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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.37 no.113 São Paulo May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.5935/0103-8486.20200017 

RELATO DE PESQUISA

 

Inter-relação entre duas teses de doutorado que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com transtorno do espectro autista (TEA)

 

Interrelationship between two doctoral thesis that included in their research samples children with autistic spectrum disorder (ASD)

 

 

Jací Carnicelli MattosI; Catherine Oliveira de AraújoII

IPesquisadora. Pedagoga, Mestre e Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento. Docente na Pós-graduação em Psicopedagogia e Educação Inclusiva do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), São Paulo, SP, Brasil
IIPedagoga e Psicopedagoga. Mestre e Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento. Docente na graduação nos cursos de Pedagogia e Matemática e na Pós-graduação em Psicopedagogia e Educação Inclusiva do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). Atua nesta Instituição também como Psicopedagoga Institucional na educação básica e como Coordenadora da Pós-graduação em Psicopedagogia e Educação Inclusiva, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo destaca a inter-relação entre duas teses de doutorado. Foram identificados e explorados, a partir da leitura minuciosa e da análise comparativa entre os dois trabalhos, quatro pontos de convergência entre as referidas teses. Além disso, foram apresentados sinteticamente os objetivos, os métodos, os resultados e as conclusões de cada um dos estudos. O objetivo deste relato é discorrer, por meio de quatro pontos convergentes (perfis, definição do quadro, diagnóstico precoce e instrumentos de rastreio), sobre a inter-relação entre duas teses de doutorado que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Tais pontos convergentes relacionam-se a questões com as quais os profissionais que atuam junto aos indivíduos com TEA deparam-se frequentemente. Algumas ações como: 1. Conhecer o indivíduo com TEA através do estabelecimento de seu perfil; 2. Manter-se atualizado sobre os critérios diagnósticos e dados de literatura que definem a multifatoriedade do transtorno; e 3. Compreender a importância e a necessidade do diagnóstico precoce e da aplicação de instrumentos de rastreio para a avaliação deste distúrbio do neurodesenvolvimento podem auxiliar os profissionais de diferentes áreas quanto ao trabalho com pessoas diagnosticadas com TEA. O cotejamento realizado entre as duas teses, assim como os dados presentes na exploração de cada ponto convergente entre elas, trazem ao leitor elementos fomentadores de reflexões que confirmam a complexidade do transtorno e a importância das três ações descritas acima.

Unitermos: Transtorno do Espectro Autista. Diagnóstico Precoce. Instrumentos de Rastreio.


SUMMARY

This article highlights the interrelationship between two doctoral theses. Four points of convergence between these thesis were identified and explored from the detailed reading and comparative analysis between the two works. In addition, the objectives, methods, results, and conclusions of each study were presented briefly. The purpose of this report is to discuss from four converging points (profiles, definition of the condition, early diagnosis, and screening instruments), about the interrelationship between two doctoral theses that included children with ASD in their research samples. Such converging points are related to issues that professionals who work with individuals with ASD often face. Some actions such as: 1. Knowing the individual with ASD through the establishment of their profile; 2. Keeping up to date on the diagnostic criteria and literature data that define the multifactorial nature of the disorder; and 3. Understanding the importance and the need for early diagnosis and the application of screening instruments to assess this neurodevelopmental disorder can assist professionals in different areas, regarding work with people diagnosed with ASD. The comparison made between the two thesis, as well as the data present in the exploration of each converging point between them, bring to the reader elements that encourage reflections that confirm the complexity of the disorder and the importance of the three actions described above.

Keywords: Autistic Spectrum Disorder. Early Diagnosis. Screening Instruments.


 

 

INTRODUÇÃO

Este artigo destaca a inter-relação entre duas teses de doutorado que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Foram identificados e explorados, a partir da leitura minuciosa e da análise comparativa entre os dois trabalhos, quatro pontos de convergência. Além disso, a título de complementaridade, estão apresentados sinteticamente os objetivos, os métodos, os resultados e as conclusões de cada um dos estudos.

Acerca dos quatro pontos identificados e explorados quanto à inter-relação entre as duas pesquisas, temos que:

1. Em ambas foram traçados perfis: perfil clínico e escolar dos alunos com TEA da rede municipal de ensino de Embu das Artes - SP1 e perfil sensorial de crianças sem transtornos do neurodesenvolvimento e com TEA da região metropolitana de SP2;

2. Em ambas o Transtorno do Espectro Autista foi definido;

3. Em ambas foram pontuadas a necessidade e a importância do estabelecimento de diagnósticos precoces quando há suspeitas de TEA;

4. Em ambas foram utilizados instrumentos de rastreio que objetivaram fornecer informações pontuais sobre as amostras pesquisadas.

