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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.116 São Paulo May/Aug. 2021

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20210016 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

A brincadeira intencional na educação da criança com TEA

 

Intentional play in the education of children with ASD

 

 

Mírian Carolina Valente FerreiraI; Carolina Macedo NardiniII; Beatriz Barros Guimarães AraújoIII; Lúcia Pereira LeiteIV

IMestre - Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, Brasil
IIEspecialização em Ciências da Saúde - Área de Concentração Psicologia Hospitalar Pediátrica - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, Brasil
IIIPsicóloga - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, Brasil
IVProfessora do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O brincar é de importância vital para o desenvolvimento da criança. Estudos e documentos oficiais apontam seu lugar de destaque na Educação Infantil. Entretanto, a visão hegemônica sobre crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) atesta que a capacidade para brincar está bastante comprometida. Este artigo objetiva refletir a importância do brincar como uma estratégia educacional para a criança com TEA na Educação Infantil a partir dos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural. Para o alcance desse objetivo, foi realizada uma varredura bibliográfica atrelada ao relato de experiência de uma proposta de intervenção na área da Psicologia da Educação com uma criança de 4 anos diagnosticada com TEA. Na intervenção realizada foi possível notar a importância do adulto como mediador no processo educacional com vistas ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores, na proposição de atividades lúdicas intencionais, com o foco na linguagem, na atenção e nas interações sociais.

Unitermos: Transtorno do Espectro Autista. Educação Infantil. Brincar.


SUMMARY

Playing has a vital importance in the child development. Researchers and official documents point their prominent place in Early Childhood Education. However, the hegemonic view on children with Autism Spectrum Disorder (ASD) certifies that the ability to playing is absent or quite hindered in these individuals. This article aims to reflect on the importance of playing play as an educational strategy to the child with ASD in Early Childhood Education from the assumptions of Cultural-Historical Theory. In order to reach this goal, a literature review was carried out, linked to the experience report of an intervention proposal in the area of Educational Psychology with a four year old child diagnosed with ASD. In the intervention it was possible to note the importance of the adult as mediator in the educational process with a view to the development of higher psychological functions, in the proposition of intentional playful activities, with a focus on language, attention and social interactions.

Keywords: Autism Spectrum Disorder. Early Childhood Education. Playfulness.


 

 

INTRODUÇÃO

Pretende-se aqui abordar sobre o brincar e a atividade da brincadeira como uma estratégia educacional dirigida a um público específico, a saber, com crianças que apresentam diagnóstico de autismo. É oportuno dizer que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi incorporado ao rol das deficiências na realidade brasileira pela Lei 12.764 de 20121, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista conceituando-o, no inciso I do Art. 1, como:

...deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento1.

Na intenção de fundamentar a leitura e análise proposta, recorre-se à Psicologia Histórico-Cultural, pois, ao entender que tudo que há de humano no homem tem sua origem no social, sustenta essa premissa para o ato de brincar, recheado de elementos que envolvem a imaginação, o pensamento abstrato, a linguagem, entre outros aspectos. Compreende a participação do adulto nas situações interacionais como responsável por fazer a intermediação entre a criança e o mundo, entendendo a brincadeira como propulsora do desenvolvimento humano.

Ao brincar, a criança liberta-se das prisões do tempo e espaço pela via da imaginação, indo além dos comportamentos esperados para sua idade, dando um passo na direção de um desenvolvimento qualitativamente diferente, mais complexo. Ela apreende regras, desempenha papéis sociais que de outra forma lhe seriam impossíveis, desenvolve a atenção voluntária, a memória, a criatividade e, até mesmo, a alteridade. O conceito de alteridade é apresentado por Zanella2 (p. 112) como "a existência de um eu só é possível via relações sociais e, ainda que singular, é sempre e necessariamente marcado pelo encontro permanente com os muitos outros que caracterizam a cultura". Assim, tanto o brincar convencional quanto o brincar com uma estratégia intencional se configuram como um aporte no processo do desenvolvimento infantil.

