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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.36 no.110 São Paulo May/Aug. 2019

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Por que arte e aprendizagem? Por que aprendizagem e arte? Por que arte na formação do psicopedagogo?

 

Why art and learning? Why learning and art? Why art in the formation of the psychopedagogue?

 

 

Laura Monte Serrat Barbosa

Psicopedagoga, pedagoga, mestre em Educação, coordenadora de grupos de aprendizagem, professora, palestrante, escritora, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste texto, mostra-se o resultado de estudos e vivências a respeito do sistema simbólico e do processo de aprender, assim como do aprofundamento do papel da aprendizagem e da arte no desenvolvimento humano, apoiando-se na elaboração sobre a Aprendizagem Inventiva, proposta por Virgínia Kastrup. Destaca-se a necessidade de avançar na conceituação de aprendizagem como adaptação e propor a aprendizagem como invenção. Sendo assim, a cada momento, aprendizagem e arte deparam-se com o desconhecido e exigem do sujeito a lida com o inusitado, a invenção e a solução de problemas. Além disso, propõe-se a introdução da arte na formação do psicopedagogo, visando à apuração do olhar e da escuta, necessários para a observação e a intervenção psicopedagógicas. Apresenta-se, pois, um recorte de formação continuada realizada por meio do Grupo de Estudos Refletir, na qual os psicopedagogos estudam textos sobre o tema, ao mesmo tempo em que vivenciam a arte e pensam formas de intervenção junto aos seus aprendizes.

Unitermos: Psicopedagogia. Aprendizagem. Arte. Invenção. Intervenção. Formação.


ABSTRACT

In this text, the result of studies and experiences regarding the symbolic system and the process of learning, as well as the deepening of learning and role of art in human development, leaning the elaboration on the Inventive Learning proposed by Virginia Kastrup. Highlights the need to advance in the concept of learning as adaptation and propose learning as invention. Thus, every moment, learning and art are faced with the unknown and require the subject to deal with the unusual, the invention and troubleshooting. In addition, it is proposed the introduction of art in psychopedagogue formation, aiming at determining the look and listen, necessary for observation and intervention of psychopedagogue. It presents a continuous formation held clipping through Grupo de Estudos Refletir, in which the psychopedagogues study texts on the subject, at the same time experience the art and think intervention forms together with his apprentices.

Keywords: Psychopedagogy. Learning. Art. Invention. Intervention. Formation.


 

 

ARTE E APRENDIZAGEM

Não, não se fala da aprendizagem da arte, nem da arte-educação, tão pouco da releitura da arte feita por um aprendiz.

Fala-se da arte como uma das criações, possibilitada pelo sistema simbólico construído ao longo do desenvolvimento humano na Terra e que compõe o conjunto de sistemas que oportunizam a aprendizagem - o sistema afetivo, motor, simbólico e operatório1.

Fala-se dos pontos de encontro entre a dinâmica de aprender e a dinâmica de fazer, de olhar e de escutar da arte. Discute-se por que a arte é importante para o desenvolvimento de um aprendiz e de quem trabalha e estuda a aprendizagem; no entanto, não pela estética em si, nem pela história da humanidade, que é possível ser lida por meio dela, mas pelo papel do novo, do inusitado, do imprevisível que arte e aprendizagem têm em suas dinâmicas de ser, como invenções humanas fundamentais.

Há um tempo, aprender era entendido como sair do não saber em direção ao saber, solucionando, nesse caminho, problemas postos por outro (pai, mãe, professor, professora etc.). Acreditava-se que o aprendiz reconhecia, nas situações atuais, as semelhantes situações passadas e colocava a memória para funcionar, buscava as sensações conhecidas e, repetindo o passado, obtinha resultados semelhantes aos já existentes, esperados pelo outro. Assim, nasceram o ensino e a aprendizagem reprodutivos, nos quais a repetição exata do que foi ensinado era o resultado esperado para todos os aprendizes.

