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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.115 São Paulo abr. 2021

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20210004 

ARTIGO ORIGINAL

 

A percepção da família sobre o nível de atividade física e o comportamento sedentário nos pré-escolares: consequências para o desenvolvimento físico e cognitivo

 

The family's perception about level of physical activity and sedentary behavior in preschoolers: consequences for physical and cognitive development

 

 

Luan Pereira LimaI; Erika da Silva MacielII; Rute Estanislava TolockaIII; Vitor Antonio Cerignoni CoelhoIV

ILicenciado em Educação Física - Universidade Federal do Tocantins (UFT); Mestrando em Ensino em Ciência e Saúde - UFT, Miracema do Tocantins, TO, Brasil.
IIDoutora em qualidade de alimentos - Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA-USP); Pós-doutora - Departamento de Agroindústria, alimentos e nutrição (ESALQ-USP); Pós-doutorado em Ciência, Departamento de Clínica Médica (FCM-USP); Docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT); Docente do Programa de Pós-graduação em Ensino em Ciência e Saúde da UFT; colaboradora do Programa de pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina do ABC, Miracema do Tocantins, TO, Brasil
IIIDoutora em Educação Motora pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP; Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP); Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Movimento Humano (NUPEM/UNIMEP), Piracicaba, SP, Brasil.
IVDoutor em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Metodista de Piracicaba-UNIMEP; Professor do curso de Educação Física da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Palmas, TO, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Verificar a percepção da família quanto à presença dos comportamentos sedentários e do nível de atividade física de pré-escolares em casa e na escola
MÉTODO: Foi realizada uma pesquisa de campo (design ecológico) com 26 pais de pré-escolares. Os pais responderam dois questionários, um relacionado às atividades realizadas dentro e fora do ambiente escolar por seus filhos e outro sobre o nível de atividade física
RESULTADOS: Evidencia-se a baixa frequência de atividades físicas oferecidas pelos pais nos dois principais microssistemas da criança, tanto em casa (13%) quanto na escola (9%), e mais de 50% das crianças foram classificadas como pouco ativas e com alta exposição à televisão
CONCLUSÃO: Os agentes diretamente envolvidos com as crianças tendem a oferecer atividades sedentárias com maior frequência quando comparadas às atividades físicas, influenciando a quantidade de atividades ativas realizadas pelas crianças

Unitermos: Atividade Física. Pré-Escola. Comportamento Sedentário. Teoria Ecológica.


SUMMARY

OBJECTIVE: To verify the family's perception of the presence of sedentary behaviors and the level of physical activity of preschoolers at home and at school
METHODS: A field research (ecological design) was carried out with 26 parents of preschoolers. Parents answered two questionnaires, one related to the activities carried out inside and outside the school environment by their children and the other on the level of physical activity
RESULTS: The low frequency of physical activities offered by parents in the child's two main microsystems is evident, both at home (13%) and at school (9%) and more than 50% of children were classified as not much active and with high exposure to television
CONCLUSION: Agents directly involved with children tend to offer sedentary activities more frequently when compared to physical activities, influencing the amount of active activities performed by children

Keywords: Physical Activity. Preschool Children. Sedentary Behavior. Ecological Theory.


 

 

INTRODUÇÃO

A atividade física tem se mostrado como um aspecto primordial para que as crianças se desenvolvam de maneira integral1 e os benefícios de sua prática encontram-se documentados na literatura, como verificado em alguns estudos2-4 que indicam a necessidade dessa prática como fator de proteção às diversas doenças e enfermidades que acometem as crianças a médio e a longo prazo, como, por exemplo, doenças crônicas, problemas posturais, hipertensão, diabetes e cardiopatias. Além disso, a atividade física potencializa o desenvolvimento humano proporcionando melhora no crescimento físico, nas habilidades motoras, no aspecto cognitivo, social e afetivo, criando condições de explorar o ambiente, estimulando a autonomia.

Outros autores5 defendem que a atividade física melhora não apenas a parte físico-motora das crianças, mas também a cognitiva. Por exemplo, crianças que se movimentam diariamente aprendem com mais facilidade, assimilam melhor as informações ao seu redor, interagem com as pessoas, aprendem com o próprio ato de se movimentar, por meio de ações que as levam a entender seu corpo e o do colega.

