SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.38 issue117Exergames as strategic content in school physical educationContributions of hybrid teaching and Neuroscience to the teaching learning process author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.117 São Paulo Sept./Dec. 2021

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20210031 

ARTIGO ORIGINAL

 

Criança com retinoblastoma atendida em sala de recursos multifuncional - DV

 

Child stimulation with retinoblastoma in a Multifunctional Resource Room - Visual Disability

 

 

Carla Cristine Tescaro Santos LinoI; Michelle Maia MendonçaII

IGraduação - Licenciatura em Letras/Anglo; Curso de Especialização e Educação Especial - Universidade UNOPAR - Londrina - PR; Curso de Especialização em Educação Especial nas áreas da Surdez/Libras - UNIVALE; Especialização em Neuropedagogia e Psicanálise - Faculdade Campo Real; Psicopedagogia Clínica e Institucional - Faculdade Iguaçu; Mestrado em metodologias para o ensino de linguagens e suas tecnologias - Universidade UNOPAR - Londrina; Doutoranda em Educação: linha de pesquisa: Educação Especial - UNESP - Campus Marília, Londrina, PR, Brasil
IIGraduação em Pedagogia - UENP; Ciências Sociais - UNIMES; Especialista em Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial, Londrina PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O retinoblastoma é um tumor maligno ocular com mais frequência na infância e pode causar a cegueira e a morte. O diagnóstico precoce possibilita alternativas para a saúde e para a educação da criança, em institutos especializados e estimulação precoce em Salas de Recursos Multifuncionais - Deficiência Visual (SRM-DV). O texto a seguir relata um estudo de caso de atendimento sobre o diagnóstico, tratamentos e a evolução, principalmente, do desenvolvimento da visão de uma criança com retinoblastoma, atendida em uma SRM-DV localizada em uma cidade do interior do estado do Paraná. Objetiva-se demonstrar o trabalho de estimulação visual desenvolvido por uma profissional especialista e o envolvimento familiar ao longo dos atendimentos. Por meio de consulta autorizada ao relatório de atendimento, apresenta-se detalhamento sobre o plano de trabalho e o relato do acompanhamento e evolução da criança atendida. Os resultados apresentam ações importantes que foram eficazes no atendimento individual com a criança e apontam a necessidade da continuidade do envolvimento familiar para que as atividades desenvolvidas e sugeridas pela especialista sejam realizadas também fora do ambiente da SRM-DV.

Unitermos: Deficiência Visual. Educação Especial. Retinoblastoma. Estimulação Visual. Atendimento em Sala de Recursos.


SUMMARY

Retinoblastoma is a malignant ocular tumor most frequently in childhood and can cause blindness and death. Early diagnosis provides alternatives for children's health and education, in specialized institutes and early stimulation in Multifunctional Resource Room - Visual Disability. The following text reports a case study of care about diagnosis, treatments and the evolution, mainly, of the development of the vision of a child with retinoblastoma, attended in a Multifunctional Resource Room - Visual Disability located in a city in the interior of the State of Paraná. The objective is to demonstrate the work of visual stimulation developed by a specialist Professional and family involvement throughout the visits. Through authorized consultation of the care report, details about the work plan and the report on the follow-up and evolution of the assisted child are presented. The results show important actions that were effective in individual care with the child and point the need for continued family involvement so that the activities developed and suggested by the specialist are also carried outside the Multifunctional Resource Room - Visual Disability environment.

Keywords: Visual Impairment. Special Education. Retinoblastoma. Visual Stimulation. Special Resource Room.


 

 

INTRODUÇÃO

Na área da Deficiência Visual (DV), nos últimos 40 anos, mudanças filosóficas, sociais e políticas foram necessárias devido ao surgimento de novos conhecimentos na Medicina e na área da Educação Especial, para o reconhecimento da escolarização de alunos diagnosticados com perda visual.

A DV é reconhecida como uma patologia adquirida nas fases pré, peri e pós-natal, de forma congênita ou adquirida e, conforme consta na Portaria no 3.128, considera-se que uma pessoa possua deficiência visual quando apresenta baixa visão ou visão subnormal, quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho for menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05 ou se o campo visual for menor do que 20º no melhor olho com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual do CID-10). É considerado cegueira quando esses valores citados estão abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10º1.

Na Classificação Internacional de Doenças - versão 10 (CID-10) há quatro níveis de função visual: visão normal, deficiência visual moderada, deficiência visual grave e cegueira. De acordo com a estimativa da Organização Mundial de Saúde2, há 39 milhões de pessoas cegas no mundo e 246 milhões com perda de visão moderada ou severa, cujos 90% vivem em países em desenvolvimento.

Essa classificação estabelece duas escalas oftalmológicas como parâmetros para avaliar problemas na visão, a acuidade visual (capacidade de reconhecer objetos a uma determinada distância) e o campo visual (amplitude da área alcançada pela visão)3.

Crianças com DV necessitam de estímulos cinestésicos e auditivos para que possam compreender as experiências e conceitos que integram o seu cotidiano. Dessa forma, os profissionais que atuam na intervenção precoce dessas crianças necessitam de um planejamento que possa suprir as necessidades da perda visual e favorecer programas de desenvolvimento visual e global, para permitir a evolução delas no meio em que vivem.

No estado do Paraná, a Sala de Recursos Multifuncional atende a área da DV (SRM-DV) e oferta atendimento complementar e/ou suplementar na estimulação, orientação e mobilidade por meio de "[...] sistema Braille, Soroban, atividades de vida autônoma e social, informática educacional acessível, dentre outros, até serem supridas suas necessidades" com a finalidade de propiciar condições para que a criança atinja a sua autonomia, independência e estimulação visual4.

Também, entre as usuárias desse atendimento especializado estão as crianças diagnosticadas com retinoblastoma, um tumor maligno intraocular comum da infância, cujo tratamento depende da habilidade precoce na detecção da doença enquanto ainda é intraocular e do acompanhamento oftalmológico e de profissionais envolvidos para se preservar a vida da criança e para salvar o olho agredido.

