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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.37 no.114 São Paulo set./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20200024 

ARTIGO ORIGINAL

 

Bullying e habilidades sociais educativas: avaliação dos professores e alunos

 

Bullying and educational social skills: Evaluation of teachers and students

 

 

Franciele da Silva Del PontiI; Patricia El Horr de MoraesII; Zilda Aparecida Pereira Del PretteIII

IMestranda em Psicologia - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
IIMestrado em Psicologia (Comportamento social e processos cognitivos) - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil
IIIMestrado em Psicologia (Psicologia Social) - Universidade Federal da Paraíba; Doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) - Universidade de São Paulo; Pós-doutorado em Psicologia das Habilidades Sociais - Universidade da Califórnia; Professora Titular da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo comparou a autoavaliação dos professores com a dos estudantes envolvidos em bullying acerca das habilidades sociais educativas do professor. Participaram 242 estudantes e seus docentes de Língua Portuguesa (N=8) que responderam a uma versão adaptada do Inventário de Habilidades Sociais Educativas (IHSE-Professor e IHSE-Aluno) e a nove Itens Complementares de HSE pertinentes a bullying. Com base na Escala de Violência Escolar, os alunos foram classificados em vítimas (25), agressores (11), testemunhas (193) e vítimas-agressores (13) e suas avaliações comparadas entre si e com a dos professores. Os resultados mostraram que: (a) a autoavaliação dos docentes foi melhor que a dos alunos; (b) professores e alunos destacaram ações educativas de manejo de disciplina mais do que de mediação de aprendizagem/desenvolvimento e suporte emocional; (c) as avaliações dos docentes foram mais parecidas com a do grupo dos agressores no IHSE-Aluno; (d) o grupo de vítimas agressores diferiu significativamente dos demais. Os resultados mostram a importância de considerar as habilidades sociais educativas dos professores na perspectiva dos envolvidos em bullying e apontam para aspectos a considerar em intervenções de combate e prevenção ao problema.

Unitermos: Bullying. Habilidades Sociais Educativas. Professores.


ABSTRACT

This study compared teachers' self-assessment with that of subgroups of students involved in bullying about the teacher's educational social skills. 242 students and their respective Portuguese teachers (N=8) answered to an adapted version of the Social Educational Skills Inventory (ESSI-Teacher and ESSI-Student) and to nine Complementary Items associated with bullying. Based on the School Violence Scale, students were classified into victims (25), aggressors (11), witnesses (193) and victim-aggressors (13) and their evaluations compared to each other and to teachers. The results showed that: (a) teachers' self-assessments were better than those of students; (b) both teachers and students highlighted educational actions related to the discipline management rather than mediation of learning/development and emotional support; (c) teachers' assessments were more similar to the group of aggressors in the (ESSI-Adapted); (d) the group of aggressor victims differed significantly from the others. The results show the importance of considering teachers' educational social skills from the perspective of those involved in bullying and point to aspects to consider in interventions to combat and prevent the problem.

Keywords: Bullying. Educational Social Skills, Teachers.


 

 

INTRODUÇÃO

O bullying é uma forma de violência (verbal, física, sexual e psicológica) entre pares, marcada por desequilíbrio de poder, intencionalidade e repetitividade1 que ocorre de forma direta, por meio de agressões físicas e verbais como xingamentos, ou de forma indireta, com ações que levam ao isolamento e sentimento de não pertença da vítima ao grupo2. Pode acarretar consequências negativas para todos os envolvidos, como transtornos psicológicos, problemas acadêmicos e interpessoais, suicídio etc.1,3. O bullying envolve a participação de agressores, vítimas, testemunhas e vítimas-agressoras4. As testemunhas podem permanecer neutras, mas também podem tanto auxiliar as vítimas quanto reforçar o comportamento do agressor2.

Trata-se de um problema mundial, com prevalência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 5% a 44% de agressores e 7% a 43% de vítimas5. No Brasil, a incidência em 2015 foi de 28%1 e em 2018 foi de 43%, sendo que um em cada dez estudantes no Brasil vem sendo vítima de bullying6. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as escolas brasileiras são duas vezes mais propensas ao envolvimento em bullying do que a média geral de 48 países7.

