SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.37 número112Modelo de avaliação de transtornos de aprendizagem por equipe interdisciplinarO uso de jogos no contexto psicopedagógico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.37 no.112 São Paulo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/0103-8486.20200002 

ARTIGO ORIGINAL

 

Competência emocional em professores e sua relação com tempo de docência e satisfação com o trabalho

 

Emotional competence in teachers and their relationship with time of teaching and satisfaction with work

 

 

Lenara Patrícia TrevizaniI; Angela Helena MarinII

IGraduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, RS, Brasil
IIDoutora em Psicologia e Professora dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo investigar a competência emocional autopercebida de professores do ensino fundamental e sua relação com o tempo de prática docente e satisfação com o trabalho. Também foram avaliados o nível de formação acadêmica, a carga horária semanal de trabalho, o número de alunos e as diferenças entre docentes homens e mulheres quanto à percepção da competência emocional e à satisfação com o trabalho. Trata-se de uma pesquisa com delineamento transversal, correlacional e comparativo, da qual participaram 53 professores que lecionavam em escolas públicas da região metropolitana de Porto Alegre, os quais responderam ao Questionário de Dados Sociodemográficos e Laborais, Inventário de Competências Emocionais e Questionário de Satisfação no Trabalho. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva (médias, porcentagens) e inferencial (Correlação de Pearson, Teste t), que indicaram que os participantes com mais tempo de docência e maior carga horária semanal de trabalho possuíam maior satisfação intrínseca no trabalho. Além disso, a maior satisfação com o ambiente físico de trabalho esteve relacionada a maiores níveis de regulação de emoções de baixa potência em si, expressividade emocional, percepção de emoções, regulação de emoções de alta potência em si e fator geral de competências emocionais. Os professores homens também apresentaram maior regulação de emoções de baixa potência em si. Acredita-se que os resultados encontrados possam servir de subsídio para fundamentar intervenções com vistas à promoção de bem-estar e ao desenvolvimento da competência emocional docente como um meio de suscitar melhorias no ambiente escolar.

Unitermos: Docentes. Competência Emocional. Satisfação no Trabalho.


SUMMARY

The present study aimed to investigate the emotional competence self-perception of elementary school teachers and their relationship with time of teaching practice and satisfaction with work. The level of academic training, the weekly workload, the number of students and the differences between male and female teachers, as well as the perception of emotional competence and satisfaction with work were also evaluated. It´s a research with cross-sectional, correlational and comparative design, with the participation of 53 teachers who works in public schools in the metropolitan region of Porto Alegre, which replied to the questionnaire of sociodemographic and employment data, Emotional Skills Inventory and job satisfaction survey. The data were analyzed through descriptive statistics (averages, percentages) and inferential statistics (Pearson correlation, t Test), which indicated that the participants with more teaching time and increased workload weekly have higher job satisfaction intrinsic at work. In addition, the greatest satisfaction with the physical work environment is related to higher levels of regulation of low power emotions in themselves, emotional expressiveness, perception of emotions, regulation of high power emotions in themselves, and general factor of emotional competences. Male teachers also exhibit greater regulation of low-power emotions in themselves. It´s believed that the found results could serve as a subsidy to support interventions with a view to promoting well-being and development of teacher emotional competence as a means of fostering improvements in the school environment.

Keywords: Teachers. Emotional Competence. Job Satisfaction.


 

 

INTRODUÇÃO

O ambiente escolar é um espaço de troca de experiências e vivências importantes para alunos e professores. Contudo, a demanda emocional que a prática docente exige pode levar ao adoecimento psíquico1. Nesse sentido, estudos apontam que professores com uma maior capacidade para identificar, compreender, regular e pensar emoções de forma inteligente possuem mais recursos e apresentam-se emocionalmente preparados para lidar melhor com eventos adversos que muitas vezes surgem no contexto educacional2. Tal capacidade tem sido definida como competência emocional que, segundo Alzina & Escoda3, envolve o "conjunto de conhecimentos, capacidades, habilidades e atitudes para compreender, expressar e regular de forma apropriada os fenômenos emocionais" (p. 69), capaz de proporcionar um melhor desenvolvimento em circunstâncias da vida, como os processos de ensino-aprendizagem e relações interpessoais, por exemplo, visto que inclui, entre outras dimensões, a consciência emocional, o controle de impulsividade, o trabalho em equipe e o ser capaz de cuidar do outro e de si mesmo4.

