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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.37 no.112 São Paulo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/0103-8486.20200008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil cognitivo de crianças com dislexia e de crianças com TDAH

 

Cognitive profile of children with dyslexia and children with ADHD

 

 

Joyce Moreira DinizI; Jane CorreaII; Renata MousinhoIII

IPsicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre em Psicologia - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIPsicóloga graduada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Mestre em Psicologia Cognitiva, ISOP/FGV; Doutora em Psicologia Universidade de Oxford; Estágio pós-doutoral no Instituto de Educação da Universidade de Londres; Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRJ e supervisora do Estágio Profissional em Transtornos de Aprendizagem, na Divisão de Psicologia Aplicada (UFRJ); Coordena o projeto das Oficinas de Leitura e Escrita, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIFonoaudióloga. Doutora e Mestre em Linguística, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Pós-doutorado em Psicologia - UFRJ. Especializada em Psicomotricidade, ISRP-Paris; Especializada em Educação Inclusiva, UGF; Professora Associada da Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina (UFRJ); Coordenadora do Projeto ELO: escrita, leitura e oralidade, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou traçar o perfil cognitivo de crianças com dislexia e de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), com idades entre 6 a 8 anos. A Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV) possibilitou, por meio dos resultados de seus índices e subtestes, análises comparativas do desempenho dos grupos clínicos. O grupo de crianças com dislexia apresentou seu melhor desempenho em Compreensão Verbal e Organização Perceptual, enquanto sua maior dificuldade se deu no Índice de Memória Operacional. O melhor desempenho das crianças com TDAH revelou-se no Índice de Organização Perceptual, enquanto Velocidade de Processamento representou sua maior dificuldade. Conhecer as potencialidades e dificuldades específicas das crianças nos diagnósticos associados a dificuldades de aprendizagem pode contribuir para intervenções adequadas para garantir o acesso à Educação inclusiva e de qualidade.

Unitermos: Dislexia. Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV).


SUMMARY

The present study examined the cognitive profile of children with dyslexia and children with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), aged from 7 to 9 years. The Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC-IV) enabled comparisons of clinical groups performance in its various indexes and subtests. The group with dyslexia performed best in Verbal Comprehension and Perceptual Reasoning, while their greatest difficulty was in the Working Memory Index. The best performance of children with ADHD was observed in the Perceptual Organization Index, while the Processing Speed represented their greatest difficulty. Understanding children's potentials and difficulties in cases of learning difficulties contributes to adequate interventions to ensure access to inclusive quality education.

Keywords: Dyslexia. Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC-IV).


 

 

INTRODUÇÃO

A maior parte da demanda por avaliação neuropsicológica para crianças e adolescentes provém de queixas escolares, especialmente no que diz respeito a dificuldades de aprendizagem. A compreensão do funcionamento cognitivo que a avaliação neuropsicológica possibilita faz-se importante, tanto para a condução de diagnósticos como para que propostas de intervenção possam ser realizadas de acordo com as particularidades de cada indivíduo.

Dentre os instrumentos empregados no processo de avaliação neuropsicológica, a Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC) é considerada uma das mais utilizadas1. Atualmente em sua 4ª edição normatizada para a população brasileira2, a escala objetiva avaliar o funcionamento cognitivo dos 6 aos 16 anos, por meio de 15 subtestes, dez de aplicação obrigatória e cinco suplementares, agrupados em quatro índices fatoriais: Índice de Compreensão Verbal (ICV), Índice de Organização Perceptual (IOP), Índice de Memória Operacional (IMO) e Índice de Velocidade de Processamento (IVP).

O ICV avalia a habilidade linguística de expressão verbal e de capacidade de raciocinar com palavras por meio dos subtestes de Vocabulário, Compreensão, Semelhanças, Raciocínio com Palavras e Informação, sendo os dois últimos suplementares. O subteste Vocabulário avalia a extensão do léxico mental, requerendo habilidade linguística para elaborar definições. Em Compreensão, por meio da habilidade verbal, avalia-se a resolução de situações-problema envolvendo o entendimento de regras sociais e maturidade. A habilidade de conceituação por meio de raciocínio verbal é examinada pelo subteste Semelhanças, o que exige raciocínio lógico e habilidade de síntese. Crianças com limitações intelectuais demonstram especial dificuldade em Semelhanças1. Em Raciocínio com Palavras examina-se o reconhecimento de conceitos em presença de pistas verbais. O teste Informação avalia o domínio de conhecimentos gerais.