Dada a gravidade e abrangência do fenômeno, uma política nacional de enfrentamento estipula que as instituições escolares devem viabilizar medidas protetivas contra a violência. A Lei no 13.185/168 preconiza uma "intimidação sistemática", como política nacional de enfrentamento a essa prática e exige que as instituições assegurem "medidas de conscientização e combate à violência e à intimidação sistemática".

Os estudos mostram que 60,2% das ocorrências de bullying no Brasil se dão na sala de aula9. Assim, dada a centralidade e liderança do professor nesse contexto, torna-se importante investigar o que ele pode ou vem fazendo para lidar com o problema. Uma direção para essa análise é investigar quais são as ações relevantes do professor para lidar com o bullying, como se autoavaliam nessas ações e como são avaliados pelos estudantes envolvidos (vítimas, agressores, testemunhas e vítimas-agressoras).

Em revisão sistemática recente, Gonçalves et al.10 verificaram que as intervenções mais eficientes são aquelas mediadas por professores. Segundo Ansary et al.11, elas deveriam focalizar: (1) informes do bullying para a instituição; (2) avaliação de efeito e comportamento do professor para manejar situações de violência; (3) orientações sobre o que fazer quando o fenômeno ocorrer. Na revisão de Silva & Bazon12, foram encontradas poucas pesquisas acerca das intervenções efetuadas juntos aos docentes com o objetivo o combate ao bullying.

Um programa de intervenção bastante utilizado e internacionalmente reconhecido no combate ao fenômeno é o KiVa, criado na Finlândia13. Esse programa se caracteriza por dois aspectos: ações mais gerais antibullying por parte dos adultos e promoção de habilidades sociais de todos os alunos, em particular a assertividade para procurar ajuda de adultos e reprovar comportamento dos agressores e empatia para com as vítimas14.

O investimento em habilidades sociais vem sendo cada vez mais reconhecido como uma alternativa promissora para o combate ao bullying. Isso vale tanto para o fortalecimento do repertório dos alunos (como no Programa KiVa) como para o repertório de ações dos alunos tanto como dos professores. A forma como o docente se comporta com os alunos e como intervém quando solicitado irá afetar a busca ou não de ajuda por parte das testemunhas e vítimas9.

De acordo com um levantamento feito por Salgado et al.15, a formação dos docentes e o desenvolvimento de habilidades para manejar situações de bullying é o indicador mais frequente utilizado nos programas de intervenção (30,9%). Por isso, uma direção de pesquisa e intervenção a ser explorada refere-se a análise e promoção das habilidades sociais educativas (HSE) do professor para acolher e dar seguimento à busca de ajuda dos alunos e ainda para prevenir a ocorrência do bullying.

As HSE foram definidas por Del Prette & Del Prette16 (p. 95) como aquelas ações "direcionadas para a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento, em contexto formal e informal", em particular aquelas que envolvem mediação de interações entre os alunos. As HSE de professores foram objeto de formulações conceituais (REF) e produção de instrumentos de avaliação com vistas ao aperfeiçoamento da prática pedagógica.

Em inventário recentemente produzido, Del Prette & Del Prette17 identificam uma estrutura de três fatores que reflete os focos principais de investimento do professor em sala de aula: Mediação da aprendizagem/desenvolvimento; Suporte socioemocional e Disciplina Indutiva. Os autores entendem que os três focos são importantes tanto para a aprendizagem acadêmica como para o desenvolvimento socioemocional dos alunos, o que inclui a prevenção de violência e outros problemas interpessoais entre os alunos.

Considerando-se o papel do professor no manejo de interações entre os alunos, torna-se importante investigar também a avaliação dos estudantes a respeito dos comportamentos dos professores para lidar com situações de violência que ocorrem na sala de aula. Para Lamas et al.9, na percepção dos alunos, os professores se mantêm omissos diante de denúncias realizadas pelas vítimas e não se mostram aptos a proporem intervenções. Os autores encontraram baixa frequência de informes dos alunos aos docentes sobre situações de bullying e, relatos de que, frente a tais denúncias, o professor em geral não reage ou apenas pede para o agressor fazer silêncio. Conforme os autores, os professores estariam mais preocupados em cumprir o conteúdo programático do que em resolver os problemas interpessoais dos alunos.

