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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.115 São Paulo abr. 2021

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20210005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Nível de atividade física em estudantes ouvintes e surdos de uma escola em teresina-PI

 

Level of physical activity in hearing and deaf students from a school in Teresina-PI

 

 

Kelly Araujo Caldas GomesI; Larisse Ferreira da SilvaII; Dionis de Castro Dutra MachadoIII

IDiscente do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil
IIDiscente do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil
IIIDoutora em Saúde Mental - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Professora do Centro de Ciências da Saúde/ Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Organização Mundial da Saúde salienta o gradativo quadro de sedentarismo e seu impacto na população. A inatividade física é considerada o quarto principal fator de risco de doença, tornando-se um dos maiores problemas de saúde pública na atualidade. Todavia, há escassez de pesquisas voltadas à investigação e descrição de saúde em algumas populações específicas, dentre essas, a comunidade surda. Considerando essa lacuna no conhecimento, o presente estudo buscou verificar e comparar o nível de atividade física entre estudantes ouvintes e surdos de uma escola pública na cidade de Teresina-PI. Trata-se de uma pesquisa de cunho quantitativo com amostra de 28 voluntários, do sexo masculino e feminino, com idades entre 12 a 30 anos, estudantes de uma Unidade Escolar na cidade de Teresina-PI. Para coleta dos dados, foi utilizado o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ). O teste de Mann-Whitney, utilizado para comparação entre os grupos, mostrou que houve diferença estatística somente nas variáveis de tempo gasto por dia em atividade moderadas (p=0,011) e no número de dias na semana que praticavam atividades vigorosas (p=0,051). O teste t, aplicado para amostras independentes, não mostrou nenhuma diferença significativa para o tempo em que permaneceram sentados em um dia de semana (p=0,424). Os resultados demostraram que embora as variáveis referentes ao tempo despendido por dia em atividades moderadas e ao número de dias na semana que os voluntários praticavam atividades vigorosas tenham mostrado diferença significativas, no contexto geral a deficiência não comprometeu o nível de atividade física na amostra estudada.

Unitermos: Educação Física. Nível de Atividade Física. Surdez.


SUMMARY

The World Health Organization points the gradual pattern of inactivity and its impact on the population. Physical inactivity is considered the fourth major risk factor for disease, making it one of the greatest public health problems today. However, there is a shortage of research aimed at research and description of health in specific populations, including the deaf community. Considering this knowledge gap, the present study aimed to verify and compare the level of physical activity between hearing and deaf students in a public school in Teresina-PI. This is a quantitative research with a sample of 28 male and female volunteers aged 12 to 30 years, students at a public school in Teresina-PI. The International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) was used to collect the data. The Mann-Whitney test used for comparison between groups showed that there was a statistical difference only in the variables of time spent per day in moderate activity (p=0.011) and in the number of days in the week that practiced vigorous activities (p=0.051). The t-test applied to independent samples did not show any significant difference to the time spent sitting on a weekday (p=0.424). The results showed that although the variables regarding the time spent per day in moderate activities and the number of days in the week that the volunteers practiced vigorous activities showed a significant difference, in the general context the deficiency does not compromise the level of physical activity of the study sample.

Keywords: Physical Education. Deafness. Level of Physical Activity.


 

 

INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva (DA) é definida como redução da eficiência sensorial da audição, apresentando classificação leve, moderada, grave ou profunda de acordo com a deficiência de percepção em decibéis (dB). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a DA a partir de 40dB no ouvido de melhor funcionalidade é considerada incapacitante. Tal caracterização engloba as classificações moderada e profunda e define os indivíduos como surdos1. A presença de perda auditiva de moderada a profunda é estimada em 5% da população mundial. No Brasil, o censo de 2010 revelou que cerca de 5,1% da população brasileira apresenta algum grau perda auditiva2.