O objetivo deste relato é discorrer sobre a inter-relação entre duas teses de doutorado que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com TEA. Ao fazê-lo, ou seja, ao discorrer sobre tal inter-relação a partir das quatro convergências identificadas entre as duas pesquisas, emergem dados presentes em inúmeros estudos sobre TEA.

No caso dos dois trabalhos científicos que são as fontes deste relato, algumas questões relacionadas às crianças com TEA das amostras pesquisadas e identificadas como pontos convergentes (perfis, definição do quadro, diagnóstico precoce e instrumentos de rastreio) foram investigadas, analisadas estatisticamente e relacionadas a achados anteriores descritos na literatura. Assim, estão presentes neste artigo as quatro convergências e respectivas questões da inter-relação entre as duas teses. Ao término da exploração de cada uma das quatro convergências, há um cotejamento entre os dois estudos.

 

QUATRO PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE AS REFERIDAS TESES

1 - EM AMBAS FORAM TRAÇADOS PERFIS: PERFIL CLÍNICO E ESCOLAR DOS ALUNOS COM TEA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE EMBU DAS ARTES - SP1 E PERFIL SENSORIAL DE CRIANÇAS SEM TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO E COM TEA DA REGIÃO METROPOLITANA DE SP2.

Na Tese 11 o objetivo geral foi mapear o alunado com Transtorno do Espectro Autista atendido pela rede municipal de ensino de Embu das Artes/SP, em seus aspectos escolares e clínicos. Para a concretização deste mapeamento, foram estabelecidos objetivos específicos, dentre os quais, conhecer aspectos gerais da saúde e do quadro clínico-comportamental dos alunos com TEA (perfil clínico) e avaliar os aspectos gerais da funcionalidade dos alunos com o transtorno, quanto à atividade e participação no âmbito escolar (perfil escolar).

Os resultados obtidos em relação ao perfil clínico mostraram que de uma maneira geral (quanto aos agravos perinatais e comorbidades dos alunos diagnosticados com TEA) houve similaridade com outros estudos3. Não foram obtidos dados da literatura informando a respeito da gravidade do quadro nos níveis 1, 2 e 3 como proposto pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-54 em outras amostras escolares, porém na amostra pesquisada em Embu das Artes/SP mais da metade das crianças foi classificada no nível 3, no qual é necessário, segundo o Manual, "muito apoio substancial".

Quanto aos resultados sobre o perfil escolar, os mesmos foram obtidos com a aplicação do Protocolo de Avaliação de Escolares com Deficiência - PAEDI5, que avaliou a funcionalidade dos alunos com TEA quanto aos aspectos relacionados à atividade e participação nos espaços educacionais e pedagógicos da instituição escolar.

Em relação à gravidade do quadro clínico-comportamental e objetivando estabelecer uma comparação com o perfil de funcionalidade, foi aplicado o Autism Behavior Checklist (ABC)6. As maiores pontuações do ABC6 revelam maior comprometimento e maiores pontuações; no PAEDI5, o contrário. Considerando a média da pontuação do ABC6 de 73 pontos, 31 alunos ficaram acima da média (57%), o que poderia indicar quadro mais grave. Já para o PAEDI5 a média da pontuação foi de 72 pontos e 24 alunos ficaram abaixo da média (53%), indicando pior desempenho. Estes números apontam na direção de uma tendência de uniformidade na indicação do ABC6 e do PAEDI5 para alunos clinicamente e funcionalmente mais comprometidos. Análise mais minuciosa, no entanto, é necessária.

Na Tese 22 o objetivo geral foi investigar parâmetros psicométricos de confiabilidade e validade do instrumento de avaliação do processamento sensorial Sensory Profile7, a partir da versão já traduzida para o português do Brasil e adaptada culturalmente. Após a aplicação do instrumento, a análise dos resultados e a comparação com dados de aplicação do questionário na amostra normativa, foi traçado o perfil sensorial das crianças da amostra brasileira pesquisada.

Verificou-se que na maioria das categorias do questionário e em todas as faixas etárias investigadas os escores da amostra brasileira de crianças sem transtornos do neurodesenvolvimento diferiram estatisticamente da amostra normativa americana, porém os mesmos corresponderam à faixa de desempenho sensorial típico em todas as categorias do instrumento e em todas as faixas etárias. Em relação à comparação entre o grupo clínico (TEA) e o grupo de crianças sem transtornos do neurodesenvolvimento da amostra brasileira pesquisada, os resultados foram estatisticamente diferentes em todas as categorias do instrumento. As médias da amostra de crianças com TEA foram menores do que as das crianças sem TEA em todas as categorias do instrumento e em todas as faixas etárias investigadas.

Assim, o perfil sensorial das crianças brasileiras que compuseram a amostra da Tese 22 foi classificado em desempenho sensorial típico para as crianças sem transtornos do neurodesenvolvimento e em diferença provável e/ou diferença definida - que sinalizam dificuldades no processamento sensorial - para as crianças com TEA.

