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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.117 São Paulo set./dez. 2021

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20210036 

RELATO DE PESQUISA

 

Interlocuções das práticas psicopedagógicas e o serviço de atendimento educacional especializado

 

Interlocutions of psychopedagogical practices and the Specialized Educational Service

 

 

Sílvia Maria de Oliveira PavãoI; Rodrigo Dalosto SmolareckII

IGraduação em Educação Especial - Universidade Federal de Santa Maria; Mestrado em Inovação e Sistema Educativo - Universidad Autonoma de Barcelona; Doutorado em Educação - Universidad Autonoma de Barcelona; Pós-doutorado - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS); Professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil
IIGraduação em Pedagogia - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI-RS); Mestrado em Políticas Públicas e Gestão Educacional e Curso de Atendimento Educacional Especializado - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS); Tutor acadêmico da UNIASSELVI\ Centro Universitário Leonardo da Vinci, Alegrete, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A Psicopedagogia, enquanto área de conhecimento que estuda os processos de aprendizagem humana, encontra campo fértil de atuação e pesquisa, com as políticas de inclusão escolar, em especial no que tange às intervenções realizadas no Atendimento Educacional Especializado (AEE
OBJETIVOS: Analisar como se estabelece, no âmbito organizacional educacional, a atuação do profissional da Psicopedagogia no AEE no que se refere aos alunos com necessidades educacionais especiais ou aos alunos da educação especial
MÉTODO: Trata-se de um estudo bibliográfico, descritivo com análise qualitativa sobre os eixos psicopedagogia e o AEE. Foram encontrados fortes pontos de semelhança entre as áreas de atuação, tais como: objeto de estudo, formação profissional e alguns procedimentos de intervenção
CONCLUSÃO: Pontos consistentes de interlocução entre as práticas das áreas, uma vez identificados, tendem a potencializar a ação dos profissionais e o desempenho na aprendizagem

Unitermos: Psicopedagogia. Inclusão. AEE. Formação. Especialista.


SUMMARY

INTRODUCTION: Psychopedagogy as an area of knowledge that studies human learning processes, finds a fertile field of activity and research with school inclusion policies, especially with regard to interventions carried out in Specialized Educational Assistance (SEA
OBJECTIVES: To analyze how, in the educational organizational scope, the performance of the psychopedagogy professional in the SEA is established with regard to students with special educational needs or students of special education
METHODS: This is a bibliographic, descriptive study with qualitative analysis on the psycho-pedagogical axes and the SEA. Strong points of similarity were found between the areas of activity, with relevant points being identified, such as: object of study, professional training
CONCLUSION: The study showed consistent points of interlocution between the practices of the areas, which, identified, tend to enhance the action of professionals and performance in learning

Keywords: Psychopedagogy. Inclusion. SEA. Formation. Specialist.


 

 

INTRODUÇÃO

Este estudo trata de duas questões centrais: Psicopedagogia e a inclusão educacional, especificamente sobre o Serviço de Atendimento Educacional Especializado como prática de inclusão, por serem questões pertinentes à educação formal. As práticas oriundas da Psicopedagogia repercutem diretamente nas formas do aprender humano, de onde se extrai a relação com a inclusão.

Processos de inclusão, por sua vez, estão dimensionados nas categorias social e escolar. A primeira, vincula-se aos processos de inclusão nos diferentes setores da sociedade (saúde, segurança, moradia, transportes, emprego), e a segunda se vincula ao universo da escola. A inclusão de pessoas com algum tipo de necessidade especial nas escolas comuns da rede regular de ensino e a luta por uma escola de qualidade para todos colocaram novos desafios para o sistema educacional vigente, propondo um movimento de ressignificação de concepções, no que se refere às diferenças humanas e às múltiplas formas de se pensar a produção e a apropriação do conhecimento1.

As pessoas com necessidades educacionais especiais podem ser identificadas por uma ampla variedade de características, não estando, esse conceito, limitado às pessoas com deficiência, por exemplo. Assim, as necessidades educacionais especiais incluem os alunos da educação especial, as dificuldades específicas de aprendizagem, problemas de saúde e outros.

Ao associar a Psicopedagogia com a inclusão, mobiliza-se uma gama de expectativas de natureza conceitual, teórica, metodológica e pedagógica. Idealmente, o processo de discussão acerca das mudanças que devem ser implementadas na sociedade, em especial na escola, para a oferta de um ensino com qualidade para todos os estudantes, ainda carece de reflexões.

