialmente o de motivação intrínseca, o que pode implicar em maior necessidade de recompensas externas, principalmente durante a execução de tarefas que demandam maior esforço cognitivo, como é o caso das tarefas escolares.

Unitermos: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Motivação. Aprendizagem. Desempenho Acadêmico.


SUMMARY

INTRODUCTION: Attention-Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is a neurodevelopmental disorder that consists of persistent patterns of inattention and/or hyperactivity and impulsiveness, which impair an individual's behavior and development. A major impairment undergone by this population has to do with motivation.
OBJECTIVE: Thus, this study had the objective of analyzing the relation between academic motivation and performance indexes in children with ADHD as compared to results from a control group that exhibits typical development patterns.
METHODS: A total of 60 children of both sexes, aged 6-12 years and studying in both private and public schools participated in this study. Half of the participants (30 children) has ADHD and the other half (30 children) exhibits typical development. In order to evaluate their academic motivation, we used the Rating Scale of School Motivation (EAME - IJ) and also academic performance was tested with the Academic Achievement Test (TDE).
RESULTS: Regarding academic performance, children with ADHD showed significantly lower performance in all tasks when contrasted with the typical development group. As for academic motivation, the ADHD group also showed a lower level of intrinsic motivation. Results also had shown negative correlation with low magnitude between extrinsic motivation and scholar performance.
CONCLUSION: The findings suggest that children with ADHD have difficulty modulating and self-regulating their motivation levels, especially intrinsically, which may suggest a greater need for external rewards, mainly during the execution of tasks that demand greater cognitive effort, such as schoolwork.

Keywords: Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Motivation. Learning. Academic Performance.


 

 

INTRODUÇÃO

É crescente o número de estudos que buscam compreender a relação entre motivação e aprendizagem1. A capacidade de motivação é essencial para que o indivíduo consiga modular seu comportamento, estabelecer e cumprir metas para atingir seus objetivos. A motivação envolve a realização tanto de tarefas simples até tarefas mais complexas que fazem parte da vida cotidiana das pessoas2-4.

Na perspectiva cognitivista existem dois tipos neuropsicológicos de motivação, a motivação intrínseca e a extrínseca. A motivação intrínseca relaciona-se à habilidade do indivíduo manter-se engajado em uma tarefa por motivos internos, isto é, orientado pelos seus próprios interesses, desejos e metas. Já a motivação extrínseca está relacionada ao interesse por uma recompensa externa ao indivíduo, que na maioria das vezes é permeada por outra pessoa ou situação, ou seja, o indivíduo cumpre uma tarefa visando uma gratificação exterior3,4 .

Apesar da aparente dualidade do conceito de motivação intrínseca e extrínseca, os dois tipos de motivação não são excludentes entre si, mas durante uma atividade em curso há sempre um predomínio ou ênfase de um modelo dirigido ou autocentrado. De acordo com Ryan & Deci3, a motivação intrínseca estaria relacionada a uma tendência inerente dos indivíduos em buscar novos desafios, situações que gerem prazer pessoal, enquanto a motivação extrínseca está associada às tarefas e situações que, naturalmente, não são estimulantes para a pessoa, mas que são necessárias no contexto em que estão inseridas.

Neste mesmo sentindo, os autores discutem o desenvolvimento da motivação, no qual explicam que a motivação intrínseca é inata, os bebês nascem com impulsos para satisfazer suas necessidades pessoais de sobrevivência e busca por prazer. Porém, no final da primeira infância, com o advento das demandas sociais por atividades que não são tão interessantes, a motivação intrínseca tende a diminuir, dando maior espaço para a motivação extrínseca. Neste momento, em muitos casos há a necessidade de uma estimulação externa para que o indivíduo realize as tarefas3. Assim, é possível pressupor que, apesar de haver um aparato neurobiológico inato que rege a motivação e a busca por prazer e novidades, o contexto social também exerce grande influência nesse processo1,3.

O processo motivacional está intimamente ligado ao sistema cerebral de recompensa. Este sistema é caraterizado por uma circuitaria que envolve diversas estruturas cerebrais, dentre elas estão a área tegmentar ventral, o núcleo Accumbens, giro do cíngulo, córtex pré-frontal, amígdala e o hipocampo. Essas estruturas formam o chamado sistema mesolímbico e mesocortical5-7.

