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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.117 São Paulo Sept./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20210030 

ARTIGO ORIGINAL

 

Exergames como conteúdo estratégico na educação física escolar

 

Exergames as strategic content in school physical education

 

 

Siomara Aparecida da SilvaI; Eden Schmidt de MatosII; Marcella de Castro Campos VeltenIII

IEscola de Educação Física (EEFUFOP); Coordenadora do Laboratório de Metodologia do Ensino dos Esportes (LAMEES), Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil
IIGraduando em Educação Física - Escola de Educação Física (EEFUFOP), Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil
IIIGraduação em Educação Física - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Doutorado em Ciências do Esporte - Universidade de Bielefeld, Alemanha; Professora no Instituto Federal do Espírito Santo e pós-doutoranda em Ciências do Esporte - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional - UFMG, Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do trabalho foi analisar a influência da utilização dos exergames como parte integrante no conteúdo da Educação Física Escolar na coordenação motora dos estudantes. Três grupos experimentais (GE) participaram das 18 intervenções com exergames, jogos em quadra, ou aulas alternadas, respectivamente, enquanto o grupo controle (GC) seguiu com as aulas regulares de Educação Física. Testes de coordenação motora foram aplicados antes e após as intervenções. Os dados foram analisados através de medidas de tendências centrais, com comparações entre grupos (Kruskal-Wallis) e, para cada grupo, comparações entre momentos (Wilcoxon para amostras pareadas) e cálculo do tamanho do efeito. Não houve diferença significativa entre GC e GE, mas houve grande efeito para todos os grupos experimentais, principalmente no de exergames, em quase todas as habilidades. O uso dos exergames no contexto escolar pode promover uma ampliação do repertório motor da criança e o aperfeiçoamento de algumas habilidades de maneira lúdica, o que geralmente não ocorre em aulas de educação física sem organização do conteúdo.

Unitermos: Jogos Virtuais. Atividade Motora. Conteúdo de Ensino. Esportes. Novas Tecnologias.


SUMMARY

The aim of this study was to analyze the influence of the use of exergames as part of scholar physical education on the student's motor coordination. Three experimental groups (GE) took part in 18 intervention classes either with exergames only, general games in the court only, or alternating exergames and games in the court, while the control group (GC) kept attending the regular physical education classes. Motor coordination tests were conducted before and after the period of the interventions. Data were analyzed by means of central trend measures, with comparisons between groups (Kruskal-Wallis) and, for each group, between moments (pair-wise Wilcoxon) and effect size. No difference was found between GC and GE, but the intervention led to large effects in the three experimental groups, mainly in the exergames group, in which the effect was large in almost all skills assessed. The use of exergames in a school context can promote an expansion of the child's motor repertoire and the improvement of some skills in a playful way, what usually does not occur in physical education classes without content organization.

Keywords: Virtual Games. Motor Activity. Teaching Content. Sports. New Technologies.


 

 

INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade em que a tecnologia vem avançando constantemente, ocasionando alterações nas estruturas econômicas de cada país em decorrência das pesquisas, modernização e urbanização. O mundo digital se faz presente na vida das pessoas, possibilitando que gerações se conectem sem nenhuma fronteira. Isso possibilita que nos jogos virtuais a comunicação seja em tempo real entre pessoas de diferentes locais.

Esses jogos vêm se tornando habituais na população infantil, pois as tecnologias são atrativas e liberam os pais. Porém, quando usadas exacerbadamente, podem carregar junto o sedentarismo e obesidade, além da baixa sociabilização tão importante desenvolvida através das brincadeiras1-3. Além disso, a cultura digital necessita de aproximação para uma inserção nos conteúdos da educação física escolar, para que seja retroalimentada com as novas experiências vivenciadas em casa.