O IOP examina a integração visuoespacial, o raciocínio não verbal e planejamento por meio dos subtestes Cubos, Raciocínio Matricial, Conceitos Figurativos e Completar Figuras. Em Cubos, um dos principais subteste do Índice, são investigadas as habilidades de processamento visuoespacial e as funções executivas de planejamento e organização. O Raciocínio Matricial é uma medida de inteligência fluida por meio da habilidade de realizar analogias em uma matriz. Em Conceitos Figurativos avalia-se o raciocínio não verbal por meio da habilidade de categorização. No subteste Completar Figuras é avaliado o reconhecimento visual e a atenção aos detalhes.

O IMO avalia os recursos de memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva por meio dos subtestes Dígitos e Sequência de Números e Letras e Aritmética, este último um teste suplementar. O subteste Dígitos recruta os recursos para armazenamento e operação da memória de trabalho. Sequência de Números e Letras requer, principalmente, recursos de memória de trabalho, habilidade de sequenciamento e flexibilidade cognitiva. O subteste Aritmética avalia o raciocínio numérico.

Por fim, o IVP avalia a agilidade mental, a velocidade e a precisão na integração visuomotora e no emprego dos recursos atencionais por meio dos subtestes Códigos, Procurar Símbolo e Cancelamento, este último, suplementar. Em Códigos, examina-se a velocidade e a precisão com que números são associados aos códigos correspondentes. Quanto mais fácil for a memorização das associações entre os elementos, melhor será o desempenho na tarefa. Avalia-se também a memória visual, atenção e coordenação visuomotora. Em Procurar Símbolos deve-se marcar se determinado elemento está ou não presente em uma linha de símbolos, sendo cada linha da tarefa um item independente. Avalia-se também a memória visual, atenção e coordenação visuomotora.

Além de apresentar aspectos gerais do funcionamento intelectual, a WISC-IV permite a avaliação de habilidades cognitivas específicas, o que possibilita o delineamento de um perfil cognitivo, podendo levar a comparações entre diferentes grupos clínicos. Na avaliação de transtornos do neurodesenvolvimento, a aplicação da WISC-IV pode corroborar hipóteses diagnósticas, como auxiliar a realização de diagnósticos diferenciais1. Dentre os diagnósticos apoiados pela WISC-IV, encontram-se a dislexia e o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, alguns dos principais transtornos associados a dificuldades no processo de aprendizado escolar.

A dislexia do desenvolvimento é o transtorno específico da aprendizagem mais comum e seu prejuízo reside, particularmente, na leitura, e se dá na ausência de prejuízos intelectuais. Crianças com dislexia tendem a ter experiências de alfabetização frustradas em função de suas habilidades linguístico-cognitivas, particularmente, relacionadas ao processamento fonológico estarem desenvolvidas aquém do esperado para sua idade e escolaridade3.

Dificuldades comportamentais, atencionais e de funcionamento executivo estariam no cerne das dificuldades escolares encontradas pelo Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). O TDAH pode manifestar-se com predomínio da desatenção, com predomínio da hiperatividade ou pela manifestação simultânea de ambos3. Os sinais de desatenção podem incluir, por exemplo, erros por descuido, distrações frequentes, dificuldade para finalizar tarefas e procrastinação. A hiperatividade, por outro lado, aparece por meio de agitação mental e/ou motora, fala excessiva e por comportamentos inadequados às situações sociais. Além disso, é possível observar sintomas de impulsividade nas interrupções ou respostas intempestivas ou precipitadas4.

O estudo de perfis cognitivos envolvendo os transtornos do neurodesenvolvimento pode contribuir para a realização de melhores diagnósticos, como fornecer dados relevantes para a condução de intervenções. Sendo assim, o presente estudo objetiva traçar o perfil cognitivo, na WISC-IV, de crianças com dislexia e daquelas com TDAH. Em seguida, discutir semelhanças e diferenças entre tais perfis para melhor compreensão destes grupos clínicos e da natureza das dificuldades com as quais se deparam.