Alterações nesses processos são comuns em algumas condições neuropsiquiátricas, como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por padrões persistentes de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade, que causam prejuízos no funcionamento e no desenvolvimento do indivíduo8. É considerado também um transtorno do sistema cerebral de recompensa, particularmente da gratificação tardia9,10.

É um transtorno com prevalência relativamente alta, que atinge cerca de 5,29% da população mundial11 e é considerado um dos principais motivos de encaminhamentos de crianças em idade pré-escolar e escolar para avaliação neuropsiquiátrica. Por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento, geralmente seus sintomas são percebidos na primeira infância e devem estar presentes em mais de um ambiente, como determinado pelos critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5)8.

Os indivíduos com TDAH sentem grande dificuldade em manterem-se engajados em tarefas que não possuem recompensa imediata e apresentam alto grau de aversão à demora12. Mesmo diante da possibilidade de obter gratificações mais significativas no futuro, eles tendem a não conseguir autorregular seu comportamento e acabam preferindo as recompensas imediatas, mesmos quando essas são menores. Barkley13 e Montiel et al.14 remetem tais comportamentos a prejuízos nas funções executivas, especificamente no controle inibitório, que é a capacidade de controlar um forte impulso em prol de um comportamento mais adequado à situação15.

As características comportamentais supracitadas em combinação com os déficits atencionais comuns ao TDAH são as principais causas de prejuízos no processo de aprendizagem16. Na revisão feita por Pastura et al.17 foram levantados diversos estudos que indicam que crianças com TDAH apresentam baixo rendimento escolar em comparação com crianças da mesma faixa etária sem queixas de TDAH.

O estudo de Cunha et al.18 avaliou o desempenho escolar em 20 crianças na faixa etária de 9 a 13 anos. Dessas, 10 formaram o grupo com TDAH e 10 o grupo controle. De modo geral, os resultados apontaram desempenho inferior do grupo com TDAH em todos os domínios avaliados.

Desfecho semelhante foi observado na pesquisa de Barini & Hage19, que objetivou investigar as habilidades de vocabulário e compreensão verbal em 40 crianças na faixa etária de 7 a 10 anos, sendo 20 delas com diagnóstico de TDAH e 20 com desenvolvimento típico, sem queixas de aprendizagem. Os resultados indicaram desempenho significativamente inferior em todas as medidas avaliadas no grupo com TDAH.

Com o objetivo de investigar se existem diferenças na leitura silenciosa em crianças com TDAH em comparação a crianças com desenvolvimento típico, Lobo & Lima20 avaliaram 60 crianças (20 com TDAH e 40 grupo controle) com idades entre 7 e 14 anos Os resultados gerais indicam que as crianças com TDAH apresentam menor desempenho em relação às crianças do grupo controle.

Costa et al.16 alertam para o fato de que o baixo desempenho escolar é uma característica importante e com alta frequência em indivíduos com TDAH; ainda, salientam que o índice de comorbidades com Transtorno Específico de Aprendizagem é alto, podendo chegar a aproximadamente 45%. Para minimizar esse prejuízo, são necessárias uma série de adaptações no ambiente escolar e no manejo do professor com o aluno21,22. É também fundamental compreender o processo motivacional da criança com TDAH para buscar estratégias que sejam eficazes de acordo com o perfil apresentado.

Na última década, no contexto nacional, diversas pesquisas foram desenvolvidas com o intuito de compreender como se dá o processo de motivação em crianças com desenvolvimento típico e também a relação entre motivação e aprendizagem1,2,23-25. Em sua maioria são pesquisas com crianças na faixa etária de 6 a 12 anos, ou seja, crianças cursando o Ensino Fundamental I.

A fim de entender o desenvolvimento da motivação dentro do contexto escolar, Martinelli & Sisto23 avaliaram a motivação de 617 crianças com idades entre 7 e 13 anos. Os resultados encontrados revelaram que as crianças das séries iniciais apresentam maiores índices de motivação quando comparadas com as crianças dos 4º e 5º anos. Os autores argumentam que o declínio na motivação conforme os anos escolares aumentam é um resultado comum nos estudos que avaliam essa habilidade.