Como percursores do estudo e desenvolvimento conceitual da inteligência emocional, Mayer & Salovey5 descreveram a competência emocional a partir da sua derivação em cinco categorias: capacidade de identificar as emoções em si próprio e dos outros, compreender o seu funcionamento e como interferem no comportamento, pensar quando emocionalmente ativado e regular os estados emocionais. Para Alzina6, a competência é um constructo complexo, que possui propriedades relacionadas a globalidade, interação e evolução.

De fato, a definição de competência, especialmente no que diz respeito ao domínio emocional, é complexa, na medida em que possui uma organização dinâmica em seus elementos, e não propriamente ou tão somente a soma destes. A globalidade do conceito apresenta-se no sentido de que, ao estar integrando um conjunto de conhecimentos, a competência não se reduz a eles, mas sim há uma interação entre esses saberes, o que pode levar ao uso de diferentes terminologias para se referir ao constructo, como é o caso do uso do termo habilidades.

Sobre a diferenciação entre habilidade e competência, Macedo7 afirma que as habilidades se fazem necessárias, porém não são suficientes, dentro de uma perspectiva relacional, que tem como base o jogo de interações. A competência, para o autor, não pode ser considerada uma união de habilidades, pois "seria o modo como fazemos convergir nossas necessidades e articulamos nossas habilidades em favor de um objetivo ou solução de um problema, que se expressa num desafio, não redutível às habilidades"7 (p. 11). Diante de tais características, pode-se afirmar que a competência emocional é um fator em relação8,9.

Nesse sentido, e pensando nas relações que se constituem na escola, considera-se que as capacidades referentes às estratégias de gestão emocional emergem tanto dos limites do professor como dos limites do campo educativo10. A precariedade do sistema de ensino brasileiro tem sido considerada um agravante para a saúde emocional do professor, pois problemas sociais, como a violência na escola, por exemplo, são geradores de angústias e frustrações. Além disso, esses profissionais estão em constante contato com alunos que apresentam uma série de problemas sociais e desgastes emocionais11.

Frente ao exposto, é possível afirmar que ser professor na sociedade atual demanda esforços para além das habilidades técnicas. Isso significa que desempenhar tal função é muito mais do que ensinar em sala de aula, uma vez que a educação escolar também passou a ser responsável por contribuir no desenvolvimento psicossocial dos alunos12. Abed13 pontua que os docentes precisam lidar diariamente com situações sociais carregadas emocionalmente, nem sempre fáceis de serem administradas. No entanto, afirma que o trabalho pedagógico que vislumbra o desenvolvimento socioemocional "não deve ser considerado como mais uma tarefa do professor, mas sim como um caminho para melhorar as relações interpessoais na sala de aula e construir um clima favorável à aprendizagem"14 (p. 122).

Portanto, acredita-se que se o professor for competente emocionalmente, isso o ajudará no enfrentamento do estresse laboral e de contratempos cotidianos vivenciados no contexto educativo15. Tais aspectos podem estar associados à satisfação com o trabalho.

Apesar de não haver uma definição única para o conceito de satisfação, é possível relacioná-la tanto a fatores intrínsecos ao trabalho docente, como autonomia e interação com os alunos, quanto a fatores extrínsecos, como questões salariais, oportunidades de progressão na carreira e reconhecimento, condições materiais de trabalho e relações com colegas16. A partir da diferenciação entre os fatores intrínsecos e extrínsecos, tem-se destacado o predomínio de variáveis de natureza intrínseca ao trabalho docente17, como o gosto de ser professor e a realização pessoal, como fatores que motivam e contribuem para sua satisfação16.

Ainda, é possível compreender o conceito de satisfação a partir do modelo de Locke18, que é um dos mais utilizados na literatura que se refere ao tema. Esse relaciona a satisfação no trabalho ao seu conteúdo, às possibilidades de promoção, ao reconhecimento das condições e ambiente de trabalho, relações com os colegas, aspectos da supervisão e às políticas e competências do local de trabalho19.

Um dos fatores que tem se apresentado associado à maior satisfação no trabalho em docentes é o maior tempo de exercício profissional17,20. O tempo de permanência na profissão pode proporcionar maior satisfação, na medida em que possibilita ao docente o seu desenvolvimento pessoal, a partir das experiências vivenciadas na escola e reconhecidas como significativas pelos seus alunos e pares. Nessa direção, as situações que envolvem o processo de ensino-aprendizagem são as que proporcionam maiores sentimentos de gratificação, bem como de frustração, fortemente correlacionados com o (in)sucesso dos alunos21.