Se aprender, no entanto, fosse somente resolver problemas já postos, possivelmente usar-se-iam, ainda, tecnologias rudimentares, como alavancas primitivas para mover grandes pedras e polimento de pedras para se criar instrumentos. Por que será que o ser humano saiu da condição de ser pré-histórico e chegou à condição de amigo virtual, num mundo bem diferente do vivido pelos ancestrais?

É possível que seja porque aprender é mais que resolver problemas conhecidos, aprender é ir além do que se sabe, é fazer a sensibilidade, a memória e a imaginação trabalharem para criar problemas novos, de tal forma que os hábitos, habilidades e competências já conhecidos não servem mais para enfrentar as novas situações problemáticas, as novas propostas.

Só é possível aprender o que não se sabe; nesse sentido, o novo provoca um afastamento do que é conhecido e traz uma sensação de estranhamento, abrindo a possibilidade de indagações, questionamentos, o que é, justamente, aquilo que possibilita ir além do sabido, do conhecido. O estrangeiro, como diz Derdick2, desacomoda, incomoda e, assim, só resta criar para poder ir além. Aprender começa exatamente do ponto em que não se reconhecem mais as ferramentas existentes para resolver os problemas que se apresentam. Isso significa que aprender tem a ver com imprevisibilidade e, diante do imprevisível, é preciso inventar, ser autor. Essa forma de conceituar a aprendizagem é chamada por Kastrup3 de Aprendizagem Inventiva:

São [...] dois pontos - o caráter imprevisível do processo de aprender e a invenção de problemas - que necessitam ser incluídos no estudo da aprendizagem inventiva (Kastrup, p. 18)3.

Esta forma de ver a aprendizagem, como invenção de problemas, aproxima o sujeito do processo de criação, trazido por Pichon-Rivière & Quiroga (p. 68)4:

Aproximar-se de um objeto novo, dessa "coisa" que se cria, significa, lá nos obscuros domínios do inconsciente, romper um tabu, satisfazer primitivas fantasias de penetração, explorar um objeto desejado sem temer a interferência de terceiros. [...] a criação, particularmente a estética, é sempre uma quebra da ordem estabelecida, do senso comum e da opinião pública.

Aproxima-o, também, da arte como um "atrator caótico"3, um ponto que, embora não sendo fixo, pode contribuir para o processo de um aprendiz, exatamente por não possuir resultados previsíveis.

Colocar o problema da aprendizagem do ponto de vista da arte é colocá-lo do ponto de vista da invenção (Kastrup, p. 20)3.

Sendo assim, é possível pensar que a perspectiva da arte, a arte como um ponto de vista, faz aflorar, no aprendiz, possibilidades de problematização e de solução de problemas, que surgem do inusitado e do inesperado.

Adentrar ao campo da aprendizagem com a arte possibilita compreender porque é possível dizer que a aprendizagem começa com invenção e porque somente reconhecer situações passadas não é suficiente para solucionar problemas presentes, que se lançam em direção ao futuro.

As situações passadas e vividas sustentam as fantasias do sujeito sobre saber ou não saber; no entanto, é a realidade que o coloca diante dos problemas autênticos, da sensação de estranhamento, das ideias divergentes e do desequilíbrio que a novidade provoca e que vai contribuir para a formação de uma pessoa consciente, situada, pensante e coletiva, como abordam Barbosa & Carlberg5.

Deleuze6 diz que cada objeto a ser aprendido emite "signos", entendidos como "sinais" que precisam ser decifrados, compreendidos e interpretados pelo aprendiz que, diante deles, busca recursos conhecidos e não conhecidos para solucionar o que está posto. Na ótica do aprendiz, não é ele que vai buscar somente dentro de si, a partir de suas experiências anteriores, as ferramentas para solucionar o problema, mas ele precisará dialogar com a nova situação, ler os "sinais" emanados por ela e, com isso, problematizar. O problema cria-se nesse diálogo; tanto problematização quanto solução possuem, em si, sementes do futuro, de novos problemas a serem inventados. Assim, o aprendiz, ao aproximar-se daquilo que deseja aprender, apresenta uma conduta com sentido, por ser um acontecer humano, uma situação autêntica de aprendizagem.