Efeito parecido foi observado na pesquisa de Martinelli1 em que as crianças do 3º ano apresentaram maiores taxas de motivação intrínseca em relação às crianças do 4º e 5º ano. O mesmo ocorreu com a motivação extrínseca, na qual os alunos do 3º ano relataram maiores índices em comparação com as crianças do 5º ano. Não houve diferenças com as crianças do 4º ano.

Paralelo à curiosidade em compreender os tipos de motivação, surgiu a necessidade em entender se e como a motivação estaria relacionada ao desempenho escolar. Neste sentido, a pesquisa de Martinelli & Genari2 buscou investigar a relação entre motivação e desempenho escolar em 150 crianças na faixa etária de 9 a 12 anos, cursando a 3ª e 4ª série do Ensino Fundamental. Os resultados revelaram correlações significativas e positivas entre desempenho escolar e motivação intrínseca, o que indica que, quanto maior a motivação intrínseca, melhor o desempenho escolar. Já em relação à motivação extrínseca, observaram-se, nas 3ª e 4ª séries, correlações significativas e negativas, sugerindo que, quanto menor o desempenho escolar, maior a motivação extrínseca.

Resultados semelhantes foram percebidos no estudo de Martinelli1, que avaliou 127 crianças com idades entre 7 e 12 anos. Os resultados referentes às crianças do 3º ano não mostraram correlações significativas, já as crianças do 4º ano apresentaram correlações positivas e de magnitude moderada entre a motivação intrínseca e o desempenho geral no Teste de Desempenho Escolar (TDE); o mesmo foi observado nas crianças do 5º ano. Em relação à motivação extrínseca, os alunos do 4º e do 5º ano apresentaram correlações negativas e de magnitude fraca com o TDE, sugerindo que, quanto maior o índice de motivação extrínseca, menor o desempenho no TDE.

No estudo de Paiva & Boruchovitch24 foram avaliados 120 alunos, cursando o 3º e 5º ano do ensino fundamental. Os resultados apontaram um nível de motivação intrínseca superior ao de motivação extrínseca em 77,5%. Como nos estudos citados anteriormente, os índices também diminuíram com o avançar das séries; enquanto as crianças do 3º ano relataram 81,7% em motivação intrínseca e 28,3% de extrínseca, as crianças do 5º ano relataram 73,3% de motivação intrínseca e 26,7% de motivação extrínseca. Referente ao desempenho escolar e ao tipo de motivação, observou-se que as crianças com melhores índices no TDE tinham também níveis mais altos de motivação intrínseca.

Com base nos estudos apresentados, é possível inferir que há relação entre o nível e o tipo de motivação dos alunos e o seu desempenho escolar. Tendo em vista que as crianças com TDAH tendem a enfrentar prejuízos significativos na aprendizagem e também alterações no sistema motivacional, o presente estudo tem como objetivo investigar a relação entre índices de motivação escolar e o desempenho em leitura, escrita e aritmética em crianças com TDAH em comparação com grupo de desenvolvimento típico.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa 60 crianças com idades entre 6 e 12 anos, de ambos os sexos, sendo 30 com TDAH diagnosticadas por equipe multidisciplinar no Centro Paulista de Neuropsicologia (CPN)/Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa, vinculado academicamente ao Departamento de Psicobiologia da UNIFESP/SP e 30 crianças com desenvolvimento típico (DT). Não foram incluídas crianças com comorbidades marcantes no grupo TDAH e no grupo DT foram excluídas aquelas com coeficiente de inteligência estimado abaixo da média (QI<85), ou com queixas de aprendizagem, desatenção ou de problemas de comportamento. As crianças dos dois grupos foram pareadas por idade, gênero, série escolar e tipo de escola (pública ou privada). A pesquisa foi realizada no município de São Paulo, Brasil. A Tabela 1 apresenta os dados descritivos da amostra, com média e desvio-padrão para cada medida.

Instrumentos

Teste de Desempenho Escolar (TDE): Tem como objetivo avaliar as habilidades acadêmicas básicas. É composto por 3 subtestes, leitura, escrita e aritmética. Abrange crianças da 1ª a 6ª série do ensino fundamental. O desempenho pode ser analisado por série escolar ou idade (6-12 anos) e gera classificação entre superior, médio ou inferior. O tempo de aplicação fica em torno de 30 minutos26.