 

MÉTODO

Participantes

O estudo foi realizado a partir da análise dos protocolos de 24 escolares avaliados no Ambulatório de Transtornos da Língua Escrita da Universidade Federal do Rio de Janeiro entre os anos de 2015 e 2016. Foram utilizados os seguintes critérios para inclusão dos protocolos na pesquisa: diagnóstico com ausência de comorbidades, idade e escolaridade, conforme descrito na Tabela 1. Quanto ao diagnóstico, foram selecionados os protocolos das crianças diagnosticadas com dislexia ou Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. Foram excluídos os protocolos das crianças que apresentavam comorbidades, como deficiências visual e/ou auditiva e transtornos psicológicos. Quanto à idade, as crianças deveriam ter entre 6 e 8 anos, e escolaridade entre o 1o e o 3 o ano do ensino fundamental.

 

 

Procedimentos

As 24 crianças, cujos protocolos foram analisados neste estudo, realizaram avaliação multidisciplinar pelo projeto de pesquisa do Ambulatório de Transtornos da Língua Escrita - diagnóstico, acompanhamento e capacitação profissional, aprovado em julho de 2010 pelo CEP-INDC. Os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as avaliações ocorreram no período entre os anos de 2015 e 2016. As crianças foram encaminhadas para o projeto devido a queixas acerca de seu desempenho escolar, particularmente, no que diz respeito ao aprendizado da leitura e da escrita.

A avaliação multidisciplinar do projeto ELO - Escrita, Leitura e Oralidade - foi realizada em dois dias, contando com a participação de fonoaudiólogo, psicopedagogo, professor de matemática, neurologista e neuropsicólogo. A Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV) foi utilizada, pela equipe de neuropsicologia, para avaliar o funcionamento intelectual e as funções executivas das crianças. Apenas os subtestes obrigatórios foram empregados na avaliação do desempenho das crianças. A pontuação referente ao desempenho nos subtestes e índices da WISC-IV, bem como a pontuação referente ao QI Total, foi baseada na conversão de pontos proposta pelo manual do instrumento.

A análise comparativa do perfil de ambos os grupos clínicos foi realizada de duas maneiras: por meio do emprego de prova não paramétrica e por meio da comparação qualitativa do desempenho das crianças. Na primeira delas, foram comparadas as pontuações obtidas na WISC-IV com o objetivo de testar a significância estatística da diferença entre as mesmas, para cada grupo clínico, por meio do teste de Friedman, para três ou mais pontuações, ou pelo teste de Wilcoxon, para duas medidas.

Em seguida, foi realizada a comparação do desempenho entre os dois grupos clínicos por meio da prova não paramétrica Mann-Whitney U. Em sequência, foi realizada a comparação do desempenho nos Índices Fatoriais, para cada grupo clínico, considerando a classificação qualitativa dos pontos compostos obtidos. Foram, ainda, comparados o melhor e pior desempenhos nos diferentes subtestes entre ambos os grupos clínicos.

 

RESULTADOS

Em relação à inteligência geral, os grupos de crianças com dislexia (QI médio=96, DP=10) e com TDAH (QI médio=103, DP=8) tiveram desempenho classificado como médio na WISC-IV. Os grupos de crianças com dislexia e com TDAH não diferiram significativamente em seus coeficientes de inteligência.

Desempenho dos grupos clínicos nos índices fatoriais da WISC-IV

A Tabela 2 apresenta o desempenho dos grupos clínicos nos índices de Compreensão Verbal (ICV), Organização Perceptual (IOP), Memória Operacional (IMO) e Velocidade de Processamento (IVP). Para as crianças com dislexia, a comparação entre os Índices, por meio do teste de Friedman, revelou-se significativa (X2 (3)=8,55, df=3, p=0,04). As análises seguintes das diferenças entre os pares de Índices, realizadas pelo teste de Wilcoxon, revelam diferença estatisticamente significativa entre Organização Perceptual e Memória Operacional (Z=2,67, p=,01).

O desempenho das crianças em Organização Perceptual foi significativamente melhor do que em Memória Operacional. Diferenças entre alguns pares de índices revelaram-se marginalmente significativas, o que pode sugerir tendência à existência de expressiva dificuldade relativa entre tais pares de índices. O desempenho em Compreensão Verbal tendeu a ser melhor do que em Memória Operacional (Z=1,89, p=0,06). Por sua vez, o desempenho em Organização Perceptual tendeu a ser melhor do que em Velocidade de Processamento (Z=1,89, p=,06).