Para Bleger (p. 86)7,

Toda conduta tem sentido quando a relacionamos com a vida do sujeito, nas condições concretas em que a dita conduta se manifesta.

A conduta tem um sentido genético (relativo à sua origem, ao passado), um sentido éidico (que coloca o sujeito diante da parte e do todo da situação, referente ao presente) e um sentido télico (que contém o futuro: objetivos e intenções). A conduta acontece quando o aprendiz encontra-se diante do objeto da aprendizagem e faz a leitura dos sinais que a situação emite. Há um diálogo entre o aprendiz e a situação de aprendizagem.

Para Barbosa & Carlberg (p. 39)5,

Portanto, uma consigna que vise à aprendizagem [...] não pode apenas solicitar exercícios [...], sem sentido, que não liguem o aprendiz ao que ele já sabe (passado). É preciso que, além disso, ele possa fazer as articulações possíveis com o material de que dispõe, com as ideias das pessoas que estão envolvidas no processo, com a compreensão daquele momento (presente), bem como traçar planos, ter aspirações e pensar em novas possibilidades de aplicação daquele conhecimento (futuro).

É o presente que traz a surpresa, o inesperado, que requer a busca de respostas inusitadas, responsáveis pela invenção dos problemas e das alternativas várias de solução. Assim, a situação de aprendizagem será interpretada a partir: do sentido genético que contém o vivido, o passado, que conta a origem do novo problema que se apresenta; do sentido éidico, que contém o presente com todas as suas conexões entre o todo e as partes, o geral e o específico do problema atual; e do sentido télico, que contém o futuro, que indica caminhos e que abre para resultados não previsíveis.

Os psicopedagogos estão sempre diante de algo novo, inusitado e, para aprender a lidar com aprendizes e aprendizagens, também é preciso se preparar para as surpresas que emergem.

Formar um aprendiz no caminho da aprendizagem inventiva requer desafios, ousadia, busca de formas de pensar mais flexíveis, de desenvolvimento da observação e da escuta, necessárias para a decifração, compreensão e interpretação dos sinais emitidos pelas situações de aprendizagens. Para Kastrup3, esses sinais (signos) exercem uma ação direta sobre a subjetividade, sem mediação ou representação. Assim, esses sinais (signos) possuem a força de uma pergunta que leva o aprendiz a pensar, a sair da comodidade de sua certeza, impondo-lhe a busca do sentido de uma determinada aprendizagem e invenção.

O psicopedagogo necessita cuidar de sua formação para ser aquele que desacomoda, que traz a surpresa, que promove o pensamento.

A interrogação coloca o sujeito diante da experiência da problematização que mobiliza; assim, o aprendiz coloca em ação o que já sabe (passível de repetição) e o incômodo que resulta do estranhamento (mobilização diante da novidade e da necessidade da invenção), a fim de lidar com a imprevisibilidade dos resultados e a inquietação que ela gera.

Essa forma de abordar o aprendiz, colocando-o como protagonista de seu aprender, foi apresentada por Portilho et al.8 como uma atitude a ser desenvolvida no educador, a fim de provocar o movimento do aprendiz, sem alimentar uma relação de dependência, tão comum em situações de ensino e aprendizagem autoritárias ou permissivas, mas alimentar atitudes que resultam da operatividade.

A operatividade é uma forma de nos colocar na relação de aprendizagem, de provocar o movimento do aprendiz, de confiar na sua capacidade de construir conhecimento, em um caminho que considera o já vivido, o que vive no presente e o que está por vir. Esta aprendizagem não é uma aprendizagem que se dá apenas pelo conhecimento de conceitos, mas, sobretudo, pela vivência. Ser operativo é deixar espaço para aquele que está na posição de quem deseja aprender; além disto, aprender a observar, escutar e intervir para que aquele que aprende possa fazer escolhas, ir pelo caminho de interesse, formular suas próprias questões e fazer do conhecimento um instrumento para aprender mais e melhor (Portilho et al., p. 46-47)8.