A expressão 'estudantes com necessidades educacionais especiais' é intencionalmente utilizada para contemplar não apenas o denominado público-alvo, citado pela Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, em que as pessoas com deficiência incluem os comprometimentos intelectuais, sensoriais e motores, os transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação2, mas também ampliar a abordagem abarcando aqueles com problemas de aprendizagem.

Os problemas de aprendizagem podem ser causados por diferentes fatores, transitórios ou não3. É um termo abrangente, geralmente associado ao sujeito que não aprende os conteúdos formais do processo de escolarização, por isso, associa-se aos aspectos pedagógicos, ao professor, aos métodos de ensino e ao ambiente físico e social da escola4. A manifestação dos problemas de aprendizagem compreende um arsenal de sintomas, atravessados por variáveis que afetam sobremaneira a aprendizagem do sujeito, repercutindo negativamente no desempenho acadêmico3. Pode-se dizer que as causas dos problemas envolvem a experiência e as características do sujeito ou, então, podem estar relacionadas a fatores mais específicos e pontuais que se caracterizam pela presença de disfunção neurológica4,5.

Na perspectiva de uma abordagem inclusiva do fenômeno educativo é oportuno se entender a necessidade de uma postura didático-pedagógica alicerçada pelo acolhimento, que evoque a legitimidade humana, celebrando as diferenças que caracterizam as pessoas, haja vista que cada um carrega sua história. Nesse contexto, torna-se essencial pensar nas ações no interior das escolas, cujos projetos pedagógicos precisam atender aos princípios de uma educação inclusiva, que prime pela autonomia do sujeito, pelo exercício da cidadania.

Assumir um currículo inclusivo é garantir que a escola enquanto espaço de ensino e de aprendizagem permita efetivamente o trajeto, em igualdade de oportunidades aos estudantes, garantindo a adaptação e flexibilização pedagógica no que tange às singularidades dos sujeitos. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva2 institui a ideia de reconhecer os avanços do conhecimento e das lutas sociais, constituindo marco legal no âmbito das políticas públicas para a promoção de uma educação inclusiva e de qualidade para todos os estudantes.

Esse movimento inclusivo passa a desencadear discussões no campo da educação especial, buscando compreender, dinamizar, acompanhar e garantir ações educacionais que contemplem as diretrizes de uma escola inclusiva. Num recorte pontual da documentação legal sobre o tema, atenta-se para a Nota Técnica de número 11, da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação6, que trata das orientações para a institucionalização da oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE)2 em Salas de Recursos Multifuncionais6 implantadas nas escolas regulares.

O Atendimento Educacional Especializado (AEE), a partir dessa Nota Técnica6, é descrito como um serviço da educação especial, que realiza uma série de atividades com os alunos da educação especial, com vistas a garantir a aprendizagem e a participação efetiva no espaço pedagógico. Por isso, o AEE, enquanto uma proposta de serviço da educação especial, tem objetivos bastante definidos.

Dentre os objetivos para o AEE, estão as atividades que buscam identificar as necessidades de aprendizagem (dimensão da avaliação), seguidas da definição dos tipos de intervenções e recursos a serem utilizados (dimensão do método para as intervenções). Nesse contexto, ingressam as tecnologias assistivas e os recursos de acessibilidade necessários à aprendizagem na abordagem inclusiva.

As atividades que ocorrem nas salas de recursos multifuncional devem acontecer em um espaço que permita o alcance dos objetivos da aprendizagem. Diante disso, foi publicada ainda no ano de 2010 uma Nota Técnica sobre as salas de recursos multifuncional, sendo definida como um espaço físico no interior das escolas, contendo alguns recursos de acessibilidade pedagógica. Os recursos que esse espaço possui se referem aos mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos com diferentes características e de acessibilidade e diversos outros equipamentos específicos (lupa, software, outros).

Idealmente, o funcionamento dessa sala de recursos compreende uma dinâmica que possibilite aos usuários o alcance dos objetivos educacionais, ora pautados em uma avaliação diagnóstica das necessidades de aprendizagem. No que concerne à prática do professor da sala de recursos, espera-se que ele possa desenvolver um plano de apoio educacional especializado de acordo com as necessidades do aluno. Também, são expectativas as orientações e articulações com os demais professores da escola e família acerca das ações que competem a cada um, no sentido de melhor atender às necessidades dos alunos em atendimento no AEE. Essa prática se consubstancia nas prerrogativas do ensino colaborativo7 como prática de inclusão.