Para isso, é necessário oferecer tempo, espaço e oportunidade para que as crianças possam se movimentar. Entretanto, autores6-9 retrataram o avanço do comportamento sedentário e dos baixos níveis de atividade física entre crianças em idade pré-escolar. Um dos motivos para este avanço refere-se à rotina inadequada das crianças no interior das casas e das pré-escolas, rotina que não valoriza o movimento, excedendo o tempo em posição passiva, realizando atividades de leitura, escrita, cálculo, pintura, jogos que exigem pouca ou nenhuma movimentação corporal, em fila, sentado, bem como o tempo de tela, que inclui todo tipo de atividade que a criança se dedica à frente de aparelhos como TV, celulares, computadores e tablets.

Este cenário tem dificultado a prática diária de atividades físicas e inibido a manutenção das recomendações internacionais mínimas para crianças até 5 anos de idade. Segundo as diretrizes internacionais10-13, o tempo mínimo que a criança deve se submeter à prática de atividade física diária é de 60 minutos, além disso, recomenda-se que as crianças não devem permanecer em atividade sedentária por mais de uma hora consecutiva.

Embora alguns autores2,9 tenham demonstrado que os níveis de atividade física das crianças até 5 anos de idade não atinjam as recomendações mínimas da prática diária, as pesquisas tendem a não considerar os ambientes que influenciam no maior ou menor nível de atividade física das crianças. Tanto o ambiente escolar como o domiciliar deveriam ser espaços privilegiados para o incentivo das atividades físicas como fator de proteção, de manutenção da saúde e de estímulo ao desenvolvimento infantil14.

Quanto aos pais, autores15 citam possibilidades de influências que esses podem exercer no incentivo, encorajamento e apoio para que seus filhos se movimentem com maior frequência. Os pais são modelos de comportamento (sedentário ou ativo) e podem reforçar hábitos saudáveis ou inadequados à saúde. A família exerce papel fundamental no desenvolvimento humano, principalmente em crianças de até 5 anos de idade. O ambiente doméstico pode ser propulsor ou inibidor do desenvolvimento11.

Uma teoria que defende a influência dos diferentes ambientes no processo de desenvolvimento da pessoa é a Teoria Ecológica de Bronfenbrenner16,17. O autor considera que a pessoa, o processo, o contexto e o tempo influenciam positiva ou negativamente o desenvolvimento do ser humano. Tanto a casa como a escola são ambientes influenciadores, compostos por agentes diretamente envolvidos com as crianças (educadores, amigos, irmãos, pais ou responsáveis), formando um ambiente propício ou não para o desenvolvimento do sujeito.

O autor supracitado16 dividiu o contexto da criança em diferentes parâmetros (micro, meso, exo e macro). O microssistema é o ambiente mais imediato, que contém a criança em desenvolvimento, ele pode ser a sala de aula, a escola, a casa, a igreja, ou qualquer outro ambiente que o sujeito tenha contato. Nesse ambiente é possível observar e analisar as atividades realizadas (exemplo: as atividades físicas), as relações sociais (exemplo: amizades), os papéis sociais (exemplo: aluno, professor, pai) e as características (exemplo: agressivo, encorajador, habilidades).

O mesossistema é o conjunto de microssistemas, ou seja, dois microssistemas em relação direta se tornam o mesossistema do sujeito, sendo ampliado sempre que a pessoa em desenvolvimento entra em um novo ambiente. O exossistema é o ambiente que a pessoa não frequenta, mas, mesmo assim, os acontecimentos e eventos vivenciados naquele local podem influenciá-la indiretamente (exemplo: o trabalho do pai). Por fim, o macrossistema abrange a cultura, subcultura ou sistema social no qual a pessoa está inserida.

Percebe-se, então, a necessidade de investigar os ambientes e as pessoas que convivem diretamente com as crianças em idade pré-escolar, observando se o avanço do comportamento sedentário e da falta de atividade física está relacionado com o ambiente e as pessoas envolvidas com pré-escolares.

Assim, o objetivo do trabalho foi verificar a percepção da família quanto à presença dos comportamentos sedentários e do nível de atividade física de pré-escolares em casa e na escola. E como objetivos específicos: Apresentar o modelo bioecológico de desenvolvimento humano e as possibilidades de análise nos dois ambientes mais imediatos da criança (a casa e a escola) e identificar o nível de importância e frequência das atividades realizadas nesses ambientes.

 

MÉTODO

O estudo apresenta um design ecológico, ao buscar investigar as relações envolventes entre a casa, a escola e as atividades físicas das crianças16.