Cotejamento entre as duas teses

Observa-se que os perfis traçados em relação às crianças com TEA em ambas as teses corroboram dados da literatura que relatam a necessidade de apoio a essas crianças diagnosticadas com tal transtorno, bem como a importância e a necessidade da aplicação de instrumentos de rastreio para a avaliação clínica e escolar das mesmas1.

No caso da Tese 22, foi realçada a relevância da utilização de instrumentos de rastreio específicos em se tratando de crianças com TEA, visto que os prejuízos no processamento sensorial, por exemplo, são mais frequentemente observados em crianças diagnosticadas com transtornos8. Assim, pode-se concluir através da análise comparativa entre os dois estudos que traçar perfis de crianças diagnosticadas com TEA, além de ter sido um objetivo atingido em ambos os trabalhos, reiterou a importância e a utilidade dos referidos perfis na composição de protocolos de avaliação do Transtorno do Espectro Autista.

2 - Em ambas o Transtorno do Espectro Autista foi definido.

Na Tese 22 o TEA é definido a partir de uma breve abordagem histórica sobre o transtorno e na sequência através do DSM-54. Vejamos:

Breve abordagem histórica sobre o transtorno

Leo Kanner (1943), psiquiatra austríaco, radicado nos Estados Unidos e diretor de psiquiatria infantil num hospital, publicou a obra "Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo". Nela, descreveu casos de 11 crianças que tinham em comum "um isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da mesmice, denominando-as autistas". Usou o termo "autismo infantil precoce", pois os sintomas já apareciam na primeira infância.

Hans Asperger (1944), psiquiatra e pesquisador austríaco, quase ao mesmo tempo em que Leo Kanner, escreveu o artigo "A psicopatia autista na infância". Observou que o padrão de comportamento e as habilidades por ele descritas ocorriam preferencialmente em meninos e que essas crianças apresentavam deficiências sociais graves - falta de empatia, baixa capacidade de fazer amizades, conversação unilateral, intenso foco em um assunto de interesse especial e movimentos descoordenados. Asperger chamava as crianças que estudou de pequenos professores, devido à habilidade de discorrer sobre um tema de maneira detalhada.

Em virtude de suas publicações terem sido lançadas em alemão e seu principal trabalho publicado durante a Segunda Guerra Mundial, seu relato recebeu reduzida atenção e só na década de 1980 seu nome foi reconhecido como um dos pioneiros no estudo do autismo. A síndrome de Asperger deve seu nome a ele.

Lorna Wing (1981), psiquiatra inglesa, desenvolveu o conceito de autismo como um espectro de condições, na década de 1970 e, posteriormente, cunhou o termo síndrome de Asperger, numa referência à pesquisa de Hans Asperger. Seu trabalho revolucionou a forma como o autismo era considerado e sua influência foi sentida em todo o mundo. Como pesquisadora e clínica, bem como mãe de uma criança com autismo, ela sempre defendeu uma melhor compreensão do quadro, além de melhores serviços para pessoas com autismo e suas famílias9.

DSM-54

No Brasil, o diagnóstico do autismo é apoiado pelo Código Internacional de Doenças, décima edição - CID-1010 e pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais) da American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria), o DSM, que está em sua quinta edição.

A conclusão do diagnóstico é realizada através de observação clínica e de dados fornecidos pelos pais ou responsáveis, por meio de anamnese e de instrumentos de rastreamento, visto que não existem marcadores biológicos que definam o quadro. Passemos à transcrição dos critérios do DSM-54 referentes ao TEA. De acordo com o Manual, os indivíduos com Transtorno do Espectro Autista apresentam sintomas relacionados a dificuldades de comunicação/interação social e de comportamento desde a infância. Vejamos mais detalhadamente os critérios que, segundo o DSM-54, devem ser preenchidos para o diagnóstico do TEA. Tais critérios foram transcritos literalmente da 5a edição do Manual.

A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia:

1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais.

2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, desde comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso de gestos, até a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal.

3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares.

B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia:

1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos.

2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal.

3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco.

4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (por exemplo, indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento).

C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas, ou, ainda, podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida).

D. Os sintomas causam prejuízos clinicamente significativos no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.

E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.

Na Tese 11 a definição do TEA é realizada por abordagens que complementam as da Tese 22, pois tais abordagens aprofundam pontos presentes no DSM-54 sobre o transtorno que discorrem sobre questões referentes às comorbidades constatadas em indivíduos com TEA, sobre a avaliação de suas habilidades funcionais e, ainda, tratam de aspectos genéticos do transtorno pela fala de um médico geneticista e estudioso do tema TEA e genética11.