Em complementar, Martins3 traz uma descrição bastante detalhada de como se dá o brincar de uma criança com TEA de acordo com o entender dos estudos hegemônicos na área: brincadeiras imaginativas ausentes ou severamente prejudicadas; carência de espontaneidade, criatividade e iniciativa; dificuldades em brincar com pares; uso inadequado de brinquedos ou objetos em geral; brincadeira peculiar e bizarra. Ou seja, há um brincar, porém este se diferencia do brincar convencional de uma criança com desenvolvimento típico.

Na mesma direção, Chiote4 relata que o brincar de uma criança com TEA é frequentemente entendido como inadequado, estranho, uma vez que é comparado ao brincar da criança comum; o que faz com que os adultos não sejam responsivos a ela em situações lúdicas. Sendo que Chiote4, Martins3, Silva & Silva5, Bagarollo et al.6 são categóricos ao dizer que tal postura é prejudicial às crianças com TEA, pois as pessoas de seu entorno, como pais, parentes próximos e professores, guiadas por um diagnóstico muitas vezes taxativo e desestimuladas pela pouca receptividade demonstrada por essas crianças, deixam de investir em situações interacionais - como no caso das brincadeiras.

A brincadeira frequentemente tem sido preterida enquanto atividade auxiliar para o desenvolvimento para crianças sem deficiência. Lordelo & Carvalho7, Cordazzo & Vieira8, Navarro & Prodócimo9 e Corneto10 destacam que a brincadeira tem sido colocada em segundo plano na Educação Infantil e, principalmente, nos anos subsequentes.

As explicações para isso são muitas: a brincadeira não é vista como caminho para a aprendizagem, faltam recursos materiais adequados na escola, a formação insuficiente do professor, a necessidade de antecipar conteúdos curriculares dos primeiros anos do Ensino Fundamental, o uso de brincadeiras apenas com fim recreativo (passatempo), a preocupação eminente na estimulação cognitiva de crianças pequenas, a escassez de tempo, dentre tantas outras considerações que desqualificam a atividade do brincar para o desenvolvimento infantil.

Então, o que se pode dizer ou esperar do seu uso junto às crianças com Transtorno do Espectro Autista? Martins & Góes11 (p. 31), em estudo que retrata a promoção de brincadeiras com crianças com TEA, sinalizam a importância de que nessas situações os mediadores falem com e pelas crianças, devido à ausência da fala, demonstrando que "as relações sujeito-sujeito e sujeito-objeto se ampliaram em muitos momentos das sessões em resultado da atuação de um adulto que se orienta para a construção de sentidos e ensina a brincar".

Dessa forma, considera-se importante neste trabalho analisar intervenções realizadas em crianças com TEA em contextos educacionais ou não, em que sejam dadas ênfase aos processos lúdicos dirigidos, como forma de sinalizar aspectos que podem ser relevantes no auxílio de professores e demais profissionais no trato de crianças dentro do espectro autista.

Em termos de proposições de intervenções, com a finalidade de analisar os impactos da brincadeira sobre o comportamento e o desenvolvimento de crianças com TEA, os estudos de Bagarollo et al.6, Chiote4, Martins & Góes11 e Silva & Silva5 trazem contribuições de interesse para o debate, pois, ao longo de suas intervenções, ficou evidente a importância da mediação realizada pelo interventor tanto entre a criança e os brinquedos quanto entre a criança e as demais crianças presentes.

Nesse sentido, e retomando-se a ideia de que a ação de brincar é socialmente aprendida e construída, os estudos revelaram a importância do mediador - no caso deste artigo, das estagiárias de Psicologia - oferecer oportunidades para o início e manutenção da ação de brincar como uma estratégia intencional no campo da educação, não apenas observando-as de um lugar à parte, mas interagindo com elas, significando suas ações - às vezes compreendidas por muitos como bizarras e sem sentido - dentro de contextos da vida humana, encorajando crianças com desenvolvimento típico a se relacionarem com as crianças com TEA, falando com elas e por elas quando necessário.

Martins & Góes11 chegam mesmo a listar alguns tipos de mediação que podem se mostrar eficazes com crianças com TEA: o encorajamento do início ou da manutenção de contato com outros; a construção de sentidos sobre brincadeiras e uso de brinquedos; a referência a estados subjetivos atribuídos à criança. Na intervenção realizada pelas autoras com três crianças com TEA, os mais significantes comportamentos de brincar estiveram relacionados à exibição de mediação por parte da interventora, propondo sentido à atividade que lhe era guiada.