Quanto à situação linguística, a pessoa surda pode ser oralizada, surda bilíngue ou surda sinalizada. O surdo oralizado realiza leitura labial, expressa-se verbalmente e não utiliza a linguagem de sinais. Já o surdo sinalizado comunica-se apenas por meio da língua de sinais; enquanto o bilíngue comunica-se das duas formas. A comunicação da pessoa surda constitui um relevante fator de impacto na participação social, podendo gerar limitações em algumas circunstâncias3.

Particularmente, reconhece-se que pessoas com deficiência, em geral, têm uma participação inferior em atividades físicas regulares4. Em pesquisa realizada com brasileiros com 15 anos ou mais, foi visto que 62,1% deste público não praticava qualquer esporte ou atividade física5-7. As desvantagens relacionadas à presença de uma deficiência podem contribuir para que este percentual seja ainda maior, ocasionando um nível de sedentarismo mais avançado em pessoas com deficiências. Quanto à DA, muitas mistificações foram criadas ao longo da história, associando a surdez à incapacidade e, neste contexto, a temática da atividade física voltada ao público surdo ainda é pouco explorada8.

O exercício físico é apontado como responsável por inúmeros benefícios físicos e mentais, apresentando um efeito positivo sobre a redução de mortalidade, níveis de adiposidade, prevenção de diabetes e de doenças cardiovasculares9,10. A OMS indica que a inatividade física é o quarto principal fator de risco para doenças, estando abaixo apenas de hipertensão arterial, tabagismo e diabetes. Em diferentes populações e culturas a prática de atividade física tem sido alvo de estudos e de estratégias em cooperação de órgãos gestores e comunidade11. Todavia, há escassez de pesquisas voltadas à investigação e descrição de saúde em algumas comunidades e populações específicas, dentre estas, a comunidade surda.

Para estimular uma maior discussão sobre o tema e visando desmistificar questões relacionadas à surdez, saúde e atividade física, a presente pesquisa objetivou verificar o Nível de Atividade Física (NAF) em estudantes ouvintes e surdos, comparando esses níveis entre esses dois grupos específicos em uma escola pública na cidade de Teresina - PI.

 

MÉTODO

Este estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória, transversal, analítica e de abordagem quantitativa, conduzido em uma escola pública de Teresina-PI, considerada referência no ensino de pessoas com DA. A amostra se caracterizou como não probabilística e por conveniência. Os critérios de inclusão para participação foram: alunos com idade entre 12 a 30 anos, regularmente matriculados no Ensino Fundamental ou Médio da escola citada, usuários ou não da língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como sua primeira língua, ouvintes ou não e que aceitaram participar do estudo mediante assinatura do termo de assentimento e de consentimento. Os critérios de exclusão consideraram comprometimentos cognitivos para o entendimento do questionário e múltiplas deficiências.

Para avaliar os níveis de atividade física, utilizou-se como instrumento de coleta o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) na sua versão curta, validado por meio dos estudos de Matsudo et al. em 200112, sendo sua validade e reprodutibilidade em adultos brasileiros confirmadas em estudos posteriores13-15.

Para a classificação dos dados, utilizou-se o consenso realizado entre o CELAFISCS e o Center for Disease Control (CDC) de Atlanta, que considera os critérios de frequência e duração das atividades físicas realizadas para então classificar as pessoas em cinco categorias: Muito ativo, ativo, irregularmente ativo A, irregularmente ativo B e sedentário.

Os participantes da pesquisa foram esclarecidos, assegurados quanto a sua privacidade, confidencialidade e sobre a retirada de seu consentimento a qualquer momento sem que lhe causasse algum prejuízo. Quanto aos participantes com deficiência auditiva, houve a presença de uma intérprete de LIBRAS para permitir uma melhor comunicação entre o voluntário e o pesquisador.