Vejamos:

DSM-54, comorbidades constatadas em indivíduos com TEA e avaliação de suas habilidades funcionais

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) integra o grupo dos denominados transtornos do neurodesenvolvimento, de causas neurobiológicas, definido por critérios eminentemente clínicos, e "engloba transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger"4.

Os quadros mórbidos que podem se apresentar associados ao TEA, conforme o DSM-54, são: deficiência intelectual, comprometimentos da linguagem (incapacidade de compreender e construir frases corretas do ponto de vista gramatical), sintomas psiquiátricos, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtornos no desenvolvimento da coordenação (TDC), ansiedade, depressão e dificuldades específicas de aprendizagem (leitura, escrita e aritmética). São importantes comorbidades a serem levadas em conta no diagnóstico e no prognóstico das evoluções individuais.

Incluem-se, ainda, condições médicas, como a epilepsia, distúrbios do sono, constipação e transtorno alimentar. A epilepsia, como diagnóstico de comorbidade, está associada a maior deficiência intelectual e menor capacidade verbal4. Schwartzman12 afirma que algum tipo de manifestação epiléptica está presente em 5% a 42% dos casos dos TEA, ou, em publicação mais recente, em 20% dos casos13. Associações com outras afecções são identificadas em cerca de 30% a 65% dos indivíduos com TEA12.

Trata-se de um transtorno não degenerativo, com alterações presentes em idades muito precoces, tipicamente antes dos 3 anos de idade, e que se caracteriza por dificuldades ao longo da vida do indivíduo nas habilidades sociais e comunicativas e nos comportamentos repetitivos e interesses limitados14. Há grande variabilidade na intensidade e forma de expressão da sintomatologia nas áreas que definem o seu diagnóstico15. A complexidade em si do quadro, que pode apresentar importantes comorbidades e condições médicas associadas, exige abordagens multidisciplinares para fins de diagnóstico e de subsequentes intervenções educacionais e terapêuticas16.

A avaliação das habilidades funcionais do indivíduo é componente essencial na investigação diagnóstica do TEA. O DSM-54 é uma importante ferramenta de avaliação dos prejuízos funcionais do indivíduo. Os domínios a serem avaliados conforme proposto no Manual e a partir das subcategorias abaixo descritas são classificados em três níveis de gravidade a serem registrados pelo avaliador, quais sejam: "exigindo apoio muito substancial" (nível 3); "exigindo apoio substancial" (nível 2); "exigindo apoio" (nível 1). Os resultados da avaliação das habilidades funcionais nos quadros de TEA devem ser tomados como referência para a discussão de prioridades e metas de intervenção pessoal, portanto, prioridades e metas individuais4.

Indivíduos com TEA demonstram forte apego às rotinas e tentam fazer de sua vida e da vida dos familiares algo padronizado e repetitivo: são capazes de pedir comida porque está na hora do almoço e não por sentirem fome. Dado o apego à rotina, podem reagir com comportamentos agressivos e outros comportamentos não compreendidos pelos familiares: simples mudança de itinerário, tentativas de troca de roupas ou a colocação de um determinado objeto fora do local habitual. Centram o interesse em partes de um objeto: podem ficar brincando horas com uma das rodas de um carrinho, sem brincar com o carrinho como seria de se esperar. Podem ficar imersos em movimentos corporais repetitivos: girar o corpo, dar pulinhos, abanar as mãos (flapping), passar as mãos com os dedos entreabertos na frente dos olhos etc.13.

Aos prejuízos descritos, que denotam atípico desenvolvimento e funcionamento, deve-se considerar a possibilidade do agravamento do quadro caso o indivíduo apresente deficiência intelectual associada ao TEA. Muito embora pacientes com TEA possam funcionar com todos os níveis de inteligência, até mesmo com inteligência acima da média, cerca de 50% apresentam algum grau de deficiência intelectual12; 20 a 35% apresentam inteligência limítrofe-normal (QI entre 70-100) e menos de 5% tem QI superior a 10013.

Em função de extremas dificuldades para planejar, organizar e enfrentar mudanças, assim como as discrepâncias entre suas capacidades adaptativas e capacidades cognitivas medidas (QI), o sucesso acadêmico tende a ser impactado de forma negativa, mesmo para alunos com inteligência acima da média. Esse perfil funcional tende a impactar negativamente a vida adulta do indivíduo, pois a rigidez e as contínuas dificuldades de enfrentamento do novo não favorecem sua independência face às demandas do meio, mesmo para indivíduos com inteligência preservada4.