Desde os anos 1960, os videogames vêm se solidificando como um fenômeno cultural global. A "cultura dos videogames" vem sendo incorporada a outras mídias das indústrias do entretenimento, alterando a linguagem do cinema, dos livros, bem como modificando diretamente, através da perspectiva da "gamificação", as dinâmicas e expectativas em relação ao trabalho, ao ensino, entre outros4-6. E, em tempo de isolamento social, os jogos tecnológicos podem ser uma das mais adequadas alternativas de uso do tempo, e principalmente como estratégias para contribuir com o distanciamento social e a atividade motora durante a pandemia7. Mas são muitos os desafios para sua utilização para o contínuo desenvolvimento das capacidades e habilidades motoras fora da escola.

Com uma linguagem própria que alinha narrativas ao audiovisual, sistemas de regras lúdicas e possibilidades diversas de interatividade, o videogame permite que jogadores explorem e interajam em ambientes digitais que contêm representações e interpretações sobre o mundo social e o passado humano. Combinados ao avanço tecnológico, surgiram os exergames, que são equipamentos com interação virtual que utilizam os movimentos do corpo humano, diferentemente dos videogames tradicionais, que não promovem movimentação significativa do corpo. Isto ocorre mesmo que estes possam se distanciar dos ângulos de execução exigidos nos jogos reais.

Os exergames são a mistura de jogos eletrônicos com atividade física, podendo ser utilizados como trabalho terapêutico e treinamento individualizado em espaços especializados. Isso permite que a fascinação pelo mundo virtual possa ser tão proveitosa quanto a prática de exercício físico. Além disso, promovem um lugar para vivências lúdicas, trabalhando com as habilidades cognitivas, atenção visual, memória e resolução de problemas, tornando-se um ambiente prazeroso e motivador no processo de ensino-aprendizagem8-10.

Apesar disso, essa ferramenta tem sido desvalorizada na educação física escolar e no processo de ensino no ambiente educacional brasileiro em geral, já que os avanços tecnológicos dentro das escolas não ocorrem de maneira tão rápida como nos demais segmentos da sociedade2.

A educação física está relacionada com o desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo do indivíduo, com foco no aperfeiçoamento das habilidades motoras com atividades pedagógicas direcionadas para cada faixa etária, respeitando os níveis de desenvolvimento e as individualidades das crianças1,11,12. Dessa forma, as aulas de educação física devem ser ministradas com o planejamento sistematizado e o processo didático de ensino-aprendizagem9,13 em busca das inter-relações das dimensões do desenvolvimento integral do sujeito diversificando a metodologia14.

O uso dos jogos virtuais no contexto escolar pode promover uma ampliação do repertório motor da criança e o aperfeiçoamento de algumas habilidades de maneira lúdica, o que aulas de educação física sem organização do conteúdo não conseguem realizar. Isto, além de mudar a visão do aluno levando seu olhar para fora de quadra, possibilitando conhecer e experimentar esportes que seriam difíceis de serem trabalhados na escola como o boxe, tênis, atletismo e atividades esportivas de outras culturas como beisebol e futebol americano8,12,13.

Nesse sentido, os exergames podem ser utilizados como uma ferramenta pedagógica, podendo fazer parte dos conteúdos do planejamento do professor, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem. Também podem ampliar as expectativas dos alunos, a motivação, promover interação social, satisfação, aprendizado, sendo benéficos à saúde e às novas experiências nas aulas de educação física1,9.

Para tal, testar formas de introduzir os exergames na cultura escolar contribui para a organização deste no planejamento dos conteúdos. Assim, este estudo objetiva analisar a influência da utilização dos exergames no conteúdo da educação física escolar.

 

MÉTODO

Pesquisamos parâmetros quantitativos, comparação de momentos, sujeitos e contextos de aprendizagem15 em uma escola da rede pública na cidade de Ouro Preto (MG). Participaram 63 escolares de faixa etária entre 9 e 11 anos, de três turmas do Ensino Fundamental I (quarto ano).