No que tange aos alunos atendidos no AEE, a característica de uma atuação dinâmica esperada do professor é também para o aluno, uma vez que a aprendizagem está na dependência de uma relação pedagógica que se retroalimenta (Figura 1).

Diante do exposto, a centralidade de discussão entre as áreas e temáticas (Psicopedagogia, Educação Especial, Atendimento Educacional Especializado, Inclusão) permite vislumbrar práticas psicopedagógicas direcionadas aos alunos com e sem deficiência. Os temas foram delimitados em: espaços psicopedagógicos institucionais, estrutura e funcionamento na atenção aos estudantes público-alvo da educação especial e com necessidades educacionais especiais2,4,5.

Face às questões sociais, as políticas de inclusão exercem importante papel, em especial quanto aos aspectos epistemológicos e metodológicos, cuja tendência é a regularização de práticas inclusivas nos contextos educacionais e sociais. O campo fértil para a pesquisa também é oportunizado por essas políticas8.

Com base na definição desses temas constitutivos da investigação, o problema se instaurou a partir de uma configuração de interlocução: como se estabelece no âmbito do AEE o serviço psicopedagógico? Quais políticas educacionais se estabelecem acompanhando a intervenção psicopedagógica no AEE, para que se atenda a perspectiva inclusiva no processo de escolarização? Que especificidades psicopedagógicas podem apontar as diretrizes para a Psicopedagogia no Atendimento Educacional Especializado?

Tem como objetivo geral analisar como se estabelece, no âmbito organizacional educacional, a atuação do profissional da Psicopedagogia no AEE no que se refere aos alunos com necessidades educacionais especiais ou aos alunos da educação especial2.

O estudo, desenvolvido por meio de um estudo bibliográfico, cuja relevância científica é travestida pela relação entre a Psicopedagogia e a educação especial como áreas de conhecimento que se entrelaçam no processo de aprendizagem humana, por mobilizar às questões que implicam na caracterização do profissional da Psicopedagogia, diretrizes de atuação e especificidades, em tempos em que a inclusão educacional se torna imperativa no âmbito das instituições educacionais nas diferentes modalidades e níveis de ensino.

 

O AEE: IMPLANTAÇÃO E TRAJETÓRIA TEÓRICA

Para que se possa alinhavar as diretrizes legais com o contexto vivo da escola regular acerca da inclusão dos estudantes com necessidades educacionais especiais, é preciso que se compreenda que uma escola assumidamente inclusiva entende o processo pedagógico para além dos discursos e práticas segregadoras e homogeneizadoras9.

Uma escola que reconhece e valoriza a diversidade, que trabalha ancorada inclusive pelos fundamentos da interculturalidade, quando articula sua dinâmica curricular e assume sua condição de escola, como espaço de relações, sendo balizadas pela singularidade humana, que se funde na construção da intersubjetividade dentro e fora da sala de aula.

A Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva2 se configura como resultado da consolidação legal para a progressiva inserção dos estudantes com deficiência nas escolas regulares objetivando criar condições e disponibilizar recursos para que os sistemas de ensino estaduais e municipais garantam a todos o acesso ao ensino regular, à participação, à aprendizagem e à continuidade em todos os níveis de ensino,

Uma escola para todos contempla as diretrizes para a efetivação da inclusão, ofertando o serviço de Atendimento Educacional Especializado, a formação de professores e a acessibilidade2 (Quadro 1). Desse modo, entende-se que a inclusão escolar é concebida, pela política, a partir do AEE, valoriza a sua implantação e reconhece as suas práticas como possibilidades de aprendizagem e participação social.

Atendo-se a dirimir questões pertinentes ao AEE, é importante que se registre a utilização pela literatura especializada, desta expressão, na Constituição Federal Brasileira de 1988, que proclama como dever do Estado, entre outros, como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação-LDBen brasileira10, já se identifica o dever de garantir o Atendimento Educacional Especializado de ensino na rede regular de ensino as pessoas com deficiência11, o que já manifesta, numa dimensão temporal, que a efetividade das práticas inclusivas está ligada a um regime de perspectivas e possibilidades, que se cruzam, de forma processual, com os aspectos históricos e sociais para, assim, se configurar como efetiva em concretude.