Aspectos genéticos do transtorno

É um transtorno clínico e etimologicamente heterogêneo, afirma Brunoni11: em 15% a 20% dos pacientes as causas são genéticas, com síndromes cromossômicas associadas; em 5% as causas são ambientais (intercorrências perinatais, em especial, a prematuridade e o baixo peso ao nascer) e em 80% a etiologia é multifatorial. Por não haver triagem genética nos quadros com suspeitas de TEA, é importante utilizar diferentes instrumentos diagnósticos a fim de caracterizar o fenótipo cognitivo comportamental do paciente, pois se o diagnóstico de TEA não for bem estabelecido, haverá uma desnecessária profusão de indicações de exames genéticos. Assim, o médico deve conhecer os fundamentos clínicos dos TEA para estabelecer o diagnóstico, recorrendo aos critérios de inclusão especificados na CID-1010 e no DSM-54 e, ainda, a escalas de triagem para sistematizar a pesquisa de sinais e sintomas11.

Cotejamento entre as duas teses

A definição do Transtorno do Espectro Autista presente em ambas as teses traz importantes informações sobre os quadros de TEA. Percebe-se através dos estudos realizados e descritos na Tese 11 e na Tese 22 quanto à definição do transtorno, que se trata de um distúrbio complexo caracterizado por dificuldades - ao longo da vida do indivíduo - nas habilidades sociais e comunicativas.

Foram mencionados nos dois estudos os desdobramentos familiares e escolares referentes ao TEA, pois a atipicidade no desenvolvimento e na funcionalidade destes indivíduos se manifesta nos ambientes familiar e escolar, prioritariamente, requerendo compreensão do quadro, além de melhores serviços para pessoas com autismo e suas famílias2. As dificuldades de planejamento, organização e enfrentamento de mudanças, assim como as limitações das capacidades adaptativas e cognitivas, impactam negativamente o desempenho acadêmico de alunos com TEA, fato observável tanto em relação aos que possuem inteligência acima da média quanto aos que têm deficiência intelectual1.

Conclui-se que o TEA foi definido nas duas teses a partir de dados da literatura sobre o transtorno e dos critérios do DSM-54. Tanto os dados da literatura que respaldaram a definição do distúrbio quanto os próprios critérios do DSM-54 referentes ao TEA, retrataram inúmeras dificuldades que acompanham os quadros do transtorno, dentre elas, as familiares e as escolares.

3 - EM AMBAS FORAM PONTUADAS A NECESSIDADE E A IMPORTÂNCIA DO ESTABELECIMENTO DE DIAGNÓSTICOS PRECOCES QUANDO HÁ SUSPEITAS DE TEA

Conforme descrito na Tese 11, a importância e os benefícios do diagnóstico e da intervenção precoces nos casos de Transtorno do Espectro Autista são reiterados na literatura. A detecção precoce do TEA e as intervenções subsequentes podem favorecer prognósticos melhores em relação à aquisição da linguagem, ao desenvolvimento das interações sociais e ao funcionamento adaptativo.

Os objetivos dessas intervenções, principalmente para indivíduos com prejuízos cognitivos importantes, deverão ser propostos com vistas a melhorar a comunicação e as interações sociais, e, ainda, reduzir as alterações comportamentais, favorecendo aprendizagens e independência nas atividades de vida diária13. A precocidade do início das intervenções é fator fundamental para a melhoria do quadro clínico e do desenvolvimento da criança, que pode ser potencializado pela plasticidade cerebral. Os pais são aliados importantes na identificação precoce do TEA, pois podem ser os primeiros a perceber sinais de alterações no desenvolvimento da criança.

Os primeiros sintomas percebidos pelos pais de 32 pré-escolares com autismo foram investigados por Zanon et al.15, que observaram os comprometimentos no desenvolvimento da linguagem como os sintomas mais frequentemente a serem observados e as dificuldades de socialização as mais precocemente identificadas, corroborando achados de outros estudos. A idade média, no geral, em que os primeiros sintomas foram percebidos pelos pais foi de 15,2 meses.

Segundo Araújo16, durante a primeira infância, mais especificamente ao longo do segundo ano de vida, os sintomas do TEA costumam ser reconhecidos, porém tais sintomas podem se manifestar antes dos 12 meses de vida se os atrasos do desenvolvimento forem graves e se os sintomas forem mais sutis poderão ser percebidos após os dois anos de idade.

Sobre o encaminhamento tardio da criança para avaliação diagnóstica, há consenso na literatura especializada quanto à idade média em que os pais expressam suas dúvidas sendo em torno dos 17 meses de idade, mas a idade do diagnóstico é bem mais tardia, aos 4 anos ou ainda mais tarde. Isso se deve a vários fatores, incluindo o fato de que a apresentação dos sintomas varia muito de caso para caso. Déficits na linguagem e déficits sociais podem não ser notados até que a criança seja colocada em contato com outras da sua idade e a interação entre elas seja observada.