A pesquisa obedeceu aos aspectos éticos e legais considerados nas resoluções do Conselho Nacional de Saúde no 466/12 e no 510/16 (CNS/MS). Foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí, sob parecer no 2.948.500. Os participantes maiores de idade assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), enquanto os menores assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), sendo que o TCLE foi assinado por seus respectivos representantes legais. Para minimizar desconfortos, constrangimento e algum tipo de experiências negativas, o instrumento de coleta foi aplicado em um local reservado, acompanhado por uma intérprete de LIBRAS para uma melhor comunicação entre o pesquisador e os voluntários.

Os dados da presente pesquisa foram analisados por uma estatística descritiva, com a finalidade de apresentar medidas de tendência central e de variabilidade da amostra estudada. Os mesmos foram apresentados sob a forma de tabelas e gráficos para permitir melhor compreensão dos resultados obtidos. Realizou-se a verificação de normalidade dos dados, distribuição de frequência simples das variáveis de interesse do estudo, e, a partir desta análise, foram selecionados os testes estatísticos.

Para variáveis que apresentaram distribuição normal dos dados, foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes. As variáveis de distribuição não normal foram avaliadas por meio do teste Mann-Whitney. Os dados foram analisados utilizando o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 18.0. Para todas as análises, foi considerado valor p0,05.

 

RESULTADOS

Os dados referentes à caracterização da amostra estudada, considerando os grupos (surdos e ouvintes), encontram-se apresentados na Tabela 1.

Na variável idade, a amostra apresentou média de 16,36(±4,89) anos. Quanto ao número de anos de escolaridade, a média foi 8,32 (±1,65) anos, sendo mais frequente 7 anos escolares para alunos ouvintes e 9 anos para os alunos surdos.

Os valores referentes à média e ao desvio padrão obtidos no IPAQ pelos grupos estudados estão apresentados nos Gráficos 1 e 2. Os dados mostraram não ter distribuição normal, exceto para tempo em que permaneciam sentados durante a semana. Neste sentido, o teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparação entre os grupos, havendo diferença estatística somente na variável de tempo gasto por dia em atividade moderadas (p=0,011) e tendência a significância para o número de dias na semana em que os voluntários praticaram atividades vigorosas (p=0,051). Para a comparação do tempo que permaneciam sentados durante a semana, cuja distribuição dos dados mostrou-se normal, foi aplicado o teste t para amostras independentes, porém não houve diferença significativa (p=0,424).

 

 

 

 

A Tabela 2 apresenta os valores relacionados aos níveis de atividade física da amostra, considerando os critérios de frequência e duração das atividades físicas realizadas, classificando as pessoas em cinco categorias.

 

DISCUSSÃO

No passado, as pessoas surdas eram tachadas de loucas e doentes, eram vítimas de pena de morte e da falta de complacência e tolerância por parte da sociedade, sendo obrigadas a falarem por meio da oralidade, que na época era uma medida educacional8. Na atualidade, vários estudos buscar compreender as diferenças entres surdos e ouvintes, suas principais dificuldades e limitações, no intuito de beneficiar e incluir este público em ambientes sociais e garantir direitos de forma igualitária. A inclusão não é criar diferenças entre os públicos, mas sim diminuir as desigualdades entre eles, seja qual for o ambiente16.

A inclusão deve ir além de permitir o compartilhamento de espaço físico educacional entre surdos e ouvintes. Não se deve focalizar a adaptação do surdo ao ouvinte, mas sim envidar esforços bilaterais que possibilitem transpor as barreiras de comunicação. A pessoa com DA enfrenta obstáculos presentes na sociedade, tais como: dificuldades no transporte, dependência da família, preconceito e dificuldade em comunicar-se.

A incapacidade de ouvir dificulta a relação entre surdos e ouvintes, criando uma barreira que se torna um dos maiores problemas enfrentados por pessoas com DA8. Apesar dos inúmeros esforços e conhecimentos atuais, a comunidade surda ainda sofre discriminações e restrições de acessibilidade e representatividade em razão de sua língua natural (LIBRAS, no Brasil) ser pouco utilizada. A alfabetização de pessoas com DA geralmente é atrasada e se faz na língua oficial do país17.