Outro aspecto que chama atenção é a importância de se estruturar um ambiente que favoreça a brincadeira de crianças com Transtorno do Espectro Autista, uma vez que essas crianças apresentam dificuldades de desenvolver o pensamento abstrato, ficando muitas vezes apegadas ao plano concreto. Silva & Silva5 sugerem que cenários e figurinos sejam utilizados para auxiliar essas crianças a se desprender do concreto e ingressar no universo da imaginação.

 

RELATO DO ESTUDO DE CASO

O caso é um recorte de atividades desenvolvidas no estágio curricular "Processos de intervenção: Psicologia e Inclusão Educacional", que faz parte da grade do curso de psicologia de uma universidade pública do estado de São Paulo. As atividades retratadas foram realizadas no Centro de Apoio à Inclusão Escolar (CAIE) de uma organização não governamental, da sociedade civil, de um município paulista, que presta atendimentos às pessoas com deficiência, sendo primeiramente realizadas observações de atendimentos de profissionais da área de Psicologia e Educação e, posteriormente, intervenções programadas. O acompanhamento das atividades, desde seu planejamento até a sua materialização, foi feito em momento de supervisão do estágio citado, no Centro de Psicologia Aplicada, que funciona como uma clínica-escola da universidade.

O caso a ser descrito refere-se a criança de 4 anos, diagnosticada com Transtorno do Espectro do Autista (TEA), designada no texto em tela como C4, que frequentava atendimentos semanais na instituição com pedagogas e psicólogas e está inserida em um grupo com outras duas crianças com diferentes demandas educacionais. Além disso, estava matriculada regularmente em escola municipal de Educação Infantil. É válido ponderar algumas características da criança em questão: não verbal, fazia poucas vocalizações - na maior parte das vezes com o som "mãmãmã", interpretado no decorrer dos encontros como um chamado pela mãe quando está descontente. Apresentava estereotipias comuns ao transtorno como flapping (movimento de balançar as mãos), agitação motora, olhares para o alto e fechar os olhos rapidamente.

Durante as observações, C4 foi colaborativa e seguia regras, atendendo principalmente a comandos visuais e a quase nenhum comando verbal. Houve situações que a irritaram, como diante a presença de alguns sons, cheiros, ou ainda ausência de algum brinquedo, mas na maioria das vezes se distraía facilmente. Em momentos que estava mais dinâmica, ela andava pela sala, apresentando a estereotipia relatada e escolhia brinquedos de modo autônomo, como livros, bonecas e panelinhas.

Em momentos de brincadeira livre, a criança manuseava os objetos sozinha, sem solicitar interações com as profissionais ou outras crianças. Na maior parte das brincadeiras não parecia imitar a função social dos objetos, exceto com o manuseio repetitivo de panelinhas e talheres, por exemplo, reproduzindo comportamentos sociais referentes ao cozinhar. Mesmo utilizando do faz-de-conta, esse brincar solitário da criança com TEA se distancia do brincar convencional, que, por sua vez, é recheado sons da própria criança ou das interações com os pares presentes na situação da brincadeira.

Após as observações, foi traçado um planejamento com quatro sessões de intervenção pautadas na Psicologia Histórico-Cultural, que teve como objetivo principal auxiliar no desenvolvimento de funções psíquicas superiores, em particular a linguagem verbal, a atenção dirigida e a promoção de interações sociais da criança com as demais e com as estagiárias.

Os encontros semanais tiveram como tema norteador as frutas. As atividades propostas tinham como objetivos específicos promover situações, por meio da brincadeira intencional com elementos reais e figurativos, em que C4 pudesse manusear, reconhecer a similitude entre as frutas e as suas respectivas cores, que explorasse os cheiros e os sabores, nas quais tivesse que responder a comandos verbais, visuais e motores, envolvendo as frutas em situações do faz-de-conta de comê-las, armazená-las, etc. Dito de outro modo, que pudesse, no mundo imaginativo, trazer as frutas para situações lúdicas.