Ao mesmo tempo, Silva & Bazon12 encontraram professores que supervalorizam suas habilidades para identificar o bullying e para intervir, citando estudo sobre avaliação dos alunos, em que a prevalência de vítimas de uma instituição de ensino foi de 33%, enquanto 70% dos docentes afirmaram uma prevalência menor que 10%.

Embora os estudos em geral enfatizem o papel do docente para manejar situações de bullying, não foram encontradas pesquisas investigando seus recursos e déficits em habilidades sociais educativas para prevenir e prestar assistência aos envolvidos, principalmente às vítimas. Também não se tem notícia de avaliações desse repertório dos professores na perspectiva dos envolvidos em bullying. Este estudo teve como objetivo comparar a autoavaliação dos professores e a avaliação dos estudantes envolvidos em bullying acerca das habilidades sociais educativas do docente e suas possíveis implicações para a intervenção.

 

MÉTODO

Participantes

O estudo foi conduzido com adolescentes de duas escolas públicas (uma central e outra periférica) de uma cidade do interior de São Paulo. Participaram 242 alunos do 6o ao 9o ano do Ensino Fundamental II e seus respectivos professores de Língua Portuguesa, que constituíam a totalidade de duas escolas de uma cidade de médio porte do interior de São Paulo. Os dados gerais e sociodemográficos da amostra são apresentados na Tabela 1.

A amostra, com idade variando de 10 a 15 anos (maioria de 11 a 14 anos), era relativamente equilibrada aos anos escolares e também quanto ao gênero, com ligeira predominância do sexo masculino. Dos oito docentes, apenas um era do gênero masculino e as idades variaram de 35 a 54 anos.

Instrumentos

Inventário de habilidades sociais educativas relativas ao bullying (IHSE-Prof). Trata-se de uma versão do Inventário de Habilidades Sociais Educativas (IHSE-Prof) de Del Prette & Del Prette18, com 64 itens, que permitem avaliar a frequência e efetividade de ações educativas do professor em sua relação com os alunos. Desse conjunto, foram extraídos 34 itens, avaliados por 2 juízes experts como ações educativas mais pertinentes ao combate ou prevenção ao bullying, efetuando-se uma versão para o professor responder e outra para os alunos responderem sobre as HSE dos professores (adaptações na redação), por exemplo, "Quando algum aluno, grupo de alunos ou a classe age de maneira diferente dos combinados, o professor chama nossa a atenção".

Os dados dos 242 alunos foram submetidos a uma análise fatorial que reteve 26 itens com carga fatorial significativa que explicaram 43,2% da variância da amostra, estruturando-se em três fatores (com inversão entre o F1 e F2), com índices de confiabilidade satisfatórios: F1, Mediação da aprendizagem/desenvolvimento, com 8 itens, α=0,820; F2, Suporte socioemocional, com 10 itens, α=0,820; F3, Disciplina Indutiva, com 8 itens, =0,766. Essa estrutura reproduziu a de análise recente de Del Prette & Del Prette17, com 45 itens. Houve apenas inversão na ordem dos fatores 1 e 2. O indicador de efetividade não foi objeto de análise psicométrica, sendo adicionado apenas de forma descritiva com base nessa mesma estrutura.

Inventário de Habilidades Sociais Educativas (IHSE-Aluno). Trata-se da versão, para o estudante, dos 34 itens adaptados para o professor, conforme descrito anteriormente. A adaptação ocorreu somente na redação, para que os estudantes avaliassem seus docentes, mantendo-se a fidelidade ao conteúdo da versão professor.

Itens complementares de HSE relativas a bullying. Trata-se de nove itens extraídos da proposta de Del Prette & Del Prette19 para habilidades empáticas (adaptadas para a relação com as vítimas) e assertivas (adaptadas para a relação com agressores), também adaptadas para serem respondidas pelos alunos.