Desencadeando um entendimento do papel do AEE na prática educativa, principia-se a ideia de que esta atuação perpassa todos os níveis, graus e etapas do percurso escolar e tem como objetivos, entre outros, identificar as necessidades e possibilidades do estudante com deficiência, elaborar planos de atendimento, visando o acesso e a participação no processo de escolarização em escolas regulares, atender o sujeito com deficiências no turno oposto àquele em que ele frequenta a sala regular, produzir e/ou indicar materiais e recursos didáticos que garantam a acessibilidade aos conteúdos curriculares, desenvolver os planos de Adaptação Curricular de pequeno ou grande porte, acompanhar o uso desses recursos em sala de aula, verificando sua funcionalidade, sua aplicabilidade e a necessidade de eventuais ajustes, bem como orientar as famílias e professores quanto aos recursos que estão sendo utilizados pelo estudante2,6.

Avançando o diálogo teórico, com o propósito de compreender os percursos tecidos no que tange ao AEE, é preciso que se pontuem os detalhamentos legais. Nesse sentido, o AEE é garantido pela pelas Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o Atendimento Educacional Especializado-AEE na Educação Básica, regulamentada pela Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009 e ainda pela Nota Técnica n. 11 da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, que trata das orientações para a institucionalização da oferta do Atendimento Educacional Especializado - AEE em Salas de Recursos Multifuncionais que vão balizar com detalhamentos técnico-operacionais não só no que se refere à institucionalização do AEE na dimensão da caracterização do processo de implantação, mas também definindo outros detalhamentos, como público-alvo, formação do professor para atuar neste espaço, entre outras especificidades2,6,12.

O Art. 10º da Resolução n. 4 de 200912 consiste no detalhamento da organização e oferta do AEE. Nesse contexto, a escola que institucionaliza o AEE deverá prever no seu Projeto Político Pedagógico todas as especificações constantes na Resolução n. 04/2009. Quais sejam: sala de recursos, matrícula no AEE, cronograma e plano de atendimento, profissionais de atendimento, rede de apoio (Quadro 2).

O AEE, pelas orientações normativas, deve acontecer em Sala de Recursos Multifuncional (SEM), sala configurada como um espaço da escola comum, provida de materiais didáticos, pedagógicos e de tecnologia assistiva, onde trabalham os profissionais com formação específica para o atendimento dos estudantes com dificuldades educacionais especiais em razão de algum tipo de deficiência (auditiva, visual, motora, cognitiva, verbal), de transtornos globais de desenvolvimento ou de altas habilidades/superdotação6,12.

Tenciona-se a partir das considerações apresentadas, de maneira efetiva, o perfil formativo do professor que atuará no AEE, pois a atividade pedagógica realizada nas salas de recursos multifuncionais se caracteriza por valer-se de recursos e estratégias específicas, sob a orientação de um professor especialista, com vistas a minimizar as barreiras que impedem ao estudante com deficiência a ter acesso, numa dimensão problematizadora, ao conhecimento.

Estudos acerca do processo educacional das pessoas com deficiência nos remetem a um quadro histórico de exclusão com o predomínio de práticas segregativas, como única possibilidade educativa, impregnada de ideias de uniformidade no que tange à escolarização e sua dimensão humana. Neste panorama, a sala de recursos multifuncional, por sua vez, deverá ser entendida como um espaço instituído a partir dos preceitos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva2 que atenderá estudantes da educação especial, com programas e estratégias que garantam, partindo da especificidade de cada sujeito, respeitados os planos de intervenção individuais, a potencialização da aprendizagem.

Perseguindo esta lógica, em termos efetivos, paralela à constituição desse novo programa, denso em responsabilidades frente à inclusão dos alunos (principalmente com deficiência) no contexto pedagógico da escola regular, percebe-se uma fragilização no que se refere ao desdobramento das políticas públicas.

No que concerne à dimensão de amplitude da cultura, na qual é preciso que se entenda a deficiência para além do atributo da pessoa, e seja concebida como resultado da falta de acessibilidade social, o que configuraria um efetivo panorama de mudança indicado pela Lei Brasileira de Inclusão13. O desafio que se levanta é conceber que a educação especial, como campo específico de conhecimento, encontra-se em um momento de ressignificações de seus marcos teórico-metodológicos, no sentido de ampliar seus saberes e fazeres no âmbito educacional.