As turmas foram divididas aleatoriamente em Grupo Controle (GC) e Grupo Experimental (GE). O GC participou das aulas de educação física ministradas pelo professor da escola e o GE foi dividido em três subgrupos: Grupo Experimental Puro (GEP), que jogava somente exergames; Grupo Experimental Misto (GEM), que participou de aulas alternadas entre exergames e jogos reais em quadra; e o Grupo Experimental Controle (GEC), que teve aulas de jogos reais (esportivos coletivos) com os pesquisadores.

A variável controlada foi a coordenação motora avaliada através do Teste de Coordenação com Bola (TECOBOL) na versão curta baseada em Silva16 e a bateria de testes KTK (Körperkoordinationstest für Kinder)17. O TECOBOL avalia as habilidades comuns [Drible (Dr), Condução (Co), Chute (Ch) e Lançamento (La)] dos Jogos Esportivos Coletivos (JEC) sobre as condições de dificuldades inerentes às situações de jogo (tempo, precisão, variabilidade, complexidade, organização). O tempo de execução é medido e, assim, quanto menores os valores encontrados, melhor é o desempenho no teste.

O KTK, construído por Khipard & Schilling17 e referenciado em português por Gorla & Araújo18, é composto por quatro testes: Trave de Equilíbrio (TE), Saltos Monopedais (SM), Saltos Laterais (SL) e Transferência de Plataforma (TP). Os testes de KTK e TECOBOL foram aplicados antes e após as intervenções.

Entre os dois momentos de avaliação da coordenação, foram ministradas 18 aulas sistematizadas para o desenvolvimento da capacidade de jogo e os Exergames. Para estas, foram utilizados dois televisores e dois consoles Kinect Xbox simultaneamente, um em cada extremidade da sala. Os jogos utilizados foram os do Kinect Adventures e os do Just Dance 2014. Após cada aula, os pesquisadores avaliavam a mesma para assim planejarem a próxima aula conforme a compreensão e desenvolvimento dos alunos. Este ciclo metodológico (planejar, aplicar, avaliar para novo planejamento) foi aplicado até o final das intervenções.

Todas as aulas da fase de intervenção foram registradas em Diário de Campo, e as aulas dos exergames foram filmadas por duas câmeras filmadoras da marca Panasonic VDR-50 e Sony HDR-XR 50 (Figura 1).

 

 

Os conteúdos aplicados durante as 18 aulas para o GEC e GEM estão representados na Figura 2, sendo similares aos do estudo de Silva et al.19. Os conteúdos foram distribuídos da seguinte maneira: atividades voltadas ao desenvolvimento das Capacidades Coordenativas (CC), Capacidades Táticas Básicas (CTB), dos Jogos do Desenvolvimento da Inteligência e da Criatividade Tática (JDICT) e Habilidades Técnicas (HT).

 

 

A Figura 3 representa as habilidades trabalhadas nas 18 aulas de exergames nos GEP e GEM. Foi observado que os exergames exigiram em maior volume as habilidades fundamentais de andar, alcançar, agarrar, largar e habilidades especializadas dos movimentos axiais.

 

 

A categorização das aulas foi feita através do quantitativo de atividades e seus objetivos em uma busca de organizar os conteúdos das aulas. Para a análise dos dados dos testes TECOBOL e KTK, foi utilizado o pacote estatístico SPSS for Windows 20. Esses dados foram analisados através de medidas de tendências centrais e, para a comparação entre todos os grupos no pré e pós-intervenção, foi utilizado Kruskal-Wallis.

Em análises preliminares não foram encontradas diferenças significativas entre grupos, e por isso não houve a utilização do post hoc. Logo, foi utilizado na comparação do pré com pós-intervenção o teste estatístico Wilcoxon para amostras pareadas. Também foi realizado o Teste t para cada momento pré e pós-intervenção no grupo controle e no grupo experimental unificado.