O trabalho foi realizado em uma pré-escola do município de Tocantínia-TO. A população estudada foi composta por 26 crianças de 4 a 5 anos de idade e por seus pais/responsáveis. A amostra foi escolhida intencionalmente, considerando a conveniência do local. Foi selecionada a única escola de Educação Infantil do município, e a seleção dos participantes foi aleatória, mediante preenchimento dos questionários.

Os critérios de inclusão foram: ter entre 4 e 5 anos, 11 meses e 29 dias de idade e estar matriculada na escola (no caso das crianças); ser pai/mãe/responsável de uma ou mais crianças e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O critério de exclusão para os pais foi: não assinar o TCLE, excluindo seu filho da pesquisa.

Inicialmente, realizou-se uma conversa com a diretora da escola explicando o projeto. Posteriormente, estabeleceu-se a coleta de dados junto aos pais/responsáveis, o que aconteceu durante duas reuniões e na entrada e a saída das crianças no período escolar. Durante as reuniões, o projeto foi explicado, o TCLE foi entregue, e, após o entendimento e assinatura do termo, foram entregues dois questionários aos pais e responsáveis.

O primeiro, denominado Questionário de atividades das crianças na escola infantil e em casa (International Questionnaire for the Teachers Children's Activities in the Kindergarten and at Home - PEECE), utilizado por Coelho (2017)2. O instrumento contém informações sobre gênero, idade, renda per capita e nível de formação dos pais; além disso, 14 perguntas relacionadas às atividades que as crianças realizavam dentro e fora da escola, atribuindo-as níveis de importância e frequência.

Dentre as respostas, foi feita uma subdivisão de atividades que facilitam o comportamento sedentário (praticar cálculos e leituras; participar de sociodrama; assistir televisão; conversar com os pais; pintar e realizar outros trabalhos manuais; usar o computador; e conversar com amigos ou irmãos) e atividades que favorecem a movimentação das crianças (jogos com bolas; participar de atividades físicas em programas extracurriculares; brincar no parque; caminhadas em passeios com a família; participar de jogos com movimento; nadar e brincar na piscina, rio ou mar; e andar de bicicleta ou outros equipamentos com rodas). As respostas obedeciam a uma escala do tipo Likert (Likert, 1932)18, para o nível de importância: 1 = Não é desejável; 2 = Não é importante; 3 = Importante; 4 = Muito importante; 5 = Essencial. Para o nível de frequência: 1 = Nunca; 2 = Menos de uma vez na semana; 3 = Uma vez na semana; 4 = Poucas vezes por semana e 5 = Todo dia.

O segundo questionário foi extraído de um trabalho1 e adaptado ao Brasil19. Visava obter o nível de atividade física das crianças por meio de duas perguntas: Num dia da semana (segunda a sexta-feira), quanto tempo seu (sua) filho(a) gasta brincando ou jogando ao ar livre, nos jardins, no quintal ou nas ruas, em torno da casa onde mora (ou da casa de vizinhos ou parentes)? E a outra pergunta se referia a um dia do final de semana (sábado ou domingo). Por fim, mais duas perguntas sobre o tempo em que a criança dispendia em frente a uma tela (computador, tablet, televisão, videogame) num dia de semana (segunda a sexta) e no final de semana (sábado ou domingo).

A escala de resposta continha três intervalos de tempo: manhã, da hora que acorda até as 12 horas; tarde, das 12 até as 18 horas; e noite, das 18 horas até a hora de ir dormir. Para cada período do dia, foram registradas as seguintes categorias de resposta (escores numéricos): 0 minuto (0), 1-15 minutos (1), 16-30 minutos (2), 31-60 minutos (3) e mais de 60 minutos (4).

Para classificar o nível de atividade física, as que dispenderam um tempo 60 minutos diários eram consideradas "ativas" e aquelas que dispenderam <60 minutos diários foram consideradas "pouco ativas". Quanto à classificação do comportamento sedentário, consideraram-se as que dispenderam um tempo 2 horas em frente a uma tela situadas na categoria de maior exposição ao comportamento sedentário, e aquelas que dispenderam <2 horas diárias em frente a uma tela situadas na categoria de menor exposição.

Para análise estatística, foi utilizado o software estatístico SPSS (versão 20) para realização de testes descritivos de média, mediana e desvio padrão, frequência relativa e absoluta. Além dos testes de confiabilidade (alfa de Cronbach), testes de associação, diferença e comparação não paramétricos. O nível de significância para os testes foi de p<0,05.

O projeto tem a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), com o parecer 70/2014.