Escala de Violência Escolar - adaptado (EVE)20. Conjunto de 40 itens de autorrelato sobre violência na escola, dos quais foram excluídos os itens referentes ao cyberbullying, resultando em 11 itens sobre autoria e 11 sobre vitimização em bullying, com cada item avaliado em frequência e impacto. O resultado permite categorizar o estudante como agressor ou vítima (um desvio padrão a menos ou a mais do que a média do grupo, respectivamente). O instrumento apresenta confiabilidade variando de aceitável a ótima (Alpha de Crombach varia de 0,61 a 0,95 das subescalas). Foram inseridas quatro perguntas abertas sobre bullying: locais em que ocorrem e para quem os alunos pedem ajuda.

Procedimento de coleta de dados

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética (Parecer CAAE: 99683118.5.0000.5504). Os professores e pais dos estudantes participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os alunos, após a explicação do propósito da pesquisa, assinaram o Termo de Assentimento. A sequência da aplicação dos instrumentos foi EVE, IHSE e Itens Complementares de HSE. Para os professores, seguiu a mesma ordem, com exceção do EVE. A coleta foi realizada em uma sala de aula, em horário acessível aos participantes, em presença da primeira pesquisadora, e durou cerca de meia hora para os professores e 40 minutos para os alunos.

Tratamento de dados

Os instrumentos foram organizados em planilhas do software estatístico SPSS 25.0.0.0 e analisados de acordo com suas respectivas normas de apuração. Inicialmente, foi feita a identificação dos alunos autores de bullying (acima da linha de corte para agressão), vítimas (acima da linha de corte para vitimização), vítimas-agressoras (alunos classificados como vítimas e também agressores) e testemunhas (os que ficaram abaixo da linha de corte para agressão e para vitimização).

As respostas dos alunos ao IHSE-Aluno foram computadas em escore geral e escores fatoriais, calculando-se os indicadores descritivos da amostra total e dos subgrupos. Na análise de itens específicos (escala Likert de zero a quatro), foram destacadas duas categorias de médias: (1) as maiores de 2,80 e (2) as menores de 2. Para comparação entre os grupos de estudantes, foi realizado teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, conforme o tamanho da amostra). Todos os dados apresentaram distribuição normal, exceto para vítimas agressoras (no F1) e testemunhas (F1 e F3).

Na comparação entre os grupos de envolvidos no bullying, quando os dados não apresentaram normalidade foi utilizado teste não paramétrico (Kruskal-Wallis). Na comparação entre a autoavaliação dos professores e a de cada um dos grupos de envolvidos em bullying acerca das HSE dos docentes, foram tomados os dados médios dos professores considerados como grupo e os valores médios de cada grupo de alunos, aplicando-se o teste t (paramétrico) para as comparações entre amostras independentes (significância menor ou igual a 0,05); no caso da comparação entre as avaliações de professores e testemunhas foi usado um teste não paramétrico (Mann-Whitney). Nas comparações realizadas pelo teste t foi calculado o tamanho do efeito (d), cujos padrões são: pequeno (entre 0,20 e 0,50); médio (entre 0,50 e 0,80) ou grande (maior do que 0,80)21. Para os Itens Complementares, foi feita uma análise isolada de cada docente e os grupos de estudantes por meio do teste Qui-quadrado.

 

RESULTADOS

Os dados descritivos do escore geral e dos escores fatoriais do IHSE-Professor são exibidos na Tabela 2. Nela se incluiu também a média normativa da amostra de 563 professores17 para situar a posição dos docentes da presente amostra.

 

 

Os docentes que participaram deste estudo apresentaram escore geral de HSE similar ao da amostra normativa em termos de frequência e ligeiramente abaixo em termos de efetividade. Quanto aos fatores, relataram maior frequência de ações voltadas para a disciplina, ainda que com atribuição equivalente de efetividade. Os demais fatores foram equivalentes aos da amostra normativa, ainda que com menor efetividade atribuída a HSE de suporte socioemocional. Ressalta-se que esses são dados meramente descritivos, uma vez que não foi efetuada uma análise estatística dessas diferenças.