Os sinais e sintomas do retinoblastoma dependem do seu tamanho e localização, sendo o mais comum a leucocoria, também chamada de reflexo do "olho do gato". Outras manifestações incluem estrabismo, hiperemia conjuntival, cegueira e glaucoma. Quando o tumor se torna extraocular, apresenta-se frequentemente como uma massa orbitária com proptose, e, quando há metástase para o sistema nervoso central, pode cursar com cefaleia, vômitos, anorexia e irritabilidade.5

O reflexo esbranquiçado na pupila, conhecido como leucocoria se apresenta também como estrabismo, inflamação e visão embaraçada com menor regularidade. O diagnóstico oftalmológico e oncológico é realizado por ultrassonografia, tomografia e ressonância, com tratamento por fotocoagulação, crioterapia, radioterapia, e, às vezes, quimioterapia para diminuir o volume do tumor6.

Pode se tratar de uma patologia de origem esporádica ou hereditária, como ocorreu na criança deste estudo de caso em ambos os olhos, e os sintomas nem sempre se apresentam. O retinoblastoma possui uma incidência de um a cada 15 ou 30.000 nascidos vivos, aproximadamente 3% em crianças menores de dois anos de idade e 5% em crianças maiores de cinco anos de idade. Cerca de 25% apresentam tumor bilateral (hereditário); outros 15% em processo unilateral e hereditário; e 60% com doença unilateral e não hereditária. Essa doença envolve "[...] desativação mutacional de ambos os alelos do gene supressor (RB1) do retinoblastoma localizado no cromossomo 13q14. A mutação somática altera o alelo nas células da retina da criança, resultando em câncer"7,8.

Nesse cenário, por meio do estudo de caso de uma criança diagnosticada com retinoblastoma, de origem hereditária por ter afetado ambos os olhos desde o nascimento até os dias atuais, deseja-se demonstrar a importância da estimulação e a necessidade de estabelecer parcerias no âmbito familiar e profissional para continuidade das atividades desenvolvidas no AEE.

 

MÉTODO

A pesquisa foi desenvolvida durante os atendimentos na SRM-DV de uma cidade localizada no interior do estado do Paraná, a respeito da estimulação visual de uma criança de seis anos com retinoblastoma em ambos os olhos.

A trajetória metodológica da pesquisa é norteada pelos pressupostos da investigação melhor utilizada na pesquisa educacional qualitativa em um "[...] estudo da particularidade e complexidade de um único caso, chegando a compreender a sua atividade dentro de circunstâncias importantes"9 descritivo não experimental10. A abordagem atende às características da pesquisa qualitativa e acolhe as especificidades do tema em um Estudo de Caso.

Stake9 e Merriam11 corroboram com a característica empírica pelo pesquisador ao basear-se em estudos de observações de campo e descritiva por produzir uma descrição do fenômeno estudado.

Caracterização do Participante

A criança deste estudo foi identificada como JP para preservar a sua identidade. Completou seis anos em 2020 e desde os três anos e quatro meses frequenta a SRM-DV por indicação de sua oftalmologista na cidade local.

Aos quatro meses de idade, segundo o relato da mãe, JP apresentou um aparente desinteresse por objetos e, então, uma consulta foi marcada com uma oftalmologista local. A médica que o atendeu mencionou aos pais que ele havia nascido cego e que não havia nada que se fizesse a respeito, porém, a mãe não concordou com o diagnóstico. Em uma consulta com um especialista, o retinoblastoma foi diagnosticado em ambos os olhos.

Entre idas e vindas a especialistas, chegou-se a um tratamento experimental que era oferecido na Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer (TUCCA) em São Paulo, com uma equipe norte-americana em parceria com um hospital da cidade.

Desde então, JP deu início ao tratamento que mantém até hoje na TUCCA, onde, segundo a mãe, foi muito bem recebido e bem tratado sempre. Inclusive, também há atenção da Casa de Apoio do hospital, onde ainda se hospedam gratuitamente, bem como o traslado e passagens aéreas e são muito bem acolhidos em todas as viagens para o tratamento.

A família de JP foi sempre muito presente e participativa, não somente em relação aos tratamentos de saúde do filho, mas à estimulação visual realizada na SRM-DV, onde raramente falta. A mãe se mantém atenta aos conselhos e dicas da professora especialista e dá continuidade ao trabalho de estimulação visual em casa diariamente, com grande eficiência, o que, sem dúvida, proporciona excelentes resultados.

A afetividade e o cuidado que envolvem JP nesse processo de estimulação contribuem para os resultados alcançados, o que reforça a importância da família na continuidade das atividades trabalhadas no SRM-DV.

Procedimentos de Coleta e análise dos dados

Os dados coletados foram cedidos por entrevista com a mãe da criança e com a professora especialista da SRM-DV e relatório descrito sobre os procedimentos de estimulação visual realizado com a criança na SRM-DV.

As entrevistas foram realizadas por meio de videoconferência com a mãe, e com a professora especialista, como um processo de interação social, e pela impossibilidade de encontros pessoais devido à pandemia do COVID-1912.

A entrevista foi utilizada como um procedimento para a coleta de dados, a fim de se conhecer o fenômeno que foi estudado, e analisar e interpretar os dados, por meio de entrevista não estruturada por tratar-se somente de uma mãe. A abordagem fenomenológica busca compreender a experiência da entrevistada em relação a uma situação e "[...] é possível não só entender o sujeito dentro da situação vivenciada, mas também o entorno social"13.

Elaborou-se um roteiro como instrumento a ser utilizado para a realização da entrevista, com uma pergunta chave e questões que complementavam situações ocorridas com JP desde a descoberta do retinoblastoma, dos atendimentos com especialistas, do diagnóstico e tratamentos médicos, e do atendimento especializado para a estimulação visual em SRM-DV para se compreender o assunto investigado.

A entrevista aconteceu no primeiro semestre de 2020 e, após sua realização, houve a transcrição para a língua portuguesa e, posteriormente, a análise, realizada de acordo com princípios de Manzini13, que orienta e descreve princípios específicos para as informações coletadas em uma entrevista e a categorização, por meio da análise de conteúdo de Bardin14.

Os trâmites éticos foram respeitados durante a coleta de dados e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TECLE), assinado pela mãe e enviado por e-mail.

 

DISCUSSÃO E RESULTADOS

Para a criança com DV, a estimulação visual precoce está diretamente associada a melhores condições do desenvolvimento motor, social, cognitivo e afetivo. Mas como acontece essa estimulação? Quais os materiais mais indicados? Como pode ser realizado? Qual o planejamento mais adequado para desenvolver um trabalho de estimulação visual com uma criança diagnosticada com retinoblastoma?