 

RESULTADOS

Os dados apontam que 100% dos pais/responsáveis que responderam ao questionário são do sexo feminino. Quanto à idade, observa-se que a maior parte se situa entre 30 e 39 anos de idade (46%) e 27% tem menos de 29 anos. Mais da metade dos pais/responsáveis (61%) possuem o Ensino Médio e 23% deles possuem Ensino Superior ou Pós-Graduação. A maior parte dos pais ou responsáveis recebe menos que um salário-mínimo (31%) ou entre um salário-mínimo e R$ 2.363,00 (38%), conforme a Tabela 1.

O teste de confiabilidade Alfa de Cronbach com nível de significância de p<0,05 mostrou consistência de 0,7 nas respostas dos pais referentes à importância e frequência das atividades dentro e fora da escola.

Quanto aos níveis de importância, conforme o Gráfico 1, o termo "essencial" não variou muito quando comparadas as atividades físicas e sedentárias tanto em casa como na escola, sendo as atividades sedentárias 5% mais citadas em ambos os ambientes. O termo "importante" foi o que mais sofreu variação, sendo mais utilizado ao se referir às atividades físicas tanto em casa (47%) como na escola (51%), já para as atividades sedentárias o mesmo termo foi utilizado por 29% e 35% dos pais, respectivamente.

Verifica-se também que o termo "não é importante" foi mais utilizado ao se referir às atividades sedentárias tanto em casa (13%) como na escola (8%), havendo pouca variação quanto às atividades físicas, que foram citadas por 6% e 5% dos pais, respectivamente. O termo "muito importante" foi utilizado por 28% dos pais ao se referirem às atividades sedentárias na escola, e por 26% deles ao se referirem às atividades sedentárias em casa. Quanto ao termo "essencial", 25% dos pais o atribuiu às atividades sedentárias na escola e 28% deles para as atividades sedentárias em casa.

É possível verificar que os pais/responsáveis estão priorizando as atividades sedentárias, pois, como aponta o Gráfico 2, eles afirmam que essas atividades tanto em casa (25%) como na escola (24%) devem ser realizadas todos os dias e as atividades físicas devem ser realizadas todos os dias para apenas 13% dos pais em casa e 9% na escola.

Destaca-se também que o termo "menos de 1x na semana" foi utilizado por 19% dos pais ao se referirem às atividades físicas em casa. Considerando os termos "algumas vezes por semana" e "todo dia", é possível verificar que mais da metade dos pais/responsáveis consideram que as atividades sedentárias na escola (63%) e em casa (62%) devem ser realizadas com uma grande frequência e, ao comparar com as atividades físicas, os termos supracitados correspondem a apenas 47% e 44% das respostas tanto na escola quanto em casa, respectivamente, ficando abaixo dos 50% dos pais ou responsáveis.

Quanto ao nível de atividade física e exposição ao comportamento sedentário dos pré-escolares, os resultados do Gráfico 3 indicam que as crianças tendem a ser mais ativas nos finais de semana (65%) do que em um dia comum da semana (50%). Quanto à exposição ao comportamento sedentário, verifica-se também que é nos finais de semana que elas se expõem mais a esse comportamento (54%).

Ao observar o resultado da exposição ao comportamento sedentário, é possível perceber que à medida que a atividade física cresce nos finais de semana a exposição ao tempo de tela também, ou seja, por mais que ocorra aumento das atividades físicas, as sedentárias aumentam concomitantemente, demostrando que as crianças terminam por ficar em posição sedentária por muito tempo, mesmo aumentando suas atividades físicas nos finais de semana.

 

DISCUSSÃO

Ao somar os dados das escalas "essencial" e "muito importante", percebe-se que mais de 50% dos pais estão atribuindo grande importância para as atividades sedentárias nos dois principais ambientes de desenvolvimento da criança, demostrando que elas estão expostas ao comportamento sedentário no microssistema casa e escola. Como aponta Bronfenbrenner17, esses ambientes podem inibir ou alavancar comportamentos disruptivos ou geradores, tornando a criança, nesse caso, mais propensa a ter comportamento sedentário, já que os adultos envolvidos diretamente com elas estão considerando as atividades sedentárias importante, muito importante e essencial com uma frequência muito elevada, tanto em casa (83%) como na escola (88%).

E, apesar da importância atribuída para as atividades físicas (importante, muito importante ou essencial) ter sido alta em casa (93%) e na escola (91%), verifica-se que a frequência dessas atividades é bem menor do que a importância atribuída, pois apenas 13% dos pais/responsáveis oferecem as atividades físicas todos os dias para as crianças em casa e apenas 9% acreditam que estas atividades devam ser realizadas todos os dias na escola.