Em análise mais específica, o valor médio da avaliação dos professores a cada um dos 34 itens da presente versão do IHSE-Professor também foi comparado com a média normativa17. Os resultados indicaram que, em seis itens, a maioria dos docentes se avaliou acima da média normativa ("Expressar satisfação por conquistas do aluno", "Expressar aprovação a comportamentos desejáveis do aluno", "Fazer referência positiva a comportamentos desejáveis do aluno", "Pedir comportamento desejável contingente ao desempenho o indesejável", "Expressar desaprovação a comportamentos indesejáveis de meus alunos" e "Expressar discordância a comportamentos de aluno que contrariam a boa convivência").

Os dados descritivos no escore geral e fatores do IHSE-Alunos estão apresentados na Tabela 3. Como o grupo das testemunhas não obteve distribuição normal, é apresentada também a mediana para todos os escores. Para facilitar a comparação entre a avaliação dos alunos com os professores, na Tabela 3 também são apresentadas a média, o desvio padrão e a mediana das notas autoatribuídas pelos professores e a média normativa.

É possível verificar que as pontuações mais altas de frequência HSE dos professores atribuídas pelos alunos foram do grupo dos agressores, tanto no escore geral como nos escores fatoriais. As menores pontuações foram encontradas no grupo de vítimas-agressoras, também em todos os escores. Em termos de efetividade, no escore geral e no F3 (Disciplina Indutiva), as maiores pontuações foram atribuídas pelas testemunhas; no F1 (Mediação da aprendizagem/desenvolvimento) pelas vítimas; no F2 (Suporte socioemocional) pelos agressores. As menores médias, relativas à efetividade, também foram do grupo de vítimas-agressoras.

Na Figura 1 são apresentadas as comparações dos escores gerais e fatoriais do IHSE-Aluno entre os grupos de estudantes pelo test t e, quando envolvendo o grupo de testemunhas pelo teste Mann-Whitney, assinalado em cinza.

Como se pode verificar na Figura 1, as diferenças significativas entre os grupos ocorreram apenas em relação às vítimas-agressoras. A Tabela 4 apresenta uma síntese da direção das diferenças estatisticamente significativas e do tamanho do efeito dessas diferenças.

Verifica-se que as vítimas-agressoras avaliaram menos positivamente as HSE dos seus professores tanto no indicador de frequência como de efetividade. No indicador de frequência, este grupo se diferenciou de todos os demais tanto no Escore Geral como nas HSE de Disciplina Indutiva (F3) e ainda do grupo de agressores (no F1) e testemunhas (no F1 e F2). Em relação à efetividade das ações dos professores, as vítimas-agressoras atribuíram menor pontuação que os demais estudantes no Escore Geral e nas HSE de Suporte Emocional (F2), diferenciando-se das testemunhas apenas no F3 e de testemunhas e vítimas no F1).

O tamanho do efeito, para os dados com distribuição normal, foi grande para a comparação com o grupo de agressores de frequência e efetividade, exceto para F1 e F3, que foram médios. Nas comparações com as vítimas, foi alto para o Escore Geral de frequência (maior que 0,8) e pequeno para F3 em efetividade (menor que 0,5). A maioria das comparações com os grupos de vítimas e de agressores teve tamanho do efeito pequeno, com exceção do Escore Geral (0,57) e F2 (0,62), em frequência, ambos considerados médios.

Para análise de itens, em termos de efetividade, as pontuações atribuídas pelos alunos às HSE dos professores, de maneira geral, foram menores do que as de frequência: apenas oito itens maiores que 2,80, considerando as cinco condições (todos os alunos ou cada grupo envolvido no bullying). Dentre estas, cinco foram atribuídas pelos agressores e foram para itens relacionados ao estabelecimento de vínculo e à explicitação de normas sociais. O grupo de vítimas atribuiu apenas três notas acima de 2,8 para os professores, em itens relacionados à mediação entre a aprendizagem e às relações interpessoais.

A comparação estatística entre a avaliação dos grupos e a autoavaliação dos professores em efetividade das HSE mostrou que estas foram significativamente maiores que: (a) as atribuídas pelas vítimas em todos os escores, com exceção do Escore geral e F3-Disciplina indutiva; (b) as atribuídas pelos agressores no Escore geral e F1; (c) as atribuídas pelas testemunhas, exceto em F2-Suporte socioemocional e F3-Disciplina indutiva. No caso das vítimas-agressores, as autoavaliações foram significativamente maiores em todos os escores.