Agir sobre o objeto desejado e a situação que inquieta faz com que o aprendiz sinta segurança para questionar, perguntar, inventar e ser autor de sua própria aprendizagem, além de ser autor da transformação do mundo.

Quem ensina a olhar de forma diferente para o mundo e agir sobre ele anunciando novidades, ao mesmo tempo em que denuncia as barbaridades do presente, é a arte, invenção humana que ensina a olhar para além do óbvio, da concretude, da objetividade, da lógica matemática, trazendo para o diálogo a sensibilidade, a imaginação, a memória das experiências anteriores e possibilitando a busca de formas e respostas inusitadas para os conflitos que enxerga e para o futuro que antevê. Nada como a arte para apurar o olhar e a escuta. Nada como a arte para propiciar o estabelecimento de vínculos afetivos com as situações de aprendizagem, os quais aproximam o sujeito do que deseja, mobilizando-o frente ao indesejado. Nada como a arte para provocar a decifração dos sinais que o objeto de aprendizagem traz em si. Nada como o olhar da arte para encorajar, para propor a experiência do diferente!

Para Deleuze6, a invenção humana que apresenta uma superioridade frente a tantas outras, por possuir signos mais potentes, é a arte. Ela coloca o sujeito diante do novo, do estranho, do não pensado, do imprevisível e, com isso, ela traduz-se como uma oportunidade de o aprendiz inventar, criar e improvisar, o que é fundamental para uma aprendizagem inventiva. O mundo atual e o mundo que se desenha adiante pedem um olhar e um fazer atentos, observadores, preocupados e cuidadosos, ao mesmo tempo em que requerem ousadia, inovação e transformação.

Aprender, portanto, é ser autor, é autorizar-se à experiência, aquela que passa por dentro, que raspa por dentro, que toca a sensibilidade e faz com que se deseje descobrir e criar.

Assim, a arte e a aprendizagem não podem ser reduzidas a uma repetição pura e simples, a um método que engessa, a um modelo que restringe, mas devem ser a perspectiva de um fazer diante daquilo que não se domina, não se conhece e que, ainda, não foi experimentado. Elas podem ser consideradas parceiras na caminhada para a construção do conhecimento, pois ambas necessitam da criação, ou seja, da transgressão do que já está posto e acomodado, de um novo olhar, um novo fazer e um novo sentir, os quais promoverão um novo pensar e uma nova atitude diante do mundo.

O psicopedagogo que estuda a aprendizagem e que a tem como objeto de trabalho não pode ficar alheio à complementaridade entre aprendizagem e arte.

Por que arte e aprendizagem? Por que aprendizagem e arte?

Espera-se que educadores, governantes e cidadãos possam fazer sua reflexão a partir dessas duas perguntas e possam inventar outra forma de aprender e ensinar nas casas, nas escolas, nas empresas, na rua e na comunidade! Também se espera que psicopedagogos possam responder a uma terceira pergunta: Por que arte na formação do psicopedagogo?

Segundo Capra9, enfatiza-se o pensamento racional em detrimento da possibilidade de pensar, também, com o corpo, ou melhor, com o organismo total; a forma de pensar do Ocidente tem sua origem no enunciado de Descartes - Penso, logo existo -, o que leva a crer que a essência da vida humana encontra-se no pensamento, na mente capaz de raciocínios lógicos.

Espera-se que seja possível mudar a cultura de que somente os conhecimentos que possibilitam o desenvolvimento racional são importantes e precisam ser ensinados e aprendidos, assim como de que o melhor método a ser utilizado para ensiná-los é a repetição em si mesma, sem o mote da construção, da inspiração, da invenção e da inovação.

Repensar formas de ensino/aprendizagem, a partir de pesquisas e questionamentos de Duarte Jr.10 acerca de temas como holismo e transdisciplinaridade, constitui um desafio da contemporaneidade. Além desses temas, é também importante aprofundar-se nos temas da complexidade e da arte.