Como visto, é possível afirmar que as expressões emocionais de professores, referentes aos seus contextos relacionais e laborais, são formas reveladoras do campo educativo do qual fazem parte10. No entanto, questões históricas sobre o papel do professor estão envolvidas nesse processo, visto que implica em não mais olhar para o professor enquanto alguém que "dá aulas", mas sim como um mediador, aquele que a partir de suas ações passa a compor situações de aprendizagem que tenham sentido, abrindo espaço aos alunos para que sejam sujeitos ativos na construção desses conhecimentos e do processo de ensino-aprendizagem como um todo13.

Nesse sentido, faz-se necessário atentar para as novas responsabilidades que a educação escolar vem assumindo e que sobrecarregam o professor, e o quanto esses profissionais têm sido esquecidos pelas políticas públicas de assistência ao trabalhador12. Observa-se, ainda, que pesquisas sobre a satisfação com o trabalho em professores são pouco evidenciadas na literatura, e a maior parte delas abordam a motivação, a identidade ou o mal-estar docente22.

Diante desse cenário, e considerando as problemáticas e os desafios que são apresentados aos docentes no exercício de sua profissão, autores destacam a importância do desenvolvimento da competência emocional2,11,15. Assim, pensou-se em um estudo que possibilitasse investigar a competência emocional autopercebida de professores do ensino fundamental e sua relação com o tempo de prática docente e satisfação com o trabalho, considerando-a como um possível fator relacionado ao desenvolvimento de tais competências. Buscou-se, também, verificar a percepção e a satisfação considerando os diferentes níveis de formação acadêmica, a carga horária semanal de trabalho, o número de alunos e as diferenças entre docentes homens e mulheres quanto à percepção da competência emocional e a satisfação com o trabalho. Acredita-se que os dados levantados e discutidos neste estudo poderão contribuir para a fundamentação de ações de intervenções que visem a promoção de melhorias no bem-estar profissional de professores, bem como de intervenções que auxiliem no desenvolvimento da competência emocional em docentes.

 

MÉTODO

Delineamento e participantes

A pesquisa desenvolvida assumiu um delineamento correlacional e comparativo23, de abordagem quantitativa e corte transversal. Participaram 53 professores, que atuam no ensino fundamental em escolas da região metropolitana de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul (2ª Coordenadoria Regional de Educação - CRE), todos com experiência mínima de seis meses de docência, selecionados por conveniência e seguindo um efeito bola de neve24.

Os docentes que constituíram o grupo estudado eram, em sua maioria, mulheres (75,5%), casadas (47,2%) e com filhos (64,2%). Quanto à escolaridade, a maioria possuía ensino superior completo (98,1%), e pós-graduação lato ou stricto senso (70,6%). Todos trabalhavam em escolas públicas, sendo que 3,8% também eram docentes em escolas privadas. Entre eles, 47,2% lecionavam somente para as séries iniciais (1º ao 5º ano), 35,8% para as séries finais (6º ao 9º ano) e 13,2% para todas as séries (1º ao 9º ano).

Instrumentos e procedimentos

Foi realizado um primeiro contato, via telefone ou e-mail, a partir de indicações feitas por pessoas da rede de contatos da pesquisadora, com alguns professores de ensino fundamental de escolas localizadas na região metropolitana de Porto Alegre, para avaliar se estes cumpriam com o critério de seleção da amostra já apresentado. Eles foram convidados a participar voluntariamente da pesquisa e, com aqueles que demonstraram interesse em participar, foi agendado horário para um encontro presencial, em sua residência ou outro local de preferência. Nesse momento, foi explicado o tema da pesquisa e procedeu-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Após, os participantes respondiam a três instrumentos para coleta de dados.