Em relação aos Itens Complementares, a Tabela 5 apresenta os resultados do Qui-quadrado nas comparações: (1) entre os grupos de alunos (vítimas, agressores, vítimas-agressoras e testemunhas); (2) entre as avaliações dos professores e de todos os alunos; (3) entre as avaliações dos professores e as de cada grupo.

Nos Itens complementares também se verificou a autoavaliação de HSE mais positiva que a dos alunos. Esse efeito ocorreu para todos os itens (exceto um de efetividade) na comparação com as avaliações das vítimas-agressoras. Os professores se autoavaliaram mais positivamente que todos os grupos quanto à frequência da HSE 5 (Aprovar manifestações de reprovação a agressores) e melhor que as testemunhas também quanto à sua efetividade nessa HSE 5 e na 4 (Aprovar manifestações de empatia às vítimas) e 9 (Alterar a situação das vítimas de bullying).

 

DISCUSSÃO

Na amostragem deste estudo, 15,4% dos alunos foram identificados como vítimas de bullying, portanto, acima da média nacional de 7,2%1 ou 10%, segundo o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes6. Uma das hipóteses para tal diferença é a época da coleta de dados, pois a coleta de dados de Silva et al.1 foi realizada em 2012 e pode-se supor um aumento na incidência nos últimos anos. Outra hipótese é o caráter nacional daquele estudo, enquanto este contou apenas com uma amostra local. Além disso, não se pode descartar a questão metodológica dos instrumentos utilizados e suas normas para avaliar o bullying.

No entanto, os dados obtidos ainda ficam abaixo de outros reportados na literatura, por exemplo, os 28% de Oliveira et al., 2016 (citado em Silva et al.1). Neste estudo foram identificados 10% de agressores, aproximadamente metade encontrada da literatura mais atual1, porém dentro da variação reportada na literatura, que é de 5% a 44%5. Ainda assim, trata de uma incidência a merecer a atenção de pesquisadores e educadores.

Considerando os resultados principais deste estudo, a autoavaliação dos professores, mais positiva do que a dos estudantes, sugere que as ações educativas dos professores podem estar sendo sobrestimadas por eles ou não serem vistas como suficientes pelos alunos. O ajuste dessas percepções e ações pode ser um ponto importante em programas de prevenção e combate do bullying.

Na autoavaliação dos professores e na avaliação dos alunos no IHSE-Professor, os itens com maior pontuação de frequência estavam associados à reprovação e regras para comportamentos indesejáveis, mais do que à mediação de aprendizagem/desenvolvimento. Esse maior investimento dos professores com a questão da disciplina pode sugerir, de um lado, maior incidência e visibilidade desses problemas, mas também dificuldade destes com o manejo preventivo nessa área, comprometendo o direcionamento para a função principal de promover aprendizagem/desenvolvimento.

Na comparação entre os grupos de envolvidos em bullying, chama à atenção as pontuações mais altas atribuídas pelos estudantes agressores, que acabaram sendo mais parecidas com as autoavaliações positivas dos professores. Isso poderia explicar a queixa dos alunos9 de que, diante aos pedidos de ajuda, a reação usual do professor é de não reprovação dos comportamentos agressivos ou somente solicitar que o estudante faça silêncio.

Na análise dos itens específicos, as vítimas e testemunhas apresentam uma avaliação similar e mais baixa para a frequência de HSE dos professores, podendo-se supor que o investimento reportado pelo professor no manejo de disciplina não tem sido suficiente ou efetivo para proteger os alunos das agressões. A alta frequência, diversidade e quantidade de ações educativas dos professores atribuídas pelos agressores (47% das ações avaliadas, mas somente cinco relacionadas a manejo de disciplina) sugere que estes não relacionam o papel ao professor como focado nas ações indesejáveis que praticam.