Os dados convergem com os de outro autor2 que utilizou o mesmo questionário em sua tese, observando que os pais e responsáveis também valorizavam as atividades físicas e sedentárias. Entretanto, quando foram observados os dados de frequência, a oferta de atividades sedentárias foi superior à de atividades físicas, pois como apontado em seu trabalho 13% dos pais oferecem as atividades físicas todos os dias aos filhos em casa e 25% oferecem as atividades sedentárias diariamente aos filhos no mesmo ambiente. Além disso, a frequência com que os pais acreditam que os filhos devam realizar atividades físicas todos os dias na escola é de 12%, enquanto as sedentárias devem ser oferecidas todos os dias na opinião de 31% dos pais.

Barbosa et al.6 e Coelho2 observaram que as crianças estão realizando muitas atividades que as fazem ficar em posição sedentária, e os pais/responsáveis estão valorizando mais as habilidades motoras finas de seus filhos (cortar, pintar, colar), esquecendo-se das habilidades motoras grossas, como lançar, arremessar, pular, correr, saltar, ou qualquer outra que envolva movimentos amplos.

As habilidades motoras grossas são as que irão promover maiores amplitudes de movimento20, facilitando o desenvolvimento físico, e o cognitivo5, além de ocorrer um grande gasto energético, promovendo a saúde do indivíduo e prevenindo doenças crônicas que podem ocorrer por falta de atividades físicas9,21.

Com base em Bronfenbrenner16, ao acompanharem seus filhos nas atividades físicas, os pais os encorajam e os incentivam a continuarem realizando outras atividades ativas em outros ambientes, além disso, são estabelecidas díadas de participação conjunta (momentos de troca entre os sujeitos que favorecem o desenvolvimento proximal) entre o filho e seus pais, gerando maior prazer na criança, tornando a atividade molar, ou seja, com significado e engajamento. Mas, para que isso ocorra, é necessário que os pais entendam essa importância e a necessidade de realizar atividades físicas junto de seus filhos, evitando privá-los do movimento.

Conforme Bronfenbrenner16, sempre que a criança entra em um novo ambiente ela amplia o seu mesossistema, estimulando seu desenvolvimento, além disso, é descrito que os ambientes não são apenas a estrutura física do local, mas também os sujeitos que ali estão. Se os pais não encorajam os filhos a realizar diferentes atividades físicas em diferentes ambientes, logo os filhos sofrerão com essa falta de oportunidades para se movimentarem2.

Um fator relativo ao macrossistema, o qual pode ter influenciado nesses resultados (de baixa oferta de atividade física), refere-se ao contexto local, devido à falta de programas voltados para o movimento na cidade do estudo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística22, o município possui 7.545 habitantes e carece de atividades voltadas ao movimento, fazendo com que os pais não tenham muitas opções para envolverem os filhos em atividades físicas fora de suas casas.

O presente estudo observou que os pais tendem a valorizar as atividades sedentárias na escola de Educação Infantil, corroborando com o comportamento sedentário das crianças. Estudos23-25 têm denunciado o caráter escolarizante, assistencialista e gerador de comportamentos sedentários das escolas de Educação Infantil no Brasil.

As rotinas dessas escolas são rígidas e restringem as oportunidades de tempo e espaço para se movimentar, priorizam aspectos assistencialistas como alimentação, higiene e segurança. Além de exagerarem na escolarização precoce com alta frequência de atividades que priorizam leitura, escrita e cálculo, em detrimento de atividades de exploração de suas habilidades motoras, sociais, afetivas e cognitivas, podendo causar sérios prejuízos ao desenvolvimento pleno da criança.

Segundo uma teoria17, as pessoas envolvidas diretamente com as crianças na escola e nas casas precisam apresentar disposições, recursos e demandas positivas para que as crianças sejam encorajadas a modificar o ambiente e os caminhos do desenvolvimento infantil.

Os pais são modelos para seus filhos. Por meio das influências dos pais, os filhos podem apresentar hábitos saudáveis, como ser ativo ou sedentário. Dessa forma, para que os filhos venham a realizar atividades físicas com maior frequência, é preciso incentivo, encorajamento e apoio dos pais15. Porém, com base nos resultados, se observa o contrário, os pais tendem a valorizar as atividades sedentárias.