Além do mais, os instrumentos diagnósticos construídos para crianças pequenas são relativamente novos e estão, ainda, em fase de desenvolvimento e de validação16. Para Bosa14, o desconhecimento de certos aspectos do desenvolvimento normal de uma criança, como os comportamentos de comunicação não verbal, é um dos fatores que prejudica a intervenção precoce. A autora salienta que os desafios para a realização de um diagnóstico preciso do TEA podem ocorrer devido à possibilidade de se confundir o autismo com outros transtornos relacionados a déficits de aprendizado ou prejuízos da linguagem, sintomas que são similares em outros quadros.

Em estudo de revisão da produção científica brasileira sobre TEA, que cobriu o período de 2002 a 2009, Teixeira et al.17 concluíram que existe uma demanda urgente de evidências que contribuam para o estabelecimento de programas de identificação e intervenção relacionadas ao TEA no Brasil. A elaboração de políticas públicas de saúde depende de resultados advindos de estudos com rigor metodológico que devem ser divulgados por meio de revistas científicas, nacionais e internacionais de qualidade.

Os dados da revisão realizada por Teixeira et al.17 revelaram que a produção científica de pesquisadores brasileiros não corresponde à demanda de nosso país, com carência, em particular, de estudos epidemiológicos em grandes amostras populacionais e de pesquisas sobre validação de instrumentos diagnósticos e de identificação precoce que contribuam para o estabelecimento de políticas públicas que colaborem com a elaboração de programas de intervenção para estes sujeitos e seus familiares.

Reiterando o dado acima acerca da carência brasileira quanto à existência de pesquisas sobre validação de instrumentos diagnósticos e de identificação precoce do TEA, a Tese 22 nos diz que ainda é restrito no Brasil o número de instrumentos para uso em avaliação global dos problemas de comportamento em populações com algum transtorno do neurodesenvolvimento como o TEA e deficiência intelectual18.

A pesquisa da Tese 22 foi exatamente sobre a confiabilidade e validade de um instrumento de avaliação: o Sensory Profile7. Os longos e aprofundados estudos realizados nos Estados Unidos da América para o desenvolvimento do instrumento demostraram que sua utilização em conjunto com a avaliação clínica e demais instrumentos para análise cognitiva e comportamental auxilia no estabelecimento de diagnósticos precoces e no planejamento de intervenções19.

Cotejamento entre as duas teses

A importância e a necessidade do estabelecimento de diagnósticos precoces em se tratando de quadros de TEA foram expressas na Tese 11 e na Tese 22. Por tratar-se de um transtorno que se manifesta durante o desenvolvimento, mais especificamente, nos primeiros anos de vida, quanto antes os sintomas forem observados e os indivíduos que os manifestarem encaminhados para um atendimento multidisciplinar, maiores são as possibilidades de uma vida menos disfuncional mediante intervenções pautadas num diagnóstico preciso.

Para o estabelecimento do diagnóstico, nos casos de suspeitas do TEA, faz-se uso de diversos instrumentos de avaliação, aplicados por profissionais de diferentes áreas. Tais instrumentos, inclusive o instrumento de avaliação das habilidades sensoriais utilizado na pesquisa da Tese 22, auxiliam enormemente na avaliação clínica, cognitiva e comportamental, conforme descrito na mesma tese.

Conclui-se, assim, que a necessidade e a importância do estabelecimento de diagnósticos precoces quando há suspeitas do TEA foram relacionadas à manifestação do transtorno no início da vida, aos prejuízos funcionais advindos da ausência da detecção do distúrbio e de intervenções que os minimizem1 e, ainda, à importância da utilização de instrumentos de avaliação que auxiliem no diagnóstico precoce do transtorno1,2.

4 - EM AMBAS FORAM UTILIZADOS INSTRUMENTOS DE RASTREIO QUE OBJETIVARAM FORNECER INFORMAÇÕES PONTUAIS SOBRE AS AMOSTRAS PESQUISADAS

Serão descritos a seguir os instrumentos de rastreio utilizados em cada uma das teses. Cabe pontuar que na Tese 11 foram utilizados cinco instrumentos: ficha de triagem, questionário obstétrico, questionário de classificação econômica, escala de rastreio - ABC6 e protocolo de avaliação de escolares - PAEDI5. Interessam, particularmente, na exploração deste ponto de convergência entre as teses, a descrição dos instrumentos de rastreio ABC6 e PAEDI5, que serão apresentados e detalhados.