Para as crianças com TDAH, a comparação entre os Índices, por meio do teste de Friedman, revelou-se significativa (X2(3)=9,45, df=3, p=0,02). Análise posterior, com intuito de investigar as diferenças entre os pares de Índices, foi realizada por meio do Teste de Wilcoxon, revelando diferença estatisticamente significativa entre os Índices de Compreensão Verbal e Velocidade de Processamento (Z=2,24, p=0,02) e entre os Índices de Velocidade de Processamento e Organização Perceptual (Z=2,17, p=0,03). A habilidade das crianças em Compreensão Verbal, bem como em Organização Perceptual, foi significativamente melhor do que em Velocidade de Processamento.

A comparação entre ambos os grupos clínicos mostra que as crianças com dislexia apresentaram desempenho significativamente diferente daquelas com TDAH apenas no Índice de Compreensão Verbal (U=29,000, p=0,03).

Comparação entre o desempenho dos grupos clínicos nos subtestes da WISC-IV

O desempenho dos grupos nos subtestes componentes da WISC-IV encontram-se reunidos segundo os índices fatoriais.

Subtestes do Índice Compreensão Verbal

O desempenho dos grupos clínicos no subtestes do Índice de Compreensão Verbal é apresentado na Tabela 3. A comparação por meio do teste de Friedman não revelou diferenças significativas entre o conjunto de subtestes verbais para o Grupo Dislexia (X2 (2)=,33, df=2, p=0,85), nem para o Grupo TDAH (X2 (2)=,20, df=2, p=0,90).

Houve diferença significativa entre os grupos clínicos em Semelhanças (U=30,500, p=0,04), tendo o grupo TDAH melhor desempenho do que o grupo Dislexia. Observou-se diferença marginalmente significativa para Vocabulário (U=35,500, p=0,08). Há tendência do grupo TDAH em ter melhor vocabulário do que o grupo Dislexia.

Subtestes do índice de Organização Perceptual

A Tabela 4 apresenta o desempenho dos grupos clínicos nos subtestes do Índice de Organização Perceptual. Para o grupo Dislexia, a comparação entre os subtestes, por meio do teste de Friedman, revelou diferença significativa entre os mesmos (X2 (2)=8,62, df=2, p=0,01). As análises das diferenças entre os pares de Índices, realizadas pelo teste de Wilcoxon, corrobora a análise principal realizada. Houve diferença estatisticamente significativa na comparação entre o par de subtestes Conceitos Figurativos e Raciocínio Matricial (Z=2,04, p=0,04), com melhor desempenho no subteste Raciocínio Matricial. Para o Grupo TDAH, a comparação por meio do teste de Friedman não revelou diferenças significativas entre o conjunto de subtestes de Organização Perceptual (X2 (2)=2,57, df=2, p=0,27).

O grupo com TDAH apresentou diferença estatisticamente significativa somente no desempenho do subteste Conceitos Figurativos do grupo clínico Dislexia (U=26,500, p=0,02).

Subtestes do Índice de Memória Operacional

A Tabela 5 apresenta o desempenho dos dois grupos clínicos nos subtestes do Índice de Memória Operacional. Para o grupo Dislexia, as análises das diferenças entre os pares de subtestes, realizadas pelo teste de Wilcoxon, não revelam diferença significativa entre Dígitos e Sequência de Números e Letras (Z=,95, p=0,34), embora as crianças tendam a ter melhor desempenho em Sequência de Números e Letras. Para o grupo TDAH, a comparação por meio do teste de Wilcoxon também não revelou diferenças significativas entre o conjunto de subtestes de memória operacional (Z=0,35, p=0,72).

 

 

Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos clínicos TDAH e Dislexia apenas para o subteste Dígitos (U=26,500, p=0,05), tendo o grupo TDAH obtido melhores escores.

Subtestes do Índice de Velocidade de Processamento

A Tabela 6 apresenta o desempenho dos grupos clínicos nos subtestes do Índice de Velocidade de Processamento. Para o grupo Dislexia, a comparação entre os subtestes do Índice, por meio do teste de Wilcoxon, não revelou diferença significativa entre eles (Z=1,01, p=,31), embora o desempenho das crianças em Procurar Símbolos tenha sido melhor do que em Códigos. A comparação entre os subtestes do Índice para o Grupo TDAH, por meio do teste de Wilcoxon, não revelou diferença significativa entre os mesmos (Z=1,52, p=0,13), embora o desempenho das crianças em Códigos tenha sido melhor do que em Procurar Símbolos.

 

 

Não houve diferença significativa entre os grupos Dislexia e TDAH entre os escores dos grupos nos subtestes Código (U=62,000, p=0,93) e Procurar Símbolos (U=36,000, p=0,13).