Como o papel do p é fornecer a probabilidade de se obter uma estatística significativa, mas ele não informa sobre a importância clínica ou prática dos resultados20, procedemos ao cálculo do tamanho do efeito (TDE) para cada grupo, baseados em Field21 para conhecer o tamanho das diferenças entre os momentos pré e pós-intervenção. Essa é uma forma de medir a magnitude dos resultados, tendo como propósito fornecer uma medida objetiva buscando compreender o que na prática das aulas gastaríamos muito mais tempo.

Para o calcular o efeito, foi utilizado a fórmula para U (não paramétrico): r= Z (teste)/Raiz quadrada da amostra (r=z da amostra), tendo com valores de referência para os valores de efeito até 0,10 efeito pequeno, 0,30 efeito médio e 0,50 efeito grande.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do pesquisador principal (CAAE:0049.0.238.000-11).

 

RESULTADOS

Na comparação entre os grupos nos dois momentos pré e pós-intervenção, o teste Kruskal-Wallis não revelou diferença significativa. A Tabela 1 refere-se à análise do Grupo Controle (GC) e Grupo Experimental (GE) geral, com a comparação entre pré e pós-intervenção nas tarefas do KTK e TECOBOL, e o valor do efeito das intervenções. No GE houve melhoras significativas nas capacidades Dr e Co do TECOBOL, e em SM e TP do KTK. No GC houve melhoras significativas em quase todas as habilidades, exceto em SM e SL. No resultado do efeito no GE obtivemos efeito grande em Co, SM e TP e efeito médio nas outras habilidades. O GC apresentou efeito pequeno em SL e TE, efeito médio em La, Dr e TE e efeito grande em Ch, Co e TP.

A Tabela 2 mostra a comparação entre os momentos pré e pós-intervenção para os três subgrupos do GE nas tarefas do KTK e TECOBOL. No Grupo Experimental Puro (GEP) houve melhoria significativa nas habilidades Co, SM e TP. Já no Grupo Experimental Misto (GEM), houve melhoria apenas em TP, e no Grupo Experimental Controle (GEC), em SM e TP. Em relação ao efeito nos grupos, GEP apresentou efeito grande em todas as habilidades, exceto em SL e La, nas quais houve efeito médio. Já no GEM houve efeito pequeno em TE, médio em Ch, SM e SL e efeitos grandes nas outras habilidades. No GEC houve efeito grande em quase todas as habilidades, exceto nas habilidades de La, Dr e TE com efeito médio.

 

DISCUSSÃO

O trabalho buscou analisar a influência da utilização dos exergames nas aulas de educação física no desenvolvimento da coordenação motora com e sem bola, bem como discutir sua possibilidade de utilização como parte integrante no conteúdo da educação física escolar (EFE). Foi esperado que o Grupo Experimental Misto (GEM) apresentasse melhores resultados que o Grupo Experimental Puro (GEP) após as intervenções, pelo fato de o conteúdo ter sido trabalhado por meio de tecnologia digital, juntamente às atividades coordenativas dentro de quadra. Do mesmo modo, foi esperado que o Grupo Experimental Controle (GEC) mostrasse bons resultados por terem sido aplicadas aulas sistematizadas direcionadas à faixa etária. Finalmente, esperou-se que o Grupo Experimental (GE) como um todo fosse melhor que o Grupo Controle (GC), por ter acesso a um conteúdo programado e diversificado de aulas de EFE, além das aulas com os exergames.

Na comparação dos resultados entre o GC e GE, não houve diferença significativa na pré-intervenção por serem grupos semelhantes, o que sustentou a escolha aleatória de qual turma seria o grupo experimental. Ao contrário do esperado, o teste pós-intervenção também não mostrou diferença significativa entre os grupos.