Estimulação visual em SRM-Deficiência Visual

Esta análise se inicia ao considerar que crianças com baixa visão, o que depende da doença ocular que apresentam, podem ser muito beneficiadas pela estimulação visual. Esta é uma forma de terapia que, por meio de atividades específicas para cada caso, proporciona à visão residual da criança estímulos que podem melhorar sua capacidade visual, reeducando-a ou até mesmo atrasando a diminuição desse resíduo, que pode levar a criança inclusive ao nível da cegueira, em algumas doenças progressivas15.

Exemplo criado pelo mesmo autor é o livro-caixinha, que objetiva estimular a visão das crianças, sendo ela típica ou atípica, desde o seu nascimento e utilizado pela profissional especialista na sala de recursos. Nas fichas constam dicas que não restringem as faixas etárias para que os exercícios possam ser adequados ao desenvolvimento global da criança e experimentados. O livro-caixinha (Figura 1) foi baseado em experiências clínicas e comprovadas cientificamente.

 

 

As atividades de estimulação visual não aumentam a quantidade que o estudante com deficiência visual enxerga, mas proporcionam a ele uma percepção melhor do ambiente e objetos, levando-o a aproveitar melhor o resíduo que apresenta e utilizar ao máximo sua capacidade visual. Esse progresso pode proporcionar uma melhor interação social e desempenho escolar, por isso, é importante que se inicie a terapia o quanto antes, para que se possa aproveitar o maior resíduo visual possível.

Professores especialistas em Educação Especial e outros profissionais que colaboram com estudos e práticas em Educação Especial na área visual devem, portanto,

[...] valorizar o comportamento exploratório, a estimulação dos sentidos remanescentes, a iniciativa e a participação ativa. Algumas atividades predominantemente visuais devem ser adaptadas com antecedência, e outras durante a sua realização, por meio de descrição, informação tátil, auditiva, olfativa e qualquer outra referência que favoreça a configuração do cenário ou do ambiente.16

Os profissionais habilitados para esse serviço precisam conhecer a anatomia dos olhos e o seu funcionamento; conhecer as principais doenças oculares e as principais doenças atendidas nas clínicas ou outros espaços de estimulação visual17; saber avaliar a funcionalidade da visão da criança em relação à sua capacidade de fixação, seguimento, percepção, coordenação de ambos os olhos, acuidade visual, reação à luminosidade, acomodação visual e noções de contrastes, cores e profundidade, além de saber distinguir qual o olho preferencial da criança e compreender as indicações e laudos oftalmológicos que a família traz consigo18.

É preciso, também, saber otimizar o tempo de atendimento sem prejuízo visual para a criança, pois cada doença e cada caso demandam atividades bem específicas e diferenciadas, além de um tempo limite para utilizá-las, para se evitar a fadiga visual e possíveis prejuízos à visão.

A condição visual de uma pessoa com baixa visão, por exemplo,

[...] é instável e oscila de acordo com o tempo, o estado emocional, as circunstâncias, as condições de iluminação natural ou artificial dentre outros fatores. Isto quer dizer que um estímulo ou um objeto pode ser visto em uma determinada posição ou distância pela interferência de um foco de luz e sombra. O mesmo objeto deixa de ser percebido mediante alterações de iluminação. O aluno enxerga o que está escrito na lousa ou no caderno e cinco minutos depois deixa de enxergar em decorrência do reflexo da luz do sol.16

É também papel desse profissional ensinar e estimular a família para que dê continuidade, dentro do possível, ao tratamento que vem sendo realizado, pois tais estímulos precisam ser diários para que alcancem o resultado desejado. Assim, "[...] a família e os cuidadores desempenham o importante papel de mediadores por meio da fala, de procedimentos e atitudes baseados em um referencial perceptivo não-visual"16.

Os profissionais da área educacional

[...] são colaboradores profícuos na tarefa de avaliar o desempenho visual dos alunos e desenvolver habilidades relevantes para estimular o exercício e o uso eficiente do potencial da visão. A observação formal e informal da acuidade e do campo visual, a coleta de dados junto aos familiares, profissionais e outras fontes de informações sobre o aluno ajudam a compreender a limitação visual no contexto escolar e familiar.16

É necessário que o profissional esteja habilitado a atender crianças em idade escolar para elaborar um trabalho colaborativo com professores de classes comuns e equipe pedagógica a respeito das dificuldades/limitações dos estudantes e quais as alternativas que podem ser utilizadas para que eles consigam acompanhar as aulas com o máximo de eficácia possível, e sem maiores prejuízos à sua visão, devido à fadiga visual que as longas horas escolares podem trazer. A perda lenta e progressiva quando irreversível "[...] provoca efeitos emocionais e outros impactos significativos que repercutem na família, na escola, no trabalho e em outros âmbitos de vida social e cultural [...]"16 que acarreta impactos objetivos e subjetivos nos diversos episódios da vida.

Esse tipo de atendimento de estimulação precoce não é facilmente encontrado. Em cidades pequenas e algumas regiões como Norte e Nordeste do país, por exemplo, clínicas ou escolas que ofereçam esse trabalho de estimulação visual são ainda menos comuns.

No estado do Paraná, existem Salas de Recursos Multifuncionais que atendem especificamente a área visual, por profissionais habilitados em Educação Especial4. Nestas salas são atendidas pessoas de todas as idades, independentemente de frequentarem escolas regulares para atendimento pedagógico. São atendidas tanto as pessoas com deficiência visual com resíduos que necessitam do atendimento de estimulação visual quanto pessoas que apresentam cegueira total com ou sem percepção de luz.

No caso dos alunos cegos, o trabalho visa ensinar a escrita e leitura Braille, embora ainda seja "[...] alvo de questionamentos e de resistências basicamente pelas mesmas razões de outrora. As principais desvantagens apontadas referem-se ao convencionalismo do sistema, ao custo da produção e ao volume da edição Braille [...]"16, cálculos pelo Soroban, o uso de bengala e atividades de vida diária.

Em crianças com doenças oculares que podem levar à cegueira, é trabalhado também, junto à estimulação visual, os estímulos tátil, auditivo e olfativo com mais afinco, para que caso cheguem realmente à situação de cegueira, os aprendizados específicos sejam adquiridos com maior facilidade e rapidez, o que diminui o impacto que a cegueira irá lhes trazer4.