Escala de motivação escolar Infantojuvenil (EAME-IJ): Objetiva identificar as fontes de motivação escolar da criança, sendo elas motivação intrínseca, extrínseca e motivação geral, bem como o grau de intensidade de cada uma. É indicada para crianças na faixa etária de 8 a 11 anos e sua aplicação pode ser feita de maneira individual ou coletiva. O tempo de aplicação é de aproximadamente 10 minutos27.

Escala de Inteligência Wechsler para crianças (WISC-III): Trata-se de instrumento para avaliação da capacidade intelectual estimada de crianças e adolescentes (de 6 a 16 anos). Com o objetivo de avaliar o nível de inteligência das crianças, foi utilizada a versão reduzida do WISC-III (subteste Cubos e Vocabulário). Esta avaliação foi utilizada como parte do critério de inclusão/exclusão dos participantes no estudo28.

Procedimento

Após aprovação do Comitê de Ética e assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais, as crianças do grupo TDAH foram avaliadas nas dependências do CPN, em momentos de revisão médica, e as do grupo DT nas escolas em que estudam, sempre em salas apropriadas. Todas as crianças foram submetidas a um protocolo de avaliação com os testes de inteligência (para critério de inclusão/exclusão), desempenho escolar TDE e Motivação Escolar EAME-IJ.

Para estabelecer o perfil do desempenho escolar e motivacional, foi utilizado teste não paramétrico de Mann-Whitney. O teste Qui-quadrado foi utilizado para comparar a predominância dos grupos. Em seguida, para investigar a relação entre desempenho escolar e motivação escolar foram feitas correlações de Spearman entre o desempenho no TDE e no EAME-IJ.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Primeiramente, investigou-se a diferença entre os grupos no que tange ao desempenho escolar e à motivação escolar. Na Tabela 2 são apresentados os resultados referentes ao desempenho no TDE nas medidas de leitura, escrita e aritmética, bem como os resultados referentes ao tipo de motivação escolar.

Na análise comparativa do desempenho escolar, os resultados revelaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, tendo o grupo com TDAH apresentado pior desempenho nas tarefas de leitura, escrita e aritmética, sendo maior a diferença para a leitura. Tal resultado já era esperado de acordo com a literatura, que aponta diferenças estatisticamente significativas entre grupos com TDAH e grupo com desenvolvimento típico16-19.

Os resultados referentes à maior diferença entre os grupos na tarefa de leitura corroboram os estudos de Cunha et al.18 e Lobo & Lima20, nos quais o desempenho das crianças com TDAH foi sempre abaixo do esperado para a faixa etária e na comparação com grupo controle. Esses achados podem estar associados aos déficits em funções executivas13,14 e ao prejuízo na atenção, visto que são habilidades fundamentais, tanto para a leitura em si quanto para a compreensão do que foi lido20.

Quanto ao nível de motivação escolar, observa-se que houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos na medida de motivação intrínseca, com menor nível para o grupo TDAH. Em relação à motivação extrínseca, observou-se diferença parcialmente significativa, no qual o grupo com TDAH apresentou maior nível de motivação extrínseca. Para a medida de motivação geral, não houve diferença significativa.

Esses achados estão em consonância com a literatura, uma vez que a motivação está relacionada ao sistema cerebral de recompensa, sistema esse que se encontra deficitário em indivíduos com TDAH10,12,13. No que diz respeito à motivação intrínseca, os estudos revisados apontam que indivíduos que têm desempenho escolar abaixo do esperado tendem a apresentar níveis mais baixos de motivação intrínseca1,2,24.

Baixos níveis de motivação intrínseca podem implicar em maior necessidade de recompensas externas, principalmente durante a execução de tarefas que demandam maior esforço cognitivo, como é o caso das tarefas escolares. Desta forma, esse resultado pode ajudar a pensar em estratégias de manejo para crianças com TDAH em sala de aula, como, por exemplo, o reforço positivo por parte do professor21.