No entanto, os resultados de tamanho de efeito indicaram vantagens proporcionadas pelas intervenções, já que o GC não foi homogêneo e as habilidades testadas apresentaram efeito variado entre pequeno e grande. Esses resultados podem ser consequência da falta de planejamento dos conteúdos de aulas, atividades monótonas e repetitivas, sendo pouco atrativas e de baixa contribuição aos desenvolvimentos integral e amplo do sujeito. As atividades desse grupo se contrastam com as do GE, que participou de aulas organizadas em conteúdos sequenciais perante o nível de desenvolvimento dos alunos na aula anterior, com metas traçadas que aumentavam gradativamente a dificuldade e a complexidade das atividades dos jogos reais na quadra e nos exergames, mostrando efeito de médio a grande.

No trabalho de Fernandes et al.1, é demonstrada a importância sequencial dos movimentos no seu processo de escolarização, ressaltando a influência do contexto de aprendizagem. No estudo, as autoras utilizaram o KTK para averiguar e identificar ganhos do desempenho motor. Após aulas de educação física planejadas no GE, a melhora no desempenho motor das crianças desse grupo foi também maior que das crianças do GC que tiveram aulas sem uma organização clara do conteúdo. Os critérios de organização das aulas, assim como os resultados das pesquisadoras, são semelhantes aos alcançados no nosso estudo.

Ao segregar os três grupos experimentais, observa-se grandes efeitos para todos os grupos, principalmente nas habilidades de Transferência de Plataforma e Salto Monopedal do KTK. Isso indica que os alunos adquiriram domínio corporal e controle de objeto a partir das atividades que eram propostas.

Nos resultados dos alunos que só tiveram aulas na quadra, o GEC, os efeitos foram grandes em sua maioria, demonstrando a importância de os conteúdos das aulas de educação física escolar serem planejados e sistematizados, pois possibilita aos alunos o desenvolvimento motor em sua consciência, aumentando suas habilidades e se tornando na vida adulta um sujeito autônomo.

As atividades na quadra não limitam a expressão do sujeito e exigem a associação dos diversos canais de percepção de informação (visual, auditivo, tátil, cinestésico, vestibular) para responder a uma exigência da situação. Isso faz com que o sujeito receba uma informação de um ambiente imprevisível e tenha que elaborar sua resposta motora frente às demandas do ambiente social e físico, além de precisar, nesse processo, controlar a bola ou se orientar e se oferecer para recebê-la. Esse conjunto de solicitações neuromotoras expressam a definição prática de coordenação motora.

Segundo Silva & Zampier22, a coordenação motora é treinável, e quando a pessoa é levada a realizar práticas sistematizadas e diversificadas, tipicamente demonstra níveis coordenativos elevados para o envolvimento em atividades esportivas. Desta forma, a coordenação motora é preditora para a prática de exercícios físicos e esportivos, sendo progressiva durante os anos escolares e ao longo da vida, e quando o sujeito responde bem ao treinamento, este tende a se envolver de forma mais ativa nas práticas físicas do esporte23.

Os alcances da prática e do desenvolvimento da coordenação na fase escolar ficam ressaltados quando a prática de atividade motora se torna restrita ao espaço residencial em tempos de isolamento social, consequência da pandemia da COVID-19. A predição da continuidade da prática aprendida na escola pode ser efeito da grande busca por treinamento em casa24 e as constantes recomendações para a manutenção dos exercícios físicos durante a pandemia7,25-27. Para além, se os recursos viabilizassem a aquisição do uso dos exergames, as famílias poderiam contar com esta ferramenta para inúmeras ações durante o distanciamento social, com consequências do mesmo minimizadas26. Mas ainda há muito o que se aprender sobre este tempo26,27 e suas estratégias de ensino-aprendizagem-treinamento.

Era esperado que o GEM tivesse os melhores resultados, por ter aulas preparadas em quadra e com exergames, o que talvez produzisse motivação e empatia pelos alunos pela atração atual aos jogos eletrônicos, além dos desenvolvimentos de recepção de informação para elaboração de resposta serem tão presentes nos exergames. Porém, os resultados mostraram que houve efeito variado de pequeno a grande na execução das habilidades, mesmo com as prevalências dos conteúdos de Capacidade Coordenativa (CC), seguida da Capacidade Tática Básica (CTB) nas atividades executadas.