O Questionário de Dados Sociodemográficos e Laborais25, instrumento composto de 25 questões, que tinha como objetivo investigar variáveis sociodemográficas e laborais. O Inventário de Competências Emocionais (ICE-R)26, instrumento de autorrelato, composto por 34 itens, respondidos por meio de uma escala Likert de cinco pontos, variando entre 1 se o conteúdo da frase "absolutamente não se aplica ao seu caso" e 5 se o conteúdo "se aplica perfeitamente ao seu caso", resultando em cinco fatores:

1) Regulação de emoções em outras pessoas (habilidade para lidar com pessoas emocionalmente problemáticas ou situacionalmente tomadas pela emoção, sendo capaz de acalmar alguém sem desanimá-lo ou de motivar uma pessoa sem constrangê-la, ajudando os outros a se sentirem melhores para enfrentar suas dificuldades e darem o melhor de si);

2) Regulação de emoções de baixa potência (habilidade de não se deixar abater pela tristeza, desânimo, melancolia ou medo, sendo capazes de superar as frustrações do dia a dia por meio da automotivação e da geração dos sentimentos apropriados em si mesmos para lidar com as tarefas a serem realizadas);

3) Expressividade emocional (habilidade para expressar-se emocionalmente tanto do ponto de vista da comunicação dos sentimentos quanto do desbloqueio da vergonha ou medo da não aceitação por outras pessoas);

4) Percepção de emoções (habilidade de perceber estados e alterações emocionais em si e em outras pessoas, sendo capaz de detectar a influência do próprio comportamento sobre os sentimentos dos outros e do comportamento dos outros sobre os próprios sentimentos, a diferença entre o que é esperado socialmente que se sinta em determinadas situações e o que realmente se sente ou que um sentimento está aumentando de intensidade); e

5) Regulação de emoções de alta potência (regulação da impulsividade, tanto da raiva quanto da euforia, conseguindo controlar-se para agir de forma apropriada à situação que se apresenta).

Além desses, deriva um fator geral de competências emocionais, que representa a habilidade geral para lidar com situações emocionais, sendo capaz de perceber emoções em si e em outras pessoas, sem exagero ou diminuição de sua importância, de expressar-se emocionalmente e de controlar tanto as emoções que tendem a produzir comportamentos impulsivos, como a raiva e a euforia, quanto aquelas que tendem a produzir paralisia, desânimo e baixa energia para ação. O instrumento apresenta condições psicométricas favoráveis para o seu uso em pesquisas, uma vez que o alfa de Cronbach dos fatores variou de 0,67 (expressividade emocional) a 0,91 (percepção de emoções).

Por fim, utilizou-se o Questionário de Satisfação no Trabalho - S20/23 (adaptação brasileira do S20/23 feita por Carlotto & Câmara19, da versão reduzida do Questionário S4/82 de Meliá & Peiró27), instrumento composto de 20 itens, respondidos por meio de uma escala Likert de cinco pontos (1 = totalmente insatisfeito, 2 = parcialmente insatisfeito, 3 = indiferente, 4 = parcialmente satisfeito e 5 = totalmente satisfeito). Os itens encontram-se distribuídos em três fatores: 1) satisfação com as relações hierárquicas (11 itens), 2) satisfação com o ambiente físico de trabalho (5 itens) e 3) satisfação intrínseca ao trabalho (4 itens). A versão brasileira do S20/23 possui os requisitos necessários em termos de consistência interna e validade fatorial para ser utilizada em professores. Apresenta níveis satisfatórios de validade e confiabilidade, com o alfa de Cronbach geral de 0,91 e dos três fatores variando entre de 0,77 a 0,92. Todos os instrumentos foram respondidos de forma autoaplicada e aleatória. A pesquisadora ficou disponível para esclarecer eventuais dúvidas e o tempo de coleta foi de, em média, 30 minutos.

As informações obtidas foram tabuladas em um banco de dados no SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para Windows versão 22.0, sendo analisadas quantitativamente, conforme orientação dos manuais dos instrumentos utilizados, e por meio de estatísticas descritivas e inferenciais, com o estudo de normalidade da distribuição dos dados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov (correção de Lillifors), que indicou uma amostra de distribuição normal. Para avaliar a associação entre as variáveis competência emocional, satisfação no trabalho e tempo de docência, utilizou-se a Correlação de Pearson.

Após, os participantes foram divididos em grupos, considerando: tempo de experiência docente (até 10 anos; 10 anos ou mais), nível de satisfação com o trabalho (maior; menor), níveis de formação acadêmica (somente graduação; com pós-graduação), carga horária semanal de trabalho (até 40 horas; 40 horas ou mais), número de alunos (até 100 alunos; 100 ou mais alunos) e sexo (homens; mulheres). Utilizou-se o Teste t de Student para as comparações entre os grupos de amostras independentes. Foram considerados como significativos os resultados com p<0,05.

Destaca-se que o presente estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (CAAE N°60933616.9.0000.5344, Parecer N°1.788.254), a fim de cumprir e garantir a adequação dos procedimentos éticos, conforme orienta a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466/2012.