Essas salas são utilizadas nos atendimentos com os mais diversos tipos de materiais para a realização da estimulação visual. Dependendo do caso de cada aluno, são escolhidos os exercícios e materiais que serão manipulados. E de acordo com o avanço da capacidade visual e os dados oftalmológicos e até neurológicos, dependendo do caso, pois esses alunos precisam de acompanhamento médico constante, os profissionais vão alterando gradativamente os exercícios realizados. O uso de luz em sala escurecida, por exemplo, é um ótimo fator para resgatar a percepção visual e para se trabalhar a musculatura dos olhos nos casos de estrabismo, porém, é preciso estar atento, pois crianças que apresentam convulsões não devem utilizar-se desse recurso16.

Algumas crianças necessitam, por indicação médica, do uso de óculos e/ou de oclusores, que são determinantes no sucesso das terapias. Por isso, é imprescindível que tais crianças compareçam aos atendimentos utilizando esses adereços, alterando lentes e tempo de uso dos oclusores conforme orientação médica, periodicamente.

Os atendimentos nas salas de recursos podem ser individuais ou coletivos, quando possível, mas geralmente as crianças são atendidas individualmente, especialmente as crianças menores com resíduo visual, para que os exercícios possam ser realizados de forma bem específica. Tais atendimentos podem ser realizados de uma a três vezes por semana, de uma a quatro aulas diárias, dependendo da necessidade de cada criança e da disponibilidade da sala, do profissional e da família. Geralmente, alunos cegos são atendidos por um tempo maior, por não apresentarem fadiga visual, já os pequenos com baixa visão costumam ser atendidos por somente uma ou duas aulas no máximo, devido ao cansaço que os exercícios podem trazer aos olhos4.

Quanto ao estudante com retinoblastoma, cabe ao professor motivá-lo na utilização de seu "[...] potencial visual, mesmo nos descolamentos de retina ou em degenerações progressivas [...] o professor deve encorajar o aluno a utilizar a visão residual, sem temor de perdê-la ou gastá-la"19.

E, ainda, para que a estimulação visual seja realizada com sucesso, além da periodicidade dos atendimentos, do conhecimento dos profissionais habilitados e da continuidade do processo pela família, é de grande importância que o profissional crie um vínculo de cumplicidade e carinho com essas crianças. Pois a estimulação visual é um processo cansativo para o deficiente e somente com grande confiança em seu professor é que a criança irá colaborar e realizar corretamente os exercícios pelo máximo de tempo possível, inclusive permitindo o uso do oclusor e a troca do mesmo de um olho para o outro, quando necessário, pelo profissional, já que tal ação é bastante desconfortável para a criança.

Plano de trabalho da professora especialista na SRM-DV

Em conformidade com o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que estabelece o serviço pedagógico complementar de acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica, regulamentado pelo do Decreto n.º 6.571, de 18 de setembro de 2008, deve atender como público-alvo: alunos com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação em salas de recursos multifuncionais1.

O atendimento complementar ofertado pelo professor especializado em Educação Especial apresenta um trabalho colaborativo com os professores de classes comuns, com a orientação de estratégias e recursos que possam suprir necessidades educacionais especiais dos estudantes.

Assim, o trabalho da SRM-DV não deve ser homogeneizador e precisa apresentar um diagnóstico sobre a situação cognitiva, sensorial, comportamental, física, motora e escolar de cada estudante para poder elaborar o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) e, posteriormente, o Plano de Trabalho Docente do profissional da SRM-DV, que deve ser flexível para ser alterado quando necessário.

[...] a ação pedagógica do professor na Sala de Recursos Multifuncional deve ser detalhadamente planejada de forma a suprir as necessidades educacionais de cada aluno, criando condições que proporcionam e favorecem a sua aprendizagem, superando as barreiras antes existentes.20

Conforme o plano de JP, atendido individualmente, uma vez por semana, o objetivo é criar possibilidades para que, apesar da condição de visão subnormal, o aluno possa acompanhar a escola e seguir com o máximo possível de autonomia, sua vida diária. De forma complementar, objetiva-se, conforme descrito no relatório de JP:

1) Estimular os sentidos visuais, aproveitando para isso, seus resíduos de visão;

2) Reeducar a visão residual para o desenvolvimento da atenção, concentração e fixação de imagens diversas;

3) Criar adaptações visuais necessárias para melhorar o dia a dia do aluno;

4) Orientar a família para que ocorra a continuidade do trabalho em casa, proporcionando ao aluno melhor qualidade de vida, levando em conta a sua condição visual;

5) Proporcionar momentos de interação com outros alunos cegos ou com baixa visão para que o aluno se encontre e se sinta bem entre seus pares e desenvolva uma melhor qualidade nas relações interpessoais;

6) Propiciar momentos de orientação e mobilidade;

7) Utilizar diversos jogos e brinquedos adaptados para as dificuldades visuais para a compreensão de regras criadas com a professora e aluno, a fim de estimular a aprendizagem do aluno nas diferentes áreas do conhecimento;

8) Proporcionar estímulos que desenvolvam o raciocínio, atenção, concentração, estratégia, criatividade e memória;

9) Utilizar os importantes "sentidos remanescentes" para execução de tarefas diárias;

10) Proporcionar o reconhecimento dos tipos de terrenos, dos pisos, a natureza das coisas existentes à sua volta, dos cheiros que indicam aproximação de locais como uma padaria, perfumaria, açougue, supermercado, floricultura, biblioteca etc.;

11) Permitir a percepção da estrutura e a relação das partes como um todo;

12) Estimular o aluno a demonstrar e perceber o seu próprio corpo, suas partes, capacidades de movimentação e postura.

Como plano de ação, trabalhou-se a socialização, a comunicação, a estimulação, a reeducação e a fixação visual, a percepção tátil, auditiva, olfativa e gustativa em trabalhos com diferentes texturas. Brincadeiras com letras de alfabeto, jogos, orientações sobre numerais, contação de histórias, leitura e escrita, além de orientações para a família dar continuidade às atividades trabalhadas durante o atendimento.

Como metodologia, utilizou-se a exploração de imagens, texturas e cores, para estimular a visão, aproveitando o máximo de resíduo possível, além de treinar a atenção, o raciocínio, concentração e a fixação da visão. Torna-se de grande importância perceber o tempo de concentração do aluno para cada atividade, sem causar fadiga visual, e aumentar de forma gradativa o tempo dos exercícios, sempre que possível.

A organização do pensamento e as ideias de ordem abstrata, por meio de diálogos direcionados, adaptar regras em jogos, com a finalidade de estimular a criação de alternativas para as dificuldades diárias. Experimentações táteis em objetos e materiais com texturas, formas, densidades, estados físicos e tamanhos também foram incluídas nas atividades.