Em geral, a pessoa com DA frequentemente encontra-se em companhia de um ouvinte para que este possa estabelecer a comunicação efetiva nos diversos espaços que o surdo frequenta (serviços de saúde, lazer, etc). Esta não é em si uma necessidade do surdo, mas uma necessidade que muitas vezes ele percebe para ser entendido, visto que a sociedade não se preocupa em buscar estabelecer comunicação efetiva com esta população. Este fato afeta negativamente o princípio bioético de autonomia, uma vez que em geral o ouvinte, interlocutor da pessoa com DA, decide por ela em questões de saúde e outras relacionadas à vida diária. Do mesmo modo, a presença de um ouvinte em companhia da pessoa com DA, especialmente nos serviços de saúde, compromete a privacidade e confidencialidade dos dados que devem ser asseguradas a todo cidadão18.

Na presente pesquisa, isso pode ser percebido pela necessidade de uma intérprete de LIBRAS que garantiu uma comunicação mais eficaz, mas que de certa forma expôs o voluntário a relatar dados pessoais a mais de uma pessoa. Neste estudo, ao menos a intérprete esteve envolvida em todo o desenho metodológico, constituindo uma das pesquisadoras responsáveis pelo mesmo. No entanto, isso nem sempre se torna possível, uma vez que a capacitação em LIBRAS ainda não é uma realidade da maioria dos pesquisadores. Tal fato, pode justificar a escassez de pesquisas com esta população específica18.

A amostra deste estudo apresentou maior frequência do gênero feminino. Tal fato pode estar relacionado à maior presença feminina na escola, refletindo uma realidade brasileira, a qual aponta que as mulheres estudam mais anos e tendem a menor evasão escolar em comparação aos homens2. Em relação às variáveis, na escolaridade, o estudo revelou que os voluntários se encontravam, em sua maioria no Ensino Fundamental. Quanto ao número de anos de estudo, o grupo de voluntários surdos cursou mais anos escolares que os ouvintes (possivelmente por reprovações). Quanto à idade, a média do grupo surdo foi maior que a do grupo ouvinte, apesar de haver estudantes com idade regular para o ano escolar cursado. Estes dados devem ser interpretados com cautela, pois a amostra do estudo foi por conveniência, não devendo ser extrapolada para a comunidade surda em sua totalidade19.

O fato dos surdos apresentarem-se mais velhos e com maior número de anos escolares pode estar atrelado à historicidade dos surdos, marcada por exclusão e inibição de sua identidade. No passado, os surdos foram obrigados a rejeitarem sua língua natural e a aprenderem outra língua de modalidade diferente da sua, a língua oral de seu país. Este fato implicou diretamente no processo de escolarização e repercutiu no processo de comunicação, tanto na Língua de Sinais como na própria oralização3,8,16,17. Além de afetar seu desenvolvimento intelectual, resultou em atraso em relação ao ouvinte, porque não conseguem manter essa sua identidade, vendo-se assim ora surdos, ora como ouvintes20.

Dos itens avaliados pelo IPAQ12, o tempo gasto em minutos em atividades moderadas foi significativamente maior no grupo de escolares surdos. As atividades moderadas são aquelas que consomem de 3 a 6 MET (taxa metabólica), exigem mais preparo físico, orientação mais próxima e uma respiração mais intensa que o normal. Esta modalidade de atividade física engloba atividades como jogar vôlei, pedalar, caminhar rápido, hidroginástica, jardinagem, dançar, etc. Os resultados da presente pesquisa apontaram que os estudantes surdos obtiveram média superior em tempo gasto nas atividades moderadas quando comparados aos ouvintes. Considerando que o desenvolvimento motor de pessoas surdas costuma seguir padrões de normalidade e que a surdez afeta apenas o aparelho auditivo, não há nenhuma restrição à prática destas atividades16,21.