 

RESULTADOS

Inicialmente, com vistas a avaliar se a competência emocional autopercebida de professores do ensino fundamental tinha relação com o tempo de prática docente e a satisfação com o trabalho, foi realizada a análise de Correlação de Pearson. Conforme a Tabela 1, constata-se que não houve associação significativa entre as dimensões da competência emocional e as dimensões da satisfação no trabalho, assim como com o tempo de docência. Apenas a satisfação intrínseca no trabalho correlacionou-se positivamente com o tempo de docência (r=0,37; p<0,01). Também se evidenciaram correlações entre os fatores da competência emocional, que corroboram os indicadores psicométricos do instrumento.

Contudo, quando a amostra foi dividida considerando a satisfação com trabalho em cada dimensão avaliada, observou-se que a maior satisfação com o ambiente físico de trabalho está relacionada a maiores níveis de regulação de emoções de baixa potência em si (p<0,05), expressividade emocional (p<0,02), percepção de emoções (p<0,01), regulação de emoções de alta potência em si (p<0,05), e fator geral de competências emocionais (p<0,01). Os dados podem ser observados na Tabela 2.

Após, os professores ainda foram divididos em grupos de acordo com o tempo de experiência docente, níveis de formação acadêmica, carga horária semanal de trabalho, número de alunos e sexo. Verificou-se que os docentes com dez ou mais anos de experiência possuem maior satisfação intrínseca no trabalho (p<0,02); que os docentes que possuem pós-graduação (lato ou stricto senso) também apresentam maior satisfação intrínseca no trabalho (p<0,05); que os docentes que trabalham 40 horas ou mais por semana tiveram maior índice no fator geral de competências emocionais (p<0,05) e maior satisfação intrínseca no trabalho (p<0,03), bem como uma tendência a maiores níveis de percepção de emoções (p<0,07).

Quanto ao número de alunos, os resultados indicaram uma tendência a maior regulação de emoções em outras pessoas (p<0,06) e expressividade emocional (p<0,06) em docentes que possuíam até 100 alunos. Por fim, avaliando as diferenças entre os sexos, em relação às dimensões da competência emocional, os resultados indicaram que os homens apresentam maior regulação de emoções de baixa potência em si (p<0,04).

 

DISCUSSÃO

Frente aos objetivos do estudo e com base nos resultados obtidos, observou-se que apenas o tempo de docência se correlacionou de maneira positiva, mas fraca, com a satisfação intrínseca no trabalho. Contudo, quando os participantes foram divididos em grupos considerando o tempo de experiência docente e o nível de satisfação com o trabalho, verificou-se que aqueles com dez ou mais anos de trabalho possuíam maior satisfação intrínseca no trabalho.

Tais dados corroboram alguns estudos que indicam a manifestação de maiores índices de satisfação no trabalho por parte dos professores que possuem mais anos de exercício profissional20. Para Junges25, o fato de gostar e ter prazer em dar aula pode sustentar uma carreira mais longa. Assim, é plausível supor que a satisfação laboral em professores deriva de sua realização, sendo o trabalho constituído enquanto um espaço de afirmação e desenvolvimento que se assegura ao longo do tempo17.

Quanto à relação entre a competência emocional e o nível de satisfação com o trabalho, os resultados indicaram que a maior satisfação com o ambiente físico está relacionada a maiores níveis de regulação de emoções de baixa potência em si, expressividade emocional, percepção de emoções, regulação de emoções de alta potência em si e fator geral de competências emocionais. Portanto, os professores reconhecem que os seus locais de trabalho possuem condições físicas favoráveis, e, uma vez que a competência emocional está centrada na interação entre a pessoa e o meio na qual encontra-se inserida3, é possível entender tal associação. Martinez & Paraguay28 reforçam esse entendimento, pontuando que eventos e condições que englobam os recursos disponíveis (suporte, equipamentos) para a realização do trabalho, as condições físicas em si (ruídos, temperatura, ventilação) e a segurança (ausência de riscos), se constituem como fatores causais da satisfação no trabalho.

No que diz respeito à avaliação da competência emocional e da satisfação com o trabalho em professores, conforme os diferentes níveis de formação acadêmica, os resultados indicaram que não houve diferença entre os grupos (professores graduados e professores pós-graduados) e a competência emocional, o que corrobora os estudos de Veiga-Branco10, que também apontaram para inexistência de correlação significativa entre competência emocional e níveis de formação. Entretanto, evidenciou-se que os docentes com pós-graduação manifestaram maior satisfação intrínseca no trabalho, o que vai ao encontro dos dados encontrados em outras pesquisas, que indicaram que os professores que dispensam maior tempo para o seu desenvolvimento profissional encontram-se mais satisfeitos29.