Os diálogos e orientações com os familiares foram incluídos ao longo de todo processo, para que os pais pudessem compreender a importância da intervenção por meio dos sentidos e dos movimentos mediante a manipulação e da exploração (visual, tátil, gustativa e olfativa).

Como recursos didáticos, foram utilizadas imagens diversas, livros, revistas, textos diferenciados, material para ilustração, material tátil, massa de modelar, material dourado, escala cuisenaire, palitos de sorvete e outros materiais que possam auxiliar na contagem inicial simples, aparelho de som, CDs e pen drives com músicas diversas, programas e aplicativos favoráveis ao aprendizado do aluno, jogos diversos, brinquedos, computador e/ou notebook, Internet e caderno para anotações sobre orientações passo a passo para a família, sempre que necessário.

Quanto à avaliação, o progresso do aluno foi observado diariamente, a cada nova interação, conceito alcançado e/ou etapa vencida, levando-se em conta tão somente a habilidade do próprio aluno em relação a cada tipo de atividade, não o comparando com os demais alunos, mas, sim, comparando seu progresso em relação a si mesmo, respeitando suas particularidades, a deficiência visual e seu tempo para o aprendizado.

Relato de uma sessão de atendimento: trabalho remoto

"A partir de 06/04/2020, o AEE iniciou o ensino remoto com os alunos, devido à pandemia de COVID-19. Todos, alunos e professores, fomos dispensados desde 20/03 das aulas presenciais devido à necessidade de isolamento social com o objetivo de minimizar o contágio e as consequências dessa nova doença. Porém, até 05/04 estivemos em recesso de julho, que foi antecipado, sem necessidade de manter o atendimento aos alunos.

Em 06/04/2020, o estado do Paraná iniciou, a partir de um novo aplicativo chamado Aula Paraná, a proporcionar aulas para os alunos da rede estadual, bem como atividades e avaliações para que os mesmos pudessem dar continuidade ao ano letivo sem maiores prejuízos, até que as aulas presenciais retornem. Contudo, somente os alunos matriculados na rede estadual no Ensino Fundamental II ou Ensino Médio tiveram acesso a esse novo aplicativo que se utiliza do Classroom para o envio das atividades.

Desta forma, passamos a atender os alunos sem tal acesso, por meio do WhatsApp, em contato direto com os responsáveis pelos mesmos. No caso do aluno JP, que é ainda uma criança e tem atendimento uma vez por semana na SRM-DV, meu trabalho como sua professora instrutora mediadora consta em enviar semanalmente atividades por meio de vídeos, áudios, imagens e explicações por escrito de como a mãe pode dar continuidade em casa no trabalho de estimulação visual que vinha acontecendo, com materiais e recursos simples a que ela tenha acesso.

Envio também historinhas contadas e músicas para o aluno ouvir, além de vídeos informativos para os pais sobre os diversos benefícios da estimulação visual e sobre cuidados com a saúde dos olhos. Como retorno desse trabalho, a mãe me envia, durante a semana, imagens e vídeos demonstrando a realização de tais atividades com o JP e tira dúvidas comigo, sempre que necessário, também via WhatsApp.

Como o aluno frequenta a rede municipal de ensino, quando surge a necessidade, a mãe conta com meu apoio na realização e adaptação das atividades enviadas pela escola municipal. E devido ao fato do JP apresentar um retinoblastoma em tratamento, continuo enviando relatórios atualizados aos médicos e a mãe sempre me envia o retorno das consultas, exames e quimioterapias.

Todo esse trabalho está sendo arquivado e constantemente direcionado à pedagoga responsável, para que a escola tenha ciência sobre como essas crianças vêm sendo atendidas. Além disso, é realizado em cada aula, no Registro de Classe Online (RCO), quais atividades exatamente foram trabalhadas em suas respectivas datas, registro esse que a pedagoga tem acesso irrestrito, podendo acompanhar mais detalhadamente o trabalho realizado com cada aluno em específico.

Acredito que esta forma de trabalho vem alcançando seu objetivo e que, apesar de não ser executado por um profissional especializado, essa estimulação que a mãe realiza está suprindo as necessidades visuais básicas do aluno no momento, evitando maior comprometimento de sua visão, além de ser uma forma de estimular os pais a darem continuidade ao nosso trabalho em casa, proporcionando a eles maior conhecimento e comprometimento com a estimulação visual do filho."

 

RESULTADOS - RELATÓRIO DO ATENDIMENTO

As informações que seguem foram organizadas a partir de dados do relatório de acompanhamento oficial da professora especialista de SRM-DV e da entrevista com a mãe de JP.

JP apresenta retinoblastoma em ambos os olhos, um tipo raro de câncer maligno que se instala na parte de trás do olho, junto à retina, afetando tanto o globo ocular como a visão. Essa doença pode levar a óbito, à perda dos globos oculares e pode levar à cegueira gradativamente. Sobre um relato da mãe:

O JP se desenvolveu super bem, desde o nascimento e sempre foi uma criança muito ativa, muito esperta, sempre mamou muito bem, tudo! Uma criança absolutamente normal. Com quatro meses comecei a perceber que ele começou a desinteressar por objetos. Às vezes, até passava alguma coisa em frente dele e ele seguia um pouquinho com o olhinho e já voltava, mas ele não se interessava e não queria mais pegar. O principal sintoma dessa doença do retinoblastoma é a ausência do reflexo vermelho, quando você tira foto com flash e fica aquele olhinho de gato (Figura 2). Do JP era leve. Na consulta com a oftalmo pediátrica, após os exames, ela nos chamou e disse: "Pai, mãe! O filho de vocês é deficiente visual, ele não vai enxergar, ele nasceu cego." Fomos encaminhados para um Centro de Estudos e Pesquisas da Visão e após avaliação, o médico que o examinou falou assim: "Mãe! O seu filho tem retinoblastoma que é um tumor maligno e que leva a óbito.

 

 

Nesse caso, a estimulação é imprescindível, junto ao tratamento médico com quimioterapias e medicamentos específicos, pois a criança que apresenta esse tipo de tumor geralmente manifesta um resíduo visual baixo, sendo necessário que a mesma aprenda a utilizar ao máximo tal resíduo para que sua capacidade escolar e de socialização seja a maior possível.

Não há no momento a recuperação da visão, porém, é possível diminuir ou extinguir o tumor, mas é a estimulação visual que proporcionará a esse aluno o maior aproveitamento de sua visão residual. Por solicitação médica, foi solicitada tomografia de JP de urgência, com laudo de retinoblastoma em ambos os olhos confirmado no exame de ultrassom.