Segundo Blatyta & Rubinstein (p. 187)11,

A transdisciplinaridade afirma que "O todo e cada uma de suas sinergias estão estreitamente ligados em interações constantes e paradoxais". Nós, seres humanos, não vivemos em gaiolas de laboratórios, com inúmeras variáveis para efeito de estudo, controladas com relativa simplicidade. Estamos imersos em interações complexas que exigem respostas ágeis. Ao vivenciarmos experiências novas, podem acontecer modificações em partes de nossa estrutura, podem acontecer novas relações, novas associações, que provocariam deslocamentos em nossa percepção de mundo, resultando em possíveis mudanças na construção de nossas identidades.

Tais mudanças têm a ver, também, com a forma como se olha o mundo.

Friedmann12, a partir de estudos a respeito do olhar, descreve três formas de olhar para o mundo - uma fixa, outra fluída e outra aberta -, dizendo que, quando se olha o mundo com um olhar fixo, este se fixa no detalhe, e o mundo acaba por se reduzir a pedaços; quando se olha o mundo com um olhar fluído, dissolve-se o significado fixo e passa-se a dissolver a primeira imagem, e ela passa a dizer sobre ela; ao olhar o mundo com um olhar aberto, coloca-se no lugar do não saber, sacrifica-se o conhecido e, ao invés de respostas, encontram-se perguntas, podendo-se chegar ao silêncio e à reflexão.

Segundo a mesma autora, a arte é um dos caminhos interessantes para se desenvolver um olhar fluído, transformar o olhar fixo, da observação objetiva dos objetos e dos fenômenos, para se chegar à possibilidade de desaprender, abrir-se para o novo, dar atenção ao que ainda não se sabe. Então, deixar que a sensação e a intuição também falem, assim como o silêncio que aparece quando o que se sabe já não tem mais tanta importância.

A grande tragédia do ser humano é "matar" o movimento essencial. Por quê? Porque vemos as coisas (olhar fixo), mas não o movimento delas (olhar fluído e aberto). A grande oportunidade do ser humano é desencantar aquilo que matamos. Como? Pensando em imagens. Há uma força contrária, que é a da poluição das imagens externas que esgotam as imagens internas. O segredo está na arte, nos sonhos, nas brincadeiras, na música, no movimento, capazes de criar imagens internas (Friedmann, p. 34)12.

Quando se fala de arte, refere-se à música, ao teatro, à dança, ao cinema, à literatura, à pintura, à escultura e à arquitetura e, mais recentemente, à fotografia, à história em quadrinhos, aos jogos multimídia e à arte digital, as quais são formas de arte que podem levar aos caminhos da criação, da novidade, da invenção e que possibilitam o desenvolvimento de um olhar fluído e aberto para o mundo e para si mesmo.

O século XXI tem exigido competências para além dos conteúdos que foram aprendidos nos séculos anteriores. O conteúdo, hoje, está posto na Internet, e é preciso desenvolver competências humanas para pensar crítica e criativamente, para saber o que fazer com as informações que se encontram no mundo virtual. É preciso aprender a aprender, a desaprender e a reaprender; a transformar certezas em perguntas; a criar soluções novas para os problemas encontrados; a colaborar na resolução dos problemas coletivos e complexos do momento histórico atual; a desenvolver o desejo de aprender, de buscar o conhecimento e interessar-se por ele, desde que seja necessário e significativo, a fim de responder com agilidade às questões do momento.

 

A ARTE E SUAS MUITAS FORMAS DE CRIAR - A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PSICOPEDAGOGOS

A arte é a disciplina inventada para permitir o desenvolvimento das competências humanizadas e contextualizadas, tais como a criatividade, o pensamento crítico, a construção e a desconstrução, a cooperação, a criação e a solução dos problemas atuais, a mobilização e a vinculação afetiva com as situações de aprendizagem, assim como a iniciativa, o improviso, a capacidade de lidar com a novidade, com o inusitado.

No segundo semestre de 2018, dando continuidade aos Estudos do Sistema Simbólico na Aprendizagem, o Grupo de Estudos Refletir1 reuniu-se para estudar o papel da arte na aprendizagem, especificamente para discutir sobre a contribuição da arte na intervenção psicopedagógica.