No entanto, muitas vezes os pais ouvintes de crianças e adolescentes surdos encaram a deficiência do filho como um grande obstáculo, concorrendo para a restrição e privação de seu filho de atividades sociais, culturais, e até mesmo impossibilitando a socialização com outras pessoas surdas. O primeiro passo para o pleno desenvolvimento de pessoa com DA e sua inclusão é a aceitação por parte da família, a qual deve reconhecer que pessoas surdas podem interagir no mundo dos ouvintes.

O contato social faz-se necessário e a prática de atividades físicas deve ser encorajada para viabilizar o pleno desenvolvimento físico e mental. Famílias ouvintes devem ser auxiliadas a compreenderem a diferença e ressignificar sua forma de encarar o filho que tenha a DA. Em geral, os pais e responsáveis pela criança com DA têm dificuldade de identificarem-se com ela, havendo dificuldade em aprender a língua de sinais e em ter contato com uma nova cultura17,21.

A percepção de ser aceito e incluído no seio familiar é essencial ao bom desenvolvimento psicológico da pessoa com DA. Em alguns casos, a família é o primeiro grupo no qual o surdo enfrenta aspectos negativos da convivência com ouvintes. Muitas vezes, a família encara a surdez como algo fora do padrão de normalidade difundido pela sociedade e alguns pais chegam a apresentar problemas comportamentais, além de sentimentos de culpa, frustração, depressão, ansiedade, medo e ressentimento.

O nascimento de uma criança com DA pode ser algo apavorante e até mesmo trágico para muitos pais. A dificuldade de comunicação constitui o principal empecilho no relacionamento do filho surdo com os demais membros da família, podendo resultar em problemas emocionais, distanciamento e dificuldades no estabelecimento de vínculos afetivos22.

Em outro item avaliado pelo IPAQ12, os voluntários surdos apresentaram média significativamente menor que os ouvintes quando comparados o número de dias que praticavam atividades vigorosas. Este tipo de atividade exige que o indivíduo realize uma respiração mais intensa que o normal e engloba atividades como correr, fazer ginástica aeróbica, jogar futebol, pedalar rápido na bicicleta, jogar basquete.

O fato dos voluntários surdos participarem menos destas atividades vigorosas possivelmente não se dá em razão da deficiência em si, mas provavelmente por inadequação no comportamento de seus familiares, os quais pelo excesso de zelo e preocupação adotam uma prática educativa baseada na superproteção. O desenvolvimento dos indivíduos com deficiência é particularmente influenciado pelas suas relações familiares, sobretudo pelo modo como os pais lidam com a deficiência22,23. Uma questão a ser considerada em novos estudos com pessoas surdas é que se incluam dados de sua relação com a família que possam elucidar o papel familiar nestes aspectos. O presente estudo não teve esta abordagem, porém, mediante os resultados obtidos, reconhece como útil para uma investigação mais precisa.

Quanto à classificação dos níveis de atividade física dos voluntários da pesquisa, foi identificado que a maior parte dos voluntários foram classificados no nível muito ativo e nenhum indivíduo da pesquisa foi considerado como sedentário pelo IPAQ12. A classificação muito ativa indica que o indivíduo realiza atividade vigorosa por cinco ou mais dias na semana, durante 30 minutos no mínimo ou que realiza atividade vigorosa durante 20 minutos ou mais, por no mínimo três dias na semana, e também atividade moderada e/ou caminhada por cinco ou mais dias na semana, com duração mínima de 30 minutos cada sessão24.