Nessa mesma direção, referente à carga horária semanal, constatou-se que os docentes que trabalham 40 horas ou mais por semana apresentaram um maior fator geral de competências emocionais e uma tendência a maiores níveis de percepção de emoções. Também se observou que esses docentes possuem maior satisfação intrínseca no trabalho. Já em relação ao número de alunos, os resultados indicaram tendências de maior regulação de emoções em outras pessoas e expressividade emocional em docentes que possuem até 100 alunos.

Para Seco17, uma das estratégias que implica em bem-estar profissional docente seria o enriquecimento das dimensões intrínsecas ao trabalho, que contemplam, dentre outros fatores, a oportunidade de estabelecer relações gratificantes com os alunos. Desta forma, pode-se pensar que um professor que possui uma carga horária maior encontra-se maior tempo em contato com os alunos e com as atividades docentes, o que pode proporcionar a realização de tarefas diversificadas e o estabelecimento de relações, que neste estudo parecem ser satisfatórias.

Apesar de contrariar dados na literatura que indicam a carga horária como um elemento associado à exaustão emocional30, estudos realizados com professores destacam que muitas tarefas que demandam do professor maior investimento de tempo e um volume maior de trabalho exigem também uma maior dedicação e esforço intelectual31, o que pode estar relacionado à necessidade de maior competência emocional, bem como ao desenvolvimento desta.

Além disso, fatores contextuais, tais como o número de alunos, o tempo de experiência docente, ministrar aulas para diferentes níveis de ensino32, tendem a requerer avaliações múltiplas e variadas31, o que, consequentemente, exige do professor características relacionadas a uma maior capacidade em lidar com pessoas. Em função desse maior contato com os alunos, é provável que, situacionalmente, tenha que auxiliá-los a se sentirem melhor para enfrentarem suas dificuldades (regulação de emoções em outras pessoas), estimulá-los a se expressarem ou perceberem as emoções em si e em outras pessoas, atentando para a influência do próprio comportamento sobre os sentimentos dos outros e do comportamento dos outros sobre os próprios sentimentos26.

Por fim, quanto ao sexo dos professores, quando analisada a satisfação com o trabalho, não foram encontradas diferenças, ao contrário do que aponta a literatura, que indica as mulheres como mais satisfeitas17. Já no tocante às dimensões da competência emocional, os homens apresentam maior regulação de emoções de baixa potência em si, que compreende a capacidade de superar as frustrações do dia a dia por meio da automotivação e da geração dos sentimentos apropriados em si mesmo para lidar com as tarefas a serem realizadas, não se deixando abater pela tristeza e desânimo, por exemplo26.

Tal dado também contraria alguns estudos que apontam para a ausência de diferenças entre os sexos para esse constructo33,34 ou que destacam que as mulheres possuem maior aptidão para lidar com a emoção35. Entretanto, localizou-se uma pesquisa que constatou maiores níveis de automotivação em homens, quando comparados às mulheres, demonstrando que estes estavam emocionalmente disponíveis para um maior otimismo e esperança, compreendidos como fatores de motivação36.

 

CONCLUSÃO

Frente ao exposto, constata-se que a presente pesquisa apresentou dados relevantes, uma vez que os resultados encontrados atentam para a necessidade de um olhar aos docentes quanto às relações que estabelecem na escola, pois indicaram maior competência emocional associada à maior satisfação com o ambiente físico de trabalho, e maior satisfação intrínseca com o trabalho associada a maior tempo de experiência e formação docente. Contudo, destaca-se que o público contemplado, professores do ensino fundamental de uma determinada região do estado do Rio Grande do Sul, possui características específicas que não podem ser estendidas a professores de outros níveis de ensino e regiões, sem o devido cuidado e atenção, por divergirem tanto pela formação específica como também pelo espaço de aprendizagem no qual se inserem.

Acredita-se que a competência emocional se apresenta como uma importante característica para atender aos novos desafios que se colocam diante da profissão docente37, visto que as capacidades referentes às estratégias de gestão emocional emergem tanto dos limites do professor como dos limites do campo educativo10. Além disso, a promoção de um sentido de realização, por meio de um enriquecimento do trabalho, que se configure como algo interessante aos docentes, parece ser uma forma de criar espaços para o desenvolvimento de uma maior satisfação no trabalho17.