Além disso, outro fator que pode ter interferido nos resultados foi o pouco tempo de intervenção. Diferentemente do GEC e GEP, os alunos do GEM tiveram suas aulas divididas, sendo metade das aulas de intervenção na quadra e a outra metade com os exergames. Este resultado nos aspira a um critério para inserção dos jogos virtuais no planejamento das aulas. Por mais que os exergames possam despertar grande interesse dos alunos, a constância de sua prática parece se tornar monótona e desmotivante. A baixa interatividade entre os sujeitos e a previsibilidade com o conhecimento dos jogos podem ser os fatores atribuídos a esses resultados, o que oportuniza futuros estudos com esta temática.

Os alunos com as aulas só de exergames obtiveram efeito grande em quase todas as habilidades, o que confirma a utilização dos exergames como uma ferramenta pedagógica nas aulas de educação física. A população estudada não tem acesso aos exergames em seu contexto fora da escola. Muitos diziam que conheciam, mas que nunca haviam jogado. O baixo nível de experiência motora somado à motivação pelo novo e a aula diferente dos demais colegas da turma geram, no início, alvoroço motivacional e empolgação ao querer jogar. Isso pode ter influenciado no desenvolvimento das habilidades exigidas e suas consequências positivas.

A dificuldade de espaço ou materiais alternativos para "dias de chuva" nas escolas públicas pode ter um caminho de solução, porém a prática ocorre com limitações e o custo destas tecnologias é alto. Há de se investir em estudos com tecnologias mais contextualizadas à realidade das escolas para que os exergames possam ser atribuídos aos conteúdos planejados das aulas.

Quando se analisam os resultados do TECOBOL do Grupo controle (GC) e Grupo Experimental (GE), o GC apresentou melhorias em todos os testes. Esses resultados podem ter sido influenciados pelo grande número de práticas repetitivas com bola, futebol e queimada, que são frequentes nas aulas em quadra. De fato, o GE obteve efeito grande em Chute e Condução, evidenciando a influência dessas nas habilidades na escolha das práticas.

Ao passarmos a análise para o TECOBOL no GE como um todo, observamos que o efeito grande foi mais presente que o efeito médio. Foram utilizados o Kinect Adventures e Just Dance 2014 e, ainda assim, o efeito foi grande nas tarefas de TECOBOL. Esses resultados reforçam a possibilidade de uso dos jogos eletrônicos para trabalhar habilidades diversas e abrangentes, que não se limitam aos conteúdos explícitos do jogo escolhido.

O que chama atenção é que nos três subgrupos experimentais aparece efeito grande na habilidade de condução. Essa habilidade pode ter sofrido influência neuromotora através do controle do corpo em atividades de exigência de tempo e precisão em pouco espaço, desenvolvendo capacidades atribuídas a essa habilidade que tem como dificultador o controle da bola que "corre" em uma velocidade e que o executante precisa ter precisão para tocá-la no momento e com a força ideal à situação.

A prática constante do futebol nas aulas de educação física escolar (EFE) pode ter influenciado o efeito grande no chute, nos grupos GEC e GEP. Isso pode ser percebido no conteúdo do grupo controle e nos diversos dias dentro da escola, sendo observadas todas as aulas. É comum encontrar professores de educação física conhecidos como "rola-bola", que deixam os alunos livres para praticar o que quiserem, e como o futebol é forte no país e no mundo fica sendo a prática mais escolhida.