A cada 15 dias, durante cerca de três meses, o grupo reuniu-se a fim de discutir sobre os seguintes temas principais: a arte como manifestação humana; a função da arte na vida humana; a arte como expressão; a arte como possibilitadora de vínculos com as situações de aprendizagem; a intervenção psicopedagógica por meio da arte.

Ao longo do tempo, criou-se uma metodologia de trabalho que conta também com consignas a serem realizadas à distância, individualmente, as quais são compostas de um convite à leitura de textos selecionados para aprofundar o tema escolhido e de tarefas, que podem ser vivências ou pesquisas. A cada encontro, o grupo discute as inquietações produzidas pelo texto lido e traz o resultado de suas vivências, o que também serve como elemento a ser tramado nas discussões.

Antes de iniciar os encontros do semestre, com o tema A Contribuição da Arte na Intervenção Psicopedagógica, foi encaminhada a Consigna 1, para que o grupo pudesse chegar envolvido com o tema e com algumas leituras realizadas, a fim de que o tempo do encontro fosse preenchido com uma vivência de arte e a discussão, relacionando o que as participantes viveram ao que já conheciam sobre o tema.

 

 

A partir do que as participantes trouxeram e do que a coordenadora havia produzido sobre o tema, escolheram-se os seguintes textos a serem trabalhados: "A presença da arte no atendimento psicopedagógico e a vinculação afetiva com as situações de aprendizagem", de Laura Monte Serrat Barbosa; "Elaborações simbólicas por meio dos contos de fadas", de Laura Monte Serrat Barbosa e Maria Silvia Todeschi de Sousa; "Motivo 1 - Costura: fundamentos da transdisciplinaridade", organizado por Amâncio Friaça e outros; "As relações da Psicopedagogia e da Arte Terapia", de Rosilene Fátima Vieira Lopes; "A literatura como intervenção psicopedagógica com adolescente", de Sonia Saj Porcacchia, Leda Maria Codeço Barone e Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa; "O pequeno príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry; "Carrossel dos sonhos", de Márcia E. Széliga.

Além do estudo propriamente dito, a vivência da arte fazia parte desse programa. Assim, começou-se conhecendo obras de arte que revelam os céus, com a apresentação de um conjunto de slides.

 

 

 

 

A partir daí, apresentaram-se quadros projetados na parede.

"A noite estrelada", pintada por Van Gogh, em 1889, retrata o firmamento, de forma impressionante, com pinceladas fortes e com manchas representando estrelas num céu tumultuado e uma sombra contornando a Lua. A pintura é considerada uma das obras de arte mais importantes do século XIX, mas é apenas um dos feitos do célebre pintor holandês que exaltam aspectos do céu.

"A fabricante de planetas após Manet e a criança em bolhas de sabão", de Gilles Ravier, é uma obra que traz uma criança fabricando planetas com bolhas de sabão e uma pequena mulher agindo como se estivesse brincando com eles.

"Danza entre los planetas", obra de Eustáquio Carrasco, produzida na Espanha, é uma obra digital que mostra os planetas e o ser humano vagando no espaço.

"Planetas", de Takashi Fukushima, é uma obra de arte abstrata que revela os conhecimentos profundos do autor sobre o desenho, o qual acha que o artista completa a si mesmo quando desenvolve a sua arte, e a obra só é completada quando está impregnada pelo pensamento e pelo sentimento do artista.

"O olhar psicodélico", obra de Saci, músico e grafiteiro brasileiro, traduz o firmamento em um belo rosto de mulher, misturando-se ao volume dos planetas que, como num sonho, enfeitam e iluminam sua tez.

Uma ilustração do planeta, mostrada na obra "O pequeno príncipe", é outra possibilidade para se pensar o céu e o firmamento.

"Planeta com duas luas", ilustração de Laura Monte Serrat para o livro infantil "Piringuindim - o gnomo brincalhão", de Isabel Furini.

Fotografias do planeta Júpiter, coletadas na missão Juno da NASA, as quais parecem pinturas de Van Gogh.