Em outras palavras, pode-se supor que estes não se sintam afetados pelas eventuais "chamadas" e "reprimendas" do professor, ou que consigam esquivar-se delas de algum modo. A menor pontuação de frequência de HSE atribuídas pelas vítimas-agressoras a cerca de 65% das ações avaliadas sugere que esse grupo percebe o papel do professor na perspectiva de vítimas mais do que de agressores. Em resumo, os dados comparativos entre os grupos mostram que os alunos apresentam avaliações e expectativas bastante diferenciadas sobre a atuação e papel do professor dependendo do tipo de envolvimento com bullying em que se encontram.

Outro aspecto que merece ênfase é a atribuição (pelos alunos, não pelos professores) de baixa efetividade (menor que 2 na escala de zero a quatro) para quatro itens articulados ao estabelecimento de vínculo com os professores: Conversar com os alunos sobre o cotidiano deles (Item 47), Fazer perguntas de sondagem sobre as dificuldades interpessoais dos alunos (Item 33), Aproveitar fatos do cotidiano para discutir questões de convivência (Item 62) e Participar de jogos e brincadeiras com os alunos (Item 42). Conforme a literatura22-26, o vínculo afetivo, que se traduz em confiança do estudante no professor e probabilidade dos alunos verbalizarem possíveis atos de violência22,23, pode funcionar como fator de proteção a atos de violência.

Os resultados deste estudo mostraram maior discrepância da avaliação dos professores com a das vítimas-agressoras em todos os escores (tanto no indicador de frequência como de efetividade). Esse grupo certamente é o mais desafiante no combate ao bullying, pois age nos dois polos do problema, potencializando sua disseminação. Certamente, há necessidade de mais estudos sobre as especificidades e necessidades destes estudantes, mas os resultados sugerem que as ações educativas dos docentes não estão conseguindo atendê-las.

Em relação aos Itens Complementares, os estudantes atribuíram maior frequência e efetividade para reprovar manifestações de apoio ao bullying (Item 5), mas os docentes, ainda que reportando maior frequência, admitem a baixa efetividade dessa estratégia, o que poderia ser objeto de aprimoramento. De todo modo, os demais itens considerados frequentes e eficazes pelos docentes receberam pontuações inferiores dos estudantes, ainda que com maior similaridade com a das vítimas e agressores.

Esses dados sugerem que os docentes não estão discriminando os comportamentos relevantes no combate ao bullying, o que deveria ser incluído como ser levado em conta na seleção de estratégias de prevenção e combate ao bullying. Essa hipótese é reforçada por evidências de que, na visão dos alunos, os docentes não estariam aptos para intervir diante do bullying9 e que os professores superestimam suas habilidades para lidar com o bullying12.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo focalizou questões pouco exploradas na literatura sobre bullying: o foco nas habilidades sociais educativas de professores e a avaliação dessas habilidades por parte dos alunos, considerando-se os que testemunham, os que agridem ou os que são agredidos pelos demais. Os resultados mostraram que essa avaliação se altera conforme o papel dos alunos em relação ao bullying e que todos os grupos apresentam uma avaliação menos positiva que a do professor em relação a suas ações educativas.

São reconhecidas algumas limitações deste estudo, como o caráter local da amostragem e o uso de instrumentos exclusivamente de relato, o que significa a necessidade de maior investimento em futuras pesquisas. No entanto, os dados obtidos permitem uma reflexão sobre a frequência e efetividade das ações educativas dos docentes para lidar com atos de violência em sala de aula e apontam para implicações sobre práticas pedagógicas e sobre a formação docente.

O foco nas habilidades sociais educativas dos professores, tanto na perspectiva dos docentes como dos diferentes grupos de alunos envolvidos com bullying, foi proposto como perspectiva de avaliação, com vistas ao combate e prevenção ao bullying. Entende-se que a redução desse problema no contexto escolar abre espaço para maior investimento nas HSE do professor na mediação da aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e no suporte emocional aos alunos, o que pode contribuir decisivamente para a aprendizagem acadêmica e a concretização da função social da educação escolar.

 

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Endereço para correspondência:
Franciele da Silva Del Ponti
Laboratório de Interação Social - Rodovia Washington Luiz, km 235
São Carlos, SP, Brasil - CEP: 13565-905
E-mail: francieledelponti@hotmail.com

Artigo recebido: 17/6/2020
Aprovado: 31/10/2020

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de São Carlos - Laboratório de Interação Social, São Carlos, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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