Já em relação aos resultados obtidos sobre a motivação extrínseca, apesar de não ter sido encontradas diferenças estatisticamente significativas (p=0,083), é possível lançar uma hipótese que segue a linha de raciocínio dos trabalhos acima mencionados e que tem lógica a partir de um olhar qualitativo. O resultado que se repetiu nos estudos que compararam desempenho escolar e motivação1,2,24 foi o que indica nível de motivação extrínseca maior nas crianças que têm o desempenho escolar mais baixo, da mesma forma que os resultados encontrados no presente estudo. Sendo assim, é possível argumentar que, apesar das alterações e prejuízos naturais aos indivíduos com TDAH, eles seguem o mesmo padrão, no que tange ao predomínio de um tipo ou outro de motivação, que as pessoas com desenvolvimento típico.

Para investigar a relação entre motivação e desempenho escolar, foram realizadas correlações de Spearman entre os índices de motivação (intrínseca, extrínseca e total) e o desempenho nos subtestes do TDE (escrita, leitura e aritmética) da amostra total (n=60). Os dados oriundos das correlações encontram-se sumariados na Tabela 3.

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 3, é possível observar que houve correlações negativas, significativas e de magnitude moderada entre o desempenho no TDE e o índice de motivação extrínseca, o que indica que, quanto menor o desempenho nas tarefas de leitura, escrita e aritmética, maior o índice de motivação extrínseca. Este resultado está em consonância com a literatura1,2,24, na qual crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem e menores índices de desempenho escolar tendem a ter maiores índices de motivação extrínseca. Em relação à motivação intrínseca e motivação total, não foram encontradas correlações significativas com o desempenho escolar, o que indica que na presente amostra essas variáveis caminham de formas independentes. Resultado semelhante foi observado no estudo de Martinelli & Genari2 nas crianças da terceira série.

 

CONCLUSÃO

Este estudo comparou o nível de motivação escolar e o desempenho em leitura, escrita e aritmética de crianças com TDAH e crianças com desenvolvimento típico, bem como a relação entre motivação e desempenho escolar. Neste sentido, os resultados sugerem que o grupo de crianças com TDAH tem dificuldades para modular e autorregular seus níveis de motivação intrínseca, indicando uma disfunção primária do sistema de recompensa que implica na maior necessidade de reforço positivo por parte do mediador ou professor para a execução de tarefas escolares.

Constatou-se também que há relação entre motivação extrínseca e o desempenho em tarefas de leitura, escrita e aritmética. Neste sentido, recomendam-se estudos futuros com amostras maiores para verificar a relação entre motivação intrínseca e motivação total, uma vez que na amostra desse estudo elas não se relacionaram com desempenho escolar.

Dentre as limitações do estudo, cabe mencionar o pequeno número da amostra investigada, sendo assim, seriam interessantes estudos futuros com amostras maiores, tanto para o grupo com TDAH quanto para o grupo de desenvolvimento típico. Sugerem-se também estudos que analisem e comparem o nível de motivação de cada grupo com o avançar das séries, uma vez que a literatura indica que há uma tendência na diminuição dos índices de motivação conforme as séries vão aumentando1,2,24.

Por fim, esse estudo indica uma direção para que pesquisas futuras aprofundem as investigações acerca da motivação escolar em crianças e adolescentes com TDAH, tendo em vista que os resultados apontaram para uma relação entre o nível de motivação e o desempenho escolar.

 

REFERÊNCIAS

1. Martinelli SC. Um estudo sobre desempenho escolar e motivação de crianças. Educ Rev. 2014;30(53):201-16.         [ Links ]

2. Martinelli SC, Genari CHM. Relações entre desempenho escolar e orientações motivacionais. Estud Psicol. 2009;14(1):13-21.         [ Links ]

3. Ryan RM, Deci EL. Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development, and well-being. Am Psychol. 2000;55(1):68-78.         [ Links ]

4. Ryan RM, Deci EL. Self-regulation and the problem of human autonomy: does psychology need choice, self-determination, and will? J Pers. 2006;74(6):1557-85.         [ Links ]

5. Berridge KC, Kringelbach ML. Neuroscience of affect: brain mechanisms of pleasure and displeasure. Curr Opin Neurobiol. 2013; 23(3):294-303.         [ Links ]

6. Berridge KC, Kringelbach ML. Pleasure systems in the brain. Neuron. 2015;86(3): 646-64.         [ Links ]

7. Ikemoto S. Brain reward circuitry beyond the mesolimbic dopamine system: a neurobiological theory. Neurosci Biobehav Rev. 2010;35(2):129-50.         [ Links ]

8. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos - DSM-V. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.         [ Links ]

9. Barkley RA. Deficient emotional self-regulation: a core component of attention-deficit/hyperactivity disorder. J ADHD Rel Disord. 2010;1(2):5-37.         [ Links ]

10. van Stralen J. Emotional dysregulation in children with attention-deficit/hyperactivity disorder. Atten Defic Hyperact Disord. 2016; 8(4):175-87.         [ Links ]

11. Polanczyk G, de Lima MS, Horta BL, Biederman J, Rode LA. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164(6):942-8.         [ Links ]

12. Miranda M, Rizzutti S, Muszkat M. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. In: Miranda M, Muszkat M, Mello CB, eds. Neuropsicologia do desenvolvimento: Transtornos do neurodesenvolvimento. Rio de Janeiro: Rubio; 2013. p. 31-60.         [ Links ]

13. Barkley RA, org. Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: Manual para Diagnóstico e Tratamento. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.         [ Links ]

14. Montiel JM, Bartholomeu D, Armond GD, Jacini WFS, Bueno HC, Fernandes F, et al. Associações entre medidas de Funções Executivas e sintomas de desatenção e hiperatividade em crianças em idade escolar. Neuropsicol Latinoam. 2014;6(1):13-21.         [ Links ]

15. Diamond A, Lee K. Interventions shown to aid executive function development in children 4 to 12 years old. Science. 2011; 333(6045):959-64.         [ Links ]

16. Costa DS, Medeiros DG, Alvim-Soares AM Jr, Géo LAL, Miranda DM. Neuropsicologia do transtorno de déficit de atenção/hiperatividades e outros transtornos externalizantes. In: Fuentes D, Malloy-Diniz L, Camargo CHP, Consenza RM. Neuropsicologia: Teoria e Prática. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014. p. 166-82.         [ Links ]

17. Pastura GMC, Mattos P, Araújo APQC. Desempenho escolar e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Rev Psiquiatr Clin. 2005;32(6):324-9.         [ Links ]

18. Cunha VLO, Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013; 15(1):40-50.         [ Links ]

19. Barini NS, Hage SRV. Vocabulário e compreensão verbal de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. CoDAS. 2015;27(5):446-51.         [ Links ]

20. Lobo Pd'AS, Lima LAM. Comparação do desempenho em leitura de palavras de crianças com e sem transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Rev CEFAC. 2008; 10(4):471-83.         [ Links ]

21. Fonseca MFBC, Muszkat M, Rizzutti S. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade na escola: mediação psicopedagógica. Rev Psicopedag. 2012;29(90):330-9.         [ Links ]

22. Rohde LA, Knapp P, Lykowsi L, Carim D. Crianças e adolescentes com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. In: Knapp P, org. Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed; 2007. p. 359-73.         [ Links ]

23. Martinelli SC, Sisto FF. Motivação de estudantes: um estudo com crianças do ensino fundamental. Rev Aval Psicol. 2010; (9)3:413-20.         [ Links ]

24. Paiva MLMF, Boruchovitch E. Orientações motivacionais, crenças educacionais e desempenho escolar de estudantes do ensino fundamental. Psicol Estud. 2010;15(2):381-9.         [ Links ]

25. Pansera SM, Valentini NC, Souza MS, Berleze A. Motivação intrínseca e extrínseca: diferenças no sexo e na idade. Psicol Esc Educ. 2016;20(2):313-20.         [ Links ]

26. Stein LM. TDE: Teste de Desempenho Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo;1994. 32 p.         [ Links ]

27. Martinelli SC, Sisto FF. Escala para avaliação da motivação escolar infanto-juvenil (EAME-IJ). São Paulo: Casa do Psicologo; 2011. 73 p.         [ Links ]

28. Wechsler D. WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: Manual. 3ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Patricia Vieira de Oliveira
Rua Justino Alves Batista, 89/37 - Bloco Jasmim - Vila Yolanda
Osasco, SP, Brasil - CEP 06126-120
E-mail: patricia@prvo.com.br

Artigo recebido: 22/11/2018
Aprovado: 4/2/2019

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

Creative Commons License