Tese 1

Escala de Rastreio Autism Behaviour Cheklist (ABC)6

Conhecida no Brasil como Inventário de Comportamentos Autísticos (ICA), a escala é uma das ferramentas mais utilizadas para rastreamento e diagnóstico de TEA. É composta por 57 questões sobre comportamentos não adaptativos, atípicos, organizados em cinco áreas: sentidos (1), relações (2), uso do corpo e objetos (3), linguagem e interação social (4) e autocuidado (5). Cada um dos itens é pontuado de 1 a 4, resultando em uma pontuação parcial para cada domínio e em uma pontuação global, com a seguinte classificação a partir da pontuação final: menor que 47 = triagem negativa para autismo; 47-53 = leve probabilidade para autismo; 54-67 = moderada probabilidade para autismo; maior 68 = autismo. Nesta pesquisa, a escala ABC6 foi aplicada aos 102 alunos com TEA da amostra.

Protocolo de Avaliação de Escolares com Deficiência Intelectual (PAEDI)5

O Protocolo de Avaliação de Escolares com Deficiência Intelectual (PAEDI)5 é baseado no construto teórico proposto pela Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF)20, pautado em aspectos concernentes à atividade e participação de escolares com deficiência intelectual, contemplando as seguintes áreas: percepções sensoriais, aplicação do conhecimento, comunicação, concentração, comportamento e socialização, coordenação motora, tarefas e demandas do cotidiano. Foi elaborado para contribuir com o trabalho de professores de escolas comuns, de salas regulares e/ou de Salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e equipe pedagógica.

No instrumento consta uma breve explanação sobre como deve ser preenchido, dados de identificação do aluno e 52 itens sobre Atividades e Participação, sendo que os itens de 1 a 39 apresentam três classificadores, a saber: não realiza; às vezes realiza; sim (realiza). Os itens de 40 a 52 apresentam os seguintes classificadores: realiza, realiza com ajuda e realiza independentemente. O instrumento possui, ainda, uma tabela de pontuação em que é possível somar os pontos com os diferentes classificadores, obtendo-se um escore ou pontuação final.

A proposta do PAEDI5 diz respeito à avaliação inicial do aluno com deficiência e/ou TEA e deve ser realizada anteriormente ao início do processo de ensino e de aprendizagem, numa perspectiva pedagógica, com vistas à educação inclusiva, considerando o atual conhecimento e/ou funcionalidade do educando, bem como as possibilidades de aprendizagem futura, analisando aspectos qualitativos e comparando o aluno com ele mesmo.

Na pesquisa da Tese 11, o instrumento foi aplicado pela pesquisadora e pelas 23 professoras das Salas de Atendimento ao Estudante com Deficiência (SAED), em visitas às salas, agendadas pela coordenadora da Educação Especial do município de Embu das Artes; as visitas tiveram início em outubro de 2017 e foram concluídas em agosto de 2018. Inicialmente, a pesquisadora apresentou a cada uma das 23 professoras o instrumento e, na sequência, os protocolos foram preenchidos, contemplando os 102 alunos com TEA.

Tese 2

Perfil Sensorial - Sensory Profile7

O Sensory Profile foi criado por Winnie Dunn, em 1994, e aperfeiçoado após anos de estudos, culminando num questionário com 125 questões, disponibilizado para aplicação em 1999. As pesquisas realizadas para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento deste instrumento ocorreram entre 1993 e 1999, envolveram 155 terapeutas ocupacionais, 1037 crianças sem transtornos do neurodesenvolvimento, 61 crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), 32 crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), 24 crianças com síndrome do X Frágil e 21 crianças com Transtorno Modular Sensorial, sendo todas com idades entre 3 e 14 anos.

Nos estudos realizados durante o aperfeiçoamento do instrumento os pesquisadores concluíram que o questionário poderia ser utilizado para além do fornecimento de informações pontuais sobre o processamento sensorial. Poderia favorecer descobertas sobre perfis sensoriais com vistas a contribuir para avaliações abrangentes e ainda para o planejamento de intervenções eficazes, especialmente em se tratando de pessoas com dificuldades nas habilidades de processamento sensorial19.

Assim, o instrumento foi organizado em três áreas: processamento sensorial, subdividido em seis categorias (audição, visão, movimento, tato, multissensorial e oral), modulação, subdividida em cinco categorias (tônus, posição corporal/movimento, nível de atividade, respostas emocionais, estímulo visual) e comportamento e respostas emocionais, subdividido em três categorias (emocional/social, efeitos comportamentais no processamento sensorial e limiares para respostas).

É um questionário baseado em julgamento e deve ser aplicado a quem tem um contato diário com a criança/adolescente e seja por ela responsável. Cada questão descreve as respostas das crianças às várias experiências sensoriais. As respostas deverão considerar com qual frequência (sempre, frequentemente, ocasionalmente, raramente, nunca) ocorrem os comportamentos e as pontuações são dadas de 1 a 5 (sendo 1 para sempre e 5 para nunca). Comportamentos frequentes recebem pontuação mais baixa, enquanto as pontuações mais altas são dadas para os comportamentos menos frequentes ou que nunca ocorrem. A maior pontuação possível obtida na somatória das 125 questões é a de 625 pontos e a menor pontuação possível é a de 125 pontos.