Comparação qualitativa do desempenho dos diferentes grupos clínicos

Comparação por índices fatoriais

Os grupos estudados apresentam perfis particulares de funcionamento cognitivo, que caracterizam a natureza de suas dificuldades. Identificamos as principais potencialidades e dificuldades de cada grupo clínico para, em seguida, compararmos seu desempenho. A seguir encontra-se, na Tabela 7, a análise relativa ao desempenho nos Índices Fatoriais da WISC-IV.

 

 

Observa-se que o grupo dislexia foi o único a apresentar classificação média em todos os índices da bateria. O grupo TDAH traz o Índice de Velocidade de Processamento como sua maior dificuldade e o Índice de Organização Perceptual o seu melhor desempenho.

Comparação pelo desempenho nos diferentes subtestes

A Tabela 8 apresenta os subtestes da WISC-IV responsáveis pelos destaques positivos e negativos de cada grupo clínico.

As melhores e piores pontuações de cada grupo clínico ressaltam as especificidades de seu funcionamento cognitivo global. O desempenho das crianças com dislexia pode ser caracterizado pelos seus melhores escores serem em todos os subtestes verbais, e em dois dos subtestes de Organização Perceptual. Por outro lado, Dígitos e Código apontam para a tendência deste grupo a mostrar fragilidade mais expressiva em termos de memória de trabalho e velocidade de processamento.

Todos os subtestes do Índice de Organização Perceptual encontram-se presentes entre os melhores escores do grupo TDAH, sendo esta a principal característica de seu perfil cognitivo. A maior parte dos subtestes verbais também se apresenta entre os melhores escores, embora não todos. Compreensão foi o único subteste de Compreensão Verbal a não figurar entre os melhores escores do grupo TDAH. Os subtestes Código e Procurar Símbolos, ambos componentes do Índice de Velocidade de Processamento, foram os únicos representantes dos piores escores deste grupo clínico, o que mostra como os subtestes deste índice expressam as dificuldades atencionais para o grupo em questão.

Comparando o desempenho dos dois grupos clínicos, observa-se que nenhum subteste componente dos índices de Memória Operacional e de Velocidade de Processamento destacou-se positivamente. O subteste Código representa o pior escore de ambos os grupos clínicos participantes do estudo. Os grupos mostram tendência em terem seus melhores resultados em subtestes verbais e de execução, enquanto memória e velocidade de processamento aparecem mais prejudicadas.

 

DISCUSSÃO

O principal objetivo deste estudo foi o de realizar a análise comparativa do perfil de funcionamento cognitivo dos grupos clínicos de crianças com dislexia e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade por meio da WISC-IV. A partir da observação de que as facilidades e dificuldades das crianças dos diferentes grupos clínicos são distintas, procurou-se comparar o desempenho entre os grupos clínicos nos diferentes índices fatoriais da WISC-IV.

A análise qualitativa do desempenho dos grupos revelou que o grupo de crianças com dislexia apresentou seu melhor desempenho em Compreensão Verbal e Organização Perceptual, enquanto sua maior fraqueza cognitiva foi identificada pelo desempenho no Índice de Memória Operacional. A dificuldade manifestada pelo desempenho no IMO demonstra o prejuízo do processamento fonológico em crianças com dislexia5-7.

O destaque positivo do desempenho do grupo de crianças com TDAH foi o Índice de Organização Perceptual, enquanto Velocidade de Processamento representou sua maior fraqueza. É importante considerar a influência de aspectos comportamentais, tais como a impulsividade e a dificuldade para monitorar a ação durante a execução da tarefa, e, consequentemente, em seus resultados8-11.

Os índices de Compreensão Verbal e Organização Perceptual avaliam o funcionamento cognitivo global. Por sua vez, os índices Memória Operacional e Velocidade de Processamento, embora contribuam para o funcionamento intelectual global, são mais suscetíveis a variáveis não relacionadas à inteligência, como aspectos da personalidade, comportamentais ou emocionais10,12,13.

A literatura indica que os índices de Compreensão Verbal e Organização Perceptual representam as melhores pontuações na WISC do grupo de crianças com diferentes transtornos do neurodesenvolvimento14. Ao mesmo tempo, este mesmo grupo apresenta maiores prejuízos associados aos desempenhos em Velocidade de Processamento e Memória Operacional (chamado Resistência à Distração na terceira edição da WISC)14,15. Os resultados encontrados neste estudo mostraram que as crianças participantes dos dois grupos clínicos revelaram seus melhores desempenhos em Compreensão Verbal e/ou Organização Perceptual, corroborando outros estudos5,9,15,16.