Por outro lado, o sedentarismo é a falta ou a grande diminuição da atividade física, sendo sedentário o indivíduo que gasta poucas calorias por semana com atividades ocupacionais. Muitas pessoas com deficiência acabam se tornando sedentárias por se sentirem incapazes e pelo fato de alguns possuírem uma menor chance de ter um estilo de vida ativo25. O apoio e a confiança dos pais, da família e de professores são fatores altamente positivos e indispensáveis que promovem e resultam em dados satisfatórios para a prática de atividade física, prevenindo novas doenças, controlando a obesidade, permitindo acessibilidade e integração entre diversas pessoas4,10,14,22,26.

O grupo de surdos estudado apresentou maior escore quanto às classificações do NAF quando comparados aos ouvintes, porém sem haver diferença estatística entre os grupos. Possivelmente, tal resultado reflete o êxito das lutas e da política de inclusão da pessoa com deficiência, corroborando para que efetivamente o surdo exerça sua cidadania por estar de fato inserido na sociedade25,27.

Particularmente no Brasil, a Lei 10.436, que dispõe sobre a Língua Brasileira da Sinais, tem viabilizado maior inclusão do surdo28. Cada vez mais escolas e professores estão sendo capacitados para receberem alunos surdos. Além disso, a presença do intérprete de LIBRAS é hoje uma realidade em muitas instituições, contribuindo para a redução das barreiras de comunicação e permitindo acesso a atividades e oportunidades que antes não eram possibilitadas aos surdos3,16,22.

O estudo de Interdonato & Greguol29 também avaliou o NAF de pessoas com DA, mas neste caso os voluntários igualmente apresentavam deficiência visual. O resultado obtido indicou que 60% da amostra foi classificada como irregularmente ativa, ou seja, o somatório das deficiências desencadeou maior prejuízo ao NAF.

Neste sentido, investir em estratégias que viabilizem a participação ativa da pessoa com deficiência em esportes e atividades físicas é essencial para garantir qualidade de vida. O ambiente escolar é um espaço propício para que estas estratégias tenham início, tendo o professor de Educação Física um papel relevante no estímulo ao estilo de vida ativa do escolar. Este profissional poderá adaptar as atividades às capacidades e necessidades do aluno, respeitando seus limites e ampliando progressivamente a possibilidade de avanços na prática de atividade física e na sua socialização16,21,30.

Dentre as limitações encontradas, ressalta-se que o IPAQ12 consiste em um questionário, cujas perguntas são respondidas pelo voluntário, sem que efetivamente o avaliador possa comprovar objetivamente a veracidade das respostas. Neste contexto, o uso de métodos diretos como sensores de movimento e monitorização da frequência cardíaca permitiria dados mais fidedignos quanto à prática de atividade física ao longo da semana. No entanto, considerando a comunidade na qual a pesquisa foi feita e a realidade de estrutura de pesquisa local, o IPAQ mostra-se como recurso prático, acessível e confiável12,31.

 

CONCLUSÃO

A presente pesquisa identificou que a maior parte da amostra foi considerada muito ativa, ou seja, a melhor classificação no âmbito do IPAQ. Igualmente, verificou que não houve casos de sedentarismo nos grupos estudados. Quanto à comparação do NAF nos escolares surdos e ouvintes avaliados, o presente estudo não encontrou diferença, ainda que tenha ocorrido tendência para mais tempo gasto em atividades moderadas e mais dias dedicados a atividades vigorosas pelo grupo de escolares surdos. Na amostra investigada, a DA não comprometeu o NAF.

Sugere-se a realização de novos estudos incluindo questões como acessibilidade na escola, quantitativo de profissionais capacitados para trabalhar com pessoas surdas, aspectos familiares e sociodemográficos do grupo, pois estas questões podem favorecer ou não à prática de atividade física por indivíduos com surdez ou outros tipos de deficiências.

 

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Endereço para correspondência:
Dionis de Castro Dutra Machado
Av. Raul Lopes, 1971 - Ininga
Teresina, PI, Brasil - CEP 64049-560
E-mail: dionis@ufpi.edu.br

Artigo recebido: 22/6/2020
Aprovado: 30/1/2021

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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