Silva & Zampier22 compararam em dois momentos o desempenho coordenativo (TECOBOL) entre um grupo de participantes de um projeto esportivo e um grupo de alunos de escola com práticas apenas nas aulas de educação física. As autoras encontraram em seu estudo regularidade em todas as habilidades do TECOBOL, com efeito médio e grande no grupo pertencente ao do projeto esportivo, sendo esses alunos participantes de práticas sistematizadas. Esse grupo obteve ganhos significativos, quando comparado ao grupo de alunos que tinham apenas aulas de educação física. Assim como foi achado efeito médio e grande no trabalho das autoras, também foi encontrado nesse trabalho, quando se analisa o grupo que teve aulas sistematizadas, sendo o grupo experimental comparado ao grupo controle, com aulas do professor da escola.

É de grande importância que a escolha dos jogos seja adequada à faixa etária, buscando aqueles que envolvam o aluno na proposta de aula9,13,28. Assim, a ferramenta pode contribuir positivamente no processo de ensino-aprendizagem, proporcionando momentos de interação, socialização, diversão e oferecendo desafios para criança. Propicia, portanto, ganhos no desenvolvimento cognitivo e desempenho motor3,9,10.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre a proposta de verificar se o uso dos exergames influencia o desenvolvimento da coordenação motora com e sem bola, verificamos que os alunos alcançaram melhorias na coordenação motora, adquirindo domínio corporal e controle a partir das atividades programadas que eram propostas, indicando a sua utilização nas aulas de educação física.

Os alunos do estudo podem ter sido influenciados pelo grande número de práticas reproduzidas dentro de quadra, como evidenciado pelos bons resultados nas habilidades utilizadas nessas atividades pelo grupo controle. Tal resultado sugere ser recorrente a falta de planejamento e sistematização de aulas, além de serem estas repetitivas. Isso pode fazer com que a prática de atividade física não seja atrativa aos alunos, fazendo com que eles evadam das aulas de educação física. Essa evasão influencia na coordenação motora do sujeito, que, quando se torna um adulto, pode deixar de ser um sujeito autônomo e praticante de atividade física, acarretando problemas de saúde.

A utilização dos jogos eletrônicos como uma ferramenta pedagógica nas aulas de educação física possibilita trabalhar de diversas formas as habilidades ou trabalhar atividades voltadas para as habilidades dos jogos esportivos coletivos. Esta ferramenta pode constituir ainda um caminho para as escolas que possuem dificuldade de espaço ou falta de materiais e até mesmo ser utilizado em dias de chuvas, para que o aluno não fique dentro de sala.

Por isso, os exergames devem ser vistos não apenas como uma ferramenta pedagógica no currículo da educação física, mas como uma possibilidade de direcionar para o surgimento de novos modos de cognição e de percepção. Naturalmente, essas práticas não devem ser vistas como substitutas das aulas presenciais, cabendo ao professor planejar e sistematizar as aulas de educação física pautado nos jogos esportivos coletivos, bem como em todos os conteúdos da cultura corporal de movimento, equilibrando o tempo de prática com os jogos de exergames, para que os alunos possam alcançar melhoras na coordenação motora. Tal processo poderia evitar que, com o uso exagerado ou com falta de planejamento, as aulas fiquem desmotivantes, e o aluno deixe de realizar as atividades.

Estudos longitudinais poderiam investigar quais são os mecanismos que são positivos com os exergames com o passar do tempo, além de aspectos referentes à capacidade. Isto é, se o aluno conseguiria transferir para jogos reais as habilidades adquiridas/aperfeiçoadas através da prática virtual ou, ainda, se o aluno consegue desenvolver mais suas habilidades realizando mais tarefas.

 

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Endereço para correspondência:
Siomara Aparecida da Silva
Rua dois, s/n - Campus Morro do Cruzeiro - Bairro Bauxita
Ouro Preto, MG, Brasil - CEP 35400-000
E-mail: siomarasilva@ufop.edu.br

Artigo recebido: 9/11/2020
Aprovado: 2/6/2021

 

 

Trabalho realizado na Escola de Educação Física (EEFUFOP) da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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