Tendo como base a teoria de Bronfenbrenner16, os pais, como agentes influenciadores do comportamento dos seus filhos, estão fazendo com que esses se movimentem cada vez menos, pois se verifica a pouca frequência de atividades físicas que aqueles estão oferecendo em casa aos filhos. Além disso, estão priorizando as atividades sedentárias na escola, corroborando para um aumento do comportamento sedentário no principal mesossistema da criança (casa e escola), tornando-a pouco propensa a adquirir o hábito de se movimentar, pelo contrário, naturalizando o sedentarismo.

Quando se observa estatisticamente o resultado da exposição ao comportamento sedentário, é possível perceber que à medida que aumenta o tempo de tela no final de semana, aumenta também a indicação de pais que consideram a importância das atividades sedentárias dentro da escola. Fato que demonstra a influência da percepção e das atividades oferecidas pelos pais aos seus filhos, atividades que facilitam o comportamento sedentário. Isso acentua hábitos inadequados de saúde e dificulta o encorajamento e a iniciativa de superar as atividades sedentárias de modo a modificar o desenvolvimento infantil com ofertas e programas de atividade física, seja em casa ou na escola.

Assim, a pesquisa aponta justamente para um caminho inverso ao defendido pelo Programa das Ações Unidas para o Desenvolvimento26. O programa defende escolas e pessoas ativas que valorizam o movimento e a atividade física em seu dia a dia, no entanto, os resultados coletados mostram que metade das crianças (50%) estão situadas na categoria "pouco ativa", o que requer uma atenção quanto aos seus aspectos desenvolvimentais e a sua saúde.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os pais/responsáveis e os ambientes estudados demonstraram forte influência nas práticas de atividades físicas das crianças envolvidas. O estudo aponta algumas evidências: primeiro a contradição entre perceber a importância das atividades físicas em detrimento da oferta e da frequência com que elas ocorrem no dia a dia das crianças. Segundo, que houve uma tendência maior de oferta e frequência de atividades sedentárias do que de atividades físicas. Terceiro aspecto, que as crianças foram classificadas em sua maioria como pouco ativas (baixo nível de atividade física) e com uma exposição acentuada ao tempo de tela, o que tem impedido a adoção de hábitos adequados de saúde, de desenvolvimento e especificamente do combate ao sedentarismo infantil, mesmo sabendo que nessa fase da vida elas deveriam se movimentar abundantemente.

Uma das possíveis explicações para esse aumento da inatividade física entre os pequenos, é justamente a influência daqueles que se envolvem com as crianças e fazem parte de seu microssistema. Os adultos podem desencadear processos proximais positivos ou negativos que fazem as crianças serem ativas e/ou sedentárias, dependendo do incentivo, do encorajamento e das oportunidade que oferecem para que as crianças se movimentarem e, principalmente, do significado que os pais atribuem às atividades físicas. Todo esse contexto corrobora para a manutenção do sedentarismo infantil, pois, nesse caso, os pais dos pré-escolares oferecem baixa frequência diária de atividades físicas para as crianças em seus dois principais microssistemas de desenvolvimento: a casa e a escola.

Outro motivo que acentua o comportamento sedentário nos ambientes pesquisados é o tempo de exposição à tela (TV, computador, games, tablets, celulares) das crianças, que ultrapassa as recomendações previstas pelos órgãos internacionais de promoção da atividade física na infância.

Sugere-se a implementação de programas e projetos ecológicos que incluam a escola e casa, provocando mudanças de hábitos e, assim, incorporando ações práticas no contexto de vida das crianças para aumentar o nível diário de prática de atividade física. Novas investigações podem auxiliar na continuidade dos estudos ao verificar o ambiente familiar por meio de questionários que buscassem descobrir o nível de atividade física dos pais e associá-lo ao dos filhos.

 

AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Educação de Tocantínia/TO e aos pais e responsáveis participantes do estudo.

 

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Endereço para correspondência:
Luan Pereira Lima
Universidade Federal do Tocantins - Campus de Miracema
Travessa Padre Patrício, 615 - Centro - Miracema do Tocantins, TO, Brasil -
CEP 77650-000
E-mail: luanuftedufisica2016@mail.uft.edu.br

Artigo recebido: 8/6/2020
Aprovado: 13/1/2021

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal do Tocantins, Miracema do Tocantins, TO, Brasil.
Apoio Financeiro: Bolsa CAPES-PROSUP (Edital PPG-CMH 01/2013 de 22/08/2013).
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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