Considera-se relevante olhar os professores enquanto agentes de transformação, promovendo o desenvolvimento de suas potencialidades, tendo em vista a sua competência emocional, o que poderá resultar em transformações significativas nas relações que se estabelecem nos espaços de ensino-aprendizagem. Portanto, destaca-se, também, a importância de se incluir a discussão do tema nos processos de formação dos professores. Espera-se que esse estudo tenha contribuído no que se refere à compreensão da relação entre competência emocional e satisfação no trabalho em professores, e que proporcione subsídios para fundamentar intervenções que visem ao bem-estar e desenvolvimento da competência emocional docente como um meio de suscitar melhorias no ambiente escolar.

 

REFERÊNCIAS

1. Batista JBV, Carlotto MS, Coutinho AS, Augusto LGS. Prevalência da Síndrome de Burnout e fatores sociodemográficos e laborais em professores de escolas municipais da cidade de João Pessoa, PB. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(3):502-12.         [ Links ]

2. Cabello R, Ruiz-Aranda D, Fernández-Berrocal P. Docentes emocionalmente inteligentes. Rev Electr Interuniv Form Prof. 2010; 13(1):41-9.         [ Links ]

3. Alzina RB, Escoda NP. Las competencias emocionales. UNED Educ XXI. 2007;10:61-82.         [ Links ]

4. Alzina RB. Educación emocional y competencias básicas para la vida. Rev Investig Educ. 2003;21(1):7-43.         [ Links ]

5. Mayer JD, Salovey P. What is emotional intelligence? In: Salovey P, Sluyter D, eds. Emotional development and emotional intelligence: Educational implications. New York: Basic Books; 1997. p. 3-31.         [ Links ]

6. Alzina RB. La educación emocional en la formación del profesorado. Rev Electr Interuniv Form Prof. 2005;19(3):95-114.         [ Links ]

7. Macedo L. Competências e habilidades: elementos para uma reflexão pedagógica; 1999. [Acesso 2017 Maio 8]. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2505.pdf        [ Links ]

8. Faria L. Apresentação do Número. Psicologia. 2006;20(2):5-10.         [ Links ]

9. Pavão SMO. Competência emocional: um enfoque reflexivo para a prática pedagógica [tese]. Bellaterra: Universidade Autônoma de Barcelona; 2003 [Acesso 2016 Abr 24]. Disponível em: http://www.tdx.cat/bitstream/handle/10803/5022/smop1de1.pdf?        [ Links ]

10. Branco MARV. Competência emocional em professores: Um estudo em discursos do campo educativo [dissertação]. Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto; 2005. [Acesso 2016 Maio 30]. Disponível em: https://bibliotecadigital.ipb.pt/bitstream/10198/5311/1/j.%20TESE%20de%20Doutoramento.pdf        [ Links ]

11. Silva ACR, Silva GA. A Educação Emocional e o Preparo do Profissional Docente. In: Actas do X Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia; 2009; Universidade do Minho, Braga, Portugal [Acesso 2016 Abr 20]. Disponível em: http://www.educacion.udc.es/grupos/gipdae/documentos/congreso/Xcongreso/pdfs/t3/t3c40.pdf        [ Links ]

12. Silva JP, Damásio BF, Melo AS, Aquino TAA. Estresse e Burnout em Professores. Rev For Ident. 2008;2(3):75-83.         [ Links ]

13. Abed ALZ. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica. Constr Psicopedag. 2016;24(25):8-27.         [ Links ]

14. Abed ALZ. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica. São Paulo: UNESCO/MEC; 2014. [Acesso 2017 Abr 15]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15891-habilidades-socioemocionais-produto-1-pdf&category_slug=junho-2014-pdf& Itemid=30192        [ Links ]

15. Extremera N, Fernández-Berrocal P. La importancia de desarrollar la inteligencia emocional en el profesorado. Rev Iberoam Educ. 2004;33:1-10.         [ Links ]

16. Moreira JA, Ferreira AG, Ferreira JA. Escala de satisfação de professores de Educação Física: procedimentos de construção e validação. Rev Port Pedag. 2014;48(1):69-85.         [ Links ]