Depois de olhar atentamente a cada slide, as participantes do grupo receberam a Consigna 2 a seguir.

 

 

Para a execução da tarefa solicitada, colocaram-se à disposição cortes A5 de papel canson brancos e pretos, papel vegetal, canetas coloridas, lápis de cor brancos e pretos e gizes de cera coloridos.

O grupo trabalhou em silêncio!

Logo após, houve uma conversa sobre o que cada uma vivenciou, e todas tiveram oportunidade de apresentar sua obra.

Esse primeiro encontro foi um encontro de sensibilização e de vivência, com diferentes expressões artísticas e suas distintas poéticas; foi um exercício do olhar, do sentir e da expressão. Todas trouxeram memórias importantes na roda de conversa e falaram de como podem oferecer aos seus aprendizes vivências com as várias formas de arte, e, também, do que já fazem.

No final do encontro, o grupo levou a Consigna 3.

 

 

A discussão no encontro seguinte foi preciosa, e as participantes conseguiram relacionar o texto lido com questões vivenciadas no encontro anterior. Em seu elenco de possibilidades de trabalho com seus aprendizes, existia uma preocupação em não ser uma lista de técnicas, ou de atividades, mas propostas que surgissem na sessão de atendimento psicopedagógico e tivessem relação com o desejo do aprendiz e com suas necessidades e possibilidades.

Para aquelas que estavam na sala de aula ou no ateliê, não se tratava de aprender uma técnica para fazer certo, mas havia a necessidade de pensar disparadores inusitados, materiais diferentes, para que crianças, jovens e adultos pudessem viver intensamente o momento e verdadeiramente criar.

Além disso, abordaram-se os casos de Liz, Ramona e Rey, presentes no texto lido, os quais iniciaram seus atendimentos psicopedagógicos, motivados pela psicopedagoga, com conhecimentos de formas de arte, vivências a respeito dos seus conhecimentos, a fim de se aproximar da leitura e da escrita e chegar à autoria. A primeira conheceu o mundo da escultura com papel machê; a segunda conheceu o mundo da pintura e da fotografia no fundo do mar; o terceiro trabalhou com a literatura, as lendas e as suas diferenças em relação aos conhecimentos científicos.

Liz criou e viveu a arte com papel machê; Ramona usou argila e pintura; Rey modelou, construiu e desconstruiu. A psicopedagoga conversou com eles sobre como criar é deixar o olhar fluir, abrir-se para o novo e, finalmente, lidar com os medos e obstáculos que se impunham, a fim de que pudessem autorizar a si mesmos a ler e escrever. Liz criou uma história com seu personagem de papel machê, escreveu um livro - seu maior desejo -, ilustrando-o com as fotos de seu trabalho. Ramona construiu uma maquete do fundo do mar numa caixa, pintou o cenário e completou com pequenas esculturas de argila feitas por ela. Fotografou, também criou um livro e ilustrou-o, transformando as esculturas em pinturas muito coloridas! Rey escreveu uma história e expôs na sala de espera da clínica.

A partir dos casos relatados, o grupo trouxe as suas histórias: de aprendizes que ficam presos ao certo e ao errado e não conseguem ousar. Enquanto as participantes relatavam seus casos, também falaram sobre o quanto os psicopedagogos ainda não se libertaram de amarras que os impedem de ousar e de permitir que os aprendizes ousem!

Ao final do encontro, foi entregue a Consigna 4.

 

 

Assim os encontros foram acontecendo. As psicopedagogas e a arte-educadora traziam suas tarefas, falavam das facilidades e dificuldades que sentiam ao longo da leitura e da execução da mesma. No decorrer dos sete encontros planejados, o grupo foi deixando aflorar a sensibilidade de suas participantes.

Na Consigna 5, o grupo foi convidado a ler o texto "As relações da Psicopedagogia e da Arte Terapia" e trabalhou com a representação em argila do Planeta da Imaginação e com a construção de consigna para um aprendiz, propondo a argila como matéria-prima da tarefa.