 

PSICOPEDAGOGIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL: CARACTERÍSTICAS DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Sabe-se que a escola em seu compromisso social tem como desafio difundir o saber universal. Assumir esta sentença é agregar a ideia de que certamente terá de constituir um espaço pedagógico que garanta, contemplando a especificidade das diferenças humanas, a construção desse conhecimento para todos aqueles que o buscarem1.

Apontar para uma prática educativa que legitime processos dialógicos é fundamentar a concepção de educação de qualidade, respeitando a diversidade que caracteriza os estudantes, atentando às suas necessidades pedagógicas. Isto implica em uma postura sensível diante das diferenças e das necessidades individuais de aprendizagem.

Essa discussão, em âmbito legal, ganha maior ênfase com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBen) nº 9.394/199610, que considera a educação especial como modalidade de ensino, ofertada na rede regular de ensino com objetivos, finalidades e serviços específicos para o atendimento dos estudantes com necessidades educacionais especiais.

A legislação na área se destaca como princípio legal norteador, desencadeando o início de um repertório de mudanças no que tange à educação especial e, consequentemente, a sua dimensão inclusiva, pois para atender esta dimensão plural da educação, a LDBen nº 9.394/199610 preconiza no artigo 59 que os sistemas de ensino devem se organizar para favorecer o processo de escolarização dos alunos com necessidades educacionais especiais.

O que se percebe, diante desse marco legal, é que a intencionalidade principal que norteou a ideia trazida pela LDBen nº 9.394/199610 está calcada no princípio da igualdade de oportunidades sem descaracterizar a diversidade, concomitante com as propostas de sociedade democrática e justa.

Logo, é certo dizer que a legislação evoca a intenção de percorrer um percurso educativo que viabilize ações inclusivas. Assim, num contexto pedagógico inclusivo torna-se necessário ter claro que só se manifestará se assumir-se a necessidade de alargar a própria concepção de inclusão ou, ainda, das práticas inclusivas, uma vez que incluir implica em acolher. Já o acolhimento, implica na condição de tornar verdadeiro mecanismos de valorização, potencialização, respeito e celebração das diferenças humanas.

Neste sentido, percebe-se que a Psicopedagogia tem sido entendida no âmbito da educação inclusiva como uma possibilidade de consolidar as políticas de inclusão numa concepção multidisciplinar, como suporte técnico aos estudantes com necessidades educacionais especiais. Sendo assim, é pertinente que, num recorte histórico, tragam-se elementos de seus primórdios, configurados no século XIX, na Europa, sustentada com a preocupação voltada aos problemas de aprendizagens, afinou-se com o campo da Medicina14, o que remete à ideia de que a Psicopedagogia se postula, inicialmente, com um caráter médico-pedagógico, já que se preocupava com dimensões predominantemente patológicas. Esse também foi um contexto da educação especial como área de conhecimento, que surgiu associada à área médica.

Todavia, é importante que se atenue, a Psicopedagogia começa a avançar enquanto Ciência, que estuda a aprendizagem humana e seus fenômenos, no final dos anos 1960, na Argentina de maneira mais efetiva, com um novo desenho de atuação, em que psicopedagogos, psicólogos e pedagogos começam a estabelecer uma relação mais legítima com a escola, influenciando na direção do campo psicopedagógico de intervenção. Com isso, passa a ganhar visibilidade, por atentar para um caráter interdisciplinar, evidenciando sua dimensão de conexão com outras áreas de conhecimento15.

O Uruguai, por volta de 1956, impulsionou formação de professores com habilidade técnica no campo da psicologia escolar, numa aproximação entre a psicologia e a pedagogia16. No Brasil, na década de 60 surgem as primeiras iniciativas de atuação psicopedagógica, com uma concepção unilateral de caráter médico15. Transcorridos mais de quatro décadas de atuação psicopedagógica, ainda se pode identificar a área da Psicopedagogia como recente no Brasil. Se trabalha ainda com a valorização e reconhecimento dos profissionais atuantes na área, por meio de regulamentação profissional17-20.