Recorda-se que é usual que crianças com TEA apresentem seletividade alimentar, interesse restrito em alimentos, recusa na aceitação de novos alimentos, sendo que tais comportamentos podem estar relacionados inclusive a hipersensibilidade sensorial, em virtude de texturas diferenciadas, gerando recusa à experiência tátil, por exemplo12. Desse modo, o brincar associado às frutas foi planejado intencionalmente, visando a aproximação com situações educativas que envolvessem aspectos relacionados às situações alimentares.

Durante a execução dos encontros, os objetos eram nomeados e as ações da criança eram verbalizadas pelas estagiárias, como na brincadeira "As frutas e suas cores": "Agora você está segurando o morango (confeccionado com EVA) que tem a cor vermelha"; "qual a cor da banana?". Desse modo, procurou-se atribuir um sentido às ações realizadas, assim como relacionar os objetos às suas características.

C4 gostava da cor vermelha, quando lhe foi nomeada a fruta morango, ela brincou que estava comendo os mesmos, mostrando que compreendia a representação daquele alimento. O que diz de algo do brincar, que integra a imitação e a reprodução de uma ação que os sujeitos realizam. Também foi solicitado que desenhasse e pintasse de modo livre as frutas. Foram dados guaches com as cores das frutas selecionadas (banana, morango e uva), e a criança fez, apesar do desenho pouco se assemelhar à estética da fruta, mas com cores correspondentes.

Uma outra brincadeira guiada foi a "Caça às frutas", em que C4 e as outras três crianças que a acompanham nos atendimentos deveriam colocar as frutas, que estavam distribuídas pela sala, em suas respectivas cestas. A fruta uva na cesta roxa, a banana na cesta amarela e assim por diante. C4 realizou a atividade, mostrando compreendê-la, isto é, associou a fruta a cor, ao objeto e a nome correspondente, dito de modo oral pelas estagiárias. Porém, em nenhum momento por si só interagiu com as demais, que as demais fizeram entre si - trocando frutas, correndo juntas ou conversando.

Mesmo a atividade sendo em grupo, em que deveria haver troca de frutas e cestas entre os participantes, C4 não solicitava ajuda, não trocava objetos - pegava os de seu interesse -demonstrando agir como se não houvesse as demais, situações impelidas pelas estagiárias, que no transcurso do atendimento incentivavam-na em situações interativas com as demais. Cita-se outra atividade proposta, "Amarelinha das frutas", que consistia em colocar determinada imagem de uma fruta com outra correspondente dentre outras dispostas na 'amarelinha' e saltar sobre os quadrados, excetuando a fruta selecionada. C4 precisou de total auxílio das estagiárias para a realizar o proposto, fazendo a atividade de mãos dadas, pois a criança pulava de forma aleatória sem atentar às orientações dadas.

A complexidade das atividades de identificação e classificação das frutas aumentava ao longo dos encontros e C4 não demonstrou resistência em realizá-las, mas alcançou parcialmente os objetivos das atividades, porém mostrando, muitas vezes, compreender a função da atividade em si, que pôde ser classificada como um brincar educativo.

C4 se encontrava na primeira infância, período caracterizado pela atividade-dominante objetal manipulatória, na qual se dá início à utilização dos objetos como instrumentos, mostrando compreender que aquele objeto possui um significado - ou seja, que este tem uma função social13. Considerou-se que compreendia as funções específicas dos objetos, pois reproduziu ações e operações, imitando comportamentos e/ou seguindo a instrução dos adultos.

Pode-se dizer que ela repetiu ações com o uso de objetos a partir do que lhe foi ensinado e/ou do que ela observou no fazer dos adultos, reproduzindo o que aprendeu, podendo utilizar os objetos, tanto em situações imitativas, do faz-de-conta, para outras fases do brincar e até para vivências reais.