Um médico de outra cidade que presta atendimentos aos domingos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) esteve na cidade onde reside JP e também confirmou a doença, encaminhando-os para o TUCCA (Figura 3), em São Paulo, onde JP iniciou o tratamento dos quatro meses até a presente data.

 

 

A TUCCA é uma Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer, fundada em 1998 por médicos, pacientes e representantes da sociedade civil com o objetivo de elevar as taxas de cura e proporcionar condições para a qualidade de vida de crianças e adolescentes com esses diagnósticos.

O médico e a equipe toda que nos atenderam falaram que, primeiramente, era por optarmos em salvar a vida do JP e, segundo, os olhos e a visão com chance de mais de 50% que seria uma consequência da doença. Para Deus, então, era possível os 100%. Era muito possível! E assim começou. O JP já consultou na terça, na quinta-feira implantou o cateter, o porte permanente. Recebeu seis ciclos de quimioterapia intra-arterial, que é uma quimio feita intracateterismo, porque ele não tinha idade para fazer um novo procedimento que estava em estudo. Ele não tinha peso, na verdade. Quando ele começou essas quimios sistêmicas teve um ótimo resultado desde a primeira sessão: não tinha efeitos colaterais, não vomitava, não tinha febre e os médicos sempre falavam: "Olha, pode doar plaqueta", porque os exames pós-quimio eram sempre perfeitos. A TUCCA é afiliada do Centro de Pesquisa de Nova Iorque e todas as pesquisas feitas lá vêm para São Paulo e são testadas nas crianças aqui.

As opções de tratamento para cada criança são definidas por uma equipe médica composta por oncologista, oftalmologista, oncologista pediátrico, radioterapeuta, pediatra e outros envolvidos durante o tratamento: enfermeiros, geneticistas, nutricionistas, assistentes sociais, fisioterapeutas e psicólogos infantis.

Além das quimioterapias, JP era submetido à ressonância a cada três meses e nunca precisou tomar nenhum tipo de remédio contínuo. Eu sempre falei que JP, tirando o câncer, ele é a criança mais saudável do mundo. [...] Depois de uns dois anos de tratamento, acho que o JP já estava entre os dois ou três anos, levamos ao oftalmologista. A Drª colocou um grau alto no olho dele e foi incrível! Parece que mudou a vida dele. Em lugares que ele era acostumado a ir, ele falava assim: "Mãããe! É tudo colorido!" Aquilo foi a maior emoção do mundo! E se adaptou super bem! Ela também indicou a sala de recursos para estimulação visual, que eu não conhecia, que eu não sabia que existia isso em escola regular.

Na SRM-DV a atividade com o JP se resume em trabalhar todo o seu campo visual, perto e longe, visão central e periférica com exercícios que estimulam sua capacidade de fixação, percepção, acuidade visual e coordenação da visão de ambos os olhos, sendo que o tumor pode regredir ou progredir mais em um olho do que no outro, afetando a visão de cada olho de forma diferenciada, diferença esta que geralmente é corrigida pelos óculos, mas que exige grande atenção do professor especialista durante as terapias, para que JP não acabe forçando mais um olho do que o outro, levando aquele que é menos utilizado ao enfraquecimento de sua capacidade visual.

Os professores [...] devem propor procedimentos didáticos para ajudar os alunos de baixa visão a melhor utilizarem o potencial visual, de forma contínua, em múltiplas tarefas. Para que o aluno aprenda em que condições ele pode usar sua visão efetivamente - quais os melhores tipos impressos, de iluminação, posicionamento de materiais, tamanhos de letras, e assim por diante, ele deve ser observado e ouvido.22

Para a realização de tais atividades (Figura 4), são utilizados jogos de encaixe, quebra-cabeças gigantes, jogos de sombra, pareamento, sobreposição, jogo de memória, pois, de acordo com Rhein "[...] a memória é processada numa área do cérebro chamada de Hipocampo, que é superimportante para o processamento visual em qualquer fase da vida"18, entre outros, sempre se utilizando de cores vivas e contrastantes, com diferentes tamanhos, fundos e detalhes de imagens, ativando, principalmente, sua fixação visual pelo maior tempo possível. Para que não haja prejuízo visual, além de observar constantemente se o aluno vem se utilizando mais de um olho do que do outro nesses momentos, cabe ao professor trabalhar mais esse olho que está sendo menos utilizado e, se for o caso, solicitar à família uma nova consulta ao oftalmologista responsável, para que o devido ajuste das lentes dos óculos seja efetivado.

 

 

JP gosta muito de quebra-cabeças e jogos de encaixe (Figura 5), resolvendo-os com bastante precisão e rapidez, levando em conta sua condição de baixa visão. Contudo, apesar da preferência, jamais se recusa a realizar qualquer atividade solicitada pela professora, com quem apresenta uma ótima relação de confiança, cumplicidade e afeto.

 

 

Rhein15 recomenda em seu livro-caixinha "[...] empilhar blocos formando torres estáveis e o mais alto possível [...]" e ainda, criar "[...] construções com blocos alinhados lado a lado na horizontal e empilhados no vertical [...]" e "[...] deixá-los bem encaixados e alinhados". São trabalhados, também, exercícios com pontilhados e tracejados, sempre se utilizando de canetas coloridas do tipo hidrocor, para contrastarem com as folhas de papel, pinturas de mandalas, com riqueza de detalhes, pois, segundo Rhein15 "[...] isso melhora a atenção e a concentração e estimula a cognição e a visão". E também atividades de sobreposição e alinhamento com barbantes, fitas ou cadarços coloridos que igualmente contrastem com o objeto de realização da atividade. "[...] um cadarço é um excelente recurso para melhorar a coordenação motora fina e estimular a visão da criança [...]"15 (Figura 6).

 

 

Exercícios com luzes em sala escurecida não são necessários no caso de JP, apesar de não serem prejudiciais. Portanto, atividades em boa luminosidade abusando do uso de cores e a necessidade de foco visual são as mais indicadas e trabalhadas nesse caso.