Diante de tal cenário e dos aspectos que permeiam a práxis psicopedagógica, volta-se para o AEE, como espaço privilegiado de práticas inclusivas, atentando para as especificidades que constituem o fenômeno do aprender e a origem das duas áreas, constituídas inicialmente por pressupostos da área médica e direcionadas para a compreensão do fenômeno da aprendizagem. A Psicopedagogia, como área de conhecimento multidisciplinar21, permite a identificação de muitos encontros com o AEE, haja vista que também são observados os mesmos interesses em prol da aprendizagem e inclusão. Desse modo, destaca-se que os campos de atuação da Psicopedagogia e do AEE constituem-se como campos diferenciados, mas que se encontram, em alguns momentos, demarcados por semelhanças. Tais encontros dizem respeito ao foco principal de atuação, a formação específica profissional e de algumas práticas de intervenção (Quadro 3).

Ao analisar, de maneira sistemática, como se estabelece, no âmbito organizacional, a atuação do profissional da Psicopedagogia e do Atendimento Educacional Especializado no que se refere aos alunos com necessidades educacionais especiais, encontram-se pontos de atuação que se assemelham. Por essa razão, as práticas de atuação dos profissionais dessas áreas, quando podem ser associadas, ocasionam uma potencialização que beneficia as pessoas que buscam por esse serviço.

 

CONCLUSÃO

Esta produção atentou para a dinâmica do Atendimento Educacional Especializado e a atuação do profissional da Psicopedagogia. O que de fato se traz como marco neste processo, após o desdobramento desta pesquisa, é o entendimento de que a atividade profissional nesses campos de atuação é um exercício de constantes desafios, uma vez que, como os profissionais das duas áreas atuam em prol da aprendizagem humana, requer-se a permanência do questionar, de modo a poder atender a tantas especificidades que envolvem o aprender.

Associada a essa questão, a abordagem acerca da inclusão escolar robusteceu a relação acerca da Psicopedagogia e o Serviço de AEE. Os temas associados catalisam uma diversidade de processos e recursos, para que possam ser efetivadas práticas inclusivas, para todas as pessoas, respeitando as características individuais e os contextos multiculturais.

Não se pode pensar a inclusão escolar, em acepção ampla22, sem a participação social de todos, e não só das pessoas de grupos caracterizados historicamente como marginalizados ou vulneráveis na sociedade.

A inclusão se aproxima da exclusão quando se submete características individuais, diferenças a um crivo de normalidade e compensações. Por isso, tão importante quanto garantir a inclusão e participação de todas as pessoas, é cada pessoa sentir-se parte do processo e trabalhar para a viabilizar a inclusão em seu sentido mais amplo. Algumas ações cabem ao Estado, o desenvolvimento e cumprimento de políticas públicas de inclusão são fundamentais e devem ser permanentes e vividas com a legitimidade que cabe a cada ser humano em sua diferença.

Existem relações contundentes no âmbito das políticas inclusivas com as práticas da Psicopedagogia e do AEE, os aspectos relativos à legislação vigente nas áreas, tais como: o Código de Ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia23,24 e as documentações legais no campo da inclusão, cuja Lei Brasileira de Inclusão integra significativas contribuições13.

Um trabalho de pesquisa sempre apresenta limitações e possibilidades no que tange ao espaço investigado e às suas complexidades, garantindo assim a ampliação de repertórios de investigação e de novas reflexões que, tecidas, podem direcionar o processo de interlocução com outras tantas indagações epistemológicas. Neste sentido, o trabalho, assumindo essa limitação, pode ser considerado uma oportunidade dialógica para novas pesquisas que ampliem as discussões no campo da ciência psicopedagógica e da atuação no serviço de Atendimento Educacional Especializado, o que se faz graças à compreensão que firma a ideia de uma pesquisa, que problematiza a realidade, oportuniza a contextualização teórica e amplia o leque de investigação.

Sem ousadia para pensar o novo, a tendência dominante poderá levar inevitavelmente para a reprodução do existente, quase sempre, criticado pela ausência de sentido, pois é pouco atento às necessidades que o aprender requer. Todas as coisas, nesse campo do aprender, vão precisar de colaboração e tempo para o processamento das experiências vividas.

 

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Endereço para correspondência:
Sílvia Maria de Oliveira Pavão
Rua Portugal 199 - Bairro São João
Santa Maria, RS, Brasil - CEP 97030-490
E-mail: silviamariapavao@gmail.com

Artigo recebido: 21/10/2020
Aprovado: 27/9/2021

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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