Um fator que dificulta analisar se a criança se encontra em uma possível fase de transição para a idade pré-escolar, na qual a atividade-dominante é o jogo de papéis, é a ausência de linguagem verbal, uma vez que esta serve como aporte e facilitadora para acessar os pensamentos da criança e as suas intencionalidades de ação. Por meio da situação lúdica e da linguagem verbal, a criança demonstra indícios a respeito da organização dos pensamentos, ou seja, se estes já estão em um âmbito mais abstrato ou se ainda são predominantemente concretos.

É oportuno mencionar que a falta da oralização ou de outros comportamentos comunicacionais e interativos acaba por se constituir num dificultador na promoção de situações compartilhadas entre crianças pelo educador, uma vez que a criança com autismo parece viver num mundo a parte das demais.

Ao estar matriculada em uma escola regular, é proporcionado um ambiente rico em estimulação, uma vez que há a possibilidade do convívio com pares não coetâneos que apresentam habilidades e características diferentes e acabam por possibilitar a vivência de trocas interativas, que seriam certamente restritas se estivesse num espaço exclusivo a crianças com TEA.

A partir do estudo de caso apresentado, torna-se real a necessidade de se superar a visão hegemônica da criança com TEA como alguém naturalmente limitada, constatação enviesada pautada num modelo exclusivamente biológico, que se traduz muitas vezes como características imutáveis e bastante restritivas em termos de desenvolvimento.

Buscou-se ressaltar a atuação da Psicologia no âmbito educacional com crianças com TEA, pela adoção de pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural que valorizem as possibilidades, entendendo o desenvolvimento humano como produto social, ousando assim concentrar esforços na busca de atividades que impulsionem às funções psíquicas superiores.

De modo semelhante, entende-se relevante o papel das ações intencionais durante o processo educativo para o desenvolvimento humano, justamente por seu caráter intrínseco, uma vez que as mediações dirigidas à criança se caracterizam por objetivos claros. Aquele que está na posição de educador, quer seja o psicólogo ou o professor, tem nas mãos a oportunidade de organizar o espaço, o tempo e suas ações de forma a desenvolver, intencionalmente e, por meio do planejamento, aquilo a que se objetiva, e com as situações do brincar intencional não é diferente. É preciso entendê-lo como uma atividade essencial na formação da criança, distanciando-se de compreendê-las como algo meramente recreativo.

No caso de crianças com TEA, percebeu-se que C4 procurou se engajar no brincar à sua maneira, fugindo do que se compreende como convencional. Para se pensar a brincadeira da criança com TEA, deve-se considerar que suas respostas serão diferentes das crianças com desenvolvimento típico, ou seja, com pouca ou ausência de interações sociais, situações comunicativas, demonstração de interesse e/ou afeto, por exemplo.

As intervenções e brincadeiras dirigidas mencionadas neste trabalho deram-se dentro de situações de estágio curricular, portanto, limitadas por questões temporais e espaciais. O que se quer dizer é que é preciso a realização de outros estudos mais aprofundados para investigar avanços no desenvolvimento de crianças com TEA na promoção de situações do brincar intencional. Porém, foram constatadas efetivas participações e situações de envolvimento da criança no caso apresentado. Nesse sentido, compreende-se os benefícios significativos para essas crianças se situações lúdicas fossem continuamente estimuladas em variados contextos e ambientes desde tenra idade.

Por fim, é significativo dizer que não se trata de ignorar ou minimizar a sintomatologia apresentada por crianças com TEA, ao contrário, tem-se clareza das suas dificuldades, mas espera-se que a partir de situações intencionais e planejadas de ensino seja possível auxiliá-la no desenvolvimento da imaginação, do abstrato, da memória mediada, da atenção voluntária, das linguagens oral e gestual, da afetividade e de outras funções psíquicas fundantes da constituição humana, presentes nas brincadeiras dirigidas a crianças do pré-escolar. Desse modo, acredita-se que a atuação da Psicologia voltada para a esfera educacional tem muito a contribuir nesse processo.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01
Bauru, SP, Brasil - CEP 17033-360
E-mail: lucia.leite@unesp.br

Artigo recebido: 7/12/2020
Aprovado: 18/5/2021

 

 

Trabalho realizado no Centro de Apoio à Inclusão Escolar (CAIE) e Centro de Psicologia Aplicada (CPA) - Faculdade de Ciências - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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