O desenvolvimento de linguagem oral de ambos os grupos clínicos, dislexia e TDAH, não revela prejuízos, bem como encontram-se de acordo com o esperado para sua idade. O desempenho de crianças com TDAH no Índice de Compreensão Verbal se apresentou compatível com o da média de seus pares de idade em diferentes edições da WISC15. Por sua vez, o desempenho das crianças com dislexia, neste índice, pode ser melhor observado a partir da quarta edição da bateria5. É nesta edição que os subtestes Dígitos e Aritmética deixam de compor o coeficiente associado à habilidade verbal. A inclusão destes subtestes diminuíam os escores das crianças com dislexia em habilidade verbal.

Considerando o prejuízo das crianças com dislexia nas habilidades de processamento fonológico, é possível que aí resida a causa da discrepância entre as habilidades verbal e de execução observada na WISC-III14. O subteste Dígitos torna-se particularmente difícil para crianças com dislexia, uma vez que estas precisam armazenar e manipular informações verbais sem qualquer apoio visual.

Ambos os grupos clínicos mostraram seu melhor desempenho em Organização Perceptual. Sugere-se que os subtestes deste índice mostram-se menos dependentes das capacidades de velocidade de processamento e memória, e mais das capacidades de raciocínio perceptual e integração visuoespacial.

Prejuízos no desempenho em velocidade de processamento são associados a crianças com dificuldades no aprendizado escolar em diferentes diagnósticos, como autismo, TDAH e os próprios Transtornos da Aprendizagem15. Os resultados encontrados neste estudo mostram que os grupos clínicos revelaram prejuízos na velocidade de processamento. Tais prejuízos estão associados à realização de atividades visuais e motoras de forma veloz, como também ao perfil cognitivo de crianças com dificuldades no aprendizado17,18.

Observou-se que o grupo com dislexia foi aquele considerado mais rápido. Embora o desempenho dos dois grupos não tenha diferido significativamente em relação ao Índice de Velocidade de Processamento, apresentaram diferença em termos de classificação qualitativa: desempenho médio na dislexia e médio inferior no TDAH. Desse modo, as fraquezas cognitivas do grupo clínico TDAH ressaltam déficits em memória de trabalho e atenção, bem como prejuízo comportamental evidenciado pela impulsividade com que realizam as tarefas8-11.

O subteste Código, entre os piores escores dos dois grupos, evidencia a dificuldade comum entre os grupos clínicos estudados e corrobora outros estudos acerca das principais características do funcionamento cognitivo na presença de dificuldades de aprendizagem14,16,17.

O comprometimento da velocidade de processamento traz implicações acadêmicas, de modo que as crianças possam compreender e realizar as atividades no mesmo tempo em que seus pares o fazem12. Desta maneira, garantir que as crianças que processam a informação de modo mais lento que as outras tenham mais tempo para cumprir suas tarefas é fundamental para o melhor aproveitamento da experiência acadêmica e do rendimento escolar.

 

CONCLUSÃO

A contribuição deste estudo reside nas comparações das semelhanças e diferenças do perfil cognitivo dos grupos clínicos por meio da WISC-IV, buscando descrever as particularidades de cada um deles. Não se pretende, por meio deste trabalho, negligenciar as diferenças individuais de cada criança, mas, a partir de seu perfil característico, contribuir para que sejam pensadas estratégias que favoreçam sua experiência cotidiana e escolar, já que precisarão de recursos específicos e intervenções adequadas e qualificadas para garantir seu direito constitucional de acesso à Educação. Além disso, visa ampliar a discussão para os aspectos mais relevantes para a condução de intervenções clínicas e pedagógicas pertinentes a cada diagnóstico. Fornecer estratégias de suporte educacional para crianças com dificuldade de aprendizagem significa tornar o aprendizado não apenas possível, como também prazeroso e frutífero.

 

Agradecimentos

Ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

 

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Endereço para correspondência:
Joyce Moreira Diniz
Avenida Antônio de Almeida, 1692 - Retiro
Volta Redonda, RJ, Brasil - CEP 27277-330
E-mail: joyce.md@hotmail.com

Artigo recebido: 18/3/2020
Aprovado: 2/4/2020

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Campus Praia Vermelha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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