17. Seco GMSB. A satisfação na actividade docente [dissertação]. Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal, 2000. [Acesso 2017 Maio 8]. Disponível em: https://iconline.ipleiria.pt/bitstream/10400.8/217/3/TD%20GS%202000.pdf        [ Links ]

18. Locke EA. Job satisfaction. In: Gruneberg M, Wall T, eds. Social psychology and organizational behavior. New York: John Wiley & Sons; 1984. p. 93-117.         [ Links ]

19. Carlotto MS, Câmara SG. Propriedades psicométricas do Questionário de Satisfação no Trabalho (S20/23). PsicoUSF. 2008; 13(2):203-10.         [ Links ]

20. Alves MG, Azevedo NR, Gonçalves TN. Satisfação e situação profissional: um estudo com professores nos primeiros anos de carreira. Educ Pesqui. 2014;40(2):365-82.         [ Links ]

21. Freire I, Bahia S, Estrela MT, Amaral A. A dimensão emocional da docência: contributo para a formação de professores. Rev Port Pedag. 2014;46(2):151-71.         [ Links ]

22. Pedro N. Auto-eficácia e satisfação profissional dos Professores: colocando os construtos em relação num grupo de professores do ensino básico e secundário. Rev Educ. 2011;18(1):23-47.         [ Links ]

23. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas; 2002.         [ Links ]

24. Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas (Campinas). 2014;22(44):203-20.         [ Links ]

25. Junges LAS. A Relação Família-Escola sob a perspectiva do Professor de Ensino Fundamental [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015. [Acesso 2016 Ago 15]. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/130502/000975151.pdf?sequence=1        [ Links ]

26. Bueno JMH, Correia FML, Abacar M, Gomes YA, Pereira Junior FS. Competências emocionais: estudo de validação de um instrumento de medida. Aval Psicol. 2015; 14(1):153-63.         [ Links ]

27. Meliá JL, Peiró JM. La medida de la satisfacción laboral en contextos organizacionales: El Cuestionario de Satisfacción S20/23. Psicologemas. 1989;5:59-74.         [ Links ]

28. Martinez MC, Paraguay AIBB. Satisfação e saúde no trabalho - aspectos conceituais e metodológicos. Cad Psicol Soc Trab. 2003; 6:59-78.         [ Links ]

29. Capistrano D, Cirotto AC. O que Torna o Professor Brasileiro Satisfeito com Sua Profissão? Arq Anal Pol Educ. 2014;22(123):1-16.         [ Links ]

30. Carlotto MS, Palazzo LS. Síndrome de burnout e fatores associados: Um estudo epidemiológico com professores. Cad Saúde Pública. 2006;22(5):1017-26.         [ Links ]

31. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educ Pesqui. 2005;31(2):189-99.         [ Links ]

32. Guimarães SER, Boruchovitch E. O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicol Reflex Crit. 2004;17(2):143-50.         [ Links ]

33. Cardoso CPC. Inteligência emocional, estratégias de coping em estudantes universitários [dissertação]. Porto: Universidade Fernando Pessoa; 2011. [Acesso 2017 Maio 8]. Disponível em: https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/3258/3/DM_13665.pdf        [ Links ]

34. Magalhães RSS. A influência da competência emocional no desempenho académico de adolescentes do ensino secundário [dissertação]. Porto: Universidade Lusófona do Porto; 2012 [Acesso 2017 Maio 8]. Disponível em: http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/3069        [ Links ]

35. Ferreira SAA. Competência Emocional no Ensino Superior Psicologia Positiva [dissertação]. Coimbra: Instituto Superior Miguel Torva; 2014. [Acesso 2017 Maio 8]. Disponível em: http://repositorio.ismt.pt/bitstream/123456789/624/1/CE%20no%20Ensino%20Superior_Final_Entrega_CD.pdf        [ Links ]

36. Antão C, Veiga-Branco A. Competências emocionais: uma questão de género? Int J Develop Educ Psychol. 2012;1(4):19-27.         [ Links ]

37. Santos NL, Faria L. Inteligência emocional: Adaptação do "Emotional Skills and Competence Questionnaire" (ESCQ) ao contexto Português. Rev Facul Ciênc Hum Soc UFP. 2005;2:275-89.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Angela Helena Marin
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Rua Ramiro Barcelos, 2600 - sala 221 - Bairro Floresta -
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90035-002
E-mail: marin.angelah@gmail.com

Artigo recebido: 3/10/2019
Aprovado: 15/3/2020

 

 

 Trabalho realizado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, RS, Brasil.
 Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

Creative Commons License