Já na Consigna 6, o grupo foi solicitado a escolher, do livro "O pequeno príncipe", a leitura de um dos planetas ali propostos e fazer relações com o planeta da sua imaginação.

Na Consigna 7, o grupo foi chamado a ler o texto "A literatura como intervenção psicopedagógica com adolescente" e destacar aspectos relevantes, os quais mostrem a arte como uma forma de intervenção psicopedagógica.

Em seguida, na Consigna 8, solicitou-se a leitura de uma poesia e de um texto poético do livro "Carrossel dos sonhos" e a realização das relações possíveis entre o texto e as experiências de arte vividas nesse período de estudo. A seguir, produzir, como síntese, um trabalho artístico utilizando cores, da forma e com a técnica que desejar: preparar o ambiente, escolher uma música e deixar a criatividade fluir. Esse material foi o disparador do próximo encontro de estudo.

Por último, na Consigna 9, solicitou-se a leitura do texto "Motivo 1 - Costura: fundamentos da transdisciplinaridade", o qual faz uma analogia com a tecelagem, assim como que cada integrante trouxesse para o encontro final uma amostra de tecido, simbolizando: os fios que podem fazer parte da tessitura de um trabalho psicopedagógico por meio da arte, as cores que podem representar o atendimento, as identidades de aprendiz que podem ser possibilitadas e a forma como pode ser construído um trabalho na prática psicopedagógica.

Os dois últimos encontros foram reveladores de como o trabalho com a arte pode mobilizar as tarefas objetivas de estudar e as tarefas subjetivas de apurar o olhar e a escuta sensível, de lidar com situações novas, de deixar fluir o olhar e de abri-lo para os problemas atuais. O tema escolhido possibilitou às psicopedagogas e à arte-educadora presentes apurar sua autopercepção, seu olhar e sua escuta para o aprendiz, para o mundo e para si próprias. Os tecidos trazidos para representar uma ação psicopedagógica por meio da arte foram muito diferentes um do outro, mas simbolizaram a delicadeza, o espaço vazio para novas laçadas, a história pessoal entrelaçada na formação profissional, a simplicidade a ser preenchida com novos motivos, novas cores, novos fios, a paciência de tecer considerando-se os fios da história pessoal e a introdução de fios mais brilhantes no tecido já existente, transformando-o.

 

CONCLUSÃO

Por que arte e aprendizagem?

Por que aprendizagem e arte?

Por que arte na formação do psicopedagogo?

Nessa caminhada como psicopedagoga, nas vivências de formação contínua com grupos de psicopedagogos, assim como na vivência descrita, foi possível constatar o quanto a arte pode contribuir com a prática psicopedagógica e com a formação do psicopedagogo. Nos cursos de formação e de especialização em Psicopedagogia, os currículos devem contemplar a arte não apenas como conhecimento, mas como instrumento e como algo a ser experimentado e vivido, na intenção de apurar o olhar e a escuta sensíveis!

Nesse mundo tão plural, tão rápido, tão concreto, tão repleto de imagens e tão sem tempo de construir imagens internas, de olhar para dentro, de desenvolver espaços e motivos para significar as vivências, considera-se a arte como uma excelente parceira da Psicopedagogia, do desenvolvimento humano e das aprendizagens necessárias para estar, viver e conviver na Terra!

 

REFERÊNCIAS

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12. Friedmann A. O universo simbólico da criança - olhares sensíveis para a infância. Petrópolis: Vozes; 2005.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Laura Monte Serrat Barbosa
Rua Mauá 838/1002 - Curitiba, PR, Brasil
CEP 80030-200
E-mail: lauramserrat@hotmail.com

Artigo recebido: 23/4/2019
Aprovado: 22/5/2019

 

 

Trabalho realizado na Síntese - Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem, Curitiba, PR, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.
1 O Grupo de Estudos Refletir é um grupo aberto, coordenado por Laura Monte Serrat Barbosa, e que funciona na Síntese, em Curitiba-PR. Nesse semestre, reuniu cinco psicopedagogas e uma profissional da arte.

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