[...] utilizando objetos e figuras de alto e baixo contraste, verificamos se a criança pode perceber as diferenças e identificar os objetos e as figuras de baixo contraste, ou se ela necessita de alto contraste para a percepção e identificação. Verificamos também se há necessidade de contraste preto e branco para uma melhor percepção e identificação dos objetos.18

É possível aproveitar também as preferências do aluno, o que no caso de JP vem de encontro com a sua necessidade visual, pois o aluno gosta de desafios, jogos, cores, atividades mais difíceis que exijam mais de seu raciocínio lógico e memória, além de maior acuidade visual, o que facilita muito o trabalho do professor especialista, que consegue trazer benefícios consideráveis à visão de JP, proporcionando um atendimento prazeroso e gratificante para o aluno.

[...] as crianças com deficiência visual aprendem por meio da experiência, elas precisam se interessar pelo mundo que as rodeia. Os jogos irão proporcionar, além de um divertimento, uma socialização delas com outras crianças que enxergam, e até mesmo com seus familiares.23

A professora especialista em questão atende e acompanha o progresso visual de JP desde 2018. Durante esse tempo, foi possível perceber que o aluno vem utilizando seu resíduo visual com maior destreza e amplitude, conseguindo, hoje, realizar atividades que antes não conseguia. Algumas, com maior rapidez e exatidão, além de haver diminuído consideravelmente seu tempo para o cansaço visual.

A distância a que leva as peças de jogos aos olhos (Figura 7) tem aumentado, ou seja, está conseguindo perceber os detalhes das peças a uma proximidade um pouco menor. E ainda, quando leva a cabeça próxima à atividade, tal distância igualmente tem sido maior.

 

 

Em 2020, JP iniciou o processo de alfabetização na escola regular e, de acordo com a família, não vem apresentando dificuldades nesse processo, apesar da baixa visão, pois, sempre que necessário, a escola amplia suas atividades e o aluno também se beneficia de plaquinhas de leitura que facilitam o seu foco visual, além de muita inteligência e força de vontade (Figuras 8 e 9).

 

 

 

 

A família vem sendo uma grande aliada nesse processo, pois costuma dar continuidade diariamente em casa ao trabalho de estimulação visual realizado na escola. JP raramente falta aos atendimentos e a mãe sempre se preocupa em tirar dúvidas com a professora especialista, melhorando o ambiente e as atividades realizadas em casa sempre que possível (Figura 10).

 

 

Depois de anos de tratamentos e acompanhamentos, em 2018, voltou um tumor no olho direito e JP passou por um procedimento de quimioterapia intravítrea, no momento em que o médico faz o exame do fundo do olho. É injetável direto no globo ocular e também foi realizada a crioterapia, que é um congelamento com nitrogênio para queimar o tumor. Esse procedimento é muito doloroso, segundo a mãe:

Nesse procedimento, ele arde, mesmo, dóóói!!! Porque é uma queimadura, que ele tenta fazer diretamente no tumor. Mesmo que por fora, mas ele libera esse gel no olho, que acaba atingindo o tumor. O laser, ele é um laser mesmo, que normalmente ele passa para cicatrização, que quase não dói nada. Todos os fundos de olho são feitos sedados e o JP não sente dor na hora. Com a crioterapia ele fica alguns dias com o olho inchado, sensível à luz, até todo aquele gel, que é o nitrogênio, sair do olho. Desincha normalmente e não precisa pingar colírio, só lavar com água normal, no máximo um soro, mas não pode coçar e precisa tomar os cuidados recomendados pelos médicos.

O sucesso do tratamento de JP, segundo os médicos que o atendem, se dá pelo diagnóstico rápido. Após o encaminhamento da criança à TUCCA, a cada sessão de quimioterapia, o tumor foi diminuindo, o que permitiu a preservação do olho de JP. Em setembro de 2019, JP completou seis anos de idade e já percorreu um longo período de tratamento. A reversão do tumor lhe permitiu um maior interesse pelas coisas do cotidiano e perceber o colorido delas e a luz. Conforme cresce, se adapta às novas realidades, mas nunca se lembrará de enxergar tudo 100%, por ser um caso grave. A vida de JP, portanto, é considerada quase normal pela mãe, porém, dentro de suas limitações.

 

CONCLUSÕES

Em meio a todo contexto apresentado, percebe-se o quanto o diagnóstico precoce pode ser determinante para ações de diversas naturezas: para a Saúde, oferecer melhores condições, tratamentos e propiciar a qualidade de vida mesmo diante de uma patologia. Para a Educação, desenvolver estratégias, métodos e metodologias possíveis e adaptáveis a todo tipo de dificuldade apresentada, cabendo à profissional especialista de sala de recursos estudos constantes diante de pouca literatura sobre o assunto, mesmo que a SEED não apresente, no momento atual, indicações novas de atividades de estimulação visual, que podem proporcionar às crianças com retinoblastoma uma percepção melhor do ambiente e objetos, levando-o as aproveitar melhor o resíduo visual que ainda lhe resta.

Diante de um quadro de retinoblastoma, o desenvolvimento do aprendizado de uma criança pode ocorrer se houver incentivos, estimulações, tratamentos e o apoio familiar.

No relato da professora especialista foi possível acompanhar o desenvolvimento de uma criança com retinoblastoma bilateral em SRM-DV e compreender a necessidade da formação, capacitação profissional e muito estudo, embora haja uma lacuna na literatura atual no Brasil na área da deficiência visual, de maneira a poder observar, registrar e elaborar atividades necessárias que permitam a criança a interagir em âmbitos diferentes de sua vida: na escola regular, em casa, na TUCCA e aceitar os atendimentos da SRM-DV, cujo aprendizado constante de JP permite constatar o seu desenvolvimento socioemocional e cognitivo.

A continuidade do atendimento na SRM-DV se organizará para a estimulação visual com o Plano de Trabalho realizado pela profissional especialista, flexível para alterações quando se fizerem necessárias, e com a continuidade do trabalho colaborativo com a família e escola comum, a fim de que JP aprenda a aprender com os estímulos da família e dos profissionais que o atendem; que conheça as maneiras possíveis que o oportunizem a assimilar informações capazes de lhe proporcionar benefícios para o seu desenvolvimento cognitivo e acadêmico, de maneira a ultrapassar dificuldades a transcorrerem em sua vida por conta de suas limitações.

A parceria estabelecida entre a sala de recursos e a família, mais o apoio de cada membro familiar, é outro fator determinante para que esse desenvolvimento se torne uma realidade. Entende-se que de posse de um diagnóstico, além dos sentimentos conflitantes que podem ser despertados em cada familiar, há uma série de exigências que se apresentaram como renúncias, desconfortos, lutas e enfrentamentos. Sobrepor cada um deles é garantir condições para a criança e, ao ver os resultados de JP, sua família consegue perceber o quanto foram decisivos para todo o sucesso que foi alcançado até o momento.