Há questões "invertidas" (exemplo - 86: Prefere brincadeiras sedentárias e 91: Evita brincadeiras tranquilas), ambas numa mesma categoria do instrumento (I); elas auxiliam na interpretação das respostas em relação à coerência aplicada pelo respondente. Há também questões "repetidas" (exemplo - 16: Olha pessoas e objetos por muito tempo (fixamente) e 97: Olha fixamente objetos ou pessoas), situadas em categorias diferentes, respectivamente, categorias B e K; que possibilitam além da verificação da coerência do respondente, observar a ocorrência ou não de determinado comportamento em categorias diversas e sua relação com a modulação (regulação das mensagens sensoriais pelo cérebro).

Para refinar as interpretações sobre as respostas às questões do instrumento, há colunas organizadas à esquerda de cada pergunta contendo indicações sobre os sistemas sensoriais (auditivo, visual, etc) e sobre os limiares neurológicos (relacionados à quantidade necessária de estímulos para um neurônio ou sistema de neurônios reagirem) altos e baixos19. Existem versões do instrumento direcionadas a diferentes faixas etárias, cujo preenchimento destina-se aos pais ou cuidadores das crianças, aos adolescentes/adultos e aos professores.

Cotejamento entre as duas teses

O propósito da aplicação dos instrumentos descritos acima foi obter informações pontuais sobre as amostras pesquisadas. No caso da Tese 11 os dois instrumentos de rastreio utilizados e descritos forneceram respostas fundamentais para a composição dos perfis da amostra pesquisada (o ABC6 para o perfil clínico e o PAEDI5 para o perfil escolar). Na Tese 22 a utilização do instrumento de avaliação das habilidades sensoriais - Sensory Profile7 foi imprescindível para o estabelecimento do perfil sensorial da amostra da pesquisa.

Ao retomarmos os objetivos gerais de cada um dos estudos, podemos concluir que a utilização dos instrumentos de rastreio foi determinante em ambas as teses. Na Tese 11, os instrumentos aplicados possibilitaram mapear (nos aspectos clínicos e escolares) o alunado com TEA atendido pela rede municipal de ensino de Embu das Artes/SP e, na Tese 22, o instrumento utilizado proporcionou, através da investigação dos parâmetros psicométricos de confiabilidade e validade, a detecção da presença de dificuldades sensoriais em crianças com TEA e amplamente descrita na literatura.

No Quadro 1 estão apresentados sinteticamente os objetivos, os métodos, os resultados e as conclusões de cada uma das teses.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inter-relação entre duas teses de doutorado que incluíram em suas amostras de pesquisa crianças com TEA foi demonstrada neste artigo, a partir de quatro convergências identificadas nos estudos. Os pontos convergentes (perfis, definição do quadro, diagnóstico precoce e instrumentos de rastreio) relacionam-se a questões com as quais os profissionais que atuam junto a crianças, adolescentes e adultos com o Transtorno do Espectro Autista deparam-se frequentemente.

Algumas ações como: 1. Conhecer o indivíduo com TEA através do estabelecimento de seu perfil; 2. Manter-se atualizado sobre os critérios e dados de literatura que definem a multifatoriedade do transtorno; 3. Compreender a importância e a necessidade do diagnóstico precoce e da aplicação de instrumentos de rastreio que compõem a avaliação diagnóstica deste distúrbio do neurodesenvolvimento podem auxiliar os profissionais de diferentes áreas quanto aos desafios e dificuldades inerentes ao trabalho com pessoas diagnosticadas com TEA.

O cotejamento realizado ao término da exploração de cada uma das quatro convergências entre as duas teses, assim como os dados presentes em cada exploração, trazem ao leitor elementos fomentadores de reflexões que confirmam a complexidade do TEA e a importância das três ações descritas acima.

Agradecimentos

Às orientadoras e aos coorientadores das teses de doutorado que foram as fontes deste artigo científico. A saber: Profa. Dra. Maria Eloísa Famá D'Antino (orientadora da Tese 1 e coorientadora da Tese 2), Profa. Dra. Roberta Monterazzo Cysneiros (orientadora da Tese 2) e Prof. Dr. Décio Brunoni (coorientador da Tese 1).

As pesquisas referentes às teses de doutorado (Tese 1 e Tese 2) foram realizadas com o apoio do Fundo Mackenzie de Pesquisa MACKPESQUISA e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES - Código de Financiamento 001.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Jací Carnicelli Mattos
Calçada Vale da Lua, 72 - Santana de Parnaíba, SP, Brasil - CEP 06532/005
E-mail: jcarnicellimattos@gmail.com

Artigo recebido: 5/3/2020
Aprovado: 10/6/2020

 

 

Trabalho realizado no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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