As perspectivas da família de JP é que ele venha a ter uma vida "normal" e que supere todos os tratamentos que lhe forem necessários. Concordou em fornecer dados preciosos para essa pesquisa porque sempre pretendeu expor a doença, não no sentido de vitimização, mas para demonstrar à sociedade e a pais que recebem esse mesmo diagnóstico que com a identificação rápida e o tratamento adequado poderá haver possibilidade de cura do retinoblastoma. Há excelentes atendimentos e profissionais que atendem pelo SUS, além da estimulação visual nas SRM-DV, que é igualmente gratuita. Além de que, se uma pessoa adquirir uma deficiência, deve acreditar que poderá conquistar tudo o que almeja pelo seu melhor, que o permitirá vencer obstáculos que surgirem durante a sua vida.

Para os pais, o diagnóstico da doença os deixou muito abalados, mas com muita confiança em profissionais que os atenderam. Sempre agiram com muita naturalidade e foram realistas ao tratarem sobre o assunto com JP e a irmã mais velha, sem omitir informações. JP demonstra sentimento de gratidão pelos médicos que o "curam", segundo a sua própria fala, o que mostra a importância de um diagnóstico e tratamento precoces.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Decreto N. 6.571, de 17 de setembro de 2008. Revogado pelo Decreto nº 7.611, de 2011. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art.60 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto n. 6.253, de 13 de novembro de 2007 [acesso 2020 Ago 24]. Brasília: Presidência da República; 2008. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/index.php/legislacoes/decretos/item/3175-decreto-n%C2%BA-6571-de-17-de-setembro-de-2008        [ Links ]

2. Junior E. OMS afirma que existem 39 milhões de cegos no mundo. Notícias UOL [Internet]. 2013 Out 10 [acesso 2020 Out 10]. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2013/10/10/oms-afirma-que-existem-39-milhoes-de-cegos-no-mundo.htm        [ Links ]

3. Fendi LI, Arruda GV, Fonseca EC, Bosso EP, Ottaiano JAA. Qualidade da avaliação da acuidade visual realizada pelos professores do programa "Olho no olho" da cidade de Marília, SP. Arq Bras Oftalmol. 2008; 71(4):509-13.         [ Links ]

4. Paraná. Instrução n. 06/2016 SEED/SUED. Estabelece critérios para o atendimento educacional especializado em sala de recursos multifuncionais no ensino fundamental - anos finais e ensino médio - deficiência visual [acesso 2020 Ago 24]. Curitiba: SEED; 2016. Disponível em: https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-12/instrucao062016sued.pdf        [ Links ]

5. Rodrigues KES, Latorre MRDO, Camargo B. Atraso diagnóstico do retinoblastoma. J Pediatr (Rio J). 2004;80(6):511-6.         [ Links ]

6. Gresh R. Manual MSD: retinoblastoma. Versão para profissionais. Kenilworth: Merck Sharp; 2015 [acesso 2020 Ago 24]. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/neoplasias-pedi%C3%A1tricas/retinoblastoma        [ Links ]

7. Gresh R. Manual MSD: retinoblastoma. Versão saúde para família. Kenilworth: Merck Sharp; 2019 [acesso 2020 Ago 24]. Disponível em https://www.msdmanuals.com/pt/casa/problemas-de-sa%C3%BAde-infantil/c%C3%A2nceres-na-nf%C3%A2ncia/retinoblastoma?query=Retinoblastoma.         [ Links ]

8. Hurwitz RL, Shields CL, Shields JA, Chévez-Barrios P, Hurwitz MY, Chintagumpala MM. Retinoblastoma. In: Pizzo PA, Poplack DG, eds. Principles and Practice of Pediatric Oncology. 4th ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 2003. p. 825-46.         [ Links ]

9. Stake RE. The art of case study research. Thousand Oaks: SAGE Publications; 1995.         [ Links ]

10. Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas; 1999.         [ Links ]

11. Merriam SB. Qualitative research and case study applications in education. San Francisco: Jossey-Bass Publishers; 1998.         [ Links ]

12. Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Folha informativa COVID-19. 2020 [acesso 2020 Ago 5]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&i d=6101:covid19&Itemid=875        [ Links ]

13. Manzini EJ. Análise de entrevista. Marília: ABPEE; 2020.         [ Links ]

14. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.         [ Links ]

15. Rhein L. Estimulação visual. São Paulo: Matrix; 2019.         [ Links ]

16. Siluk ACP. Formação de professores para o atendimento educacional especializado. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2012.         [ Links ]

17. Messa AA, Nakanami CR, Lopes MCB. Qualidade de vida de crianças com deficiência visual atendidas em Ambulatório de estimulação visual precoce. Arq Bras Oftalmol. 2012;75(4):239-42.         [ Links ]

18. Rhein L. Avaliação funcional da visão: cadernos básicos de neurovisão. São Paulo; 2015 [acesso 2020 Ago 24]. Disponível em: https://rheininstitute.com.br/materiais/ebooks/        [ Links ]

19. Bruno MM, Mota MGB; Colaboração Instituto Benjamin Constant. Programa de capacitação de recursos humanos do ensino fundamental: deficiência visual. Brasília: Ministério da Educação; 2001.         [ Links ]

20. Poker RB, Martins SESO, Milanez SGC, Giroto CRM. Plano de desenvolvimento individual para o atendimento educacional especializado. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2013.         [ Links ]

21. Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer - TUCCA; 2020 [acesso 2020 Ago 24]. Disponível em: http://www.tucca.org.br/        [ Links ]

22. Machado RC, Merino EAD. Descomplicando a escrita Braille: considerações a respeito da deficiência visual. Curitiba: Juruá; 2009.         [ Links ]

23. Maia WAR, org. Inclusão e reabilitação da pessoa com deficiência visual: um guia prático [acesso 2020 Ago 24]. Bento Gonçalves: Instituto Internacional da Deficiência Visual; 2018. Disponível em: https://deficienciavisual.com.br/moodle/mod/book/view.php?id=1788        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Carla Cristine Tescaro Santos Lino
Rua Dr. Elias Cesar, 220/apto 603 - Jardim Caiçaras
Londrina, PR, Brasil - CEP 86015-640
E-mail: carlatescaro@yahoo.com.br

Artigo recebido: 4/11/2020
Aprovado: 24/10/2021

 

 

Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

Creative Commons License